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O desafio dos museus históricos celebratórios

The challenge of celebratory historical museums

Resumo:

O artigo visa a contribuir para o debate em torno da tensão presente em museus históricos de temáticas ligadas à Segunda Guerra Mundial entre narrativas celebratórias de certos fatos e personagens (memória) e narrativas críticas próprias à natureza da pesquisa histórica. Tal tensão aparece tanto em museus europeus, como norte-americanos. Como desdobramento dessa discussão, aborda também os conflitos em torno da criação de museus históricos dedicados a assuntos tais como fascismo, nazismo, colaboração, na Europa.

Palavras-chave:
Memória; Museus históricos celebratórios; Segunda Guerra Mundial

Abstract:

The article aims to contribute to the debate around the tension present in historical museums with themes related to the Second World War between celebratory narratives of certain facts and characters (memory) and critical narratives specific to the nature of historical research. Such tension appears in both European and North American museums. As an outcome of this discussion, it also addresses the conflicts around the creation of historical museums dedicated to subjects such as fascism, Nazism, collaboration, in Europe.

Keywords:
Memory; Celebratory historical museums; Second World War

É possível um museu ser celebratório e histórico ao mesmo tempo? O presente artigo propõe uma reflexão sobre o desafio de conjugar essas duas funções em um mesmo espaço museal. A questão se impõe uma vez que a natureza da pesquisa histórica se distingue - e não raramente se opõe - à natureza do trabalho de memória, que motiva as iniciativas laudatórias (Le Goff, 1982; Nora, 1993NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10, p. 7-28, dez. 1993.). Vários museus temáticos e/ou biográficos, ao homenagearem assuntos relativos à Segunda Guerra Mundial e a seus personagens, contornam o olhar crítico próprio ao ofício do historiador. Nesse sentido, a memória deixa de ser objeto da análise historiográfica, pretendendo ser a própria história.

Na França, na Itália e nos Países Baixos, por exemplo, países ocupados no contexto da expansão militar alemã, onde existem museus da Resistência com narrativas primorosas, articulando a celebração e a crítica, nunca surgiram museus que tivessem como objeto a ocupação e a colaboração. Evidentemente, se o fizessem, não seria para homenageá-las. Dessa forma, a celebração - mesmo crítica - que motiva a criação desses museus históricos, é também o seu limite. Em outras palavras, um museu histórico da colaboração - e, portanto, não laudatório - não se justificaria. Por mais que se tenha avançado na crítica, essa fronteira não foi ultrapassada nos países exemplificados.1 1 Entre o fim da guerra e os dias atuais, esses museus passaram por mudanças em suas narrativas, acompanhando - e influenciando - o debate presente na sociedade e na historiografia (Rollemberg, 2016). Para os objetivos deste artigo, em se tratando de museus europeus, me refiro a narrativas das exposições permanentes (ou de longa duração).

Na Alemanha, é possível encontrar museus celebratórios da Resistência ao nacional socialismo que enfrentam a realidade do enorme apoio que o regime encontrou na sociedade, embora sua motivação central seja demonstrar que, apesar disso, houve Resistência de alemães antinazistas, no exílio e no interior do país (Müller, 1986MÜLLER, Klaus-Jünger. La résistance allemande au régime nazi: l’historiographie en République Fédérale. Vingtième Siècle, Paris, n. 11, p. 91-106, jul.-set. 1986.; Mommsen, 2009MOMMSEN, Hans. Germans against Hitler: the Stauffenberg plot and Resistance under the Third Reich. 2. ed. London, New York: I.B. Tauris, 2009.). No que diz respeito às biografias de personagens da Resistência, é também nesse país que se pode ver uma análise mais crítica. Mesmo o mais conhecido “herói” da Resistência, o coronel Stauffenberg, é, no Memorial da Resistência Alemã,2 2 Refiro-me à atual exposição permanente, de 1989; o início da criação desse museu e memorial data de 1952. de Berlim, apresentado em suas contradições: valorizado, homenageado, mas não mitificado (Rollemberg, 2021ROLLEMBERG, Denise. Valquírias: memórias da Resistência alemã ao nazismo. Niterói: EdUFF, 2021.). Evidentemente, trata-se do país invasor, derrotado, ocupado pelas forças aliadas, dividido, formalmente, em 1949. Entretanto, vale lembrar, essa situação não impediu que, tanto na República Democrática Alemã, como na República Federal da Alemanha, memórias sacralizadoras (Rousso, 1998ROUSSO, Henry. La hantise du passé. Entretien avec Philippe Petit. Paris: Les Éditions Textuel, 1998.; Todorov, 2004TODOROV, Tzvetan. Les abus de la mémoire. Paris: Arléa, 2004.) da Resistência de alemães antinazistas também fossem elaboradas, segundo as versões bipolarizadas do mundo da Guerra Fria (Lepsius, 1989, apudReichel, 1998REICHEL, Peter. L’Allemagne et sa mémoire. Paris: Odile Jacob, 1998.). Foi no contexto da Queda do Muro de Berlim (1989) e da Reunificação do país (1990), que esses museus deram início à desconstrução das respectivas memórias da Resistência.

Para além da criação desses museus laudatórios críticos, foi também na Alemanha que a fronteira à qual me referi acima foi ultrapassada. Em diversas cidades do país, a partir do início do século XXI, foram criados museus históricos do nacional-socialismo. Destaco, entre eles, o Centro de Documentação dos Locais de Reunião do Partido Nacional-Socialista, aberto em 2001, em Nuremberg,3 3 Dokumentationszentrum Reichsparteitagsgelände. e o Centro de Documentação para a História do Nacional-Socialismo em Munique,4 4 NS-Dokumentationszentrum München. fundado em 2015, no contexto das comemorações dos setenta anos do fim da guerra. Nas duas capitais do nazismo, seus museus-centros de documentação foram criados em lugares históricos: o de Nuremberg, no interior do Palácio do Congresso, abarcando ainda, como parte da sua narrativa museal, o conjunto arquitetônico erguido nos anos do regime para enaltecer o NSDAP; o de Munique, em uma edificação ultramoderna, onde outrora ficava a sede do Partido na cidade (Casa Marrom).

Vale ressaltar que, embora ambos sejam museus sobre o nazismo, com exposições permanentes notáveis do ponto de vista qualitativo e quantitativo, e centros de documentação sobre o assunto, seus nomes oficiais ressaltam a função de pesquisa. Em outras palavras, a função museal parece “oculta”. Para o visitante, entretanto, é evidente tratar-se de museus do nacional-socialismo que, assim como vários museus europeus da Resistência, assumem, simultaneamente, o papel de centros de documentação. Esta estratégia para denominá-los expõe o limite de eles se assumirem explicitamente como museus. Em outras palavras, “ultrapassam a fronteira”, mas evitam o impronunciável: “museu do nacional-socialismo”. Seja como for, neles, há seções sobre a Resistência e seus personagens, mas o seu tema é o nazismo. Assim, na Alemanha há, por um lado, museus celebratórios, sem deixar de ser críticos (históricos, portanto) da Resistência e, por outro lado, museus sobre o fenômeno histórico contra o qual se erigiu a Resistência, o nacional-socialismo.

Esta realidade não se vê na Itália, na França, nos Países Baixos. Nesses países, como disse, a incorporação da crítica à memória da Resistência, da ocupação, da colaboração não levou à criação, por exemplo, de museus da colaboração. Tampouco, na Itália, sobre o fascismo.

A seguir, abordo mais detalhadamente essas contradições.

1.

Na Itália, vários dos museus e memoriais da Resistência, lugares de memória (Nora) ou espaços de recordação (Assmann),5 5 Para abordar os museus da Resistência da Itália e da França, usei o conceito de “lugares de memória”, consagrado por Pierre Nora (1984, 1986, 1992, 1993). O historiador o cunhou em referência a tais lugares materiais e imateriais que se prestaram a afirmar a identidade do Estado-nação da França do século XIX. Entretanto, diante da crise de identidade nacional provocada no entreguerras e agravada com as ocupações estrangeiras, tanto na França como na Itália, os lugares de memória, no contexto de reconstrução no pós-guerra, serviram também à finalidade de restaurar os Estados-nação francês e italiano. As fraturas provocadas pela ocupação nesses dois países promoveram o uso, inclusive, do conceito de guerra civil. Cf. Pierre Laborie (2003), Olivier Wieviorka (2005), para a França, e Claudio Pavone (2005), para a Itália. Para os museus e memoriais alemães, o conceito de espaços da recordação, de Aleida Assmann (2011), parece mais adequado. Ao propô-lo, a linguista defende que o surgimento e a proliferação deles no pós-Segunda Guerra Mundial não têm a função de glorificar os feitos e personagens do Estado-nação, mas, ao contrário, homenagear suas vítimas. Embora, nessa perspectiva, o conceito de Assmann também possa ser estendido para os museus e memoriais franceses e italianos da Segunda Guerra Mundial, uma vez que surgiram e se multiplicaram em referência aos acontecimentos do conflito e valorizando suas vítimas, acredito que, nesses países, a função de afirmação da unidade nacional restaurada com a derrota do Eixo, predomina. criados desde o fim da Segunda Guerra Mundial, assim como em outros países que sofreram a ocupação alemã, se concentram em regiões próximas aos Apeninos, onde aconteceram intensos confrontos, mas não somente aí. São museus, assim como os demais, que cumprem a função pedagógica, no sentido de formar novas gerações segundo valores como liberdade, democracia, solidariedade, livre-arbítrio, contra aqueles dos Estados totalitários, no caso, de extrema-direita.

Em Milão, berço do fascismo, não há um museu da Resistência. Existe, no entanto, o Instituto Nacional para a História do Movimento de Libertação na Itália (Istituto Nazionale per la Storia del Movimento di Liberazione in Italia). Quando estive nesse centro de pesquisa, em 2014, perguntei ao funcionário da biblioteca por que em Milão não havia um museu da Resistência. Surpreso, ele respondeu secamente: porque na cidade não houve Resistência. E um museu do fascismo, consultei o funcionário, havia? A questão causou-lhe mais estranheza. Não, nem em Milão nem em qualquer outra cidade do país fora criado um museu dedicado à história do regime de duas décadas, referência nos anos 1920 e 1940 para outras experiências autoritárias e/ou totalitárias na Europa e em outros continentes.

Em 2019, passados 75 anos do fim da guerra, o prefeito de Milão (desde 2016), Giuseppe Sala, do partido Green Europe, e o deputado e ministro da Cultura (desde 2019), do Partido Democrático, anunciaram a criação do Museu Nacional da Resistência (Museo Nazionale dela Resistenza), na cidade. Trata-se de um projeto monumental envolvendo um orçamento de 17,5 milhões de euros vindos do Ministério do Patrimônio Cultural (Ministério dei Beni Culturali). O museu funcionará em um prédio a ser construído, “gêmeo” ao da Fundação Feltrinelli, na Piazzale Baiamonti, em Porta Volta, distrito da cidade. Teremos, portanto, um projeto arquitetônico ultramoderno e arrojado como o “Feltrinelli Porta Volta”, assinado pelo renomado e premiado escritório de arquitetura suíço Herzog e De Meuron. Enquanto aguarda a execução do grandioso projeto, o Museu Nacional da Resistência, de Milão, foi lançado on-line em 2021, no dia 25 de abril, data da celebração da Libertação italiana da ocupação alemã (1943-1945).6 6 Giulia Ronchi e Massimiliano Tonelli (2019). Uma vez concretizado o projeto, a cidade terá passado da ausência absoluta, por mais de sete décadas, para uma presença grandiosa de um museu histórico celebratório da Resistência.

O episódio narrado acima, o breve diálogo com o funcionário do Instituto Nacional para a História do Movimento de Libertação na Itália, na capital da Lombardia, evidencia, para além do caráter regional dos museus da Resistência, no país,7 7 Sobre o caráter regional dos museus da Resistência na Itália, ver Rollemberg (2016). o sentido louvador por meio do qual eles são predominantemente percebidos, realidade não exclusiva à Itália. Nessa perspectiva, se tem (ou se tinha) um centro de pesquisa sobre a luta pela libertação, mas não um museu da Resistência. Por suposto, este - o museu - cumpriria a função celebratória de memória; aquele - o centro de pesquisa - a de produção de conhecimento histórico crítico.8 8 Vale dizer, contudo, que tal dicotomia não existe em grandes museus históricos, apesar dessa realidade ser comum naqueles mais modestos. Pela mesma razão, não caberia um museu do fascismo, já que não seria o caso de homenageá-lo.

O diálogo ajuda, igualmente, na reflexão sobre os museus históricos dedicados a temporalidades recentes e os impasses a que estão submetidos entre o trabalho de memória e o histórico. Refiro-me não somente àqueles museus históricos que celebram, mas também àqueles que promovem exposições, em geral em certas efemérides, para comemorar, rememorar e homenagear eventos e personagens históricos. E esta questão também está presente em museus norte-americanos. Por fim, o episódio mostra as dificuldades para pensar um museu histórico do fascismo na Itália, assunto crucial da história do século XX, no país e no mundo.

Os assuntos relacionados à história e à memória da Segunda Guerra Mundial, em museus e memoriais, a seus traumas e dramas, estão nesse universo, e a reflexão proposta se circunscreve nesse recorte temporal e temático. É possível um museu ser homenageador e histórico ao mesmo tempo? É possível um museu histórico de temas como o fascismo, o nazismo, a colaboração e seus personagens, sem que isso signifique celebrá-los?

2.

Nas últimas décadas, museus da Resistência à ocupação na França, na Itália e nos Países Baixos, por exemplo, conseguiram enfrentar, uns mais outros menos, os dilemas da abordagem crítica e celebratória (Rollemberg, 2016ROLLEMBERG, Denise. Resistência: memória da ocupação nazista na França e na Itália. São Paulo: Alameda, 2016.). Neles, vemos salas dedicadas à colaboração e seus personagens, incluindo também, muitas vezes no próprio nome do museu, o tema da deportação, inicialmente ausente nas narrativas dos museus europeus da Resistência. Outros museus se mantêm apegados a narrativas sacralizantes da memória. Alguns avançam bastante na resolução dessa tensão, em certos assuntos, mas não - ou menos - ao se depararem com determinadas questões. No que diz respeito aos personagens da Resistência, no entanto, esse enfrentamento é mais frágil.

Curiosamente, esses limites não dizem respeito exclusivamente a comportamentos “ambivalentes” do “pensar-duplo” ou da “zona cinzenta” (Laborie, 2010LABORIE, Pierre. Os franceses do pensar-duplo.In: ROLLEMBERG, Denise; QUADRAT, Samantha (orgs.). A construção social dos regimes autoritários: legitimidade, consenso e consentimento no século XX. Europa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. v. 1.), conceitos usados na análise das inúmeras possibilidades relativas aos comportamentos sociais e individuais diante da ocupação estrangeira entre a Resistência e a colaboração. A referida fragilidade na desconstrução de memórias biográficas de “heróis” da Resistência envolve, igualmente, comportamentos individuais de foro íntimo, revelando preconceitos do passado não de todo ausentes do presente. Para exemplificar tal situação, cito o silêncio que impera ainda hoje, no Museu Jean Moulin de Paris, em torno da sua possível homossexualidade. Mesmo na exposição temporária Rédecouvrir Jean Moulin (Levisse-Touzél, Veillon, 2013), em comemoração aos setenta anos da sua morte, inaugurada em abril de 2013, que pretendia abordá-lo em seu universo privado, o assunto permaneceu oculto.9 9 Rédecouvrir Jean Moulin. Exposição temporária (de 18 de abril de 2013 e 31 de agosto de 2014) no Museu do Général Leclerc de Hauteclocque e da Libération de Paris - Museu Jean Moulin, com o Ministério da Defesa. Curadoria de Christine Levisse-Touzé e Dominique Veillon. Catálogo: Museu do Général Leclerc de Hauteclocque e da Libération de Paris - Museu Jean Moulin. Sobre a homossexualidade de Jean Moulin, ver também Mickaël Bertrand (2001, p. 140).. Se Jean Moulin era ou não homossexual não é a questão exatamente, mas sim o silêncio a esse respeito, o constrangimento de pensar que talvez uma das figuras mais destacadas da Resistência francesa fosse homossexual. Romper esse silêncio, descobrindo preconceitos passados e presentes, talvez fosse a melhor maneira de homenagear Jean Moulin.

Nas narrativas mais sofisticadas, do ponto de vista da análise crítica, a existência de um departamento de pesquisa próprio, coordenado por historiadores reconhecidos ou contando com sua curadoria (ou autoria) na idealização das exposições permanentes (ou de longa duração) e temporárias, é o fator decisivo. Seus curadores, amparados em políticas públicas de memória, percebem que homenagear o fato resistente não é petrificá-lo em pedestal, mas enxergá-lo em sua complexidade, em seus acertos e erros, certezas e dúvidas, e todas as nuances entre esses extremos. Entendem que homenagear os homens e mulheres atuantes na Resistência não implica deformar a realidade histórica. Nesse sentido, incorporam em suas narrativas a colaboração e os múltiplos comportamentos sociais no espinhoso contexto da ocupação estrangeira. O fato de que esses museus assumem uma função pedagógica, procurando formar novas gerações segundo valores como liberdade, democracia, solidariedade, livre-arbítrio, contra aqueles dos Estados totalitários, no caso, de extrema-direita, torna o compromisso com a crítica ainda mais importante. Na própria Itália, excelente exemplo dessa abordagem é o Museu Ampliado da Resistência, Deportação, Guerra, Direitos e Liberdade (Museo Diffuso della Resistenza, della Deportazione, della Guerra, dei Diritti e della Libertà), de Turim, aberto ao público em 2003.

No entanto, é no Memorial da Resistência Alemã, em Berlim, que a desconstrução de memória sacralizada do combate ao nazismo, não somente no exílio, mas também no interior do país, que essa tensão entre memória (celebração) e história (produção de conhecimento) foi mais longe, inclusive, ao abordar seus “heróis”, mostrando-os em suas contradições ao longo do tempo. Evidentemente, tal possibilidade pode ser explicada pelo fato de a Alemanha ter sido o país invasor e derrotado na guerra. Mas lá também houvera um processo de construção de memória sacralizante. Foi no contexto da Reunificação do país que as memórias (das antigas RDA e RFA) foram desconstruídas e, elas também, unificadas. A atual exposição do Memorial da Resistência, em Berlim, data de 1989, englobando fatos e atos e personagens resistentes outrora presentes ou ausentes nas memórias de cada Alemanha em acordo com a lógica da Guerra Fria.

É também nessa conjuntura de fim do conflito ideológico iniciado em 1947, a partir dos anos 1990, que os museus franceses, neerlandeses e italianos descontruíram, os que o fizeram, suas narrativas sacralizantes, somando-se ao processo já em curso na historiografia, desde os anos 1970, mas que se consolidou nas décadas de 1980 e 1990.

Se os museus e memoriais celebratórios podem e devem ser também históricos, não é preciso dizer que os museus históricos não necessariamente são laudatórios. Podem ser ou não. Por exemplo, nos inúmeros museus da Escravidão, em diversos países do mundo, evidentemente, não se trata de celebrá-la, mas sim de rememorá-la. Neles, o foco crítico da análise é necessário, sem o qual o conhecimento do fato passado estaria comprometido. Dito isso, por que não seriam possíveis museus históricos dedicados ao fascismo, na Itália? Se Milão não tem - ou não tinha - um museu da Resistência porque na cidade o fenômeno foi pouco significativo, ao menos até o ocaso do regime e a derrocada do Duce em 1943, o que justificaria a inexistência de um museu do fascismo na cidade onde nasceu e se afirmou como regime? Um museu do fascismo para rememorá-lo e melhor compreendê-lo. O argumento de que tais museus possam se tornar lugares de peregrinação e manifestações da extrema-direita atual, que pretende ser herdeira desse passado, é o mais frequente (Pasetti, 2018PASETTI, Matteo. Intervista a Alberto De Bernardi sul progetto museográfico per l’ex Casa del fascio e dell’ospitalità di Predappio. E-Review, Rivista degli Istituti Storici dell’Emilia Romagna [in rete], n. 6, 2018. Disponível em: Disponível em: https://e-review.it/pasetti-intervista-a-de-bernardi . Acesso em: 16 jan. 2022.
https://e-review.it/pasetti-intervista-a...
). Contudo, o problema da existência dessa extrema-direita não desaparece com a ausência de museus sobre o fascismo. Pelo contrário, aprofundar conhecimento do assunto - sem mitificações - é o melhor instrumento para lidar com a questão na atualidade. Aliás, não é esse um dos fundamentos da missão pedagógica dos museus da Resistência e também presente nos museus do nacional socialismo, na Alemanha?

Na França, entre os muitos museus da Resistência, também há os que assumiram a perspectiva da homenagem incorporando a crítica histórica. Formulam narrativas que desconstroem as versões apaziguadoras do pós-guerra que, diante dos constrangimentos da derrota, da colaboração e do colaboracionismo10 10 Entre os franceses, colaboracionista foi o que aderiu aos nazistas por convicção ideológica, enquanto colaborador foi o que prestou serviços por diversas razões, inclusive por medo e vantagens pessoais. e das necessidades de reconstrução da identidade nacional, superestimaram o combate resistente, dando-lhe uma conotação de coesão que ele não teve (Wieviorka, 2010WIEVIORKA, Olivier. La mémoire désunie: le souvenir politique des années sombres, de la Libération à nos jours. Paris: Seuil, 2010.). Exemplos nesse sentido são o Centro de História da Resistência e da Deportação (Lyon, 1992) e o Museu da Resistência e da Colaboração de Isère (Grenoble, 1994). Nos Países Baixos, o Museu da Resistência de Amsterdã11 11 Het Verzetsmuseum Amsterdam. (1999). Contudo, na França, tampouco existe um único museu da colaboração (e muito menos do colaboracionismo), embora a historiografia já tenha demonstrado à exaustão a sua importância no período de domínio alemão. Ou seja, a colaboração e o colaboracionismo foram incorporados nas narrativas dos museus e memoriais citados, por vezes, com salas dedicadas ao tema, mas jamais serviram para definir o objeto de um museu. Muito menos, surgiu na França um museu Philippe Pétain, o marechal que esteve à frente do Estado colaborador com a Alemanha. Na ilha d’Yeu, onde o Vencedor de Verdun12 12 Codinome recebido pelo marechal em reconhecimento pela façanha de comandar a inesperada vitória na batalha de Verdun (1916), na Grande Guerra (1914-1918), poupando a vida de muitos jovens soldados franceses. A batalha de Verdun, consagradora de Pétain como herói da guerra, tornou-se o símbolo do nacionalismo francês, pois, uma vez cercados pelos alemães, as forças militares britânicas não puderam socorrê-los. passou seus últimos anos na condição de prisioneiro (1945-1951), no Forte de Pierre-Levée, depois de ter a sua condenação à morte comutada à prisão perpétua, existe um pequeno - “é, talvez o menor museu da França” (Un musée..., 10 set. 1989) - e privado museu, se é que se pode vê-lo como tal. O nome Musée historial de l’Ile d’Yeu em si já dissimula seu tema, o marechal. Segundo matéria do Le Monde, embora o museu não se chame “Museu Pétain”, bem que merecia. A ideia do museu partiu do filho do antigo proprietário do hotel no qual a esposa do prisioneiro se hospedou, próximo ao Forte, enquanto o marido esteve preso. A descrição do lugar feita pelo jornalista13 13 A matéria não é assinada. vale a longa citação a seguir. Entre a ironia (ou deboche) e o patético, evidencia a contrapelo a impossibilidade de a França ter um museu - de fato - Philippe Pétain, mesmo quando a temática da colaboração já tenha, como disse, integrado as narrativas de certos museus da Resistência. Não à toa, esse da Ile d’Yeu é, repito, um museu privado. A própria manchete da matéria explicita os ocultos dessa memória: “Un musée Pétain à l’Ile d’Yeu. Le maréchal bien caché”:

Imprensados contra a parede de uma escada estreita como a de um pequeno cômodo secreto, os dioramas14 14 Diorama: “Representação de uma cena, onde objetos, esculturas, animais empalhados etc. inserem-se em um fundo pintado realisticamente”. Dicionário on-line Houaiss. retomam a pré-história (dólmens, sacrifícios humanos), a Idade Média (destruidores), os monges do mosteiro de Saint-Sauveur salvos de a invasão normanda, o desembarque do conde d’Artois… para terminar, ao pé da escada, numa reconstrução da cela de Pétain, digna do Museu Grévin [o museu de cera, em Paris].

A voz de um comentarista invisível guia o visitante, então, para a única sala do museu: cerca de seis metros quadrados inteiramente ocupados pelo leito de morte do marechal e pelos móveis de sua cela. Nessa cama, protegida por um vidro, as roupas do moribundo: sua bengala, suas luvas, seu chapéu.

Nada está faltando, nas paredes e nas vitrines. Nem as bandeiras, o francisque [pequeno machado símbolo de Vichy], as fotos de lembrança, os estandartes de homenagem dos batalhões agradecidos. Nem as tigelas de alumínio em que a esposa levava guloseimas para o marido. Nem a bengala (do marechal) nem as abotoaduras (Un musee..., 10 set. 1989).

E, com o significativo subtítulo dado à matéria, “Discreta comiseração”, o jornalista continua sua descrição do Musée Historial de l’Ile d’Yeu:

É que o Sr. Nolleau pai, proprietário do Hôtel des voyageurs [no qual a Sra. Pétain se hospedava], foi um colecionador. Seguindo a tradição, o Sr. Nolleau filho continua a alimentar a coleta de objetos, importantes ou não, que Pétain usou, viu, amou, tocou. E ele decidiu esse ano [1989] beneficiar os turistas dos quais essa parte da nossa história teria escapado.

Se cada objeto desse pequeno Versalhes é apresentado com precisão, compunção, discreta comiseração, nada é dito, evidentemente, sobre as razões que levaram o vencedor de Verdun a vir morrer, solitário, nessa pequena ilha da Vendeia. Um livro de ouro [livro de visitantes] permite constatar que alguns visitantes (não todos!) se surpreendem. Como surpreendem as razões que qualificam como “museu” esse discreto, mas fervoroso mausoléu (Un musée..., 10 set. 1989, destaques meus).

Se esse é o “único museu Pétain” na França, por outro lado, os museus biográficos - públicos - dedicados a Charles de Gaulle e a Jean Moulin, os dois maiores personagens da Resistência francesa, são incontáveis em todo o país. Em Paris, o Historial General Charles de Gaulle localiza-se no Musée de l’Armée (Museu do Exército), Hôtel Nationale les Invalides, símbolo das glórias militares passadas, onde Napoleão repousa em sua tumba sob o magnifico domo dourado. O Museu Jean Moulin, por sua vez, está em Montparnasse, junto ao “Memorial do Marechal Leclerc de Hauteclocque15 15 Marechal Leclerc de Hauteclocque (1902-1947), mais um militar celebrado na luta resistente. e da Libertação de Paris”, ambos em edifícios integrados e integrando-se ao moderno conjunto arquitetônico Jardin Atlantique, de 1994.

Ora, se o museu celebratório é capaz de ser também histórico, ao assumir a natureza crítica do campo de conhecimento que o define, que sejam criados museus da colaboração e do colaboracionismo, do fascismo e de seus personagens. Na França, sequer é aventada tal possibilidade.

Na Itália, Alberto De Bernardi, historiador e professor da Universidade de Bologna, vem enfrentando esse combate à frente da iniciativa de transformar a histórica edificação da ex-Casa del Fascio e dell’Ospitalità di Predappio, na cidade natal de Benito Mussolini, em um museu histórico dedicado ao regime de duas décadas (Pasetti, 2018PASETTI, Matteo. Intervista a Alberto De Bernardi sul progetto museográfico per l’ex Casa del fascio e dell’ospitalità di Predappio. E-Review, Rivista degli Istituti Storici dell’Emilia Romagna [in rete], n. 6, 2018. Disponível em: Disponível em: https://e-review.it/pasetti-intervista-a-de-bernardi . Acesso em: 16 jan. 2022.
https://e-review.it/pasetti-intervista-a...
). O Progetto Predappio pretende ser, além de um museu, um “Centro de Documentação e Pesquisa de relevância internacional sobre o tema do totalitarismo nos anos 1900, com uma grande exposição permanente dedicada à Itália totalitária, ao Estado e à sociedade na era fascista”, segundo se lê em seu site. Nele, informa-se ainda:

O objetivo do projeto é aprofundar e documentar a leitura histórica dos acontecimentos que durante mais de vinte anos afetaram a Itália entre as duas guerras mundiais, preencher um vazio cultural das instituições e ao mesmo tempo desenvolver uma função pedagógica voltada, sobretudo, para as novas gerações.

É missão do Projeto, igualmente, “reelaborar a imagem da cidade de Predappio”, que, sendo a cidade onde o líder nasceu, anulou outras tradições políticas não identificadas com o fascismo e por ele derrotadas.16 16 Disponível em: https://progettopredappio.it/en/. Acesso em: 11 dez. 2020.

Apesar de a Câmara Municipal de Predappio ter aprovado por unanimidade em 29 de setembro de 2015, o “Projeto cultural de uso e gestão da ex-Casa del Fascio e dell’ Ospitalità”,17 17 Disponível em: https://progettopredappio.it/en/. Acesso em: 11 dez. /2020. os protestos vindos de diferentes partes - políticos, partidos políticos e até mesmo historiadores - impedem o seu desenvolvimento. Os que o rejeitam alegam que o museu-centro de pesquisa poderia se tornar um lugar de celebração da extrema-direita italiana, que se quer herdeira do passado fascista. Serviria ainda para reatualizar o ideário fascista e fortalecê-lo junto a novas gerações. Mario Isnenghi, renomado historiador italiano do fascismo, professor da cátedra de história contemporânea da Universidade de Veneza (Università Ca’ Foscari Venezia) posicionou-se na polêmica: “parece-me que quem escolher Predappio [para um museu do fascismo] está realmente em busca de problemas”.18 18 “Luoghi dela memoria”. Entrevista de Mario Isnenghi realizada por Barbara Bertoncin (2016).

Ora, o museu do fascismo de Predappio certamente seria (será) um museu centrado na pesquisa histórica e na divulgação do conhecimento, veiculado à missão pedagógica em todos os museus da Resistência da Europa. O que interessa a Alberto De Bernardi e demais idealizadores da proposta é o conhecimento histórico. A melhor maneira de enfrentar o fascismo e/ou a sua atualização no presente é conhecer sua história, divulgá-la, mostrar o sofrimento e a destruição causados pelo extremismo ideológico. Por meio de exposições e outras atividades em torno da experiência passada, homenageariam a liberdade de opinião e os valores humanitários, resgatariam a história de outras vertentes políticas e ideológicas contemporâneas ao fascismo e, portanto, disponíveis naquele momento. E mais, projetos como o de Predappio ressignificam espaços identificados com o regime. Podemos citar, entre outros, o Centro de História da Resistência e da Deportação, em Lyon, e o Museu Histórico da Libertação, em Roma, ambos instalados nas edificações usadas como sede da Gestapo nessas cidades; o Memorial da Resistência Alemã instalado no Bendlerblock, complexo de edificações no qual, entre 1938 e 1945, funcionaram o Alto Comando da Wehrmacht, inclusive o Serviço de Inteligência da Wehrmacht, bem como o comando do Exército de Reserva. No pátio, onde se vê um memorial, foram executados oficiais militares participantes da última tentativa de assassinar Hitler, ocorrida em 20 de julho de 1944. O coronel Claus von Stauffenberg é o mais conhecido deles. Os três casos podem ser analisados a partir do conceito “local traumático”, ou seja, “locais memorativos [...] onde se cumpriram atos admiráveis ou em que o sofrimento assumiu caráter exemplar” (Assmann, 2011ASSMANN, Aleida. Espaços da recordação: formas e transformações da memória cultural. Campinas: Editora da Unicamp, 2011., p. 348).

É razoável imaginar que a multiplicação dos museus do fato histórico minoritário - a Resistência - e a rejeição a museus sobre o fenômeno de massa do ventennio é a melhor maneira para enfrentar o passado e a extrema-direita do presente que nele busca referência? A mesma questão serve para a França. Depois de meio século do início da desconstrução do mito da sociedade resistente (Paxton, 1972PAXTON, Robert O. Vichy France: old guard and new order, 1940-1944. New York: Alfred A. Knopf, 1972., 1973PAXTON, Robert O. La France de Vichy, 1940-1944. Paris: Seuil, 1973., Rousso, 1987ROUSSO, Henry. Le syndrome de Vichy, de 1944 a nos jours. 2. ed. Paris: Seuil, 1990.), na historiografia e em destacados museus da Resistência, como os citados, quanto tempo teremos que esperar para vermos (se é que veremos um dia) a criação de um museu da colaboração e do colaboracionismo ou um museu - de fato - Marechal Pétain? Seria suficiente, exclusivamente, a incorporação desses assuntos e personagens em museus da Resistência? Ou, sendo assuntos e personagens incontornáveis da história da primeira metade do século XX, não devem ter seus próprios museus? A historiografia teve um papel essencial, desde os anos 1970, na França, com Robert Paxton (1972), na Itália, com Renzo De Felice (1974), por exemplo, no enfrentamento de temáticas como a colaboração e o consenso, respectivamente. Tal revisionismo do que já se havia escrito sobre o assunto, próprio - e bem-vindo - à natureza da pesquisa, impulsionou a desconstrução de memórias quanto ao comportamento social e do Estado francês, em Paxton, diante da ocupação estrangeira, e da possibilidade de construção de consenso (1929-1936), formulado como negociação entre o Estado fascista e os italianos, por De Felice.

Mais uma vez, lembro que tais contradições não são exclusivas da Europa, como veremos a seguir, continente onde a guerra começou e batalhas cruciais aconteceram, influenciando o tratamento de temáticas relativas à Segunda Guerra Mundial.

3.

Saindo da Europa, mas mantendo o debate circunscrito à abordagem nos museus históricos de traumas e dramas da Segunda Guerra Mundial, outra polêmica reveladora da tensão entre memória e história envolveu a exposição do Enola Gay, o B-29, no National Air and Space Museum (NASM), em Washington, no início da década de 1990 (Crane, 1997CRANE, Susan A. Memory, distortion, and history in the museum. History and Theory, v. 36, n. 4, p. 44-63, 1997. Disponível em: Disponível em: http://www.jstor.org/stable/2505574 . Acesso em: 14 dez. 2020.
http://www.jstor.org/stable/2505574...
).

Para comemorar o 50º aniversário do fim da guerra, o NASM propôs uma exposição contendo o conhecido avião que lançou a bomba atômica em Hiroshima, no Japão, em 1945. Martin Harwit, astrônomo norte-americano, nascido na antiga Tchecoslováquia, ao se tornar diretor do museu em 1987, havia defendido que “o museu fosse uma ‘consciência pública’ que discutisse tópicos ‘em debate público’. Essa visão incluiu sua decisão consciente de exibir o Enola Gay” (Atomic Heritage Foundation, 2016; National Air and Space Museum, 1991). Junto à aeronave, fotografias e artefatos emprestados pelo Japão integraram a exibição, mostrando a tragédia causada pelo ataque. Entretanto, logo surgiram reações contra o evento, mais exatamente, contra a incorporação de material (fontes históricas) que mostravam (ou rememoravam) as consequências da destruição da cidade japonesa. Sob a iniciativa e a liderança da Air Force Association,19 19 Organização sem fins lucrativos estabelecida em estados e territórios para promover atividades sociais, eventos comemorativos, celebrar a história da aviação e a memória de amigos falecidos. Disponível em: https://raafa.org.au/about/. Acesso em: 11 out. 2022. tais críticas alegavam que fora o Japão o agressor, e os EUA. os agredidos. Na sequência, manifestações contrárias à abordagem do NASM se multiplicaram com a interferência da American Legion,20 20 Organização sem fins lucrativos de veteranos de guerra dos EUA. Disponível em: https://www.legion.org/vsa. Acesso em: 11 out. 2022. de membros do Congresso, de veteranos de guerra, militares, todos argumentando a suposta falta de respeito em relação aos que arriscaram suas vidas para pôr fim à guerra que o Japão insistia em manter no Oriente. Sem o lançamento da bomba em Hiroshima e Nagasaki, ressaltaram, muitos combatentes aliados morreriam. O Senado, por unanimidade, declarou ofensiva a exposição em relação aos veteranos da guerra. Em contrapartida, historiadores surgiram a favor do enfoque da mostra. Martin Harwitt, no editorial de 7 de agosto de 1994 do Washington Post, explicou sua posição:

Queremos homenagear os veteranos que arriscaram suas vidas e aqueles que fizeram o sacrifício final, mas também devemos abordar as questões mais amplas que preocupam as gerações subsequentes - não com o objetivo de criticar, pedir desculpas ou mostrar compaixão por aqueles que estão no local naquele dia, como alguns podem temer, mas para fornecer um retrato preciso que transmita a realidade da guerra atômica e suas consequências (Harwit, 1994HARWIT, Martin. The Enola Gay: a Nation’s, and a museum’s, dilemma. Editorial. Washington Post, 7 Aug. 1994. Disponível em: Disponível em: https://www.washingtonpost.com/archive/opinions/1994/08/07/the-enola-gay-a-nations-and-a-museums-dilemma/e6354e7f-e190-4f0e-816b-6969edd6213d/?utm_term=.d8c39933508a . Acesso em: 16 jan. 2022.
https://www.washingtonpost.com/archive/o...
).

Depois de muitas discussões, a exposição foi cancelada e outras versões, apresentadas, sem que se chegasse a um resultado capaz de atender instituições, associações e cidadãos envolvidos na polêmica:

Durante o processo de revisão, a seção sobre o legado da bomba encolheu dramaticamente, o que irritou o Japão. Fotografias das vítimas da bomba, bem como os artefatos do bombardeio, foram em grande parte removidos da exposição [...]. A seção sobre atrocidades japonesas durante a guerra foi expandida. As revisões geraram nova onda de críticas de grupos exigindo a reinstalação de certos elementos, inclusive, as fotos de vítimas japonesas. Um comunicado classificou a ‘limpeza histórica’ do roteiro como ‘inescrupulosa’ e instou o Smithsonian a resistir à pressão para escrever uma história ‘patrioticamente correta. 21 21 Smithsonian Institution é a instituição educacional e de pesquisa associada a um complexo de museus, fundada e administrada pelo governo dos EUA. Disponível em: https://www.si.edu/. Acesso em: 16 jan. 2022.

Por fim, em janeiro de 1995, o secretário do Smithsonian, Michael Heyman, anunciou a decisão de substituir a exposição por uma menor e se retratou publicamente:

Cometemos um erro básico ao tentar unir um tratamento histórico do uso de armas atômicas com a comemoração do 50º aniversário do fim da guerra. [...]. Neste importante ano de aniversário, os veteranos e suas famílias esperavam, e com razão, que a nação honrasse e comemorasse seu valor e sacrifício. Eles não estavam procurando por análise e, francamente, não demos atenção suficiente aos sentimentos intensos que tal análise evocaria.

Nas palavras de Heyman, “tratamento histórico” torna-se incompatível com “comemoração” do fato histórico (os cinquenta anos do fim da guerra). Em outras palavras, para lembrar aqueles que arriscaram suas vidas na luta contra o Eixo, é preciso silenciar a história.

Martin Harwit renunciou ao cargo de direção do National Air and Space Museum alguns meses depois e, no ano seguinte, publicou um livro sobre a polêmica com sugestivo título: An exhibit denied (Harwit, 1996HARWIT, Martin. An exhibit denied: lobbying the history of Enola Gay. New York: Copernicus, 1996.).

O que o visitante do NASM viu, por fim, foi a “desfiguração da abordagem original”, reduzida “a simples exibição da fuselagem de Enola Gay com pouco contexto histórico. Foi acompanhado por uma apresentação de vídeo que incluiu entrevistas com a tripulação antes e depois da missão. O texto que descreve a exposição se limita à história e ao desenvolvimento da frota do Boeing B-29. A outra parte da exposição descreveu os esforços de restauração”.

Entre janeiro de 1995 e maio de 1998, a exposição foi vista por mais de um milhão de visitantes apenas no primeiro ano, e quase quatro milhões, quando se encerrou, “uma das exposições especiais [temporárias] mais populares da história do Museu do Ar e do Espaço”. Nunca saberemos se o sucesso da exposição se deveu à narrativa, que excluiu a crítica histórica, ou ao interesse e à curiosidade do público motivados pela polêmica. Em todo caso, perdeu-se a oportunidade de oferecer ao visitante uma narrativa sobre a Segunda Guerra Mundial em sua complexidade, que desfaz uma suposta incompatibilidade entre a homenagem e a história.

Considerações finais

Os conflitos entre narrativas históricas no interior de espaços museais ainda são intensos e estão longe de acabar. Eles se inscrevem na contradição entre história e memória. Apesar dessa tensão, vimos experiências exitosas no esforço de homenagear sem deturpar a história, evocando o olhar crítico dos fatos e personagens de temas ligados à Segunda Guerra Mundial. Observamos também a experiência fracassada, nesse sentido, na exposição idealizada por Martin Harwit. Mas esse fracasso serviu para promover o amplo debate sobre a questão, o que, de certa forma, representa um sucesso.

Ainda assim, é claro o limite para a criação de museus diretamente identificados a temáticas como o fascismo e a colaboração, na Europa, ou mesmo exposições temporárias sobre o bombardeio atômico a cidades japonesas, nos EUA. Outros temas poderiam ainda ser evocados e integram a polêmica, como a destruição das cidades alemãs, pelas forças aliadas, em particular Dresden, ao fim da guerra. Mesmo na Alemanha, onde há museus do nacional-socialismo em várias cidades, o termo museu é omitido na denominação desses “espaços de recordação”, o que não impede que esses centros de documentação sejam museus do nacional-socialismo.

Com isso, prevalece a contraditória situação, do ponto de vista do historiador, do trabalho historiográfico, em que o fenômeno minoritário - a Resistência e seus personagens - é tema de inúmeros museus e memoriais (incluindo a Alemanha), enquanto inexistem museus sobre o fenômeno central - o fascismo, a colaboração e seus personagens. A Alemanha, sem dúvida, é o país onde as narrativas críticas vão mais longe, se incorporando às narrativas celebratórias. Também é nesse país que se viabilizou a criação de museus sobre o nazismo, apesar do limite acima apontado.

O Projeto Predappio, defendido pelo historiador Alberto De Bernardi, um museu e centro de pesquisa sobre o fascismo, a ser feito numa edificação identificada com estética da arquitetura fascista, na cidade natal de Mussolini, é o símbolo da defesa da história no combate contra a memória; é a defesa de que é com o conhecimento da história que se faz o enfrentamento da memória do fascismo (nostálgica e celebratória) da extrema-direita de hoje.

Referências

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  • WIEVIORKA, Olivier. La mémoire désunie: le souvenir politique des années sombres, de la Libération à nos jours Paris: Seuil, 2010.
  • 1
    Entre o fim da guerra e os dias atuais, esses museus passaram por mudanças em suas narrativas, acompanhando - e influenciando - o debate presente na sociedade e na historiografia (Rollemberg, 2016). Para os objetivos deste artigo, em se tratando de museus europeus, me refiro a narrativas das exposições permanentes (ou de longa duração).
  • 2
    Refiro-me à atual exposição permanente, de 1989; o início da criação desse museu e memorial data de 1952.
  • 3
    Dokumentationszentrum Reichsparteitagsgelände.
  • 4
    NS-Dokumentationszentrum München.
  • 5
    Para abordar os museus da Resistência da Itália e da França, usei o conceito de “lugares de memória”, consagrado por Pierre Nora (1984, 1986, 1992, 1993). O historiador o cunhou em referência a tais lugares materiais e imateriais que se prestaram a afirmar a identidade do Estado-nação da França do século XIX. Entretanto, diante da crise de identidade nacional provocada no entreguerras e agravada com as ocupações estrangeiras, tanto na França como na Itália, os lugares de memória, no contexto de reconstrução no pós-guerra, serviram também à finalidade de restaurar os Estados-nação francês e italiano. As fraturas provocadas pela ocupação nesses dois países promoveram o uso, inclusive, do conceito de guerra civil. Cf. Pierre Laborie (2003), Olivier Wieviorka (2005), para a França, e Claudio Pavone (2005), para a Itália. Para os museus e memoriais alemães, o conceito de espaços da recordação, de Aleida Assmann (2011), parece mais adequado. Ao propô-lo, a linguista defende que o surgimento e a proliferação deles no pós-Segunda Guerra Mundial não têm a função de glorificar os feitos e personagens do Estado-nação, mas, ao contrário, homenagear suas vítimas. Embora, nessa perspectiva, o conceito de Assmann também possa ser estendido para os museus e memoriais franceses e italianos da Segunda Guerra Mundial, uma vez que surgiram e se multiplicaram em referência aos acontecimentos do conflito e valorizando suas vítimas, acredito que, nesses países, a função de afirmação da unidade nacional restaurada com a derrota do Eixo, predomina.
  • 6
    Giulia Ronchi e Massimiliano Tonelli (2019).
  • 7
    Sobre o caráter regional dos museus da Resistência na Itália, ver Rollemberg (2016).
  • 8
    Vale dizer, contudo, que tal dicotomia não existe em grandes museus históricos, apesar dessa realidade ser comum naqueles mais modestos.
  • 9
    Rédecouvrir Jean Moulin. Exposição temporária (de 18 de abril de 2013 e 31 de agosto de 2014) no Museu do Général Leclerc de Hauteclocque e da Libération de Paris - Museu Jean Moulin, com o Ministério da Defesa. Curadoria de Christine Levisse-Touzé e Dominique Veillon. Catálogo: Museu do Général Leclerc de Hauteclocque e da Libération de Paris - Museu Jean Moulin. Sobre a homossexualidade de Jean Moulin, ver também Mickaël Bertrand (2001, p. 140)..
  • 10
    Entre os franceses, colaboracionista foi o que aderiu aos nazistas por convicção ideológica, enquanto colaborador foi o que prestou serviços por diversas razões, inclusive por medo e vantagens pessoais.
  • 11
    Het Verzetsmuseum Amsterdam.
  • 12
    Codinome recebido pelo marechal em reconhecimento pela façanha de comandar a inesperada vitória na batalha de Verdun (1916), na Grande Guerra (1914-1918), poupando a vida de muitos jovens soldados franceses. A batalha de Verdun, consagradora de Pétain como herói da guerra, tornou-se o símbolo do nacionalismo francês, pois, uma vez cercados pelos alemães, as forças militares britânicas não puderam socorrê-los.
  • 13
    A matéria não é assinada.
  • 14
    Diorama: “Representação de uma cena, onde objetos, esculturas, animais empalhados etc. inserem-se em um fundo pintado realisticamente”. Dicionário on-line Houaiss.
  • 15
    Marechal Leclerc de Hauteclocque (1902-1947), mais um militar celebrado na luta resistente.
  • 16
    Disponível em: https://progettopredappio.it/en/. Acesso em: 11 dez. 2020.
  • 17
    Disponível em: https://progettopredappio.it/en/. Acesso em: 11 dez. /2020.
  • 18
    “Luoghi dela memoria”. Entrevista de Mario Isnenghi realizada por Barbara Bertoncin (2016).
  • 19
    Organização sem fins lucrativos estabelecida em estados e territórios para promover atividades sociais, eventos comemorativos, celebrar a história da aviação e a memória de amigos falecidos. Disponível em: https://raafa.org.au/about/. Acesso em: 11 out. 2022.
  • 20
    Organização sem fins lucrativos de veteranos de guerra dos EUA. Disponível em: https://www.legion.org/vsa. Acesso em: 11 out. 2022.
  • 21
    Smithsonian Institution é a instituição educacional e de pesquisa associada a um complexo de museus, fundada e administrada pelo governo dos EUA. Disponível em: https://www.si.edu/. Acesso em: 16 jan. 2022.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    17 Jan 2022
  • Aceito
    24 Mar 2022
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