Acessibilidade / Reportar erro

Lugares de memória da ditadura: disputas e agenciamentos nos processos de construção do 1o BIB Barra Mansa (Rio de Janeiro) e da Casa Marighella -Salvador (Bahia)

Sites of memory of the dictatorship: disputes and negotiations in the construction processes of the 1st BIB Barra Mansa (Rio de Janeiro) and Casa Marighella -Salvador (Bahia)

Resumo:

O artigo discute os processos de memorialização ocorridos no Brasil a partir do processo de justiça de transição e das políticas públicas de memória. Tais processos, como veremos, são marcados por uma trajetória não linear, contenciosa, e atravessada por um emaranhado de atores, tanto no Estado como nos movimentos que atuam no campo por Memória, Verdade e Justiça, responsáveis por efetuar mudanças nas “estruturas de oportunidades políticas”. Para tal, iluminaremos dois desses processos de memorialização atualmente em curso, por meio das experiências do antigo 1° Batalhão de Infantaria Blindada do Exército (1° BIB), em Barra Mansa (RJ), e da Casa Marighella, em Salvador (BA).

Palavras-chave:
Políticas Públicas de Memória; Lugares de Memória da Ditadura; Ditadura Civil-Militar Brasileira

Abstract:

This paper aims to discuss the memorialization processes that took place in Brazil as part of the transitional justice and public memory policies process. Such processes, as we shall see, are marked by a non-linear, contentious trajectory, and crossed by a tangle of actors, both in the State and in the movements that operate in the Memory, Truth and Justice field, responsible for the promotion of changes in the “structures of political opportunities”. To this end, we will illuminate two of these memorialization processes, currently underway, through the experiences of the former 1st Army Armored Infantry Battalion (1st BIB), in Barra Mansa (RJ), and Marighella’s House, in Salvador (BA).

Keywords:
Public Policies of Memory; Sites of Memory of the Dictatorship; Brazilian Civil-Military Dictatorship

No campo dos direitos humanos existe certo consenso no Brasil ao se afirmar que nosso processo de justiça de transição ainda está incompleto. Mais recentemente, no governo do presidente Jair Bolsonaro, a partir de 2019, observamos um verdadeiro retrocesso e desmonte de políticas públicas de memória ligadas à justiça de transição que estavam sendo construídas há pelo menos três décadas. Esse fenômeno vem sendo acompanhado por forte revisionismo ou negacionismo relativo ao período da ditadura civil-militar.

A justiça de transição é o nome dado ao processo de transição à democracia em países que atravessaram guerras civis ou regimes ditatoriais, no qual graves violações aos direitos humanos foram praticadas e a “reconciliação” nacional emerge como caminho para o restabelecimento da confiança dos cidadãos no Estado, suas instituições e agentes. No caso dos países da América Latina, este termo é aplicado às experiências das ditaduras militares da segunda metade do século XX. Trata-se de um conjunto de medidas jurídicas e políticas expressas em quatro dimensões: promoção da justiça; fornecimento da verdade e construção da memória; reparação dos sobreviventes e seus familiares; reforma das instituições perpetradoras de violações contra os direitos humanos. Assim, como caminho para a superação do legado autoritário e dos traumas coletivos, estabeleceu-se como necessária a implementação de medidas de não repetição, não perpetuação e reparação (Abrão; Torelly, 2010ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo. Justiça de Transição no Brasil: a dimensão da reparação. In: SANTOS, Boaventura de Sousa et al. (orgs.). Repressão e memória política no contexto ibero-brasileiro: estudos sobre Brasil, Guatemala, Moçambique, Peru e Portugal. Brasília: Ministério da Justiça/Comissão de Anistia; Portugal: Universidade de Coimbra, 2010, p. 27-59.).

Para compreendermos esse cenário, é importante, em primeiro lugar, entender a justiça de transição como um processo histórico, não linear e conflituoso. Em segundo lugar, é necessário identificar quem são os sujeitos que atuam no processo transicional e como eles vêm se movimentando no campo por Memória, Verdade e Justiça, doravante campo MVJ. Podemos distinguir um primeiro grupo de sujeitos composto por aqueles que viveram o período ditatorial e sofreram suas consequências de forma direta. Esse grupo vem sendo denominado “vítimas”, “sobreviventes” ou “familiares de mortos e desaparecidos”. O segundo grupo de sujeitos é integrado por aqueles que são solidários às violações sofridas pelo primeiro grupo, mas que não viveram diretamente o terrorismo de Estado, seja porque não eram ainda nascidos, seja porque estavam afastados dos acontecimentos políticos à época. O terceiro grupo é composto por aqueles que ignoram o problema, não consideram que essa questão lhes diz respeito. Trata-se de um recalque do passado traumático na esfera pública e representa um legado conservador, perpetuado pelo Estado no contexto pós-ditatorial, ancorado na “política do consenso”, através da promoção do que Padrós denomina de “esquecimento induzido” (Teles, 2009TELES, Edson. Políticas do silêncio: a memória no Brasil pós-ditadura. In: International Congress of the Latin American Studies Association, 28., 2009, Rio de Janeiro. Procedures… Rio de Janeiro: Lasa, p. 1-17, jun. 2009.; Padrós, 2009PADRÓS, Enrique Serra. História do tempo presente, ditaduras de segurança nacional e arquivos repressivos. Tempo e Argumento (Florianópolis). v. 1, p. 30-45, 2009.).

No Brasil, as políticas de memória foram fruto direto das lutas sociais protagonizadas pelos ex-presos e familiares, assim como por uma rede de apoiadores polifônica que, desde os anos 1970, foram conformando um campo heterogêneo e conflituoso por Memória, Verdade e Justiça.1 1 Segundo Azevedo (2016, p. 18), a partir das definições de Bourdieu (1983, 1989), o campo MVJ é composto por agentes que ocupam posições relativas, nomeadas a partir de termos como “Estado”, “autoridade”, “especialistas”, “familiares”, “sociedade civil” e “movimento social”. E acrescenta que “o campo se constitui, por um lado, como um sistema dotado de práticas sociais, saberes e lógicas, conformando determinadas disposições e percepções comuns aos agentes envolvidos, mas também estrutura um sistema de posições, segundo as quais distinções são concebidas”. Dessa relação contenciosa predominou historicamente uma “política do consenso”, que acabou por silenciar distintas subjetividades e centrou-se, sobretudo, em medidas de reparação material voltadas para os sobreviventes e seus familiares (Teles, 2009TELES, Edson. Políticas do silêncio: a memória no Brasil pós-ditadura. In: International Congress of the Latin American Studies Association, 28., 2009, Rio de Janeiro. Procedures… Rio de Janeiro: Lasa, p. 1-17, jun. 2009.). Apenas a partir dos anos 2000 iniciou-se a construção de políticas públicas voltadas para a reparação material e simbólica, a partir de ações da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, e para o direito à verdade e à memória, enunciados no III Plano Nacional de Direitos Humanos - PNDH-3 (Brasil, 2010BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH3). Brasília: SEDH/PR, 2010.) e na produção de relatórios oficiais da Comissão Nacional da Verdade - CNV (Brasil, 2014BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório: Comissão Nacional da Verdade. Brasília: CNV, 2014.) e de comissões setoriais em todos os entes da federação.

O entendimento da ampliação das políticas públicas de memória pautava-se na experiência transicional de países que passaram por violências de Estado ou guerras civis, acumulando a compreensão de que, para além de medidas jurídico-normativas, as ações no âmbito cultural tinham centralidade no processo de reconciliação e pacificação social. O patrimônio, nesse sentido, teria o potencial de servir como agente da mudança social, veículo para a inclusão social, em favor da diversidade, da solidariedade e do respeito aos direitos humanos. Além disso, ainda em sentido mais lato, o patrimônio se constitui igualmente como um mecanismo educativo, capaz de oferecer “lições para o futuro”.

No Brasil, a legitimação da construção de lugares de memória voltados para a preservação da memória histórica do período ditatorial ganhou destaque com o PNDH-3 que, inclusive, previa a ação intersetorial de ministérios e secretarias, para a construção, preservação e manutenção de memoriais, arquivos, datas comemorativas, monumentos públicos, entre outros. Nesse contexto, nos territórios brasileiros, organizações e coletivos de direitos humanos retomaram ou alavancaram suas demandas pela construção de memoriais em relação ao período, seja através de pedidos de tombamento ou desapropriação por utilidade pública de antigos centros clandestinos e instalações militares, seja através de editais públicos de financiamento, seja ainda através de negociações políticas em diversas escalas de governança.

O papel da CNV também foi central para identificar e tornar públicas as instituições e locais associados a graves violações de direitos humanos, durante o período de 1946 a 1988. A Comissão classificou 231 locais, mapeados no Brasil em “unidades militares e policiais”, “centros clandestinos” e “navios-prisões” (Brasil, 2014BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH3). Brasília: SEDH/PR, 2010., p. 727-840). O capítulo 15 do relatório detalhou o funcionamento desses locais através de testemunhos, documentos e imagens, elucidando sobre seus usos e estrutura de funcionamento.

Dentro dessa perspectiva, nossa proposta pretende percorrer os caminhos que vêm sendo desenhados para a efetivação de dois lugares de memória - o antigo 1° Batalhão de Infantaria Blindada do Exército, em Barra Mansa (RJ), e a Casa Marighella, em Salvador (BA) -, evidenciando os processos de disputas e negociações políticas para sua efetivação, bem como identificando as “estruturas de oportunidades políticas” (Tarrow, 1994TARROW, Sidney. Power in movement. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.) e os atores sociais envolvidos. Nesse sentido, cabe destacar a questão de autoria do artigo. Nas duas primeiras seções, optamos pela redação na primeira pessoa do plural, por tratar-se de uma reflexão conjunta. Nas seções que dizem respeito à experiência pessoal de cada autora, como pesquisadoras do campo acadêmico e atuantes no universo das políticas públicas de memória e patrimônio, a redação apresenta-se em primeira pessoa do singular, prevalecendo o tom etnográfico.

A retórica da resistência: lugares de memória como memória em ação ou memória “viva”

Um longo silêncio sobre o passado não conduz ao esquecimento, como nos ensinou Pollak (1989POLLAK, Michael. Memórias, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos (Rio de Janeiro). v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989.), mas espera o momento da verdade e da redefinição de forças políticas para emergir, isto é, de novas “estruturas de oportunidades políticas”. Uma história precisa sempre de um narrador, um ouvinte e um contexto. No entanto, no Brasil, os espaços públicos para narrar as histórias traumáticas da ditadura sempre foram atravessados por uma série de limites.

A construção de políticas de memória voltadas para a inscrição de narrativas do passado ditatorial, através de dispositivos culturais como os memoriais, apesar de legitimadas por documentos oficiais e transnacionais, na prática não prosperaram, na falta de um ambiente de escuta interessada e de “estruturas de oportunidades políticas” para tal. Segundo Tarrow (1994TARROW, Sidney. Power in movement. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.), quando há mudanças nas estruturas de oportunidades políticas, isto é, nas dimensões formais e informais do ambiente político, se abrem ou se criam novos canais para expressão de reivindicações a grupos sociais de fora da política stricto sensu. Isso pode ocorrer pela abertura do acesso à participação da sociedade civil por parte das instituições políticas ou administrativas, por transformações nos alinhamentos dos governos, pela disponibilidade de aliados influentes no campo da política institucional ou por divisões internas nos grupos hegemônicos que ocupam o poder. Nesse sentido, Estado e sociedade não devem ser vistos como entidades coesas e monolíticas, mas a partir da correlação de forças estabelecida em cada contexto.

A construção de memoriais associados à ditadura foi instituída enquanto política pública pelo Estado brasileiro apenas em 2009, via PNDH-3. Os embates e reações ao PNDH-3 evidenciaram no espaço público a disputa pelo sentido do passado político, onde os lugares de memória da nação (Nora, 1993NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História (São Paulo). n.10, p.1-178, dez. 1993.) operariam de forma estratégica. Posteriormente, com a criação da CNV, houve efetivamente uma mudança na “estrutura de oportunidade política” (Tarrow, 1994TARROW, Sidney. Power in movement. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.), mais permeável à escuta e ação dos movimentos sociais do campo MVJ, como veremos, apesar de seus limites.

Assim, o processo de memorialização2 2 Compreendemos a expressão “processos de memorialização” como parte integrante do que Rabotnikof (2008, p. 261) define como políticas de memória: “instauração de comemorações, datas e lugares, [e] apropriações simbólicas de todos os tipos”, ou através das “grandes ofertas de sentido temporal” que propõem marcos institucionais como forma de historicizar as memórias do período ditatorial. do período da ditadura militar no país deve ser entendido a partir da reformulação, ao menos em parte, dos termos do debate e da redefinição de posições ocupadas pelos atores envolvidos. Este processo nasce de um impulso ativo, uma memória “viva”, uma vontade de incidência no campo da política (Schindel, 2009SCHINDEL, Estela. Inscribir el pasado em el presente: memoria y espacio urbano. Política y cultura (Xochimilco). n. 31, p. 65-87, 2009.), através da materialização no espaço público das memórias “traumáticas” ou “difíceis”, que assumem um caráter de advertência ou de denúncia. Ocorre, nesse processo, um “reenquadramento da memória” diante dos questionamentos e ações de grupos e movimentos do campo MVJ, que resultam na criação dessas políticas públicas e na instrumentalização de profissionais que atuam dentro das instituições públicas (MPF, defensores, Comissão de Anistia, parlamentares, professores, profissionais da cultura etc.).

Desde o Golpe de 1964 até os dias atuais, os espaços onde ocorreram graves violações foram identificados por sobreviventes por meio de variadas e fragmentadas iniciativas: processos civis levados a cabo por familiares de mortos e desaparecidos políticos, ainda durante o regime; denúncias, (des)comemorações e homenagens de militantes e organizações de direitos humanos, que se avolumaram a partir da Lei da Anistia de 1979; produção de estudos acadêmicos, entre outros. No âmbito cultural, exposições e uma diversificada filmografia também repercutiram para dar visibilidade às práticas associadas a esses locais.

Os “sítios do horror” se diferenciam dos demais lugares de memória, pois guardam uma íntima relação com o presente, devido ao significado afetivo que incorporam (para as vítimas diretas e indiretas), ao potencial pedagógico (cultura para o “nunca mais”), e ao valor jurídico-documental dos espaços. Todos esses suportes, materiais ou imateriais, são elementos de enorme importância, capazes de dotar de materialidade as experiências de luta e resistência dos homens do passado e, portanto, de gerar empatia e afetividade, fortalecendo os elos intergeracionais e a cultura para o “nunca mais” (Sarlo, 2007SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura de memória e guinada subjetiva. São Paulo: Companhia das Letras ; Belo Horizonte: UFMG, 2007.).

O caminho mais usual acionado pelo campo MVJ no Brasil é o de solicitar o tombamento das edificações enquanto patrimônio municipal, estadual ou nacional, para que a partir daí se legitime o valor do bem cultural, sendo possível sua cessão aos grupos que os pleiteiam e a busca por recursos para a realização de seus projetos. Esse percurso, no entanto, é atravessado por negociações e disputas que envolvem os militantes, agentes de memória, os órgãos de patrimônio, governos locais e nacionais, o Ministério Público Federal e agências internacionais. A articulação dessa memória política com a esfera pública, no que diz respeito à construção dos lugares de memória da ditadura, está imbricada com o campo do patrimônio. É a partir do trâmite burocrático e da avaliação técnica dos órgãos do patrimônio que o valor do bem a ser tombado é legitimado.

As práticas discursivas mobilizadas pelo campo MVJ constroem o que Almeida (2018ALMEIDA, Priscila Cabral. Processos de construção dos lugares de memória da resistência em Salvador: projetos, disputas e assimetrias. Tese (Doutorado em História, Política e Bens Culturais), Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 2018.) define como a “retórica da resistência”, discurso ancorado na cultura dos direitos humanos e da justiça de transição, porém sem mobilizar como ideia central a reparação simbólica às vítimas, como nos memoriais chilenos e argentinos, mas sim através do “fortalecimento/aprofundamento dos valores democráticos”, do “não esquecimento daqueles que resistiram à ditadura” ou da “verdade sobre a estrutura da repressão”.

O conceito “retórica da resistência” é operacionalizado pela autora a partir da tese de Gonçalves (1996GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A retórica da perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/Iphan, 1996.) acerca dos discursos patrimoniais que acionam a noção de “retórica da perda”. Segundo José Reginaldo Gonçalves (1996GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A retórica da perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/Iphan, 1996.), a elaboração de um discurso sobre um processo inexorável e contínuo de destruição teria sido o argumento central das práticas de patrimonialização do Estado brasileiro até os anos 1990. Almeida (2018ALMEIDA, Priscila Cabral. Processos de construção dos lugares de memória da resistência em Salvador: projetos, disputas e assimetrias. Tese (Doutorado em História, Política e Bens Culturais), Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 2018.) não exclui a ideia de que uma tradição narrativa pautada na retórica da perda esteja presente nos discursos patrimoniais, mas aponta que na contemporaneidade outras retóricas também se somam nessa construção narrativa.

Construída pelo campo MVJ e legitimada pelas políticas públicas de memória, subjaz na retórica da resistência também a ideia de proteção jurídica a um valor histórico e cultural que está por se perder, ser esquecido: a memória política da resistência brasileira e dos horrores da ditadura. O que sublinhamos é que o discurso da retórica da resistência não produz os efeitos esperados junto às agências de patrimônio ou às esferas públicas locais, resultado da ausência de penetração das políticas públicas de memória nessas esferas do poder público, como o campo do patrimônio, em especial o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e os órgãos de patrimônio estaduais e municipais.

Portanto, o que cabe perguntar é por que existe tamanha distância entre as políticas públicas de memória que estão consolidadas nos textos, no papel, e as práticas efetivas dessas políticas traduzidas, por exemplo, nas ações mais concretas de atribuição de seu valor patrimonial? Acreditamos que descrever alguns desses processos vivenciados por nós, a partir de nossa observação participante, podem elucidar algumas questões fundamentais para compreender os desafios contemporâneos para a construção dos lugares de memória relativos à ditadura militar.

Casa Marighella: assimetrias e atravessamentos no processo de patrimonialização da memória política

No dia 4 de dezembro de 2011, familiares e uma rede heterogênea de atores sociais se reuniram no histórico Teatro Vila Velha, em Salvador, para acompanhar a aprovação da anistia post mortem de Carlos Marighella. A sessão em homenagem ao guerrilheiro e dirigente da Ação Libertadora Nacional (ALN), assassinado por agentes policiais na capital paulista em 4 de novembro de 1969, integrava a 53o Caravana da Anistia. Projeto então realizado pelo Ministério da Justiça que, para além de julgar os processos administrativos da anistia, inaugurou o pedido de perdão público às vítimas da ditadura como forma de reparação simbólica.

Na ocasião, Carlos Augusto Marighella3 3 Filho de Carlos Marighella, Carlos Augusto Marighella militou no Movimento Estudantil da Bahia e integrou os quadros do Partido Comunista do Brasil nos anos 1970. Em 1975 foi preso e torturado pelo regime militar, durante a Operação Acarajé. É membro do Comitê de Acompanhamento da Sociedade Civil da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça (Casc). (doravante chamado Carlinhos) e uma rede de apoiadores,4 4 Carlinhos citou alguns nomes dos integrantes da rede de apoiadores da campanha - como Maria Marighella (familiar), Clara Scharf (familiar), Marcelo Carvalho Ferraz, Mário Magalhães, Carlos Fayal, Aton Fon, Yara Xavier, Rose Nogueira, Luís Contreras, João Stédile, Emiliano José, Danilo Barreto e Paulo Vannuchi. organizados sob o movimento “Pró-Memorial Marighella Vive”, demandaram do então governador petista Jacques Wagner (2007-2014) a construção de um memorial dedicado à Marighella na antiga casa da família, no bairro popular da Baixa dos Sapateiros, onde o mesmo viveu até os 24 anos de idade, entre as décadas de 1910 e 1930.

No discurso de Carlinhos, durante a solenidade, ele reafirmava que o espaço seria uma forma de fazer justiça à memória do ex-deputado e militante comunista, justamente para esclarecer às novas gerações que, ao contrário do que se tentou carimbar, seu pai não era um “terrorista” ou um “facínora”. O pedido, portanto, reivindicava a ressignificação da memória de Marighella para além de seu enfrentamento ao regime militar, como uma história de vida marcada pelo contexto do que foi o próprio século XX (Rollemberg, 2007ROLLEMBERG, Denise. Carlos Marighella e Carlos Lamarca: memória de dois revolucionários. In: FERREIRA, Jorge; AARÃO REIS, Daniel (orgs.). As esquerdas no Brasil: revolução e democracia. v.3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.).

A figura política de Marighella talvez seja a de maior ressonância simbólica nas memórias do “espectro político” (Lifschitz, 2015LIFSCHITZ, Javier Alejandro. La memoria política y sus espectros: el terrorismo de Estado en América Latina. Madrid: Académica Española, 2015.) da esquerda brasileira. A sua força mobilizadora não se circunscreve apenas ao campo MVJ se observarmos as inúmeras iniciativas do campo artístico e cultural5 5 Para citar apenas alguns exemplos, podemos mencionar a repercussão de vendas da premiada biografia Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo, de Mário Magalhães (2012); a produção de filmes, como Marighella (Isa Grinspum Ferraz, 2012), Marighella: retrato falado de um guerrilheiro (Silvio Tendler, 2001), Batismo de sangue (Helvécio Ratton, 2007) e o longa-metragem Marighella, dirigido por Wagner Moura, lançado no Festival de Berlim (2019) e censurado no Brasil pela Ancine, em 2020; e canções como “Mil faces de um homem leal”, da banda Racionais MC’s, e “Um comunista”, de Caetano Veloso. que reverenciam sua imagem, seu nome, sua trajetória e seus ideais. Marighella também figura em uma diversidade de iniciativas cidadãs e institucionais de memória, como homenagens, inscrições de graffitis em muros de diversas cidades, nomes de logradouros, nome de escola, broches de campanha de partidos políticos, dentre outros. Localmente, desde 1979, com a transferência de seus restos mortais para o Cemitério Quinta dos Lázaros, em Salvador, salvaguardados pela lápide concebida por Oscar Niemeyer e executada pelo artista plástico Juarez Paraíso, um público heterogêneo, conformado por organizações do movimento negro, de direitos humanos, políticos locais, estudantes e profissionais liberais diversos prestam suas homenagens, ressaltando as múltiplas facetas que geram empatia com esse personagem histórico.

Voltando ao episódio da cerimônia de anistia post mortem, o governador petista Jacques Wagner, na ocasião, respondeu à demanda pelo memorial a Marighella enfatizando que era preciso fazer um “resgate maior” da memória do período ao invés de individualizá-lo em um personagem, e prometeu a cessão de dois casarios tombados no bairro do Pelourinho para a construção de um memorial para “todos os baianos” que resistiram à ditadura, onde Marighella seria homenageado através do nome dado ao espaço “Memorial da Resistência da Bahia - Marighella”.

Este episódio é emblemático para compreender os desdobramentos das disputas e negociações em torno dos projetos de construção dos lugares de memória da ditadura na Bahia. Com a promessa política do governador, Carlinhos mobilizou atores do campo MVJ para formalizar o Grupo de Trabalho do Memorial (GT Memorial), responsável pela coordenação do projeto, que foi registrado e publicado no Diário Oficial da Bahia.6 6 Na Portaria n. 008, publicada em 10 de janeiro de 2013, o então Secretário de Cultura Antônio Canelas Rubim resolve pela instituição do Grupo de Trabalho para criação e implantação do Memorial Carlos Marighella, constituído pelos seguintes membros: 1) Antônio Maia Diamantino (Secult-BA); 2) Yveline Hardman (Ipac e secretária do GT); 3) Joviniano Soares de Carvalho Neto (GTNM-BA) e; Carlos Augusto Marighella (coordenador do GT). Esse grupo foi formado por representantes da sociedade civil e de instituições do governo do estado da Bahia, como a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (Secult-BA) e o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac). Vale ressaltar que os integrantes do GT se caracterizavam pela sua filiação ao passado ditatorial enquanto “presos políticos”, “familiares de mortos e desaparecidos” e militantes de organizações de esquerda durante o regime.

De 2013 a 2015, os casarios do Pelourinho foram oficialmente cedidos ao Grupo Tortura Nunca Mais (GTNM-BA), por ser uma entidade jurídica, e o GT Memorial recebeu recursos da Secult-BA para a realização de um seminário com especialistas na gestão de espaços memoriais e o desenvolvimento do pré-projeto de arquitetura do memorial. Com os cortes orçamentários estaduais de 2014, durante a gestão do governador petista Rui Costa (2014-atual), e a reprovação do pré-projeto de arquitetura pelo corpo técnico do Ipac, órgão de patrimônio estadual, Carlinhos buscou o apoio da Comissão de Anistia para dar continuidade ao projeto, a partir da contratação de uma consultoria historiográfica via Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Selecionada para consultoria, iniciou-se meu ingresso no campo MVJ local, através de uma inserção ambivalente enquanto pesquisadora-consultora.

Até aqui cabe ressaltar que as políticas públicas de memória não eram promovidas pelo Estado, enquanto um ente monolítico e perene. Tais iniciativas estavam relacionadas à ascensão do Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder (2003-2016), quando muitos integrantes do campo MVJ participaram ativamente da construção do partido ou das campanhas presidenciais de Lula, desde 1989. Além disso, antigos quadros políticos da resistência à ditadura estavam ocupando secretarias e ministérios estratégicos, como as pastas da Cultura, dos Direitos Humanos e da Justiça. No âmbito local, esse mesmo Estado também era compreendido pelo campo MVJ como a gestão do governo do estado da Bahia, então representado por políticos filiados ao PT (Jacques Wagner e, posteriormente, por Rui Costa). Entretanto, as gestões do governo petista na Bahia apresentavam assimetrias em relação à condução das políticas de memória, traduzidas pelo campo MVJ em suspeições e ressentimentos que surgiam dessa “insuficiência” das políticas locais.

Enquanto relato etnográfico, destaco algumas impressões levantadas no campo, como forma de argumentar que o processo de construção de políticas de memória e da justiça de transição, aqui ressaltadas pela demanda por lugares de memória da ditadura, não são lineares nem seguem fórmulas e agendas normativas. São processos de disputas e negociações, que avançam e recuam a partir da realidade local e da correlação de forças entre os atores envolvidos. Nesse sentido, busco destacar as negociações locais do movimento “Pró-Memorial Marighella Vive”, com as instituições do patrimônio local, assim como exploro as diferenças entre as duas propostas mencionadas anteriormente - Casa Marighella e Memorial da Resistência da Bahia - como questões “boas para pensar” (Lévi-Strauss, 1986LÉVI-STRAUSS, Claude. Totemismo hoje. Lisboa: Edições 70, 1986.) as assimetrias e atravessamentos que marcam esse processo.

Primeiro, é importante destacar que o Memorial da Resistência da Bahia era compreendido pelos próprios agentes do campo MVJ local como uma solução conciliadora às suas demandas que, para além da Casa Marighella, também diziam respeito ao pleito, iniciado em 2014, por um grupo de ex-presos e familiares de mortos e desaparecidos políticos, pela construção de um memorial no Quartel Forte do Barbalho, prisão utilizada como local de tortura a militantes políticos no período da ditadura. O Memorial da Resistência, portanto, estava programado para funcionar em um espaço novo e sem materialidade da memória, distianciando-se das demandas do campo MVJ local. Entretanto, Carlinhos assumiu a coordenação do GT Memorial, aproveitando as brechas abertas pela mudança nas estruturas de oportunidades políticas locais (Tarrow, 1994TARROW, Sidney. Power in movement. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.) para oficializar políticas de memória localmente a partir das casas cedidas. Em 2015, durante o primeiro mandato do petista Rui Costa, com a descontinuidade do processo de construção do memorial nas casas do Pelourinho, Carlinhos negociou a contratação da consultoria do Pnud, via Comissão de Anistia, como forma de construir o projeto da Rede de Memoriais da Bahia.

A proposta da Rede tinha como justificativa formal estabelecer um elo entre a experiência acumulada pelo GT Memorial na construção do Memorial da Resistência da Bahia e os demais processos (Casa Marighella e Forte do Barbalho). Dessa forma, o Memorial da Resistência da Bahia seria um ponto nodal central de integração com as demais iniciativas em curso na região, fortalecendo e impulsionando ações programáticas para a consolidação desses espaços, promovendo troca de conhecimento e experiências, e superando dificuldades de caráter político, historiográfico e administrativo. No entanto, o que ficava evidente a partir da observação no campo era que a Rede tentava dar conta de algumas assimetrias. Em primeiro lugar, ao se vincular ao futuro Memorial da Anistia, suas iniciativas teriam apoio no âmbito federal, podendo articular investimentos, abertura de editais e suporte técnico especializado. Além disso, a Rede mobilizava a “retórica da resistência”, via Comissão de Anistia, respaldando o discurso dos agentes de memória baianos nas tratativas com representantes do governo local para a indicação de tombamentos de edifícios, alocação de recursos etc.

De maneira implícita, o projeto da Rede refletia a agência de Carlinhos, ou sua atuação como “empreendedor da memória”, nos termos que coloca Jelin (2002JELIN, Elizabeth. Los trabajos de la memoria. Madrid: Siglo XXI de España; Buenos Aires: Siglo XXI de Argentina, 2002.) a respeito de articuladores que congregam outros atores sociais ou grupos no envolvimento pessoal de seus projetos, gerando participação e uma tarefa organizada de caráter coletivo. Carlinhos compreendia que havia disputas entre os projetos e que a mobilização em torno da transformação desses espaços em memoriais tinham dinâmicas e efeitos diferentes. Ou seja, os projetos estavam circunscritos a grupos com número reduzido de pessoas, com propostas diversas e iniciadas em temporalidades distintas. Em resumo, cada uma dessas mobilizações configurava um processo, com sentidos, objetivos e estratégias assimétricos. O projeto da Rede, portanto, traduzia a estratégia de Carlinhos de reunir demandas concorrentes e contribuir com ações mais performáticas nas negociações em distintas escalas de governança.

Importante ressaltar que o processo de construção da Casa Marighella teve continuidade a partir da elaboração de seu projeto arquitetônico por Marcelo Ferraz. Durante o processo, Marcelo também redigiu uma carta7 7 Ferraz, Marcelo Carvalho. [Carta] Salvador, 23 maio 2013 [para] Rosa, Elisabete Gándara. Salvador. 1f. Solicita abertura de processo de tombamento da casa da família Marighella. (Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia, Salvador). à diretora-geral do Ipac, em maio de 2013, pedindo a abertura do processo de tombamento pelo estado. A retórica construída na carta argumentava que diversos ícones já haviam sido representados a partir de suas antigas moradias, como Franz Kafka, Frida Khalo e Bola de Nieve. Ressaltava tanto o heroísmo histórico da figura de Marighella quanto sua humanização. Através da materialidade do espaço da casa, a retórica atravessava distintos tempos históricos, inclusive anteriores ao período do regime militar, como forma de mobilizar representações e imagens acerca de sua cidadania baiana, ancestralidade, seus anos formativos e o início de sua trajetória no Partido Comunista Brasileiro (PCB). Ademais, Marcelo Ferraz ressaltava na carta a patrimonialização do imóvel enquanto espaço de salvaguarda da memória material preservada pela família.

Em anexo à carta, o arquiteto adicionou considerações técnicas, conceituais e informações sobre o imóvel, fornecidas pelo jornalista Mário Magalhães.8 8 O jornalista Mário Magalhães forneceu trechos de entrevistas com familiares da família Marighella, assim como propagandas em jornal de época da oficina mecânica de seu pai, como forma de comprovação da validade do endereço fornecido no pedido de tombamento ao Ipac. A resposta do Ipac só seria formalizada em setembro de 2014, mais de um ano após a solicitação do arquiteto. Na carta,9 9 Rosa, Elisabete Gándara [Ofício], Salvador, 1 set. 2014, [para] Ferraz, Marcelo Carvalho. Salvador. 1f. Solicitação de tombamento da casa onde viveu Carlos Marighella. (Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia, Salvador). a diretora-geral do instituto, Elisabete Gándara Rosa, negou o pedido por avaliar que a casa não tinha valor arquitetônico e já se apresentava sem algumas características originais de construção. A negativa do Ipac fez uma avaliação baseada no discurso da autenticidade, onde o valor estaria na leitura da “pedra e cal”, situando o valor histórico em um segundo plano que não justificaria a medida protetiva.

Esse foi considerado um primeiro obstáculo para o agrupamento que pleiteou o tombamento, que adaptou o projeto do memorial em torno da ideia da construção do Anexo Marighella, que seria mais um componente da Rede de Memorial da Resistência da Bahia. A consultoria do Pnud, nesse sentido, inscrevia argumentos para a concepção da Rede de Memoriais da Bahia através de seu relatório final, também como forma de sensibilizar ou pautar ações institucionais locais. O relatório final foi entregue ao então diretor do Ipac, João Carlos Cruz de Oliveira, em solenidade pública durante as comemorações da Semana de Anistia, em 2015, como forma de criar adesão do instituto à Rede de Memoriais da Bahia. A participação de João Carlos foi breve e pontual, saindo rapidamente do seminário alegando outros compromissos oficiais. A postura oficial durante o evento, que foi entendida pelo GT Memorial como “falta de adesão”, já podia ser lida na própria declaração do diretor do Ipac semanas antes ao jornal A Tarde.10 10 Silva, Yuri. Antiga residência de Carlos Marighella será memorial. A Tarde, Salvador, 14 ago. 2015. Homenagem, p. A4.

Incorporando em sua fala a retórica da resistência construída pela Rede de Memórias da Bahia, João Carlos contornou a negativa do tombamento pelo Ipac a partir da ideia de registro do local como patrimônio imaterial do estado. Reforçando, portanto, a leitura “pedra e cal” e uma visão essencialista de cultura, ao invés de acolher a “retórica da resistência” dentro do debate mais atualizado do campo de que o tombamento reflete um valor atribuído e deve ser um processo participativo (Chuva, 2017CHUVA, Márcia Regina Romeiro. Os arquitetos da memória: sociogênese das práticas de preservação do patrimônio cultural no Brasil (anos 1930-1940). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2017.).

Cientes das dificuldades de levar a cabo o processo de tombamento estadual, Carlinhos e sua rede de apoiadores iniciaram, ainda em 2015, a negociação do tombamento municipal da casa via Fundação Gregório de Mattos, órgão responsável pelos processos de tombamento no âmbito municipal. A expectativa do grupo era de que a ação pudesse ocorrer naquele mesmo ano. Entretanto, até o presente momento (2021), nenhuma nova indicação do processo ocorreu. Entretanto, um acontecimento recente sinaliza para uma rearticulação do campo MVJ em Salvador. Maria Marighella, neta de Carlos Marighella e filha de Carlinhos, foi eleita vereadora de Salvador pelo PT, em 2020. Atriz e gestora cultural, com experiência na gestão pública em âmbito nacional e estadual, Maria Marighella foi eleita pelo PT e apoiada por uma coletiva cidadã - a ManifestA ColetivA.11 11 Disponível em: <https://www.instagram.com/coletiva.salvador/>. Acesso em: 18 nov. 2020. Trazendo pautas progressistas em diálogo com os movimentos sociais - como antirracismo, feminismo, luta LGBTQI+, direito à cidade etc. - foi a única candidata eleita que trouxe em seu programa para o legislativo a pauta do direito à memória e à verdade,12 12 No site oficial de campanha de Maria Marighella, o direito à memória e à verdade constitui um dos pontos do programa. O programa está disponível em: <https://www.mariamarighella.com.br/programa-maria-marighella>. Acesso em: 18 nov. 2020. construída em diálogo com o GT e o campo MVJ local.

O 1° BIB de Barra Mansa e a mudança na estrutura de oportunidades políticas na região sul fluminense

O 1° BIB, sediado na cidade de Barra Mansa, foi criado em 1950 com a função de “assegurar a ordem pública” na região. Localizado estrategicamente, o batalhão ficava a cerca de 10 quilômetros da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), inaugurada pouco antes, em 1946, como parte do projeto nacional desenvolvimentista do governo Vargas. Desde cedo, portanto, desenvolveu-se uma relação bastante orgânica e cooperativa entre a empresa siderúrgica e o batalhão.

A estrutura militar moldou o desenho das relações sociais estabelecidas no interior da usina e, consequentemente, na cidade operária. Expressão da “missão civilizatória” varguista, Volta Redonda seria uma cidade planejada, habitada pelos “soldados do trabalho” (Morel, 1989MOREL, Regina L. M. A ferro e fogo: construção e crise da ‘família siderúrgica’: o caso de volta redonda (1941-1988). Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade de São Paulo. São Paulo, 1989.).

Em tempos de guerra, a CSN foi considerada de interesse militar. Com isso, verifica-se uma militarização da organização do trabalho e das relações sociais. A CSN lançou mão de métodos de controle de sua classe trabalhadora - disciplinamento dos trabalhadores e controle da vida do trabalhador no espaço extrafabril - assim como recorreu à ação do batalhão sempre que se fazia necessário o controle através das forças repressivas.

A primeira ação militar do 1° BIB após sua estruturação se voltou justamente para o controle da classe trabalhadora. Em 1956, a unidade deslocou-se para a região fabril de Barra Mansa e Volta Redonda, “a fim de assegurar a ordem pública que estava ameaçada em virtude do movimento grevista dos metalúrgicos”, após a decretação do estado de sítio no estado do Rio de Janeiro. O batalhão se destacaria por sua atuação não apenas no complexo industrial siderúrgico situado em Barra Mansa/Volta Redonda, mas também em outros projetos de desenvolvimento da região, como no complexo Lages-Light nas obras de expansão da hidrelétrica, em 1959, e nas usinas de leite das localidades de Barra Mansa, Vargem Alegre, Volta Redonda, Quatis, Santa Isabel do Rio Preto, Amparo e Pinheiral, em 1963.

No entanto, o papel de “mantenedor da ordem” na região sul fluminense, que desde cedo assumiu uma faceta repressiva, ganharia novo significado após o Golpe de 1964. Através da ação do 1º BIB, nos primeiros anos após o regime militar, os militares da região se dedicaram a indiciar e/ou prender as principais lideranças sindicais, perseguir e ameaçar trabalhadores com demissões ou a perda das casas dos trabalhadores, além de outros constrangimentos. O Golpe de 1964 foi eficaz, desestruturando a organização sindical construída ao longo dos anos 1950 e 1960 e obrigando a classe trabalhadora a criar novas estratégias organizativas para resistir às arbitrariedades do regime ditatorial e ao arrocho salarial.

A partir de 1966, com a chegada do bispo Dom Waldyr à região, os católicos progressistas se tornaram o novo alvo das perseguições políticas. Isso porque a Igreja passava a se dedicar a um trabalho pastoral junto às comunidades mais pobres e se posicionava de forma crítica ao regime militar. Padres e militantes católicos foram, tal qual os sindicalistas, intimados, obrigados a prestar depoimentos, presos e torturados. Após o AI-5, a tortura foi institucionalizada no batalhão, atingindo trabalhadores, militantes católicos, militantes de organizações revolucionárias e até mesmo militares de baixa patente. Assim, o 1º BIB se tornou um centro militar de perseguição e tortura para opositores do regime na região sul fluminense.

O desfecho das atividades repressivas do 1º BIB, contudo, seria algo inédito na história da ditadura. Após a comprovação de que militares haviam torturado 15 soldados do próprio batalhão, o que resultou na morte de quatro deles, entre 1971 e 1972, os militares envolvidos com as torturas foram condenados à prisão, por determinação da própria Justiça Militar. Em 1973, no auge da repressão política durante o governo Médici, a Justiça Militar condenou os militares envolvidos e encerrou as atividades do 1º BIB. Trata-se do único caso em que militares foram responsabilizados e punidos por suas práticas violadoras durante o regime militar (Serbin, 2001SERBIN, Kenneth P. Diálogos na sombra: bispos e militares, tortura e justiça social na ditadura. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.).

Na sua sede, instalou-se o 22º Batalhão de Infantaria Motorizada (22º BIMtz), que passou a comandar a repressão na região. A prática de torturas não foi mais registrada, porém se deu continuidade ao papel repressivo do antigo 1º BIB, mantendo como alvo a classe trabalhadora.

Hoje, o espaço pertence à Prefeitura de Barra Mansa (PMBM) e lá funciona o Parque da Cidade, que abriga algumas unidades administrativas da municipalidade, o Tiro de Guerra, a Secretaria de Ordem Pública de Barra Mansa, além de alguns projetos culturais, como a Orquestra Sinfônica de Barra Mansa e o grupo teatral Sala Preta. A partir dos anos 1990, o espaço foi palco de shows, feiras agropecuárias, entre outras atividades de entretenimento e lazer. Atualmente, o parque recebe a Feira de Negócios do Sul Fluminense, que movimenta o capital na localidade. Os eventos e atividades ali realizados atraem velhas e novas gerações que pouco conhecimento têm sobre os usos do espaço no passado recente, contribuindo para uma “política do esquecimento” (Teles, 2009TELES, Edson. Políticas do silêncio: a memória no Brasil pós-ditadura. In: International Congress of the Latin American Studies Association, 28., 2009, Rio de Janeiro. Procedures… Rio de Janeiro: Lasa, p. 1-17, jun. 2009.).

Como podemos observar no mapa, o espaço constitui uma grande área verde, às margens do rio Paraíba do Sul, com forte potencial de desenvolvimento econômico. Por isso, vem atraindo o interesse dos investidores locais, que sonham com a transformação do espaço em um grande shopping center ou empreendimento comercial. Há também os que sonham em ver o espaço transformado em área de lazer e esportes, tendo em vista sua bela paisagem natural e espaço a céu aberto. E há aqueles que vêm efetivamente ocupando e experimentando o espaço, com todas as suas precariedades, vivenciando o abandono do local por parte do poder público municipal. É nesse último grupo que me situo, particularmente, como pesquisadora e professora, através das atividades desenvolvidas desde 2017 pelo Centro de Memória do Sul Fluminense da Universidade Federal Fluminense (Cemesf/UFF) no local.

Tais memórias “difíceis”, “traumáticas”, permaneceram silenciadas, subterrâneas, por longos anos, até encontrarem a oportunidade para reemergirem e ocuparem novamente a cena pública (Pollak, 1989POLLAK, Michael. Memórias, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos (Rio de Janeiro). v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989.). Essa oportunidade foi propiciada, sobretudo, pela criação da Comissão Municipal da Verdade de Volta Redonda (CMV-VR), em 2013, responsável por reativar uma rede de antigos militantes, e também por revelar novos personagens, os antecessores das lutas operárias de fins dos anos 1970 e 1980.

Obedecendo à tônica nacional, o processo de justiça de transição na localidade centrou fundamentalmente seus esforços na luta pela reparação material dos atingidos pela ditadura. Nessa frente de batalha merece destaque o papel da Associação dos Anistiados Políticos de Volta Redonda, responsável por dar entrada junto à Comissão de Anistia aos pedidos de reparação dos perseguidos e demitidos pela CSN. O intenso processo das lutas operárias dos anos 1980 resultou em muitas demissões, o que afetou de distintas maneiras a vida desses trabalhadores e suas famílias.

Nos anos 2000, a CMV-VR e o grupo de pesquisa da Universidade Federal Fluminense de Volta Redonda13 13 Edital da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) de “Apoio ao estudo de temas relacionados ao direito à memória, à verdade e à justiça relativas a violações de direitos humanos - 2013” - Edital n. 38/2013. Vale registrar que as investigações da CMV-VR e do grupo de pesquisa da UFF se desenvolveram de forma complementar e concomitante, numa relação de apoio mútuo. O referido edital da Faperj foi fruto da articulação política da Comissão Estadual da Verdade do Rio (CEV-Rio) com vistas a possibilitar o aprofundamento das investigações sobre o período ditatorial em âmbito estadual. Das sete pesquisas contempladas no edital, a investigação sobre o 1° BIB foi a única voltada para o interior do estado do Rio. colocaram novamente na cena pública antigos militantes, sobreviventes do regime militar, e abriram espaço para outros, cujas histórias eram ainda pouco conhecidas. Com isso, o espaço do atual Parque da Cidade voltou a ser alvo de interesse da população local, reativando antigas memórias, afetividades e camadas de esquecimento. Como pesquisadora do GT Trabalhadores da CNV (2014) e recém-doutora com uma tese sobre a região sul fluminense (2009-2013), pude identificar a mudança nas estruturas de oportunidades políticas que contou não apenas com as condições favoráveis proporcionadas pela CNV, mas, sobretudo, com a ação dos membros da CEV-Rio e da CMV-VR, que dispunham de maior lastro social e capilaridade junto aos movimentos sociais no território.

No que diz respeito às políticas de memória voltadas para o patrimônio histórico, a primeira recomendação da CMV-VR ao Estado brasileiro consiste exatamente na criação de um “museu dos direitos humanos” no espaço onde funcionou o antigo BIB, destinado a narrar os 14 casos de violações aos direitos humanos ocorridos na região, presentes no relatório final da Comissão. O documento recomenda, ainda, a edificação de um monumento aos quatro soldados mortos sob torturas no local (CMV-VR, 2015CMV-VR, Comissão Municipal da Verdade de Volta Redonda. Relatório final (2013-2015). Volta Redonda: CMV-VR, 2015.).

Na esteira dos trabalhos da CMV-VR, foi firmado o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) n. 3, em 2016, entre a Prefeitura Municipal de Barra Mansa e o Ministério Público Federal, com o intuito de garantir “reparações simbólicas em favor da preservação da memória e do patrimônio histórico nacional” no espaço onde funcionou o antigo BIB. O TAC prevê a instalação de um “centro de referência permanente do direito à memória”, que contará com uma sala de exposição permanente e um espaço de guarda do acervo histórico sobre o período ditatorial. O documento também restringe os usos possíveis para o local, representando um empecilho para alguns interesses empresariais na atualidade.

Toda essa movimentação em torno da memória despertou conflitos. De um lado, parte do empresariado local, com interesses econômicos no espaço, se opôs ao TAC desde o início, exercendo forte pressão sobre o poder municipal. De outra parte, o próprio poder municipal manifestou publicamente, em mais de uma ocasião, sua insatisfação com relação ao Termo, que foi assinado no apagar das luzes do governo anterior, deixando como herança para a nova gestão o compromisso com o direito à memória e à verdade das vítimas da ditadura. Vale destacar que o atual prefeito, Rodrigo Drable, é neto do prefeito Marcello Drable, que governou Barra Mansa como interventor entre 1967 e 1971, um dos períodos mais duros do regime na região, dando mostras, ao que parece, das continuidades políticas e elitistas que atravessam os tempos históricos.

Para garantir a efetivação dos compromissos previstos no TAC, foi estabelecida a criação de um grupo de trabalho, responsável por traçar as diretrizes sobre o uso e ocupação do espaço e por “gerenciar as informações, coletar dados e dar continuidade à busca de depoimentos e imagens que constituirão o acervo de memória local” (TAC n. 3, 2016). O GT foi composto por servidores da Prefeitura de Barra Mansa, do Conselho Municipal de Cultura, da Igreja católica, da Comissão da Verdade de Volta Redonda e pela Universidade Federal Fluminense, que assumiu a coordenação do grupo. Ao final dos trabalhos, deveria apresentar um plano físico logístico de ocupação do espaço, bem como encaminhar o pedido de tombamento das edificações de relevância histórica para o Iphan e para o órgão municipal de patrimônio.

Os trabalhos do GT, dos quais participei ativamente como integrante do Cemesf/UFF, foram desenvolvidos no decorrer de 2016 e 2017. No entanto, o TAC, em sua cláusula 5ª, estabeleceu o prazo de trinta dias para a apresentação do plano físico-logístico e de seis meses para o encaminhamento do processo de tombamento, prazo esse demasiado exíguo para um trabalho de tamanha magnitude. Politicamente, isso acabou resultando no constante questionamento a respeito da validade do TAC por parte da Prefeitura e dos setores empresariais.

Com a saída do procurador responsável pelo TAC da região de Volta Redonda, em maio de 2018, a nova procuradora que assumiu o caso promoveu o arquivamento do inquérito civil público de 2014, instaurado para apurar a prática de violações no 1º BIB durante a ditadura e assegurar a reparação das vítimas e seus familiares, em especial os familiares dos quatro soldados mortos, assim como do TAC de 2016.

O documento do pedido de arquivamento do inquérito civil (IC) e do TAC pode ser entendido como metonímia do processo de justiça de transição brasileiro, a parte pelo todo, na medida em que os argumentos mobilizados pela nova procuradora ilustram o cerne das disputas colocadas atualmente no cenário nacional. Em primeiro lugar, temos a Lei de Anistia, de 1979, fomentando, mais uma vez, no tempo presente, a “política do esquecimento”. Segundo a nova procuradora, referindo-se, sobretudo, ao IC de 2014, não haveria razão para continuar movimentando a máquina estatal com o fim de investigar delitos cujos agentes não mais podem ser responsabilizados no plano cível, parecendo ignorar o direito à verdade e à memória como uma das etapas fundamentais do processo de justiça de transição. O próprio termo justiça de transição aparece em seu texto entre aspas, alegando que, passados mais de trinta anos do fim da ditadura, medidas como a da criação de um centro de memória não teriam mais relevância para a sociedade, conforme previsto no TAC, uma vez que teríamos “diversos direitos hoje já amadurecidos”, cabendo, ao contrário, acionar mecanismos de compensação e pacificação (TAC n. 3, 2016).

Na contramão das políticas públicas de memória mais recentes no país, o pedido de arquivamento alega que caberia às próprias vítimas e familiares a busca da verdade dos fatos relacionadas às torturas no antigo BIB, “já que há efetivamente instrumentos jurídicos e democráticos, disponíveis aos indivíduos, para acesso a informações eventualmente arquivadas em instituições públicas e não sujeitas às exceções de sigilo, consectários do direito à informação e princípio de publicidade” (TAC n. 3, 2016). Fica patente na fala da procuradora a negação do direito à verdade e memória como uma política pública, isto é, um dever do Estado, numa clara inversão do ônus da prova, como era a política vigente até a criação da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP). A existência pura e simplesmente da CEMDP ou da Lei de Acesso à Informação (LAI) não garante o avanço das políticas no campo da memória e da reparação, pois os sobreviventes da ditadura e seus familiares continuam sujeitos às interpretações e manipulações da lei por parte dos operadores do direito. Disputas por memória como essa atualizam o campo e evidenciam seu caráter conflituoso.

No prazo de vinte dias, sob iniciativa do Cemesf/UFF, responsável pela mobilização dos atores envolvidos e redação do documento, foi interposto recurso, no qual foram questionados os fundamentos da promoção de arquivamento. O recurso solicitou, afinal, a não homologação do arquivamento, a revisão da decisão que anulou o TAC e a designação de outro procurador para atuar no caso, tendo em vista a pouca familiaridade da atual procuradora na compreensão do processo transicional brasileiro.

Em agosto de 2018, ocorreu a anulação do pedido de arquivamento, sendo o caso retirado da alçada da procuradora e transferido para o 4º Ofício de Tutela Cível e Criminal. Essa decisão representou uma vitória para aqueles envolvidos com a defesa dos direitos humanos na localidade, dando mostras que mesmo diante de uma conjuntura já adversa em nível nacional, a correlação de forças na localidade se manteve favorável para aqueles que lutam pela construção de um lugar de memória em Barra Mansa. Atualmente, o TAC continua vigente e os trabalhos estão sendo desenvolvidos no sentido de criação de um museu em memória das vítimas da ditadura, conforme previsto no Termo, através de um processo que vem reunindo distintos atores locais: ex-presos e familiares, sindicalistas, militantes católicos, profissionais da cultura, educadores e pesquisadores. Atualmente, o Cemesf está vinculado à Rede Brasileira de Lugares de Memória (Rebralume), colocando Barra Mansa e a luta pelo futuro Museu do Trabalho e dos Direitos Humanos no mapa dos “sítios de consciência” do Cone Sul.

Considerações finais

O patrimônio ligado a memórias traumáticas outorga valor reflexivo, pedagógico e simbólico aos episódios do passado, contribuindo para a construção de identidades resistentes e a conformação de valores democráticos. Esses lugares de memória são também uma oportunidade de transformação da memória traumática em arte e cultura, ampliando a reflexão sobre as violações ocorridas no período ditatorial para além do representado, construindo identificação e empatia com os ideais de justiça social, solidariedade e democracia.

A partir da análise dos processos de memorialização do antigo 1º BIB de Barra Mansa e da Casa Marighella em Salvador, devemos, em primeiro lugar, entendê-los como um processo histórico que remete a uma memória “viva”, uma ação política engajada por parte de grupos que atuam no campo MVJ.

Ambos os processos se encontram em aberto e certamente dependem da capacidade de organização coletiva do campo MVJ. Apesar de nova mudança nas estruturas de oportunidades políticas ocasionada após o Golpe de 2016 e, especialmente, após a eleição de Bolsonaro, no caso de Barra Mansa, podemos dizer que o arranjo das forças locais ainda tem conseguido produzir avanços, através da luta pela memorialização do espaço, repercutindo em uma duração mais longa que a conjuntura nacional. No caso de Salvador, o processo de tramitação do tombamento da Casa Marighella ainda segue em curso, mobilizando parte do campo MVJ local no redirecionamento de estratégias e articulações direcionadas à conscientização do campo cultural no âmbito municipal.

Referências

  • ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo. Justiça de Transição no Brasil: a dimensão da reparação. In: SANTOS, Boaventura de Sousa et al. (orgs.). Repressão e memória política no contexto ibero-brasileiro: estudos sobre Brasil, Guatemala, Moçambique, Peru e Portugal Brasília: Ministério da Justiça/Comissão de Anistia; Portugal: Universidade de Coimbra, 2010, p. 27-59.
  • ALMEIDA, Priscila Cabral. Processos de construção dos lugares de memória da resistência em Salvador: projetos, disputas e assimetrias Tese (Doutorado em História, Política e Bens Culturais), Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 2018.
  • AZEVEDO, Desirée de Lemos. ‘A única luta que se perde é a que se abandona’: etnografia entre familiares de mortos e desaparecidos no Brasil Tese (Doutorado em Antropologia Social), Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2016.
  • BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.
  • BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.
  • BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH3) Brasília: SEDH/PR, 2010.
  • BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório: Comissão Nacional da Verdade Brasília: CNV, 2014.
  • CHUVA, Márcia Regina Romeiro. Os arquitetos da memória: sociogênese das práticas de preservação do patrimônio cultural no Brasil (anos 1930-1940) Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2017.
  • CMV-VR, Comissão Municipal da Verdade de Volta Redonda. Relatório final (2013-2015) Volta Redonda: CMV-VR, 2015.
  • GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A retórica da perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil Rio de Janeiro: Editora UFRJ/Iphan, 1996.
  • JELIN, Elizabeth. Los trabajos de la memoria Madrid: Siglo XXI de España; Buenos Aires: Siglo XXI de Argentina, 2002.
  • LÉVI-STRAUSS, Claude. Totemismo hoje Lisboa: Edições 70, 1986.
  • LIFSCHITZ, Javier Alejandro. La memoria política y sus espectros: el terrorismo de Estado en América Latina Madrid: Académica Española, 2015.
  • MAGALHÃES, Mário. Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
  • MOREL, Regina L. M. A ferro e fogo: construção e crise da ‘família siderúrgica’: o caso de volta redonda (1941-1988) Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade de São Paulo. São Paulo, 1989.
  • NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História (São Paulo). n.10, p.1-178, dez. 1993.
  • PADRÓS, Enrique Serra. História do tempo presente, ditaduras de segurança nacional e arquivos repressivos. Tempo e Argumento (Florianópolis). v. 1, p. 30-45, 2009.
  • POLLAK, Michael. Memórias, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos (Rio de Janeiro). v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989.
  • RABOTNIKOF, Nora. Memoria y política a treinta años del golpe de Estado en Argentina. In: LIDA, Clara E.; CRESPO, Horacio; YANKELEVICH, Pablo (orgs.). Argentina, 1976: estúdios en torno al golpe de Estado Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2008, p. 259-284.
  • ROLLEMBERG, Denise. Carlos Marighella e Carlos Lamarca: memória de dois revolucionários. In: FERREIRA, Jorge; AARÃO REIS, Daniel (orgs.). As esquerdas no Brasil: revolução e democracia v.3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
  • SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura de memória e guinada subjetiva São Paulo: Companhia das Letras ; Belo Horizonte: UFMG, 2007.
  • SCHINDEL, Estela. Inscribir el pasado em el presente: memoria y espacio urbano. Política y cultura (Xochimilco). n. 31, p. 65-87, 2009.
  • SERBIN, Kenneth P. Diálogos na sombra: bispos e militares, tortura e justiça social na ditadura São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
  • TARROW, Sidney. Power in movement Cambridge: Cambridge University Press, 1994.
  • TELES, Edson. Políticas do silêncio: a memória no Brasil pós-ditadura. In: International Congress of the Latin American Studies Association, 28., 2009, Rio de Janeiro. Procedures… Rio de Janeiro: Lasa, p. 1-17, jun. 2009.
  • 1
    Segundo Azevedo (2016AZEVEDO, Desirée de Lemos. ‘A única luta que se perde é a que se abandona’: etnografia entre familiares de mortos e desaparecidos no Brasil. Tese (Doutorado em Antropologia Social), Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2016., p. 18), a partir das definições de Bourdieu (1983BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983., 1989BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.), o campo MVJ é composto por agentes que ocupam posições relativas, nomeadas a partir de termos como “Estado”, “autoridade”, “especialistas”, “familiares”, “sociedade civil” e “movimento social”. E acrescenta que “o campo se constitui, por um lado, como um sistema dotado de práticas sociais, saberes e lógicas, conformando determinadas disposições e percepções comuns aos agentes envolvidos, mas também estrutura um sistema de posições, segundo as quais distinções são concebidas”.
  • 2
    Compreendemos a expressão “processos de memorialização” como parte integrante do que Rabotnikof (2008RABOTNIKOF, Nora. Memoria y política a treinta años del golpe de Estado en Argentina. In: LIDA, Clara E.; CRESPO, Horacio; YANKELEVICH, Pablo (orgs.). Argentina, 1976: estúdios en torno al golpe de Estado. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2008, p. 259-284., p. 261) define como políticas de memória: “instauração de comemorações, datas e lugares, [e] apropriações simbólicas de todos os tipos”, ou através das “grandes ofertas de sentido temporal” que propõem marcos institucionais como forma de historicizar as memórias do período ditatorial.
  • 3
    Filho de Carlos Marighella, Carlos Augusto Marighella militou no Movimento Estudantil da Bahia e integrou os quadros do Partido Comunista do Brasil nos anos 1970. Em 1975 foi preso e torturado pelo regime militar, durante a Operação Acarajé. É membro do Comitê de Acompanhamento da Sociedade Civil da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça (Casc).
  • 4
    Carlinhos citou alguns nomes dos integrantes da rede de apoiadores da campanha - como Maria Marighella (familiar), Clara Scharf (familiar), Marcelo Carvalho Ferraz, Mário Magalhães, Carlos Fayal, Aton Fon, Yara Xavier, Rose Nogueira, Luís Contreras, João Stédile, Emiliano José, Danilo Barreto e Paulo Vannuchi.
  • 5
    Para citar apenas alguns exemplos, podemos mencionar a repercussão de vendas da premiada biografia Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo, de Mário Magalhães (2012)MAGALHÃES, Mário. Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.; a produção de filmes, como Marighella (Isa Grinspum Ferraz, 2012), Marighella: retrato falado de um guerrilheiro (Silvio Tendler, 2001), Batismo de sangue (Helvécio Ratton, 2007) e o longa-metragem Marighella, dirigido por Wagner Moura, lançado no Festival de Berlim (2019) e censurado no Brasil pela Ancine, em 2020; e canções como “Mil faces de um homem leal”, da banda Racionais MC’s, e “Um comunista”, de Caetano Veloso.
  • 6
    Na Portaria n. 008, publicada em 10 de janeiro de 2013, o então Secretário de Cultura Antônio Canelas Rubim resolve pela instituição do Grupo de Trabalho para criação e implantação do Memorial Carlos Marighella, constituído pelos seguintes membros: 1) Antônio Maia Diamantino (Secult-BA); 2) Yveline Hardman (Ipac e secretária do GT); 3) Joviniano Soares de Carvalho Neto (GTNM-BA) e; Carlos Augusto Marighella (coordenador do GT).
  • 7
    Ferraz, Marcelo Carvalho. [Carta] Salvador, 23 maio 2013 [para] Rosa, Elisabete Gándara. Salvador. 1f. Solicita abertura de processo de tombamento da casa da família Marighella. (Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia, Salvador).
  • 8
    O jornalista Mário Magalhães forneceu trechos de entrevistas com familiares da família Marighella, assim como propagandas em jornal de época da oficina mecânica de seu pai, como forma de comprovação da validade do endereço fornecido no pedido de tombamento ao Ipac.
  • 9
    Rosa, Elisabete Gándara [Ofício], Salvador, 1 set. 2014, [para] Ferraz, Marcelo Carvalho. Salvador. 1f. Solicitação de tombamento da casa onde viveu Carlos Marighella. (Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia, Salvador).
  • 10
    Silva, Yuri. Antiga residência de Carlos Marighella será memorial. A Tarde, Salvador, 14 ago. 2015. Homenagem, p. A4.
  • 11
    Disponível em: <https://www.instagram.com/coletiva.salvador/>. Acesso em: 18 nov. 2020.
  • 12
    No site oficial de campanha de Maria Marighella, o direito à memória e à verdade constitui um dos pontos do programa. O programa está disponível em: <https://www.mariamarighella.com.br/programa-maria-marighella>. Acesso em: 18 nov. 2020.
  • 13
    Edital da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) de “Apoio ao estudo de temas relacionados ao direito à memória, à verdade e à justiça relativas a violações de direitos humanos - 2013” - Edital n. 38/2013. Vale registrar que as investigações da CMV-VR e do grupo de pesquisa da UFF se desenvolveram de forma complementar e concomitante, numa relação de apoio mútuo. O referido edital da Faperj foi fruto da articulação política da Comissão Estadual da Verdade do Rio (CEV-Rio) com vistas a possibilitar o aprofundamento das investigações sobre o período ditatorial em âmbito estadual. Das sete pesquisas contempladas no edital, a investigação sobre o 1° BIB foi a única voltada para o interior do estado do Rio.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    10 Set 2020
  • Aceito
    29 Dez 2020
EdUFF - Editora da UFF Instituto de História/Universidade Federal Fluminense, Rua Prof. Marcos Waldemar de Freitas Reis, Bloco O, sala 503, 24210-201, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil, tel:(21)2629-2920, (21)2629-2920 - Niterói - RJ - Brazil
E-mail: tempouff2013@gmail.com