Open-access Um verão em Gênova: terceiro-mundismo e perspectivas anticoloniais no Terzo Mondo e Comunità Mondiale (1965)

A summer in Genoa: third worldism and anti-colonial perspectives in Terzo Mondo and Comunità Mondiale (1965)

Resumo:

Em janeiro de 1965, em pleno inverno europeu, a cidade de Gênova foi ocupada pelo calor efervescente do debate terceiro-mundista. Por lá aconteceu o colóquio Terzo Mondo e Comunità Mondiale e Quinta Rassegna del Cinema Latinoamericano, organizado pelo Instituto Columbianum, coordenado pelo padre jesuíta Angelo Arpa (1909-2003). No encontro, reuniram-se africanos, latino-americanos e europeus interessados em duas questões: discutir os problemas específicos das culturas dos países da “periferia do capitalismo” e realizar uma grande mostra cinematográfica. O presente artigo realiza dois movimentos: primeiro, identifica as vinculações entre o evento e a narrativa “terceiro-mundista” emergente na segunda metade do século XX; depois, busca reconstruir alguns dos debates intelectuais costurados no Terzo Mondo, especialmente aqueles propostos pelos brasileiros, cuja marca é o caráter anticolonial da perspectiva crítica adotada.

Palavras-chaves: Terceiro-mundismo; Intelectuais; Anticolonial

Abstract:

In January 1965, in the middle of the European winter, the city of Genoa was filled with the effervescent heat of the Third World debate. The Colloquium Terzo Mondo e Comunità Mondiale and Quinta Rassegna del Cinema Latinoamericano were held there, organized by the Columbianum Institute, coordinated by Jesuit Father Angelo Arpa (1909-2003). The meeting brought together Africans, Latin Americans and Europeans interested in two issues: discussing the specific problems of the cultures of the countries on the “periphery of capitalism” and holding a major film exhibition. The aim of this article is twofold: firstly, the idea is to identify the links between the event and the “third-worldist” narrative that emerged in the second half of the 20th century; secondly, the aim is to reconstruct some of the intellectual debates that took place at Terzo Mondo, especially those proposed by Brazilians, whose hallmark is the anti-colonial nature of the critical perspective adopted.

Keywords: Third Worldism; Intellectuals; Anticolonial

Terzo Mondo e terceiro-mundismo

Em carta de fevereiro de 1965, endereçada a Mário Guimarães Ferri (1918-1985), então diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP), o crítico literário brasileiro Antonio Candido de Mello e Souza falou o seguinte sobre o colóquio Terzo Mondo e Comunità Mondiale e Quinta Rassegna del Cinema Latinoamericano

Recentemente passei dez dias na Itália, participando ativamente dos encontros culturais promovidos pelo Columbianum, em Gênova, onde se reuniram professores, escritores, cineastas da América Latina, da África e da Europa. Fiz uma comunicação, presidi uma comissão e sapeei o resto. O Brasil fez bonito graças às fitas da rapaziada do Cinema Novo, que empolgou o auditório e tirou os maiores prêmios. Pessoalmente, a grande experiência para mim foi o diálogo com os intelectuais africanos, coisa que não temos noção aí [no Brasil]. A nossa faculdade, como lembrou Madame Monbeig, era a instituição mais representada, o bloco mais numeroso, pois lá estavam os antigos professores [Giuseppe] Ungaretti, [Roger] Bastide, [Fernand] Braudel e [Pierre] Monbeig, e os atuais Gilda [de Mello Souza], Lourival [Gomes Machado] e eu. Esta verificação nos deu maior prazer a todos, antigos e atuais, irmanados do espírito comum que, nestes momentos, a gente vê que existe, e que transcende as fronteiras, graças à nossa organização inicial e feliz, do corpo docente recrutado fora do país (Candido, 1965, p. 1; acréscimos e destaques meus).

Na referida missiva, três questões importantes são evidenciadas: em primeiro lugar, que a presença brasileira no evento foi bastante significativa, especialmente pela participação ativa dos cineastas e estudiosos de cinema. Além disso, ao mencionar a “conexão além das fronteiras”, Candido evidenciava a importância que o encontro teve para as articulações de intelectuais brasileiros no exterior, como forma de reorganização e resistência crítica às ações antidemocráticas da ditadura brasileira à época, visão que, anos mais tarde, vai reafirmar.

[A integração latino-americana é fruto, sobretudo] do advento das recentes ditaduras militares. A primeira surgiu no Brasil, em 1964; pode-se dizer que o Brasil deu o mau exemplo à América Latina, instaurando uma ditadura reacionária e repressiva, que levou ao êxodo de intelectuais, como você sabe. […] Isso coincidiu com a ascensão da literatura hispano-americana, o início de uma reflexão sociológica e econômica em toda a América Latina, e também com a grande esperança da luta armada, encarnada principalmente por Cuba. Esse intenso redemoinho colocou intelectuais em contato: foi o aspecto positivo desse enorme fenômeno negativo do exílio, da fuga, da perseguição (Candido, 2018, p. 176; acréscimos e destaques meus).

Por fim, a carta ressalta ainda a aparente escassez da presença de intelectuais e ideias africanas no Brasil, de modo que o evento possibilitou ao crítico aproximar-se desse “novo” universo de referências.

A recepção das discussões da intelectualidade africana no Brasil, contudo, datam já de períodos anteriores à década de 1960. Segundo Muryatan Barbosa (2013), a primeira referência às discussões da “negritude francófona” no país apareceu no primeiro número do jornal oficial do Teatro Experimental do Negro (TEN), chamado Quilombo, no final de 1948. Em nota, informava-se a “existência de um grande acontecimento cultural no ‘pensamento negro’ mundial: a revista Présence Africaine” (Barbosa, 2013, p. 171). Ainda segundo o autor, a referida revista, criada em 1947, foi um projeto articulado por figuras como Alioune Diop, Christiane Diop, Aimé Césaire, Jacques Rabémananjara, Leopold Sédar Senghor, Léon-Gontran Damas e Aké Loba, e pretendia expressar uma “visão positiva da identidade negra na diáspora” (Barbosa, 2013, p. 172). Assim, a ideia de Candido parte de uma visão míope: a discussão da “intelectualidade africana” não era escassa no Brasil; era apenas restrita, inicialmente, aos círculos da própria negritude brasileira, que recebiam a discussão proposta pela “negritude francófona” como forma de “priorizar a valorização da personalidade e cultura específicas ao negro como caminho de combate ao racismo” (Nascimento apudBarbosa, 2013, p. 179).

De volta ao encontro: em novembro de 1964, meses antes da realização do evento, a repórter Miriam Alencar, em sua coluna intitulada “Letreiro”, publicada no Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), ressaltou que o evento teria três sessões: duas mesas-redondas, “uma sobre o lançamento da revista trimestral América Latina, outra sobre a cultura negro-africana e suas expressões cinematográficas”, e “a Resenha propriamente dita, que além da habitual mostra competitiva irá estudar o cinema novo brasileiro” (Alencar, 1964, p. 15). Ainda segundo a jornalista, alguns filmes foram selecionados pelo Setor de Cinema da Divisão de Difusão Cultural do Ministério de Relações Exteriores do Brasil para a “mostra informativa”, dentre os quais destacam-se Rio, quarenta graus, de Nelson Pereira dos Santos; Barravento, de Glauber Rocha; e Assalto ao trem pagador, de Roberto Farias. Já na mostra competitiva, chamada de Resenha do Cinema Latino-Americano, concorriam Deus e o diabo na terra do Sol, de Glauber Rocha; Ganga zumba, de Carlos Diegues; Os fuzis, de Rui Guerra; e Vidas secas, de Nélson Pereira dos Santos (Alencar, 1964, p. 15).

Em pequenas notas, os jornais Diário Carioca e O Jornal falaram sobre o evento, ressaltando, além da mostra cinematográfica, a realização de um “colóquio de escritores” sobre “a formação, desenvolvimento, originalidade e vinculação da cultura e da arte latino-americana e africana”. Entre os presentes, destacam-se nomes como Albert Tévoédjrè, Alioune Diop, Guimarães Rosa, Alceu Amoroso Lima, Érico Veríssimo, Miguel Angel Asturias, Jorge Luis Borges, Eduardo Mallea, Ángel Rama, Alejo Carpentier, Juan Rulfo, dentre outros. Também estiveram no encontro, segundo os periódicos, figuras de proa da cena europeia, como Damaso Alonso, Salvador de Madariaga, Jean Cassou, Roger Bastide e Jean Paul Sartre (Latinos…, 1965, p. 9; Em Gênova, 1965, p. 2).

Inscrito no contexto da Guerra Fria, o evento situava-se no entrelugar de duas grandes zonas de influência exercidas pelas nações envolvidas na geopolítica da época, especialmente os blocos antagônicos ligados aos Estados Unidos da América (EUA) e à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Essa posição fica evidente, em primeiro lugar, pelo próprio termo escolhido para dar nome ao encontro: “Terceiro Mundo”. O vocábulo, que emerge da tessitura linguística (langue) do cenário político da segunda metade do século XX, havia sido cunhado originalmente pelo demógrafo francês Alfred Sauvy em texto intitulado “Trois mondes, une planète”, publicado no semanário parisiense L’Observateur em 1952. O autor utilizou-se de uma analogia ao “Terceiro Estado” na França pré-revolucionária, marcado pelas condições de miséria e fome e pela desigualdade socioeconômica, para descrever o “Terceiro Mundo” como o conjunto de países “em desenvolvimento” (africanos, asiáticos e latino-americanos), isto é, nações que investiam no projeto de modernização como forma de “superar o atraso histórico” decorrente, sobretudo, da longa exploração colonial moderna (Sauvy, 1952).

Interessa-nos menos o contexto linguístico de emergência “original” do conceito em si e mais as múltiplas acepções semânticas que vão preencher a ideia de Terceiro Mundo com sentidos diversos nos anos subsequentes ao início da década de cinquenta. Nosso foco, portanto, recai sobre os lances e as performances engendradas na mobilização do termo no espaço público internacional e nos debates políticos da época (Pocock, 2003), buscando delinear os sentidos que ele adquire de acordo com as demandas ideológicas específicas de cada projeto geopolítico na segunda metade do século XX, contexto de efervescência das disputas globais relacionadas à Guerra Fria, seus conflitos diretos e indiretos, e à descolonização da África e da Ásia.

Na visão de Arturo Escobar (1988), um primeiro sentido possível para o termo “Terceiro Mundo” é aquele que busca atribuir-lhe uma semântica que ressalta as diferenças específicas das sociedades da periferia do capitalismo, geralmente associadas à condição de atraso, abrindo brecha para legitimar algumas das diversas intervenções diretas e indiretas realizadas nos países da América Latina, África e Ásia, mesmo após os processos de independência. Nesse caso, o conceito estaria atrelado a uma reafirmação da debilidade quase insanável dos países “terceiro-mundistas”, de modo que, novamente, como nos séculos XVI, na expansão colonial moderna, e no século XIX, cenário do imperialismo, os territórios dessas regiões precisariam da tutela das “civilizações avançadas” com a finalidade de garantir o “desenvolvimento”, a “democracia”, a “paz” e a “ordem”.

Outra possibilidade é aquela aventada por Christoph Kalter (2016), segundo a qual a noção de “Terceiro Mundo” precisa ser pensada para além da lógica estrita da Guerra Fria e de suas estratégias de dominação. Seria o caso de associar o termo, em outro sentido, às potencialidades contidas nos processos de descolonização afro-asiáticos e aos desdobramentos da Conferência de Bandung, encontro realizado na Indonésia, em 1955, que reuniu cerca de 29 países asiáticos e africanos com o objetivo de costurar alianças e projetos políticos comuns, com vistas à promoção da cooperação política e econômica. Como afirmam Pereira e Medeiros (2015, p. 124), “A Conferência representou o início da tomada de consciência em relação ao papel que os novos países independentes deveriam exercer no mundo, no sentido de representar os excluídos, os oprimidos e os rejeitados nas grandes discussões internacionais do centro”.

Na visão de Patrícia Leite (2011), os países presentes na Conferência abrigavam cerca de dois terços da população mundial, de modo que o encontro em Bandung pode ser considerado um “marco no despertar das populações dominadas para a plena consciência de sua força e possibilidades”. Segundo a autora, a não participação de países europeus, dos EUA e da URSS no evento é sintoma de uma transformação na geopolítica global, posto que as nações “terceiro-mundistas” buscaram romper com a posição comum de “objetos do conhecimento” do centro do capitalismo para figurar como atores da “política internacional” em busca de uma “agenda própria”, diferente daquela “imposta pelo condomínio bipolar” (Leite, 2011, p. 56).

Bandung reveste-se de extrema importância política. Sinaliza o associativismo de jovem grupo de países em prol de inserção internacional independente e autônoma, com base na identificação de interesses mútuos. Em que pesem diferenças em termos políticos, econômicos, sociais e culturais, unia-os o passado da dominação colonial e o interesse em preservar a paz mundial. Atraía-os o repúdio ao colonialismo e ao neocolonialismo, entendido como nova forma de controle econômico e intelectual. Pregavam, em lugar da dominação e exploração estrangeira, a independência e a liberdade de povos subjugados na Ásia e na África, defendendo o seu direito à autodeterminação. Advogavam, ainda, a igualdade de todas as raças, condenando a segregação racial e a discriminação (Leite, 2011, p. 57).

Portanto, o sentido de Bandung é justamente a possibilidade de reunir os países marcados pela “ferida colonial” (Mignolo, 2005). A apropriação do termo “terceiro-mundismo” ali operada serve não somente para buscar uma autoidentificação comum, mas para impulsionar a construção de expectativas políticas emancipatórias1 (Bergel, 2019, p. 112).

[…] o vetor principal [da ideia de Terceiro Mundo] são os movimentos de libertação nacional, e tanto em sua vertente socioeconômica - ligada desde o pós-Segunda Guerra ao desenvolvimentismo - como política - associada com a descolonização e ao princípio de autodeterminação nacional - seu corolário exitoso devia estar na afirmação de Estados-nacionais economicamente viáveis e politicamente independentes2 (Bergel, 2019, p. 110; acréscimos meus).

Com isso, tem-se a ideia de que noção de “Terceiro Mundo”, nas décadas seguintes à sua elaboração conceitual, era mobilizada tanto para a compreensão dos problemas comuns às zonas consideradas “atrasadas” no cenário do capitalismo mundial, como também para dar sentido de unidade e direção aos projetos de desenvolvimento nessas regiões - embora, em alguns casos, esses projetos fossem mediados pelos interesses dos próprios países europeus. O encontro do Terzo Mondo realizado em 1965 inscrevia-se justamente nessa pluralidade de sentidos da própria noção de terceiro-mundismo: proporcionou a articulação política e institucional de intelectuais, escritores e cineastas africanos e latino-americanos, com a mediação europeia, com vistas à elaboração, à costura e à execução de projetos editoriais, culturais e sociais especificamente voltados aos interesses dos países da periferia do capitalismo.

A propósito, a “mediação europeia” também deve ser problematizada. O evento foi organizado pelo padre jesuíta Angelo Arpa, italiano conhecido por seu trabalho como teólogo e escritor. Nascido em 1933, em Chiavari, uma cidade da mesma região da Ligúria, se destacou como intelectual público, especialmente por analisar e promover debates sobre questões relacionadas à política, à teologia e à cultura. Ao longo de sua carreira, Arpa dedicou-se ao ensino, à pesquisa e à escrita, além de lecionar em várias instituições acadêmicas. Teve papel central também na criação do Instituto Columbianum, em 1958, cujo objetivo era promover análises, investigações, estudos e pesquisas nas áreas de teologia, filosofia e ciências sociais, além de oferecer formação acadêmica e pastoral para membros da Igreja católica e membros externos à instituição interessados nas discussões propostas.

Em seu depoimento de abertura no evento, Arpa (1967, p. XIV) ressaltou o “estado de mal-estar e o desequilíbrio intrínseco que regiam […] as relações entre os dois lados do Atlântico”.3 Para ele, “os velhos hábitos eurocêntricos, a pobreza e a falta de subsídios bibliográficos adequados, a escassez, na verdade a raridade, de especialistas e professores voltados para o estudo da América Latina”4 (1967, p. XV) mostravam como as poucas iniciativas de intercâmbios existentes até então seriam espúrias porque, na prática, tinham por finalidade assegurar apenas a penetração política e comercial europeia no Terceiro Mundo, interditando o estabelecimento de diálogos verdadeiros, pretensamente dialógicos e horizontais. Arpa colocava-se contrário à lógica da “mediação domesticadora” europeia em relação à vida social, intelectual e material dos países da periferia do capitalismo.

Nesse sentido, Arpa declara que o Columbianum adotaria como política, em relação à América Latina, a promoção do diálogo, que só seria possível se fossem criadas melhores condições, inclusive instrumentais, para seu desenvolvimento adequado. O encontro de Gênova, em 1965, portanto, teria essa finalidade: permitir que o caráter convergente das discussões se desenvolvesse com base no

[…] diálogo, não apenas na vontade de colaborar e buscar por uma resposta ainda desconhecida, mas no sentido de uma vocação ao encontro, de confiança nas virtudes maiêuticas do confronto, onde, resguardada a validade científica e a boa-fé, a verdade se funde em seu esplendor plural e difícil5 (Arpa, 1967, p. XIII).

Entretanto, os debates do Terzo Mondo não indicaram apenas o caminho da convergência e da confluência de interesses. A “maiêutica do conflito” foi a tônica do encontro, na medida em que se buscou tensionar a condição hegemônica do “centro” do capitalismo na ordem mundial. Os debates e discussões sobre temas como cultura, artes, subdesenvolvimento, atraso, pobreza, analfabetismo, projetos ideológicos, dentre outros, foram analisados à luz de duas molduras fundamentais: as constantes crises do modo de produção capitalista - com destaque para a Crise de 1929 e recessão decorrente da Segunda Guerra Mundial; e o incremento da sociedade de massas no século XX, com a intensificação dos processos de urbanização, crescimento populacional e migração.

A ideia de aproximar africanos e latino-americanos, muitas vezes dispersos entre si ou desradicalizados pelos múltiplos espaços de produção e reprodução intelectual europeus ou estadunidenses, demandava também uma reformulação do vocabulário crítico com o qual operavam as ideias naquele contexto. Tratava-se, portanto, de reelaborar linguisticamente os conceitos ou dar-lhes nova carga semântica, movimentos necessários à tentativa de compreender melhor aquelas sociedades consideradas, até então, “atrasadas”. Por isso, ganham fôlego nos debates do evento termos como “periferia”, “subdesenvolvimento”, “autonomia”, “colonialismo”, “exploração”, “consciência” e “dependência”.

Na tentativa de produzir um relato mais detalhado do encontro, Ángel Rama publicou, no semanário Marcha, em 26 de fevereiro de 1965, pouco tempo após o evento, o artigo intitulado “Coloquio de Genova: dos tareas que valen un viaje”. No texto, o crítico uruguaio procurou ressaltar a pluralidade de perspectivas políticas e ideológicas presentes no encontro, indicando outras presenças importantes:

Ali estavam os cubanos, com seu teórico marxista Juan Marinello, e os representantes de posições muito diferentes: Roberto Fernandez Retamar, como exemplo de intelectual atrelado ao movimento revolucionário, e Cintio Vitier, católico, que poderíamos definir com um exilado interior. Ali estavam os comunistas (Elvio Romero, Franco Mogni, Argueles Morales, Rafael Alberti) e os de uma posição centrista, como Ciro Alegría (disputado no movimento Belaúnde Terry), Augusto Céspedes (embaixador boliviano em Paris), Carlos Pellicer (o grande poeta católico mexicano) e as figuras de uma esquerda independente (Roa Bastos, Salazar Bondy, José Luis Romero) e os homens de direita (Alejandro Magnet, embaixador do Chile na OEA, João Guimarães Rosa, alto funcionário do Itamaraty)6 (Rama, 1965, s.p.).

O crítico uruguaio ressaltou a dificuldade de fazer um “balanço geral” do colóquio, posto que a distribuição dos participantes em comissões dispersas acabou por isolá-los de alguns debates maiores em âmbito coletivo. No grupo do qual participou, foram discutidas questões relacionadas à contradição, na América Latina, entre o universo jurídico-político e as estruturas econômico-sociais; à importação de ideologias do centro do sistema e à tentativa de convertê-las em instrumentos de libertação; à vinculação, naquele momento, da história latino-americana à crise do capitalismo industrial e ao impacto das inovações técnicas diante do crescimento da sociedade de massas; e, por fim, àquilo que vai ressoar de forma mais importante nos seus próprios estudos posteriores: a constatação do apego à cultura europeia e a necessidade de buscar formas artísticas que transfigurem o repertório externo, potencializando a “criação original” e fortalecendo a “unidade subjacente à pluralidade cultural latino-americana”7 (Rama, 1965, s.p.).

O crítico literário brasileiro Antonio Candido, presente no evento, também procurou compartilhar a percepção que teve do encontro:

[…] o primeiro evento, não de cunho apenas regional, mas abrangendo os intelectuais de toda a ‘nuestra America’ de que participei foi o congresso Terzo Mondo e Communita Mondiale, realizado na cidade de Genova em 1965 pela instituição Columbianun criada e dirigida pelo benemérito padre Angelo Arpa e dedicada a promover o intercâmbio entre a Europa e o Terceiro Mundo. […] Foi, repito, um acontecimento memorável e, para mim, uma extraordinária experiencia de encarnação de nomes que eu lia e de repente vi transformados em pessoas (Candido, 1999, p. 264; destaques meus).

O depoimento aponta, dentre outras coisas, a capacidade de o evento ampliar o intercâmbio cultural, social, político e intelectual entre figuras que, por questões da própria geopolítica do conhecimento mundial, encontravam-se dispersas e distantes, ainda que suas existências históricas sejam semelhantes, dada a “ferida colonial”, marca comum legada aos países atravessados pela experiência colonialista. Fortaleceu-se, portanto, a ideia de uma “integração terceiro-mundista” a partir de uma identificação histórica, cultural e política.

Por esse motivo, os presentes buscaram articular a criação de projetos coletivos. Um deles seria a revista America Latina, que teria como foco a cultura latino-americana e seria publicada na própria cidade de Gênova nas línguas espanhola e portuguesa, além de contar com alguns resumos em francês, italiano e inglês, e com centros de distribuição no México e na Argentina. Teria Miguel Ángel Asturias e Amos Segala como diretores e Fernand Braudel, Antonio Candido, Leopoldo Zea, José Luis Romero e Alejo Carpentier como assessores. A publicação focaria especialmente no exame crítico das “sociedades americanas”, debatendo questões como a escravidão africana, o estatuto da terra, os projetos de desenvolvimento nacional, a situação do romance, o estatuto das artes etc. (Rama, 1965, s.p.).

Outro projeto costurado no evento foi a criação da Comunidade Latino-americana de Escritores, um organismo supranacional que reuniria escritores de todo o continente. A inspiração vinha, sobretudo, da Comunidade Europeia de Escritores, que à época era presidida por Giuseppe Ungaretti, poeta e crítico italiano que chegou a lecionar na USP no final dos anos 1930.

A Comunidade de Escritores é um organismo nascido incidentalmente na reunião de Gênova e, portanto, independente do Columbianum. Por enquanto, é mais um desejo do que uma realidade, e seu verdadeiro contexto será conhecido a partir do Congresso do México, que o dotará de estatutos e o colocará em funcionamento8 (Rama, 1965, s.p.; destaques meus).

A proposta de realização de um congresso anual no México foi amplamente aprovada, e a criação de um manifesto chamado Declaración Latinoamericana de Génova obteve a assinatura de diversos delegados, exceto Alejandro Magnet, do Chile, e João Guimarães Rosa, enviado oficial da ditadura civil-militar brasileira.

É uma tentativa com amplas projeções de futuro, na medida em que permitiria um contato mais assíduo dos intelectuais latino-americanos, uma comunicação de suas respectivas contribuições, uma elaboração comum da cultura de ‘nossa América’. Este projeto por si só já é suficiente para justificar a viagem a Gênova, se não fosse o fato de que também se chegou a um debate maduro sobre o problema latino-americano e fortaleceu-se o projeto de lançamento de uma revista que pode ser um instrumento enriquecedor para as diferentes linhas da ação intelectual de um continente de quem se exige que entre em cena9 (Rama, 1965, s.p.; destaque no original).

A visão de Ángel Rama indica que o congresso foi importante para estreitar os laços intelectuais e culturais entre América Latina e África, mas também para pontuar algumas ideias fundamentais contidas na própria semântica do termo “terceiro-mundismo”: a busca pela autodeterminação dos povos colonizados e a tentativa de integração dessas regiões consideradas periféricas. Desenhava-se, assim, aquilo que vamos chamar de crítica anticolonial, um gesto intelectual que se preocupava, sobretudo, com quatro dimensões: a demarcação de uma fronteira entre a Europa e o resto do mundo, denotando e delimitando as balizas que acirram essa assimetria; os mecanismos e ferramentas de dominação que sustentam essas relações desiguais; a busca por uma caracterização específica do pecúlio negativo do colonialismo, em suas múltiplas dimensões sociais, culturais, econômicas e políticas; a defesa de uma autodeterminação intelectual, cultural e artística ante do legado colonial.

Gênova em transe: leituras anticoloniais

Os debates promovidos no Colóquio de Gênova foram os mais variados. Um dos presentes no evento, o filósofo mexicano Leopoldo Zea (1912-2004) apresentou “El problema de la originalidad en Latinoamérica” (1967). Na discussão proposta, o autor se debruçou sobre questões que já vinham sendo discutidas por ele desde o final dos anos 1950. Zea defendeu a hipótese de que a busca constante por uma expressão “original” latino-americana era, na verdade, um exercício de autoafirmação diante do concerto das civilizações na geopolítica global, ou seja, uma forma específica de compor o mundo compartilhado pelas “civilizações avançadas”. Em outros termos, “originalidade” não seria buscar uma diferença, uma expressão “inédita” e desconectada do legado europeu, mas sim

mostrar que seus homens e suas obras são iguais [às europeias] […] Não, claro, num espírito de imitação, de repetição, mas o mesmo espírito que tornou possível a cultura europeia e os seus bens e valores. Não é imitando a Europa em seus frutos que é possível tornar-se parte de sua cultura […] Ser original não é rejeitar ou imitar, mas simplesmente ser homem, esse grande valor que a cultura europeia expressou plenamente e manteve, embora apenas para si, como a cultura ocidental. […] A Europa é original porque criou e cria sem se preocupar em ser diferente, imitar ou não, pois simplesmente age, cria cultura, origina valores e bens. É essa capacidade, essa forma de originalidade, que deve ser imitada, ou seja, seguida pela América Latina. O espírito que tornou possível a cultura europeia é o espírito que deve animar os latino-americanos para que sejam originais, ou seja, para que possam originar cultura10 (Zea, 1967, p. 52).

Zea procura ressaltar que, do ponto de vista da formação da América Latina, dever-se-ia abandonar o desejo incessante pela reprodução do que é a Europa. Em outros termos, a cultura latino-americana teria seu verdadeiro vigor intelectivo atingido na medida em que buscasse, de fato, agir para além dos ditames eurocêntricos, de modo a deixar fluir toda sorte de temas, valores e matérias especificas da realidade sócio-histórica local. E prossegue:

O professor venezuelano Andrés Bello disse: ‘Nossa civilização também será julgada por suas obras; e se for vista copiando servilmente as europeias, mesmo no que não tem aplicável, qual será o julgamento de um [Jules] Michelet, um [François] Guizot? Eles dirão: a América ainda não se livrou de suas correntes; ela se arrasta sobre nossas pegadas com os olhos vendados; ela não respira em suas obras seu próprio pensamento, nada original, nada característico: ela imita as formas de nossa filosofia e não se apropria de seu espírito. Sua civilização é uma planta exótica que ainda não sugou seus sucos da terra que a sustenta’11 (Zea, 1967, p. 53).

É interessante notar que a tônica do argumento de Zea procura pôr de lado as perspectivas intelectuais que associavam a ideia de “originalidade latino-americana” à recusa irrestrita de toda a influência recebida do centro do capitalismo. Tratava-se, na visão dele, de uma postura ingênua e infértil, na medida em que as assimetrias centro-periferia do capitalismo tornavam a influência ocidental-europeia sobre a América Latina inevitável e incontornável. Por outro lado, não era preciso também curvar-se à mera atividade de cópia do que a Europa produz, na medida em que essa prática originaria uma cultura postiça e artificial, deixando de lado o que há de fecundo e verdadeiramente incontornável do “espírito” latino-americano.

Essa era, salvo engano, uma das questões prementes nos debates intelectuais travados no Terzo Mondo. Poderíamos formulá-la na seguinte indagação: dada a condição de dominação colonial inegável nos campos da cultura e das artes, para não dizer no âmbito mais amplo da formação social e mental, qual deveria ser a postura do intelectual e do artista da periferia do capitalismo ante essa influência europeia irremovível? Se era ingenuidade achar possível recusá-la de pronto e por completo, como tratá-la de forma crítica, apropriativa e transfiguradora? E mais: como, mesmo mediado por essa relação assimétrica, o artista/intelectual deveria expressar nos seus projetos o que há de genuinamente local?

É nessa seara que se inserem várias das participações brasileiras no evento. Antes de inventariá-las, é preciso dizer que as intervenções dos brasileiros no evento, em geral, podem ser enquadradas no campo da “crítica cultural”, entendida por Raymond Williams pela dupla potencialidade que comporta: “intervenção produtiva” e “movimento de resistência” (Williams, 2011, p. 52). Diante de certos discursos hegemônicos, como veremos a seguir, os intelectuais advindos do Brasil produziram narrativas contra-hegemônicas com a finalidade de destronar visões comumente sedimentadas sobre a sociedade brasileira. Pode-se falar, portanto, na emergência de uma nova “estrutura de sentimentos”, que busca “escapar à força acachapante da hegemonia” (Cevasco, 2001, p. 158).

No evento, o cineasta brasileiro Cacá Diegues apresentou a comunicação “Relação dialética, cinema e cultura no Brasil: história e balanço”,12 publicada anos depois também nos anais do colóquio. No texto, o cineasta constata que “a dependência do país [Brasil] das grandes metrópoles se reflete culturalmente, para além-mar, na expectativa pelas últimas novidades do pensamento e da arte europeias”13 (Diegues, 1967, p. 417; acréscimo meu). Para Diegues, a síntese da história do Brasil, com base na relação entre europeus e brasileiros, se explica pela seguinte ideia: nossa formação no campo das representações intelectuais e simbólicas se assenta na dualidade “idealização europeizada do país” e “constatação objetiva de nossa realidade”, tópicos presentes, respectivamente, na visão dele, nas expressões da cultura erudita e da cultura popular.

Ciente desse artifício europeu, cuja função primordial seria domesticar o elemento local, Diegues incentiva que artistas e intelectuais articulem formas de mediar as relações entre esses elementos em busca de uma representação capaz de, em síntese, apresentar de forma fluida e dinâmica o que haveria de mais genuíno no seio da própria cultura brasileira. Na visão do cineasta, o Cinema Novo, por seu caráter antropológico, seria um veículo das manifestações do povo e “de uma cultura nacional não colonial”, “de uma civilização original que se universaliza”, “em uma elaboração que não se interessa apenas pela difusão de um folclore ou pela invenção de situações pitorescas”, mas “se interessa pelo homem brasileiro em sua essência”14 (Diegues, 1967, p. 420).

Outro brasileiro que marcou presença no evento, Glauber Rocha apresentou, na sessão intitulada Quinta Resenha do Cinema Latino-americano, suas reflexões sobre “Cinema novo e cinema mondiale15 (1967), ensaio escrito exatamente “no bojo de um amplo debate acerca da libertação nacional dos povos colonizados” (Carvalho, Domingues, 2017, p. 379). A comunicação de Glauber adotou um tom eminentemente crítico à herança colonial europeia na América Latina, em especial no campo da criação cultural e artística.

O observador europeu interessa-se pelos processos de criação artística do mundo subdesenvolvido na medida em que estes satisfazem a sua nostalgia do primitivismo; mas esse primitivismo aparece de forma híbrida, herdada do mundo ‘civilizado’, incompreendido porque imposto pelo condicionamento colonialista. A América Latina continua sendo uma colônia e a diferença entre o colonialismo de ontem e o de hoje reside apenas na forma mais refinada dos atuais colonizadores16 (Rocha, 1967, p. 435).

Bastante influenciado pelas reflexões de Frantz Fanon, filósofo martinicano que, em 1961, havia produzido a obraOs condenados da terra (Fanon, 1968), a fala disruptiva de Glauber demarcava, de forma inequívoca, a assimetria estrutural entre as sociedades consideradas avançadas e os países subdesenvolvidos. Por conseguinte, colocava em questão, no centro da análise, uma forte crítica epistemológica às próprias formas de se pensar e elaborar ideias em contextos considerados periféricos. Novamente, é o debate sobre originalidade, influência, dominação e autonomia cultural e política que toma o centro da discussão.

Sobre a leitura de Glauber, observa Ismail Xavier que:

Da fome. A estética. A preposição ‘da’, ao contrário da preposição ‘sobre’, marca a diferença: a fome não se define como tema, objeto do qual se fala. Ela se instala na própria forma do dizer, na própria textura das obras. […] A carência deixa de ser obstáculo e passa a ser assumida como fator constituinte da obra, elemento que informa a sua estrutura e do qual se extrai a força da expressão, num estratagema capaz de evitar a simples constatação passiva (‘somos subdesenvolvidos’) ou o mascaramento promovido pela imitação do modelo imposto (que, ao avesso, diz de novo ‘somos subdesenvolvidos’). A estética da fome faz da fraqueza a sua força, transforma em lance de linguagem o que até então é dado técnico. Coloca em suspenso a escala de valores dada, interroga, questiona a realidade do subdesenvolvimento a partir de sua própria prática (Xavier, 1983, p. 9).

No olhar glauberiano, entende-se que toda a cultura das nações subdesenvolvidas “não poderia ser representada com os recursos [...] linguísticos da cultura dita ‘avançada’, mas deveria encontrar na própria exasperante realidade, na própria deficiência de meios, os temas e formas com os quais expressar-se” (Siega, 2017, p. 156). Por isso, “Uma estética da fome” se apresenta não como uma forma específica de olhar e falar sobre as mazelas do mundo, mas sim como um locus de enunciação singular de brasileiros e, por extensão, de latino-americanos e terceiro-mundistas em geral. Essa visão, que estrutura a própria condição social, acaba por se instalar na forma mesma do enunciado crítico ou do objeto estético produzidos a partir dessas regiões. A fome é a metáfora que expressa as heranças e o legado do colonialismo, de modo a desnudar as condições estruturais da condição periférica dos países africanos e latino-americanos.

Nessa discussão proposta por Glauber, a questão da “condição de atraso” das culturas tidas como periféricas é entendida não mais como mera matéria de análise da produção cinematográfica, acadêmica e intelectual ou como um “tema” de pesquisa, por exemplo, mas sim como local de onde se pode falar e produzir um pensamento crítico válido e capaz, inclusive, de questionar frontalmente a realidade na qual está imerso o próprio narrador de determinado discurso. É, portanto, uma postura também ético-política desse artista ou intelectual periférico, que sempre vai se pronunciar estética ou conceitualmente a partir da fome, metáfora que busca denotar a condição periférica dos países africanos e latino-americanos, fruto das condições estruturais impostas pelo colonialismo e suas implicações.

Outro que teve participação importante no evento foi Antonio Candido, crítico literário brasileiro que à época encontrava-se vinculado à Universidade de Sorbonne como professor visitante. Em “Nature, élements et trajectoire de la culture brésilienne”, o autor buscou confrontar diversos discursos hegemônicos que se debruçaram sobre algumas das características consideradas centrais na formação da sociedade brasileira. Para o crítico, nossas elites intelectuais construíram narrativas sobre a realidade nacional pautadas, antes de tudo, em um “pensamento bastante desejoso” ou na “projeção ideal de uma realidade que só imperfeitamente lhe corresponde” (Candido, 1967, p. 411). Para Candido, tais narrativas funcionaram como artifícios ideológicos direcionados à criação de projetos específicos de nação e poder.

Segundo o crítico, nessas narrativas encontram-se as bases de discursos “pretensamente verdadeiros” sobre o país. O maior exemplo seria a ideia de que o Brasil seria formado pela mistura de várias raças e pela convergência das suas contribuições culturais, perspectiva que se atrela à visão de que nossa cultura é composta, portanto, por diversas contribuições étnicas, de indígenas e africanos e mais tarde italianos, alemães, japoneses etc., que confluíram harmonicamente com a ajuda do “colonizador plástico”. Assim, moldou-se a visão de que, como somos um país fraterno e aberto, tecido por um povo cordial e alegre, a nação estaria livre de preconceitos raciais e aberta à universalidade, na medida em que nosso “convívio pacífico” formou uma sociedade que poderia ser “projetada para todo o mundo” (Candido, 1967, p. 411).

Na visão do crítico, entretanto, esses discursos, embora não produzissem um completo “falseamento da realidade”, procuravam ressaltar, antes de tudo, apenas o que se considerava algumas das potencialidades não realizadas de nossa “civilização”, isto é, traços que, por conta dos próprios caminhos e descaminhos do desenvolvimento sócio-histórico brasileiro, foram sendo solapados em detrimento de outros elementos que se tornaram preponderantes e dominantes. Seriam elas, então, “virtuais características positivas do Brasil” que, ao longo do tempo, encontram diversos obstáculos para serem realizadas. A tarefa do intelectual, segundo Candido, seria tomar consciência dessas barreiras, analisá-las em perspectiva crítica e indicar possibilidades de saída para esses dilemas (Candido, 1967).

Democracia racial e cordialidade, portanto, seriam dois conceitos abordados por Candido na comunicação em Gênova justamente com o objetivo de delimitar bem os contornos das narrativas hegemônicas no pensamento social brasileiro, cuja finalidade última seria a manutenção de certos projetos de poder, mas também, como veremos adiante, a própria lógica colonialista de dominação do poder e do saber. A ideia de “harmonia de raças” aventada por Candido é associada diretamente às formulações de Gilberto Freyre, que embora não seja citado diretamente pelo crítico, é acionado através de um relato curioso:

Se quiserem uma ilustração pitoresca do que acabo de dizer, tomo a liberdade de assinalar uma entrevista concedida há alguns anos por um eminente sociólogo à revista americana Time, onde este ousado analista da contribuição africana falava da falta de preconceito no Brasil e na sua obra, […] e deu como prova de seus pontos de vista a presença [de sangue não branco] em suas veias, na proporção que ele fixou com precisão, para deleitar os geneticistas, de 1/64, e que se devia ao casamento de um de seus ancestrais no século XVI com uma dessas ‘encantadoras princesas de sangue brasileiro’17 (Candido, 1967, p. 412; acréscimos meus).

Candido se refere justamente a Freyre, tido por ele como um dos responsáveis pela construção dessas narrativas de “mistificação de nossa realidade” - nesse caso, pela inscrição e disseminação no espaço público da ideia de “democracia racial”. O tom usado por Candido busca evidenciar exatamente o mecanismo ideológico presente na declaração do referido sociólogo, que, para ressaltar a importância das três raças para a constituição do Brasil, recorre ao exemplo da mistura genética. Um dos desdobramentos possíveis desses artifícios ideológicos desembocou na hipótese da “harmonia racial” como elemento que diferenciaria o país do restante do mundo, isto é, uma marca específica da brasilidade que dilui os conflitos que constituem a nação.

Só que, na visão de Candido, a ideia de um país democrático do ponto de vista do convívio racial foi emoldurada com o auxílio de outra noção central: a de que somos um povo essencialmente cordial, ideia que teria sido inaugurada por Ribeiro Couto (1898-1963) em 1931, em carta endereçada a Alfonso Reyes. Intitulada “El hombre cordial, producto americano”, a missiva de Couto considerava que a “civilização latino-americana” resguardava um espírito hospitaleiro e uma tendência à credulidade, pincelada com pitadas de afabilidade e maleabilidade, de modo que haveria um ajustamento quase natural das relações sociais, mesmo entre diferentes: “Somos povos que gostam de conversar, de fumar parados, de ouvir viola, de cantar modinhas, de amar com pudor, de convidar o estrangeiro a entrar para tomar café” (Couto, 7 mar. 1931).

Candido considera que essa noção de cordialidade, associada à ideia de “democracia racial”, encobriu o caráter marcadamente conflitivo e desarmônico da sociedade brasileira, fruto do legado colonialista. Em outros termos, a defesa da “alma cordial” e do caráter “harmonioso” das relações sociais no país operou como ideologia, e acabou por solapar a visão de que o Brasil, um país de história colonial e dependente, comporta uma sociedade desigual e com violentos choques sociais, políticos, econômicos e culturais. Esse é um procedimento típico do colonialismo intelectual, na visão do crítico.

Considerações finais

A participação brasileira em Gênova, portanto, embora encontre diferentes enfoques e diversas abordagens, confluiu para leitura de que o colonialismo europeu, imposto no Terceiro Mundo ao longo da modernidade, utilizou ferramentas sofisticadas de exploração e dominação, garantindo o vigor e a durabilidade de suas expressões até o século XX. E era exatamente sobre essa dependência que se deveria refletir e contra quem se deveria lutar, seja no plano das ações políticas, seja no campo das representações artísticas e intelectuais. Essa perspectiva pode ser caracterizada por aquilo que Jean Pierre Chauvin (2015, p. 51) classificou como “anticolonialismo”, que “consiste em um misto de sentimentos, reflexões, posturas e atitudes que envolvem os indivíduos interessados em estudar, relativizar, questionar e especialmente resistir ao estatuto colonial”. Na prática, trata-se de um procedimento crítico que, de modo rudimentar, “visa a contrabalançar certos termos ainda correntes na historiografia oficial com valor aparentemente positivo”, atribuindo-lhes sentido “negativo” (Chauvin, 2015, p. 51).

Assim, o Terzo Mondo, embora tenha sido realizado com a mediação de uma instituição religiosa europeia, possibilitou a positivação das potencialidades próprias à ideia de Terceiro Mundo, tensionou as permanências e persistência do colonialismo moderno nas sociedades periféricas e contribuiu para que diversos intelectuais, cineastas e escritores brasileiros produzissem narrativas e discursos contra-hegemônicos e anticolonialistas. Em pleno inverno europeu, Gênova foi ocupada pelo verão terceiro-mundista.

Agradecimentos aos avaliadores Carlos Eduardo Pinto e Francisco Santiago Jr. por seus pareceres para este artigo.

Referências

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  • 1
    No original: “fue pronto adoptado como un nombre que condensaba expectativas políticas emancipatorias”. Nessa e nas demais citações de textos em idioma estrangeiro as traduções foram feitas por mim.
  • 2
    No original: “su vector principal son los movimientos de liberación nacional, y tanto en su vertiente socioeconómica - ligada desde la segunda posguerra al desarrollismo - como política - asociada con la descolonización y al principio de autodeterminación nacional - su corolario exitoso debía estribar en la afirmación de Estados-nación económicamente viables y políticamente independientes”.
  • 3
    No original: “lo stato di malessere e di intrinseco disequilibrio che governava e in parte tuttora governa le relazioni fra le due sponde dell’Atlantico”.
  • 4
    No original: “Vecchie abitudini Eurocentriche, povertà e indigenza di adeguati sussidi bibliografici, scarsità, anzi rarità di specialisti e docenti che spieghino una attività diretta o indiretta su temi di studio aventi relazione con l’America Latina”.
  • 5
    No original: “[...] dialogo, non solo nella disponibilità alla collaborazione e all’attesa di una risposta tuttavia sconosciuta, ma piú propriamente nel significato di vocazione all’incontro, di fiducia nelle virtú maieutiche del confronto, dove, salvo il pressuposto della validità scientifica e della buona fede, la verità merge nel suo plurale e difiicile splendore”.
  • 6
    No original: “Allí estaban los cubanos, con su teórico marxista Juan Marinello y los representantes de dos posiciones muy diferentes: Roberto Fernandez Retamar, como ejemplo de intelectual incorporado al movimento revolucionario, y Cintio Vitier, católico, quien podría definirse como um exiliado interior. Allí estaban los comunistas (Elvio Romero, Franco Mogni, Argueles Morales, Rafael Alberti) y los de una posición centrista, como Ciro Alegría (disputado en el movimento de Belaúnde Terry), Augusto Céspedes (embajador boliviano en Paris), Carlos Pellicer (el gran poeta católico mexicano) y las figuras de una izquierda independente (Roa Bastos, Salazar Bondy, José Luis Romero) y los hombres de la derecha (Alejandro Magnet, embajador del Chile en la OEA, Joao Guimaraes Rosa, alto funcionario de Itamaraty”.
  • 7
    No original “[...] creación original en el arte y en la cultura”; “Existe una unidad subyacente a la pluralidad cultural latinoamericana”.
  • 8
    No original: “La Comunidad de Escritores es un organismo nascido incidentalmente en la reunión de Génova y por lo tanto independiente del Columbianum. Por ahora es un deseo más que una realidad, y su verdadera contextura se conocerá a partir del Congreso de México que lo dotará de estatutos y lo pondrá en marcha”.
  • 9
    “Se trata de un intento con amplias proyecciones de futuro, en cuanto permitiría un contacto más asiduo de los intelectuales latinoamericanos, una comunicación de sus respectivas aportaciones, una elaboración en común de la cultura de ‘nuestra América’. Sólo este proyecto es suficiente para justificar el viaje a Génova, si no fuera porque además se alcanzó un debate adulto sobre la problemática latinoamericana y se contribuyó al lanzamiento de una revista que puede ser un instrumento enriquecedor de las distintas líneas de acción intelectual de un continente al que se exige que entre en escena”.
  • 10
    No original: “mostrar que sus hombres y sus obras son iguales [...] No, desde luego, con un espíritu de imitación, repetición, sino con el mismo espíritu que ha hecho posible la cultura europea y sus bienes y valores. No es imitando a Europa en sus frutos que se forma parte de su cultura [...] Ser original no es rechazar o imitar, sino ser simplemente hombre, ese gran valor que ha expresado en toda su plenitud la cultura europea y mantenido, aunque solo para sí misma la cultura Occidental [...] Europa es original porque ha creado y crea sin preocuparse en ser distinto, de imitar o no, ya que simplemente actúa, hace cultura, origina valores y bienes. Es esta capacidad, esta forma de originalidad, la que debe ser imitada, esto es, seguida, por Latinoamérica. El espíritu que ha hecho posible a la cultura europea, es el espíritu que debe animar a los latinoamericanos para que puedan ser originales, esto es, para que puedan originar cultura”.
  • 11
    No original: “El maestro venezolano, Andrés Bello, decía: ‘Nuestra civilización será también juzgada por sus obras; y si se la ve copiar servilmente a la europea, aún en lo que ésta no tiene de aplicable, ¿cuál será el juicio que formará de nosotros un Michelet, un Guizot? Dirán: la América no ha sacudido aún sus cadenas; se arrastra sobre nuestras huellas con los ojos vendados; no respira en sus obras un pensamiento propio, nada original, nada característico: remeda las formas de nuestra filosofía y no se apropia de su espíritu. Su civilización es una planta exótica que no ha chupado todavía sus jugos a la tierra que la sostiene’”.
  • 12
    No original, “Rapporto dialettico, cinema e cultura in Brasile: storia e bilancio”.
  • 13
    No original: “Il est facile de constater que la même personne qui refuse comme trop brutale l’application d’une norme légale, e qui est prête, par gentilesse, a favoriser une prétention irrégulière, passe ave une insensibilité remarquable à côté de la mortalité infantine où de la faim endémique”.
  • 14
    No original: “cultura nazionale non coloniale e rappresentativa di una civiltà originale, si universalizza nella stesura che non è soltanto interessata alla diffusione di un folklore, alla invenzione di situazioni pittoresche, né allo schematismo di una posizione politica concettuale e aprioristica; ma che si interessa dell’uomo brasiliano e della sua essenza (e quindi dell’uomo stesso), credendo nella possibilità di poter essere felice con gli altri”.
  • 15
    Pouco tempo depois, o ensaio foi publicado em italiano na Rivista Cinema 60 com o título “L’estetica dela violenza”. No Brasil, saiu ainda em 1965, na revista Civilização Brasileira, com o título que o consagrou: “Uma estética da fome”.
  • 16
    No original, “L’osservatore europeo si interessa ai processi di creazione artística del mondo sottosviluppato nella mistura in cui questi soddisfino la sua nostalgia del primitivismo; ma questo primitivismo si presenta in una forma ibrida, ereditata dal mondo ‘civilizato’, ma compressa perché imposta dal condizionamento colonialista. L’America Latina rimane tuttora colonia e la differenza fra il colonialismo dieri e quelo di oggi risiede soltanto nella forma piú raffinata degli attuali colonizzatori”.
  • 17
    No original: “Si vous voulez une illustration pittoresque de ce que je viens de dire, je me permets de signaler un interview donné il y a quelques années par un éminent sociologue à la revue américaine Time, où cet analyste hardi de l’apport africain parlait du manque de préjugé au Brésil, et dans son œuvre, et donnait comme preuve de la largesse de ses vues la déclaration dans ses veines, dans la proportion qu’il fixait avec une précision à ravir les généticiens, de 1/64, et qui était dû au mariage d’un de ses ancêtres au XVIe siècle avés une de ces charmantes princesses du sang brésilien”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Nov 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    09 Fev 2024
  • Aceito
    28 Maio 2024
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