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Maquiavelianas brasileiras: dissimulação, ideias políticas e revoltas coloniais (Portugal, séculos XVII e XVIII)1 1 Estudo desenvolvido no âmbito no projeto de bolsa produtividade do CNPq "Tradições intelectuais e lutas políticas na América portuguesa moderna, séculos XVI-XVIII". O embrião deste artigo foi a comunicação apresentada no Colóquio internacional Maquiavel dissimulado: heterodoxias político-culturais no mundo luso-brasileiro, na UFF, em outubro de 2011. Sou grato ao convite de Rodrigo Bentes Monteiro, que acreditou em uma nota de rodapé perdida num velho artigo. Cabem agradecimentos a Sérgio Alcides, Enzo Baldini, Giuseppe Marcocci, Ângela Barreto Xavier e Silvia Patuzzi pelas vivas sugestões propostas durante os debates. Sou grato aos pareceristas anônimos da TEMPO que contribuíram para reparar omissões e imprecisões.

Resumos

A teoria política sobre o poder da monarquia católica em Portugal, apesar de não ver com bons olhos os expedientes dissimulatórios, não conseguiu evitar seu uso diante da gravidade que assumiu a luta de resistência dos súditos na América. Em muitas dessas situações, se sustentou o uso da dissimulação, especialmente entre 1640 e a primeira metade do século XVIII. Na mais importante esfera de debates dos problemas políticos da colônia - o Conselho Ultramarino -, a recomendação da arte do segredo foi francamente defendida, mas, progressivamente, condenada, uma vez que, aparentemente, foi incapaz de reduzir as revoltas. A defesa da dissimulação em O príncipe, mesmo se distinguindo da razão de Estado católica, baliza o debate que toma conta dos autores da política cristã nos séculos XVI e XVII.

dissimulação; Portugal; Brasil colônia


The political theory on the power of the Catholic monarchy in Portugal, despite not seeing dissimulatory expedients with good eyes, could not prevent their use in face of the severity that assumed the resistance struggle of the subjects in America. In many of these situations, the use of dissimulation was supported, especially between 1640 and the mid-18th century. In the most important sphere of debates on the political problems of the colony - the Overseas Council -, the recommendation of the art of dissimulation was openly advocated but progressively condemned, once that, aparently, it was unable to diminish rebellions. The defense of dissimulation in The prince, even different from the Reason of State, guides the debates that take over the authors of política christiana, or Christian Politics, in the 16th and 17th centuries.

dissimulation; Portugal; Brazil colony


La teoría política sobre el poder de la monarquía católica en Portugal, a pesar de no ver con buenos ojos los expedientes disimuladores, no pudo evitar su uso en la gravedad de la lucha de resistencia por los sujetos de América. En muchas de estas situaciones, el uso de la disimulación fue apoyado, especialmente entre 1640 y la mitad del siglo XVIII. En el ámbito más importante de las discusiones de los problemas políticos de la colonia - El Consejo de Ultramar -, una recomendación del arte del secreto fue abiertamente defendida, pero condenada, ya que, al que parece, no fue capaz de reducir las revueltas. La defensa del disimulo en El príncipe, mismo que sea diferente de la razón de Estado católica, orienta la discusión entre los autores de la política christiana en los siglos XVI y XVII.

disimulación; Portugal; Brasil colonia


La théorie politique du pouvoir de la monarchie catholique au Portugal, bien que pas en voyant d'un bon œil les montages dissimulateurs, n'a pas pu éviter de les utiliser face à la gravité des luttes de résistance des sujets en Amérique. Dans la plupart des situations, la dissimulation a été soutenue surtout entre 1640 et la première moitié du XVIIIe siècle. Dans le plus important cadre des débats politiques - Le Conseil d'Outre-mer -, la recommandation de l'art du secret a été défendue, mais ensuite condamnée progressivement, car apparemment n'a pas été en mesure de réduire les révoltes. Les arguments en faveur de la dissimulation dans Le prince, tout en se distinguant de la Raison de l'État catholique, a marqué un tournant dans le débats couverts par les auteurs de la politique chrétienne aux XVIe et XVIIe siècles.

dissimulation; Portugal; Brésil colonial


Quem não pode dissimular não pode reinar. Frase atribuída a Luís XI, rei de França

A intenção e o gesto

Era um tempo em que se morria pela honra. Por ela, Luís Barbalho Bezerra, governador do Rio de Janeiro, sucumbiu. Para um conquistador leal, forjado nas lutas contra os índios, holandeses, piratas e outras feras que rondavam São Paulo e, mais tarde, o povoado fluminense, foi fatal deixar de atender ao desejo de seu soberano. As circunstâncias, como quase sempre acontecem em situações com esse tipo de desfecho, envolviam dinheiro.

A década de 1640 do século XVII foi duríssima para os moradores da cidade do Rio de Janeiro. Afetados pelas disputas europeias que repercutiam no império português, uma enorme pressão fiscal, agravada por problemas na comercialização do açúcar e da aguardente da terra, exigiu dos fluminenses colaboração para financiar a defesa do porto ante a aproximação dos holandeses, que haviam ocupado o nordeste em 1630 e Angola em 1641. Colaborando para o clima tenso, a divulgação do breve papal de 1639, proibindo a escravidão indígena, indispõe os colonos com os jesuítas. Para completar, nos primeiros anos da década, uma epidemia de varíola devasta boa parte da população de escravos.2 2 Vivaldo Coaracy, O Rio de Janeiro no século XVII, 2. ed. rev. e aum. Prefácio de Francisco de A. Barbosa, Rio de Janeiro, J. Olympio, 1965, p. 119.

É nesse ambiente delicado que o governador Luís Barbalho recebe ordem do soberano, em 1643, para enviar à Bahia todo o dinheiro cunhado no Rio de Janeiro, a fim de ajudar na defesa da capital da América portuguesa. Os fluminenses reagem à sangria com um motim, tentando tomar das mãos do governador o cofre com as moedas cobiçadas. Mais bem organizados, os rebeldes impedem que Barbalho cumpra a vontade de Sua Alteza e ele, arrasado pelo peso da desonra, morre alguns dias depois.3 3 Arquivo Histórico Ultramarino (daqui para a frente AHU), Parecer do Conselho Ultramarino, Lisboa, 25 de outubro de 1644, cód. 13, f. 131v-133. Sem perder tempo, a câmara e os moradores elegem a toque de caixa o capitão-mor Duarte Vasqueanes para seu sucessor. Mas o governador-geral do Brasil tinha outros planos para a administração local. Sediado na cidade de Salvador (Bahia), Antônio Teles da Silva despacha o mestre-de-campo Francisco de Souto Maior para assumir a capitania. Mais tumultos ocorrem. Vasqueanes, que mal esquentara a cadeira, mobiliza toda a guarnição militar para barrar os planos do forasteiro. Debalde. Sob um clima pesado de confrontações, seguindo "de mão armada" devidamente acompanhado por um terço, o mestre de campo enfrenta os adversários e cumpre a ordem do governador-geral.4 4 Idem, Bahia, Luisa da Fonseca, Parecer do Conselho Ultramarino e Treslado de uma junta que se fez sobre os avisos que agora se tiveram do Rio de Janeiro e da morte de Luiz Barbalho Bezerra, Rio de Janeiro, 4 de maio de 1644, doc. 1077, fl. 6-7.

Os integrantes do Conselho Ultramarino, instituição que atravessava seus primeiros anos de funcionamento desde sua recriação em 1642, foram convocados a julgar e aconselhar o soberano diante "do escândalo do tumulto".5 5 Desde o livro de Marcelo Caetano, O Conselho Ultramarino: esboço da sua História, Lisboa, Agência Geral do Ultramar, 1967, demorou algum tempo para o Conselho Ultramarino, como tema específico de estudo, voltar a provocar interesse. Dentre eles, ver Edval de Souza Barros, Negócios de tanta importância: o Conselho Ultramarino e a disputa pela condução da guerra no Atlântico e no Índico (1643-1661), Lisboa, Centro de História de Além-Mar, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, 2008 e Eric Lars Myrup, "Governar a distância: o Brasil na composição do Conselho Ultramarino, 1642-1833", In: Stuart Schwartz; Eric Myrup (orgs.), O Brasil no império marítimo português, Bauru, Edusc, 2009, p. 275-276. Movidos pela prudência e sem vacilar, os conselheiros recomendam ao novo governador evitar castigar os rebeldes a qualquer custo.6 6 Necessário registrar que os debates e as opiniões travadas no âmbito do Conselho Ultramarino, por razões variadas, nem sempre se cumpriam no plano da prática dos que governavam. Este estudo não pretende conferir a execução das medidas recomendadas que, algumas vezes, chegavam tarde ou podiam ser evitadas pelos governadores que não se furtaram a executar e castigar. Apesar da afronta, tampouco deveria entabular qualquer investigação para apuração dos responsáveis. A fórmula de lidar com tal sedição foi recomendada a Francisco de Souto Maior de maneira clara, cabendo a ele adotar "por mais necessário, a dissimulação delas [as demonstrações de castigo] por ora". Se as atitudes dos súditos haviam sido reconhecidamente graves, mais graves, contudo, eram as circunstâncias delicadíssimas que ameaçavam a preservação da praça do Rio de Janeiro, lugar decisivo para as articulações imperiais no Atlântico sul. A descapitalização da economia local com "a falta de Angola e o rio da Prata" - a primeira, mercado de escravos, conquistada pelos holandeses; o segundo, fonte de prata, fechada definitivamente aos portugueses com o fim da União Ibérica - era a pá de cal que faltava. Diante disso, poucos ali duvidariam de que a repressão exemplar deveria ser descartada, reconhecendo que, para a manutenção do Rio de Janeiro, mostrava-se imprescindível apostar na harmonia do ambiente local e contar com a "milícia e [a] continuação das fortificações, o que totalmente depende da vontade e união do povo".

Sem o saber, encaram um desafio que iria ocupá-los sem trégua dali para frente. Não me refiro ao dilema de recomendar castigos ou alívio às punições merecidas por súditos que resistiam às autoridades régias, mas ao expediente da dissimulação, que, acionada pelos recorrentes conflitos nas regiões da América portuguesa, colabora para o debate sobre a luta política na época moderna.

As sugestões do Conselho Ultramarino reforçavam a obra de construção da coesão política naquele momento delicado de rompimento da União Ibérica. Assim como o que se passava no reino, a comunicação com as partes do império era fundamental.

De forma prática, a gestão do Império luso se traduzia, em parte, pelo próprio diálogo entre os Conselhos Superiores da monarquia, que discutiam sua administração diplomática, militar, financeira e patrimonial. Contudo, por outro lado, a gestão também sofria interferências de papéis advindos dos espaços periféricos do Império. Eram as elites locais que escreviam ao rei, seja por meio de arbítrios ou remédios, ou expressavam suas intenções e interesses pelas Câmaras, correspondências oficiais, dentre outras formas de comunicação política. Informavam as realidades locais, subsidiavam as decisões e viabilizavam o governo.7

Ao novo governador, sugerem os ministros, cabia "usar de toda a brandura". Francisco de Souto Maior acatou a orientação, confirmando ser "muito trabalhoso" e imprevisível para a segurança do Rio de Janeiro punir os rebeldes, sem deixar de notar, "como merece tal indignação de nossa nação". Ele ainda farejou algo de mais sério no "descontentamento dos moradores", pois estes teriam sido considerados até "suspeitosos na lealdade". Não era pouco imaginar que súditos dos quais dependia a preservação de uma região vital do império ultramarino vacilavam em sua fidelidade ao soberano. Do documento final da junta que o governador-geral organizou para avaliar as circunstâncias, escapou a sentença plasmada dos manuais políticos que vinham circulando nos países católicos: "quando as forças não são conformes ao respeito dos fins é a dissimulação em tais matérias o meio mais seguro entre a conservação do estado e autoridade dos príncipes".8 8 AHU, Bahia, Luísa da Fonseca, Parecer do Conselho Ultramarino e Treslado de uma junta que se fez sobre os avisos que agora se tiveram do Rio de Janeiro e da morte de Luiz Barbalho Bezerra, Rio de Janeiro, 4 de maio de 1644, doc. 1077, fl. 6-7.

Seus efeitos naquele contexto não decepcionaram os formuladores da arte de governar súditos coloniais: "brandos e dispostos", os moradores sossegaram, aceitando inclusive pagar mais impostos. O resultado do segredo, segundo a leitura dos conselheiros, permitiu que fluminenses percebessem que foram merecedores do castigo e, em reconhecimento pela clemência régia demonstrada, tornaram-se confiantes e zelosos em relação ao seu rei. Mais do que o rigor merecido, escreveram os ministros, teria pesado como instrumento de disciplina coletiva "o medo e arrependimento com que os sente". Assinado em 11 de outubro de 1644, o "como parece" de D. João IV ordenando o cumprimento naqueles termos encerra o primeiro capítulo da execução da dissimulação como política de Estado.9 9 Idem, Francisco de Souto Maior governador do RJ da conta de como tomou posse daquele governo e avisa de algum particular tocantes a segurança daquela capitania, cód. 13, fl. 122-123v.

Tratada com reserva no vocabulário político dos pensadores católicos na Península Ibérica, as recomendações de dissimulação passariam a ganhar realce nos debates que envolveram as autoridades portuguesas surpreendidas com a multiplicação imprevisível de contestações dos súditos espalhados pelos domínios do Novo Mundo. O século das revoltas que transcorreu no Brasil entre 1640 e meados do século XVIII, concentrando uma quantidade impressionante de rebeliões formais nas quais autoridades régias foram desafiadas em diferentes graus, exigiu que novas formas de reação fossem elaboradas a fim de enfrentar a desarmonia que sacudia o corpo político da monarquia, afetando em especial as relações com os súditos ultramarinos.10 10 Para uma visão de conjunto das revoltas coloniais, ver Laura de Mello e Souza, "Motines, revueltas y revoluciones en la América portuguesa de los siglos XVII y XVIII", Historia General de América Latina: procesos americanos hacia la redefinición colonial, vol. 4, Paris, 2000, p. 459-473, e Luciano Raposo de Almeida Figueiredo, Rebeliões no Brasil Colônia. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2005.

Algumas décadas depois, as soluções para lidar com súditos rebeldes voltariam à pauta dos oficiais que integravam o Conselho Ultramarino. Sobre a mesma cidade do Rio de Janeiro, as notícias que chegavam eram mais graves, reportando uma rebelião começada em novembro de 1660 em que a população havia destituído Salvador Correa de Sá e Benevides e nomeado um novo governador e outros representantes para atuar na câmara. As razões relacionavam-se mais uma vez com a pressão fiscal destinada a cobrir gastos com a defesa e com o alijamento do poder local de grupos econômicos importantes.11 11 Luciano Raposo de Almeida Figueiredo, Revoltas, fiscalidade e identidade colonial na América portuguesa: Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais (1640-1761), Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996 (cap. 1 - "A revolta da cachaça"); Charles R. Boxer, Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola, 1602-1686, São Paulo, Edusp, 1973, p. 306-345 (cap. VII - "Capitão-general do sul"); Antonio Filipe Pereira Caetano, Entre a sombra e o sol: a Revolta da Cachaça, a freguesia de São Gonçalo do Amarante e a crise política fluminense (Rio de Janeiro, 1640-1667), Dissertação de mestrado, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2003. Soldados, fazendeiros e agregados, aproveitando-se do afastamento temporário do titular da capitania, prendem o governador interino Tomé de Souza Alvarenga e nomeiam em seu lugar Agostinho Barbalho, filho justamente do falecido Luís Barbalho Bezerra. Poucos meses depois, em fevereiro de 1661, Jerônimo Barbalho substituiria o irmão no poder. Salvador Correa de Sá e Benevides tratou de reagir. No início de abril desse ano, tropas vindas da Bahia e de São Paulo e uma armada portuguesa entraram em ação para a retomada do poder na capitania. Depois de prender as lideranças responsáveis pelo motim, Benevides não vacila, sentenciando à morte Jerônimo Barbalho e executando sumariamente a pena capital.

O século das revoltas no Brasil exigiu que novas formas de reação fossem elaboradas a fim de enfrentar a desarmonia que sacudia o corpo político da monarquia

O episódio chega ainda quente na mesa dos ministros do Conselho Ultramarino. Nessa instituição, desaguavam as crises e a ela cabia debater e propor soluções para as colônias: "Nenhum outro organismo do governo", afirma Laura de Mello e Souza, "se empenhou tanto, com acerto ou com erro, na redefinição do império português de então, consciente que urgia mudar para conservar o mando".12 12 Laura de Mello e Souza. O sol e a sombra: política e administração na América portuguesa do século XVIII, São Paulo, Companhia das Letras, 2006, p. 90.

Em abril de 1661, depois de o Conselho Ultramarino consolidar suas reflexões sobre o levantamento no Rio de Janeiro e sobre os procedimentos do governador, voltam a defender a discrição com as investigações dos culpados. Apesar de reconhecerem que "o negócio seja tão grave e de tal qualidade", sustentam que se deveria agir ali da mesma maneira que fizeram em contestações recentes em outras partes do império, como em Macau (1646) e no Ceilão (1652), quando, ao contrário da punição, "se fez pouca demonstração pela distância".13 13 AHU, Parecer do Conselho Ultramarino sobre o que escrevem os oficiais da câmara do Rio de Janeiro acerca do levantamento que houve no povo daquela capitania contra Tomé Correia de Alvarenga, Lisboa, 7-4-1661, cód. 16 (consultas mistas), fl. 11-12.

A dissimulação em relação à devassa, julgamentos e ações judiciais a respeito do crime cometido pelos grupos fluminenses triunfa, apesar da execução sumária de uma de suas lideranças. Ao monarca cabia, especialmente em circunstâncias difíceis como aquela em que os instrumentos de seu poder não conseguiriam agir com eficácia, adotar uma conduta paternal com os súditos "sem, de forma alguma, deixá-los perceber que tinham praticado alguma coisa errada", argumento semelhante àquele empregado na crise com os moradores em 1644. E os conselheiros concluem seu voto: "as sadias máximas de estado ensinam que mais vale abrir-lhes agora um crédito de confiança, do que exasperá-los, dando-lhes um pretexto para se valerem de outra nação [...]".14 14 Consulta do Conselho Ultramarino, maio de 1661. Publicado em Frazão de Vasconcellos, Archivo nobiliarchico portuguez, 1ª série, n. 6, p. 13, apud Charles R. Boxer, Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola, 1602-1686, São Paulo, Edusp, 1973, p. 338.

Enquanto em 1644 há menção à suspeita de falta de lealdade, agora o foco tem endereço certo, aludindo à possibilidade de os fluminenses recorrerem à outra Coroa. Esse último enunciado é bastante original quando aplicado a um domínio territorial do império português e, ao mesmo tempo, uma chave para se compreenderem as bases de defesa da dissimulação por parte das autoridades. Afinal, desde finais do século XVI, com a guerra de independência dos Países Baixos em relação à Espanha, as rebeliões tornaram-se meios de mobilizar comunidades a reverem sua posição em relação ao soberano. No período que transcorre entre a morte de Luís Barbalho e a de seu filho Jerônimo, algo se modifica ainda mais nas circunstâncias políticas europeias quando a Catalunha, também por meio de uma rebelião, rompe com a Coroa espanhola e busca a sujeição ao rei francês. Na percepção dos conselheiros, os riscos provocados pela sedição fluminense poderiam ir pelo mesmo caminho: a alta traição ou o irridentismo dos seus próprios vassalos.

Esses fantasmas parecem conter a pulsão punitiva, dando lugar à dissimulação em diversas outras contestações. Notícias de distúrbios semelhantes chegam para exame dos conselheiros em 1666, vindas de Pernambuco. Em agosto daquele ano, o governador Jerônimo de Mendonça Furtado, o "Xumbergas", agastado com a elite, representada pela câmara de Olinda, havia sido preso e embarcado de torna-viagem para Lisboa. O governador era acusado de uma série de atos tirânicos que feriam os interesses dos grupos locais e, alegavam, interesses de Sua Majestade, pois embolsava receita dos donativos, facilitava comércio clandestino com os franceses, recunhava moeda e desrespeitava imunidades eclesiásticas.15 15 O episódio da deposição do governador de Pernambuco, com toda sua complexidade, inaugura a A fronda dos mazombos - nobres contra mascates: Pernambuco 1666-1715, obra seminal de Evaldo Cabral de Mello, São Paulo, Companhia das Letras, 1995. Ver capítulo "O agosto do Xumbergas", p. 19-50. Para governar, a câmara de Olinda organiza uma junta provisória e comunica ao conde de Óbidos, vice-rei do Brasil, que estava senhora da cidade. A reação do Conselho Ultramarino não parece muito diferente das anteriores. Apesar de reconhecerem que o desaforo exigia castigo exemplar, admitem que, naquele momento, por mais grave que fosse o comportamento dos vassalos, o melhor era remediar o acontecido.16 16 Ibidem, p. 46.

Elogio, hesitação, ocaso

Inquietações não faltaram a partir da primeira década do século XVIII, quando tem lugar uma política centralizadora que limita a margem de manobra das elites coloniais, provocando uma das conjunturas insurgentes que marcou as relações entre Portugal e o Brasil.17 17 Laura de Mello e Souza, "Motines, revueltas y revoluciones en la América portuguesa de los siglos XVII y XVIII". In: Enrique Tandeter (dir.), Historia General de América Latina: procesos americanos hacia la redefinición colonial, vol. 4, Paris, Ediciones Unesco, 2000, p. 459-473. Há uma considerável redução das autonomias locais colocadas sob controle da magistratura alinhada com os interesses da Coroa e a transferência para a administração local das despesas com a defesa. Os súditos reagem de diferentes partes da América, em ritmos e formas distintos.18 18 Para Pernambuco, ver Evaldo Cabral de Mello, A fronda dos mazombos - nobres contra mascates: Pernambuco 1666-1715, São Paulo, Companhia das Letras, 1995.

Ao lidar com as violentas resistências dos paulistas em ceder espaços políticos na administração das Minas recém-descobertas, por muitas vezes, as autoridades e governadores de São Paulo e Rio de Janeiro foram aconselhados a encobrir qualquer ímpeto punitivo. "Entre o castigo e o perdão", escreve Adriana Romeiro, "o Conselho julgou por bem dissimular as estripulias dos paulistas".19 19 Adriana Romeiro, Paulistas e emboabas no coração das Minas: idéias, práticas e imaginário político no século XVIII, Belo Horizonte, Editora da UFMG, 2008, p. 80. Em 1709, num dos episódios mais dramáticos dessa disputa entre as autoridades a serviço de Portugal e os conquistadores das minas, paulistas e emboabas, o governador do Rio de Janeiro, D. Fernando Martins Mascarenhas de Lencastre, foi expulso pelos vassalos rebeldes ao tentar entrar com sua comitiva nos domínios auríferos. Diante daquele crime, o governador seguinte, D. Antônio de Albuquerque, que recebeu a mesma tarefa imperiosa de controlar as Minas, no final do mesmo ano, seria advertido a não tentar naquelas circunstâncias lavar a honra do seu antecessor. Aconselhado pelos ministros do tribunal do ultramar, deveria tomar o "caminho mais prudente, e de toda a dissimulação, por se não arriscar um negócio da mais alta consequência que pode haver".20 20 Ibidem, p. 302. Lembra a autora que a prudência adotada não impediu a aplicação de castigos.

Na Bahia, a circulação de boatos entre os moradores de Salvador anunciando impostos, aumento do preço do sal e outras novidades azedam a recepção do novo governador-geral do Brasil, D. Pedro de Vasconcellos e Souza, em 1711. Para completar, o pagamento dos soldados estava atrasadíssimo. Em outubro, em um dia de fúria dos moradores, o governador foi cercado e assistiu impávido toda a cidade se rebelar - marinheiros, padres, soldados, oficiais mecânicos, pequenos comerciantes.21 21 Luciano Raposo de Almeida Figueiredo, Revoltas, fiscalidade e identidade colonial na América portuguesa: Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais (1640-1761), Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996. Liderados por um traficante de escravos, carente de um dos braços e, por isso, alcunhado de "o Maneta", destroem algumas casas até se acalmarem diante de uma procissão que o arcebispo improvisou. Antes de acabar o dia, as negociações resolvem a crise e o governador, coagido, perdoa a todos e suspende qualquer possibilidade de novos tributos e aumento de preços. 40 dias depois, no início de dezembro, novo tumulto estala e uma multidão armada aos gritos de "Viva o Povo e morram os traidores" cerca D. Pedro para pressioná-lo a preparar sem demora uma esquadra para navegar até o Rio de Janeiro e enfrentar os franceses que ocupavam a cidade. Em meio às negociações, chega a notícia de que o Rio de Janeiro já estava livre dos corsários. Dias depois, o governador desfecha uma devassa que determina sequestro de bens, executa punições até mesmo com açoite em público e ameaça de degredo os cabeças do protesto.

A atitude do governador-geral provoca uma grande celeuma. Logo que toma conhecimento dos procedimentos deste, o Conselho Ultramarino não tem muitas dúvidas de que a pacificação das revoltas foi um total desastre. D. Pedro de Vasconcellos teria metido os pés pelas mãos, dando provas de total inabilidade na condução política com aquele tipo de distúrbio na Colônia. Perdoara rebeldes (sem ter esse poder, prerrogativa do soberano) que resistiram à cobrança dos tributos ordenados por El Rei e punira, com empenho quase tirânico, súditos que só queriam defender o patrimônio do reino atacado por invasores. E ainda escrevia ao Conselho o governador solicitando a abertura de mais uma devassa. Bastante contrariados com a imprudência de D. Pedro, um dos conselheiros admite que "o governador [...] se tem havido com tal empenho em o castigar que parece quer satisfazer a sua cólera em toda aquela cidade".22 22 AHU, Parecer de Antonio Roiz da Costa, s.d., Bahia, documento avulso não identificado., cx. 6, doc. 108. Aos poucos, os debates ao redor do tribunal foram delineando os contornos delicados que envolviam a arte de governar súditos distantes.

Em Lisboa, enquanto os implicados mofavam na prisão, uma longa discussão se arrastou por 17 meses até a decisão final do rei envolvendo, como poucas vezes se viu, uma força-tarefa de ministros do Conselho Ultramarino e procuradores da Fazenda e da Coroa. Dessa vez, a matéria exigiu mais do que os ministros do Conselho Ultramarino tinham para oferecer. As recorrentes revoltas coloniais se tornaram assunto que convocou a intervenção de outras instâncias de aconselhamento régio.23 23 Embora a documentação do Conselho Ultramarino ofereça o material documental essencial para nossa interpretação, outros agentes e instituições pesaram nos rumos do processo de gestão das crises políticas. Ver, em especial, Maria Fernanda Bicalho, "As tramas da política: conselhos, secretários e juntas na administração da monarquia portuguesa e de seus domínios ultramarinos", In: João Fragoso; Maria de Fátima Gouvêa (orgs.). Na trama das redes. Política e negócios no império português. Séculos XVI-XVIII, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2010, p. 343-371. Convém também considerar que os pareceres do Conselho Ultramarino não possuíam caráter deliberativo, assessorando o soberano com conselhos que podiam ou não ser admitidos. O uso massivo dessa documentação, por outro lado, não deve fazer crer que fosse o Conselho instância de decisão a determinar o desfecho das insurreições ou da ação dos oficiais a respeito delas. Os debates não indicavam apenas uma nascente impaciência com as atitudes hostis dos súditos ultramarinos, mas punham em xeque a eficiência pretérita dos expedientes dissimulatórios empregados até ali, combinados ao perdão, para tratar os rebeldes.24 24 O tema da aplicação do perdão vem sendo amplamente estudado por João Henrique Ferreira de Castro em seu projeto de doutorado "Castigar sempre foi Razão de Estado? O debate sobre a punição às revoltas ocorridas no Brasil: da defesa dos perdões à progressiva legitimação da violência (1660-1732)", desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, associado à cultura política do Antigo Regime e às negociações envolvendo as elites locais. O quadro nesses princípios do século XVIII era distinto daquele enfrentado pelo Conselho Ultramarino nos anos imediatos da Restauração em 1640. A acumulação de revoltas que se sucediam no Brasil há pelo menos 50 anos e a ocorrência de mais de dez rebeliões espalhadas pelas regiões do Brasil (sem contar as diversas rebeliões em Minas) que exigiam grande atenção estavam ficando insustentáveis. Isso parece ter pesado na mudança de condutas.

O procurador da Coroa, em dezembro de 1712, advoga, por exemplo, o castigo exemplar. Em seu parecer, sublinhou a ineficácia do perdão em situações anteriores quando a benevolência não foi capaz de desestimular novos tumultos.

Viram estes moradores da Bahia que o levantamento das Minas [1707-1709], os dois de Pernambuco [1710-1711], o de Sergipe del Rei [1708] e do Rio São Francisco, não só não foram castigados, nem ainda os cabeças, mas geralmente perdoados, [...] e por isso se animaram a fazer este

opina o procurador.25 25 "...os primeiros dois por Vossa majestade, e os mais pelo governador da Bahia, exceto o de Sergipe Del Rei que não sabe se o fora...". AHU, Parecer do Conselho Ultramarino, Biblioteca Nacional do Brasil (BNB), Documentos históricos (DH), 1952, vol. 96, p. 42. A conclusão não chega a surpreender: "se se perdoar com[o] os outros não haverá povo algum no Brasil que não tumultue e se oponha contra as resoluções de Vossa Majestade, com tanto prejuízo do bom governo e paz".26 26 Ibidem. Deixa uma lição a esse respeito:

Grande virtude é a da clemência, principalmente nos Príncipes. Mas é de tal natureza, que se exercida repetidas vezes, e de ordinário, degenera em vício, porque convida a delinquir, e nesta suposição entendo que este tumulto não só se não deve perdoar, mas nem ainda dissimular, antes castigar-se com a severidade das leis, não o povo, porque a este deve Sua Majestade perdoar, mas os cabeças, os motores, consulentes, e instigadores deveria julgar e prender.27

Esse recuo da dissimulação tinha seu limite, como o próprio procurador reconhecia ao dizer que

tudo o que tenho requerido, se entende no caso, em que não haja franceses no Rio de Janeiro, ou em outra qualquer parte do Brasil, porque havendo-os tenho por mais conveniente dissimular este caso, até cessar o receio deles. 28

Os ministros do Conselho Ultramarino partilharam a mesma opinião, que o soberano mais tarde subscreveria ao ordenar em 1713 o perdão de todos, desde que os impostos voltassem a ser cobrados.

Com ou sem dissimulação, a aplicação de castigos nesse tipo de protesto, integrado quase sempre pelas elites locais, poderia trazer efeitos contrários. Ao invés de amedrontar, provocar irritação dos súditos baianos. Considerando-se a permanente presença de inimigos farejando riquezas e alianças com os moradores brasílicos numa costa tão afastada do reino, não era bom negócio se indispor com eles. Por isso, recomendavam os conselheiros ultramarinos, as penas e prováveis execuções deveriam a todo custo ser evitadas "em ocasião em que o Estado esteja invadido por alguma armada, ou esquadra de inimigos, porque neste caso não convirá usar deste meio [punições e execuções], mas reservá-lo para ocasião de mais sossego". Até lá, "só usará dos termos de brandura e persuasão".29 29 AHU, BNB, DH, 1952, vol. 96, p. 50. Na mesma toada, como sempre pesando os muitos riscos de atiçar a insatisfação dos próprios governados em circunstâncias tão delicadas, recomendam

que se ponha perpétuo silêncio nesta causa, perdoando o primeiro dos motins e, no caso dos condenados pelo segundo motim, tirando-se-lhe a infâmia em que tem em corrido [incorrido] pela sentença.30

E pedem os conselheiros, como era de se esperar, a cabeça do governador inábil. Sob o signo da dissimulação, fazia-se, mais uma vez, as pazes necessárias para o bom governo colonial.

"Grande virtude é a da clemência, principalmente nos príncipes. Mas é de tal natureza, que se exercida repetidas vezes, e de ordinário, degenera em vício, porque convida a delinquir"

Ainda que o perdão edulcorado pelo segredo tenha mais uma vez vingado nessa esfera de debates, desfez-se um certo consenso sobre a dissimulação que prevalecia como recomendação nos debates dos conselheiros régios ao lidar com rebeldes. As discussões em torno da atitude do governador foram um momento de inflexão na aplicação da dissimulação. Uma cisão clara começa a se desenhar no tribunal do Conselho Ultramarino a respeito da opção punitiva ou o perdão dissimulado. Com os episódios de revoltas em 1710-1711 que aconteceram nas principais capitanias da América portuguesa, Pernambuco, Bahia e Minas Gerais, nasceria uma hesitação que vacilava entre punir, perdoar ou dissimular. Em passagem da carta escrita em 1715 ao governador de Pernambuco, Félix Machado, recordaria as opiniões conflitantes que circulavam:

Sempre entendi que nenhuma república se podia conservar faltando nela prêmio para os bons e castigos para os maus. A esta última classe, pelo que a experiência tem mostrado, pertencem muitos dos moradores dessa capitania [Pernambuco] e como sempre [se] livraram bem das insolências com que as cometeram, como era possível que deixassem de as continuar?

Lembra a seguir que até ali prevalecera sempre a opinião de que se devia evitar aplicar castigos, com o

fundamento que, se se procedesse com rigor contra os delinquentes, se poderia aumentar a sublevação; e que o embaraço em que o Reino se achava com a guerra não dava lugar a que o procedimento fosse rigoroso [...] e assim persuadia a prudência que por ora se dissimulasse com o castigo.

E provoca: com o tempo parece-me que tem mostrado que se não seguiu a melhor opinião.31 31 Evaldo Cabral de Mello, A fronda dos mazombos - nobres contra mascates: Pernambuco 1666-1715, São Paulo, Companhia das Letras, 1995, p. 403.

A espiral repressiva progride. Diante da sedição de 1720 em Vila Rica, no coração de Minas, a avaliação sobre o tema reaparece, nos intensos debates que se avolumam após a atitude do governador que executa os líderes sumariamente. O desfecho se tornou lendário. Após semanas de tumulto popular, pressões, manifestos e ações armadas, o conde de Assumar reúne a Companhia dos Dragões, tropa de elite que chegara especialmente para atuar contra motins no Brasil, e massacra os principais envolvidos. Ataca o núcleo das resistências nos morros próximos, incendiando as casas dos líderes. Aqueles que não conseguem fugir são sentenciados à morte, e um dos líderes, Felipe dos Santos, é sumariamente enforcado e esquartejado diante da população de Ouro Preto. Tais expedientes repressivos obedeciam ao intuito de exemplaridade e aterrorização: "lhe mandou o Conde [de Assumar] arrastar pelas ruas, e depois de enforcado, esquartejar, mais para terror que para castigo".32 32 Laura de Mello e Souza (org.), Discurso histórico e político sobre a sublevação que nas Minas houve no ano de 1720, Belo Horizonte, Sistema Estadual de Planejamento, Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1994, p. 166. A prudência que enlaçava o par perdão/dissimulação foi trocada pela impaciência que embala os castigos.

Se o encobrimento das intenções fazia parte das técnicas de governo para a contenção dos protestos, a dissimulação podia se constituir em um recurso político acionado por grupos rebelados, a mesma arma adotada no outro extremo da relação com as autoridades.33 33 Uma das passagens mais originais do estudo de Rosario Villari, Elogio della dissimulazione: la lotta politica nel Seicento, 2. ed., Roma, Laterza, 1993, p. 25, é a discussão do modo como a oposição e a resistência aos poderes no século XVII se apropriam de um recurso desenvolvido no século anterior exclusivamente para ação do governo. Esses recursos podem ser detectados em Vila Rica quando, para seus líderes, as falsas notícias que espalham para desacreditar o governador se convertem em "mecanismos de ação política utilizados em momento de disputa pelo poder", segundo o recente estudo de Jonathan Martins Ferreira.34 34 Jonathan Martins Ferreira, À margem da "palavra oficial": dissimulação e boatos no motim de Vila Rica, Dissertação de mestrado, Universidade Estadual de Montes Claros, 2013, p. 141. Sobre o tema da dissimulação como recurso de oposição política, ver também Fernando R. de la Flor, Pasiones frías: secreto y simulación en el Barroco hispano, Madrid, Marcial Pons, 2006, especialmente o capítulo "Ocultación y engaño em la colonia", p. 173-182, e Rosario Villari, op cit., especialmente, p. 25-29.

Antes desse autor, Maria Verônica Campos, em uma importante tese sobre as condições de governo em Minas, até hoje não publicada, bem traduziu as formas que a dissimulação assumiu nessa revolta:

O que era defeito no rebelde convertia-se em virtude no governante. Não há aí nenhuma contradição. Como governador, o uso da simulação era sinal de prudência e ponderação. No súdito, especialmente no amotinado, era falta grave e prova de desrespeito ao rei e a seus representantes.35

O Conselho Ultramarino se dividiu a respeito da decisão tomada pelo governador. De um lado, os crentes na necessidade de expedientes dissimulatórios; de outro, aqueles aferrados à tradição punitiva. A maioria do grupo (Luís de Mello da Silva, Alexandre da Silva Correia, João Teles da Silva, João Pedro de Lemos e João de Souza) subscreveu, apesar da diferença nos detalhes, a opinião de que os tumultos em Vila Rica

foram insolentíssimos, e de prejudicial exemplo, e por isso dignos de grave demonstração, e de nenhuma sorte de perdão, ou dissimulação, porque os muitos que se tem perdoado, ou dissimulado foram a causa destes, e serão de mais, se se não castigarem". [Mais adiante dizem:] quanto ao procedimento de queimar as casas do morro e morte de Philippe dos Sanctos [sic], suposto pareça que este procedimento foi rápido e violento esta mesma é a medicina de tão graves achaques, como sedições e levantamentos populares, onde deve o castigo ser pronto, e assim lhe foi lícito proceder com modo militar, que o mesmo conde não ignora, onde se não requer mais que a averiguação da verdade, sem mais forma ou figura de juízo, principalmente em fragantes [sic] delitos.36

O Conselho defendia junto à punição algum segredo:

que em semelhantes e tão apertados casos pode o governador e general obrar tudo o que lhe parecer em remédio deles, ainda que não possa mostrar o motivo que o obriga, nem dele se lhe deve pedir conta; o ponto é que os tumultos se sosseguem, e as empresas se executem.37

Na obra em que procura defender a atuação implacável com que encerrou a rebelião, o conde de Assumar condena frontalmente a dissimulação nesse tipo de caso. No assombroso Discurso histórico e político, faz seus os alvitres de Diego de Saavedra Fajardo "na sua ideia de um príncipe político-cristão", que adota diretamente: "conviene no disimular taes desacatos, porque no crien brios para outros maiores" como o castigo deveria ser aplicado sem vacilo, sendo "quitadas las cabeças de los autores de la sedición, y puestas em publico". Nada, diziam, amedronta ou sossega mais o povo.38 38 "convém não dissimular tais desacatos, para que não criem força para outros maiores", como o castigo deveria ser aplicado sem vacilo, sendo "arrancadas as cabeças dos autores da sedição e colocadas em público". Laura de Mello e Souza (org.), Discurso histórico e político sobre a sublevação que nas Minas houve no ano de 1720, Belo Horizonte, Sistema Estadual de Planejamento, Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1994, p. 163.

A dissimulação foi condenada junto com o perdão que, até ali, alguns governadores podiam conceder. As palavras do conde de Assumar e dos conselheiros a respeito das novas diretrizes repressivas não são mais do mesmo. Elas guardavam sintonia com as ordens apregoadas por D. João V, em 11 de janeiro de 1719, proibindo os governadores do Brasil de concederem o perdão em caso de rebelião, sob a justificativa de que, graças ao perdão, as rebeliões vinham aumentando.39 39 Carta de Sua Majestade ao Governador sobre não poder dar perdões a nenhum culpado como se declara (11/01/1719), Arquivo Público do Estado da Bahia. Microfilmes, Ordens Régias n. 6, flash 4, doc. 3 apud João Henrique Ferreira de Castro, A repressão à revolta de Vila Rica de 1720: perdão e punição sob a ótica da justiça no império ultramarino português, Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012, p. 232. Segundo o autor, essa proibição régia representa um papel crucial para se compreender adequadamente a atitude do governador conde de Assumar de dispensar o perdão. Afirma João Henrique de Castro:

até aquele momento a Coroa portuguesa jamais havia dado uma demonstração tão clara do quanto o perdão havia perdido prestígio em Portugal nos últimos anos e, de maneira especial, do quanto as revoltas ocorridas no Estado do Brasil contribuíram para isto.40

O segredo continuaria, porém a dar provas de sua utilidade. Ainda que deixe de frequentar a linguagem dos conselheiros ultramarinos, autoridades coloniais lançariam mão do recurso nessa fase em que o perdão já não parecia ter espaço. Nos sertões de Minas Gerais, o governador interino Martinho de Mendonça de Pina e de Proença serviu-se da simulação a fim de ter sucesso na prisão dos envolvidos em uma assustadora rebelião na região às margens do rio São Francisco e rio das Velhas. Depois de controlada, sem muito acesso para executar diligências e prisões nas fazendas e localidades isoladas e distantes do centro da capitania, o governador usa de um ardil desavergonhado. Espalha entre a população a notícia de que a devassa a respeito da sedição estava concluída e as diligências encerradas, informando ainda que os juízes que visitavam as propriedades cuidavam apenas de inspecionar os sequestros. Desarmados os espíritos, os oficiais do governador conseguem prender quase todos os implicados, em breve sentenciados.

Ainda que o perdão edulcorado pelo segredo tenha mais uma vez vingado, desfez-se um certo consenso sobre a dissimulação que prevalecia como recomendação ao lidar com rebeldes

O erudito governador sabia o que estava fazendo e as vantagens da simulação eram quase sempre reprováveis, conforme argui Martinho de Mendonça.

Ainda que não é lícito enganar positivamente alguém, é prudente lícita nestes casos usar de engano negativo, ou simulação, permitindo ocasião de se enganarem, [...] a cautela e artifício, com que nesta matéria me tenho havido, que pode facilitar muito a matéria das prisões.41 41 Instruções de Martinho de Mendonça de 1 e 2 de maio de 37, p. 133 apud Diogo de Vasconcelos, História média de Minas Gerais, Prefácio de Francisco Iglésias, Introdução de Basílio de Magalhães, 3. ed., Belo Horizonte, Itatiaia/INL, 1974.

A partir dos debates que se seguem à revolta do Maneta na Bahia em 1712, da ordem régia de 1719, impossibilitando a concessão do perdão por parte dos governadores e, considerando-se ainda as opiniões majoritárias no Conselho Ultramarino a respeito da repressão sem chances de perdão e sem dissimulação da revolta de Vila Rica em 1720, a arte do segredo parece refluir no trato das rebeliões coloniais.

À dissimulação, a exemplaridade pública dos suplícios; ao perdão, o castigo. O exame das conflagrações que ocorrem no período posterior indica certas diferenças ao que vinha se desenrolando até ali - e talvez até mesmo efeitos dessas mudanças. Os espaços para as revoltas formais reduzem-se para as comunidades coloniais. Sob o ponto de vista quantitativo, elas ocorrem com menos frequência e poucas delas, a partir de 1720, mostram-se capazes de agregar as elite locais e outros grupos sociais, com exceção das revoltas do sertão de Minas em 1736. Das 21 revoltas contabilizadas entre 1720 e 1757 no levantamento para o site "Impressões rebeldes - palavras e documentos que forjaram a história dos protestos no Brasil",42 42 http://www.historia.uff.br/impressoesrebeldes/. Acesso em: 14/07/2014. sua grande maioria expressava um tipo comum de protesto na colônia em que ocorriam demandas segmentadas de grupos sociais específicos, como escravos, índios, soldados.

Ainda que não desapareça, chegando mesmo a ser empregada em situações de punições exemplares contra rebeldes, a linguagem da dissimulação perde espaço, influenciada por um movimento presidido pelo processo de centralização e redução da força do Conselho Ultramarino a partir dos anos 1730.43 43 Assim como o peso político do Conselho varia ao longo da temporalidade abarcada nesse artigo, varia também seu papel em relação a diferentes reinados e circunstâncias políticas.

Oscilando entre os extremos de perdoar ou punir, a possibilidade de dissimular, ainda que com todo o custo representado pela sua proximidade com a mentira, foi uma saída debatida com intensidade flagrante na cultura política do Novo Mundo. Converteu-se na melhor contribuição da política católica para lidar com as circunstâncias específicas ao se buscar governar súditos em domínios distantes pouco dóceis às condições de injustiça, desproteção e indícios de alguma tirania que a condição colonial lhes impunha.

Maquiavelices

O elenco de máximas que circulou nos debates entre governadores coloniais, ministros da junta ultramarina e outros conselheiros régios procurou defender o papel do segredo em circunstâncias delicadas, ainda que uma das principais qualidades do soberano fosse o compromisso com a verdade, sem falar na virtude e na prudência. O vocabulário dos oficiais no mundo luso-brasileiro no que tange à dissimulação pouco se diferenciava daquilo que tantas vezes se escutava: "um príncipe prudente não pode nem deve guardar a palavra dada quando isso se lhe torne prejudicial", ou ainda, "jamais faltaram aos príncipes razões para dissimular".

Essas últimas frases lidas em seu contexto tornam-se bem mais instigantes. Elas foram depuradas de uma obra escrita mais de um século antes de os vassalos rebeldes da América agitarem a política portuguesa. No célebre capítulo XVIII d'O príncipe, obra de Nicolau Maquiavel que vem à luz em 1513, "De que forma os príncipes devem guardar a fé", o secretário de Florença evoca a legitimidade da dissimulação por parte dos soberanos. Escreve o florentino que

deveis saber, portanto, que existem duas formas de se combater: uma, pelas leis, outra, pela força [...] Ao príncipe torna-se necessário, porém, saber empregar convenientemente o animal e o homem [...] E uma sem a outra [natureza] é a origem da instabilidade [...] [está] um príncipe obrigado a bem servir-se da natureza da besta, deve dela tirar as qualidades da raposa e do leão, pois este não tem defesa alguma contra os laços [armadilhas] e a raposa, contra os lobos. Precisa, pois, ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos [...] um príncipe prudente não pode nem deve guardar a palavra dada quando isso se lhe torne prejudicial e quando as causas que o determinaram cessem de existir [...] dado que [os homens] são pérfidos e que não a observariam [a palavra] a teu respeito, também não és obrigado a cumpri-la para com eles. Jamais faltaram aos príncipes razões para dissimular quebra da fé jurada.44

Poucas linhas adiante, vai além, aconselhando que, para colocar aqueles princípios em prática, deve o príncipe "ser grande simulador e dissimulador".45 45 Ibidem, p. 74.

A defesa da "arte do engano" pelos governantes, dispensados da obrigação de manter a qualquer custo sua palavra, foi, segundo Maurizio Viroli, um dos conselhos mais subversivos lançados pelo autor de d'O príncipe.46 46 Maurizio Viroli, Machiavelli, New York, Oxford University Press, 1998 (Founders of Modern Political and Social Thought), p. 88. Perez Zagorin defende a força do argumento desse capítulo da obra, ainda que ressalte a novidade da noção de que o príncipe não é obrigado a manter a fé com seus súditos: Ways of lying: dissimulation, persecution, and conformity in early modern Europe, Cambridge, Harvard University Press, 1990, p. 6 (ver capítulo "Dissimulation in historical context", p. 1-14). Ver ainda Quentin Skinner, Maquiavel. Pensamento político, São Paulo, Brasiliense, 1988, p. 69-70. Maquiavel contrariava abertamente os clássicos, ao considerar a dissimulação indispensável ao governo d'O príncipe, que deveria empregá-la por quanto tempo fosse necessária.47 47 Ibidem, p. 71. Suas ideias nadam também contra a corrente do gênero "espelhos de príncipes" que alcançara grande sucesso na Europa a partir meados do século XV, defendendo irredutivelmente as virtudes cristãs como valor supremo a ser preservado por aqueles que governam.48 48 Ibidem. Ver, ainda, Marcelo Jasmin, Política e historiografia no Renascimento italiano: o caso de Maquiavel, In: Berenice Cavalcante (org.), Modernas tradições: percursos da cultura ocidental (séculos XV-XVIII), Rio de Janeiro, Acccess, 2002, p. 181. Dentre as que mais nos interessam aqui, Giovanni Pontano aconselhava então aos príncipes que "nada é mais lamentável que um soberano não cumpra sua palavra", ainda "ante seus inimigos".49 49 Quentin Skinner, Los fundamentos del pensamiento político moderno, vol. 1, México, Fondo de Cultura Económica, 1993, 2 vols., p. 152. No mesmo ritmo em que a obra de Maquiavel demolia os princípios dos humanistas que preconizavam as excelências da honra, glória e da virtude acima de qualquer coisa, nascia sua ênfase no papel central da dissimulação. O governante precisava, para ele, aprender como não ser virtuoso para conseguir manter o poder diante da perversidade humana que o cercava. Escrevia o secretário em seu manual que o príncipe "não necessariamente deve ter todas as boas qualidades", mas "certamente deve parecer que as têm".50 50 Quentin Skinner, Los fundamentos del pensamiento político moderno, vol. 1, México, Fondo de Cultura Económica, 1993, 2 vols., p. 157.

"A razão pela qual Maquiavel atribui tanta importância às artes da dissimulação e à ocultação se faz clara quando observamos sua outra afirmação acerca do papel das virtudes na vida política", escreve Quentin Skinner.51 51 Ibidem. Não iremos aqui desdobrar mais do que o necessário a respeito da discussão sobre virtude e virtù na obra de Maquiavel, tema de vastíssima bibliografia. Nem sempre a atitude virtuosa daqueles que governam deveria ser obrigatoriamente virtuosa, se as ações mais perversas pudessem trazer maiores vantagens. Mas para agir assim, cuidando em última análise de manter seu poder, era essencial ao príncipe aparentar ser virtuoso. Bem dissimular era tudo.

Maquiavel contrariava abertamente os clássicos, ao considerar a dissimulação indispensável ao governo do príncipe, que deveria empregá-la por quanto tempo fosse necessária

Maquiavel levou longe a defesa da dissimulação como chave para o êxito, enfrentando a tradição do pensamento ocidental que, apesar de também considerá-la o caminho para o sucesso, acabavam por condená-la. A dissimulação, como tema de debates associado à Ética, existia pelo menos desde a Antiguidade Clássica.52 52 Felix Gilbert, "Machiavellism", In: Philip P. Wiener (org.), Dictionary of the history of ideas, Tomo III, New York, Charles Scribners's Son, p. 116-126. Era um tópico central no pensamento ocidental, na moral teológica e na filosofia, segundo defende Perez Zagorin, estando relacionado aos dilemas da consciência humana, à conduta, às virtudes e aos vícios, confrontados com o problema da mentira. Qualquer um "que pense poder conquistar uma glória duradoura através do fingimento" se engana demais, escrevia Cícero (Livro II de A obrigação moral). Ao contrário das sólidas raízes com que glória verdadeira era formada, "todas as formas de fingimento logo caem ao chão como frágeis flores", dizia.53 53 Quentin Skinner, Maquiavel. Pensamento político, São Paulo, Brasiliense, 1988, p. 71. Santo Agostinho tampouco perdoava qualquer tipo de mentira, seja em que circunstância fosse, associada ao pecado e ao mal.54 54 Perez Zagorin, Ways of lying: dissimulation, persecution, and conformity in early modern Europe, Cambridge, Harvard University Press, 1990 (ver capítulo "Dissimulation in historical context", p. 1-14). Ver também Jon R. Snyder, Dissimulation and the culture of secrecy in early modern Europe, Berkeley; Los Angeles, University of California Press, 2009, p. 17. Uma vez que faltar com a verdade era um problema capital para qualquer cristão, compreende-se a dificuldade de se aceitar a mentira no domínio do governo. Quando praticada pelas autoridades, corroía os princípios da constituição do reino.55 55 Ver José Antonio Maravall, Teoria del Estado en España en el siglo XVII, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1997. Teólogos e moralistas se debruçaram sobre o problema para refletir em que situações a mentira era justificada.56 56 Perez Zagorin, op cit., p. 1-14.

Novas perspectivas sobre o segredo não brotaram apenas na Itália. Se Maquiavel sustentou o uso da dissimulação como oportunidade e necessidade diante da política do príncipe, ela também se tornaria recurso para manter a ordem, sob a nova ideia de razão de Estado permeada pelo espírito católico.57 57 Rosario Villari, Elogio della dissimulazione: la lotta política nel Seicento, Roma, Laterza, 1987, p. 18-19. A partir do século XVI, a rigidez dos modelos de uma ética virtuosa foi ajustada com a emergência da "política barroca", que desenvolve categorias e espaços de inovação. Tratava-se da superação dos velhos paradigmas, incapazes de enfrentar um mundo que se transformava, em que a oposição e resistência ativa ao poder exigiram uma técnica elaborada oficial e exclusivamente para ação de governo.58 58 Ibidem, p. 25. A contenção moral é necessária para o agir político, afastando-se da ortodoxia moral e merece espaço comum na linguagem política.59 59 Ibidem, p. 28-29.

Para Rosario Villari, a dissimulação é uma das expressões dessa "política barroca". É a chave mais importante de sua complexidade nos séculos XVI e XVII, chegando a se tornar, para ele, um dos aspectos específicos da vida política e dos costumes.60 60 Ibidem, p. 18. Nessa última centúria, a teoria da dissimulação já se encontrava legitimada e devidamente presente no vocabulário político, assumindo um valor universal. Por isso, afirma o historiador italiano, "a dissimulação é lícita e honrosa para o Príncipe, aconselhável ao cortesão e em certas condições tolerável no homem comum". Conectado a isso, a paciência é valorizada como virtude dos súditos. A prudência e a paciência têm profunda afinidade com a dissimulação (equivalente, esta, da arte da paciência). É o elemento fundamental da prudência política. A insistente exaltação da prudência como virtude fundamental do príncipe propunha um modelo de comportamento que, objetivamente, tendia a assumir valor universal, muito além das intenções dos teóricos e moralistas.61 61 Ibidem, p. 28-29.

Lentamente admitida nas práticas de governo da monarquia portuguesa, nem por isso pronunciava-se o nome de Maquiavel. Exceto quando se tratava de condená-lo. Nesse momento antimaquiaveliano, cabia a aproximação entre a dissimulação e as ideias do secretário florentino. Na América, mais precisamente no Rio de Janeiro em pleno século XVII, a crítica mostrou-se vigilante. O governador Salvador Correa de Sá e Benevides escreveu à rainha regente de Portugal, D. Luísa de Gusmão, em 10 de abril de 1661, uma carta na qual narrou os distúrbios, já mencionados aqui, que tomaram conta da cidade por efeito dos quais esteve destituído temporariamente de seu governo.

O trecho que nos interessa desse documento refere-se à menção que Salvador Correa de Sá e Benevides faz à participação do capitão, fidalgo e proprietário Agostinho Barbalho Bezerra, em cujas terras tem início a resistência armada e que, em seguida, teria sido dragado pelos rebeldes no convento de São Francisco, onde se refugiara, e alçado à condição de governador escolhido pelo povo.62 62 Sobre o episódio, ver Luciano Raposo de Almeida Figueiredo, Revoltas, fiscalidade e identidade colonial na América portuguesa: Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais (1640-1761), Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996 (cap. 1 - "A revolta da cachaça"). Benevides descreve situação comum nesses processos quando algum homem de prol era escolhido e conduzido compulsoriamente pela turba para governar. No texto, defende que Agostinho exerceu a função com acerto, conciliando e procurando manter as coisas sob controle. Registra, porém, que a multidão, sempre instável, desconfiou da fidelidade do novo governador à causa. Benevides escreve, então, a respeito da opinião do povo rebelado diante das atitudes de Barbalho: "parecendo-lhes maquiavelice", pois teria dado indícios, depois de ter assumido, de que apenas aceitara o posto para merecer "prêmios de Sua Majestade" e escapar do castigo por sua participação na revolta.63 63 "...na opinião de muitos mais culpado parecendo-lhes maquiavelice para [o?] desculpar do castigo, e que em vez deste o premiasse VMje. com a continuação do governo, na falta ou ausência minha..." . Notícia de um motim, no Rio de Janeiro, enviada à Rainha Regente, dona Luísa de Gusmão, por Salvador Correia de Sá. Rio de Janeiro, 10 de abril de 1661. Biblioteca Nacional de Portugal, Reservados, cód. 10563/83, fl. 195-196.

O uso do substantivo sugerindo, em sentido figurado, um propósito "maquiavélico" é revelador das associações, evidentemente negativas, que as atitudes de simulação e dissimulação passaram a ter com o pensador italiano. Nesse contexto específico, o emprego da expressão "maquiavelice", atitude atribuída a Agostinho Barbalho, se aproxima mais da ideia de simulação que de dissimulação, pois ele teria fabricado adesão ao movimento, escondendo intenções que contrariavam a causa. Simulação é o artifício por meio do qual se quer mostrar de uma forma o que se é, mas a realidade é outra.64 64 Alguns pensadores espanhóis do século XVII estabelecem diferença entre dissimulação e simulação. A ação de dissimular é lícita, correspondendo à atitude de não revelar o que se sabe ou se suspeita; já simular aparece como ação reprovável na medida em que diz uma coisa e faz outra. O tema aparece em José Antonio Maravall, Teoria del Estado en España en el siglo XVII, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 257. Conforme Torquato Accetto, a simulação é ação desonesta na moral cortesã, posto que enganadora: "Simula-se aquilo que não é, dissimula-se aquilo que é": Torquato Accetto, La disimulación honesta, Buenos Aires, El Cuenco de Plata, 2005, p. 21. Para os rebeldes, uma atitude reprovável; para Benevides, talvez não. Ao contrário, uma mentira sem tanta gravidade moral, que não se confunde com engano nem prejudica a moral católica quando se precisa manter a ordem.65 65 A respeito da formulação em sentido positivo da ideia de simulação pela moral católica em Portugal, ver o trabalho de Bruno Silva de Souza, O fantasma de Maquiavel: antimaquiavelismo e Razão de Estado no pensamento político ibérico do século XVII, Dissertação de mestrado, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, 2011, p. 70 et passim.

A referência desabonadora do termo "maquiavelice", associado à simulação, estabelece um contraponto conveniente. A palavra traz uma crítica veladamente antimaquiaveliana que compôs o arsenal de oposição aos princípios do pensador italiano em Portugal. De um lado, é flagrante o desconforto com a presença dos pressupostos maquiavélicos ali, antes de mais nada porque, como resumiu em termos gerais Claude Lefort, "Maquiavel convida o leitor para uma interrogação acerca dos fundamentos da política e começa por lhe proibir que se apóie sobre as verdades estabelecidas pela tradição humanista ou cristã."66 66 Claude Lefort, "Sobre a lógica da força", In: Célia Galvão Quirino; Maria Teresa Sadek (orgs.), O pensamento político clássico, São Paulo, Martins Fontes, 2003, p. 35-58; 56. . Por isso mesmo, sua leitura era interdita em Portugal, repudiado ao lado de outros "políticos ímpios e imorais" como Bodin e Hobbes.67 67 António Manuel Hespanha (coord.), História de Portugal, vol. 4, Lisboa, Estampa, 1992, p. 121. Sobre antimaquiavelismo em Portugal, ver Martim de Albuquerque, Maquiavel e Portugal. Estudos de história das ideias políticas, Lisboa, Alêthea Editores, 2007.

Por outro lado, contudo, é preciso com clareza se distinguir do pensador italiano. Luís Reis Torgal afirmara em sua obra, na qual visita as concepções de poder dos principais autores da época da Restauração, que, de certa forma, todos partilham o compromisso da política cristã como uma espécie de "'arte', que supõe a necessidade do emprego do cálculo e da habilidade".68 68 Luís Reis Torgal, Ideologia política e teoria do Estado na Restauração, vol. II, Coimbra, Biblioteca Geral da Universidade, 1981, p. 186. Concorre a prudência para a virtude do príncipe e um governo justo, cristão e pacífico. Ela é, em suas palavras, a virtude fundamental que ocupa "na ética política cristã, o papel de substituto do cálculo 'imoral' da política maquiavélica".69 69 Ibidem, p. 182. Os pensadores católicos nos principais textos da segunda metade do XVII formulam e debatem a dissimulação, como afirma Bruno Souza em estudo sobre o antimaquiavelismo em Portugal, "um tema caro aos autores católicos na hora de diferenciar uma certa prudência catolicamente autorizada da astúcia e malícia características de Maquiavel".70 70 Bruno Silva de Souza, O fantasma de Maquiavel: antimaquiavelismo e razão de Estado no pensamento político ibérico do século XVII, Dissertação de mestrado, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, 2011, p. 68.

A partir do século XVI, a rigidez dos modelos de uma ética virtuosa foi ajustada com a emergência da "política barroca", que desenvolve categorias e espaços de inovação

Um dos bons exemplos é Sebastião Cesar de Meneses que, em Suma política, se dedica à razão de Estado, afastando-se das formulações maquiavélicas. Dentre os temas que enfrenta, está o da reputação do príncipe, capaz de realizar o princípio do bom governo. Bruno Souza salienta que "contrariamente ao que defendia Maquiavel, para os autores católicos não bastava [apenas] aparentar possuir as qualidades, mas possuí-las verdadeiramente".71 71 Ibidem, p. 61 (ver, especialmente, o capítulo "Sebastião César de Menezes: os alicerces da razão de Estado"). Sebastião César de Meneses, ao defender as qualidades que conduz o bom príncipe cristão, toma a dissimulação como atitude negativa, admissível, porém, quando usada com prudência e sem intenções de mentira.72 72 Peter Burke parece não ter atentado para a diferença ao mencionar que muitos dos que atacavam violentamente Maquiavel podem ser flagrados recomendando dissimulação e mesmo a quebra dos tratados como ele fazia. Peter Burke, "Tacitism, sceptisism, and reason of State", In: James Henderson Burns (org.), The Cambridge history of political thought 1450-1700, Cambridge, Cambridge University Press, p. 479-499; 483.

Em qualquer homem, é aborrecida a dissimulação, e no Príncipe ainda é mais abominada [...] Porém, a dissimulação, não há-de ser para enganar, e fingir, que a mentira opõem-se ao que está no entendimento como verdadeiro.73

Fora de Portugal, mas em diálogo permanente com os portugueses no século XVII, pensadores espanhóis em debate ao redor dos impasses da política cristã também abrem espaço cauteloso para a dissimulação. Baltazar Gracián, em seu Manual da arte da discrição (1653), defende que "a maior prova de sabedoria é a dissimulação".74 74 Perez Zagorin, Ways of lying: dissimulation, persecution, and conformity in early modern Europe, Cambridge, Harvard University Press, 1990, p. 1-14; 8. (ver capítulo "Dissimulation in historical context"). Francisco de Quevedo, em Política de Dios, condena ferozmente as artes dissimulatórias; em outra obra, cede às razões de Estado para postular: "quien no disimula no adquiere império, quien no sabe disimular lo que disimula no puede conservarle. La disimulación en los Príncipes es traición honesta contra los traidores".75 75 "quem não dissimula não impera, quem não sabe dissimular o que dissimula não pode mantê-lo. A dissimulação dos Príncipes é traição honesta contra traidores". Francisco de Quevedo y Villegas, "Primera parte de la vida de Marco Bruto", Madrid, 1644, In: Obras de Quevedo, vol. I, [S.l., s.n.], p. 163 apud José Antonio Maravall, Teoria del Estado en España en el siglo XVII, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 256.

Artes e tretas

Na linha de frente dos conflitos, os letrados oficiais da Coroa se inspiravam nas recomendações dos pensadores católicos para se guiar no agitado mar da América. Os enunciados da arte do segredo que os conselheiros régios e autoridade esgrimiram às voltas com as rebeliões dos luso-brasileiros não eram novos.

Martim de Albuquerque destacou que

Se os teóricos portugueses do século XVII in genere reprovaram a doutrina da razão de Estado, a crueldade política, a mentira, a quebra da palavra, a fraude e a simulação como métodos de governo, isso não significa a ausência de um certo maquiavelismo prático, sobretudo durante o movimento da Restauração. Explicam o facto, embora o não justifiquem, as circunstâncias do país que lutava pela sua sobrevivência, não sendo, consequentemente, sempre fácil actuar de acordo com as normas éticas.76

Dessa forma, ainda que se recusasse a Maquiavel e seu "pragmatismo amoral", isso não significava recusar o exercício de uma política pragmática, atenta aos condicionantes do momento e condicionalismos históricos - o tacitismo.77 77 António Manuel Hespanha (coord.), História de Portugal, vol. 4, Lisboa, Estampa, 1992, p. 133. Sobre Tácito, ver José Antonio Maravall, Teoria del Estado en España en el siglo XVII, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 379; Luís Reis Torgal, Ideologia política e teoria do Estado na Restauração, vol. II, Coimbra, Biblioteca Geral da Universidade, 1981, p. 138.

Sob a ideia da razão de Estado, reivindicando princípios católicos, o caminho parecia aberto para justificar o uso da dissimulação nos domínios distantes, tornando-se a América seu grande laboratório. O historiador Evaldo Cabral de Mello, em suas leituras sobre as revoltas em Pernambuco, percebeu com sua habitual precisão o papel da dissimulação e assinalou a distinção entre sua aplicação no contexto da América portuguesa e as ideias do florentino. Ao se referir à atitude de uma autoridade eclesiástica, sob contexto particular, observou que esta

tratou, portanto, de dissimular, para empregar o verbo no sentido consagrado pela "política cristã", que desempenhara nos países católicos o papel de equivalente funcional do maquiavelismo, oficialmente condenado pela igreja. Graças à dissimulação, os governantes podiam, sem correr o risco de perder a alma, protelar, ludibriar e mistificar quando o serviço d'El Rei e a tranquilidade estivessem em jogo.78

A condição de "equivalente funcional do maquiavelismo" na busca de resultados objetivos em circunstâncias dramáticas destinada a conter maiores danos ao reino de Portugal se desenrola sob certo padrão discursivo a respeito da dissimulação diante da punição aos súditos revoltosos no Brasil. Isso sem ferir os ideais de virtude e prudência que deveriam cercar a imagem do soberano e dos oficiais que o representavam e serviam.

Nessas circunstâncias, a condensação e a intensidade das sedições nos domínios ultramarinos de Portugal, especialmente na América, tornam a política da dissimulação uma experiência única, uma vez que a teorização que se processava na Europa no século XVII alcançou instantaneamente o plano da prática. De acordo com o que observamos até aqui, ela foi admitida em condições específicas que permitissem conservar a monarquia, receitada para fins práticos. Um deles era evitar que o castigo exemplar, merecido pelos rebeldes aos olhos da lei, provocasse mais insatisfação diante do impacto social com eventuais prisões, execuções, confiscos e morte. Ao contrário, como uma das autoridades proferiu, melhor do que punir, o governador "só usará dos termos de brandura e persuasão". 79 79 Parecer do Conselho Ultramarino, BNB, DH, 1952, vol. 96, p. 50. A conduta convertia em vantagem o que parecia fraqueza: a conduta paternal que simbolizava a imagem do soberano ganharia força diante de súditos "sem, de forma alguma, deixá-los perceber que tinham praticado alguma coisa errada". Ou ainda, como já citado, "sadias máximas de estado", dizia um dos conselheiros, "ensinam que mais vale abrir-lhes agora um crédito de confiança, do que exasperá-los". 80 80 Consulta do Conselho Ultramarino, maio de 1661. Publicado em Frazão de Vasconcellos, Archivo nobiliarchico portuguez, 1ª série, n. 6, p. 13 apud Charles R. Boxer, Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola, 1602-1686, São Paulo, Edusp, 1973, p. 338. Segundo o teólogo Carvalho de Parada prescrevia em sua Arte de reinar (1643), o príncipe não deve usar rigor excessivo, que provoca ódio.81 81 Luís Reis Torgal, Ideologia política e teoria do estado na Restauração, vol. II, Coimbra, Biblioteca Geral da Universidade, 1981, p. 181.

Mesmo porque, açodar vassalos com ameaças de punição era um mau negócio nas circunstâncias políticas do governo de colônias distantes, como era frequente se admitir. Na ocasiões "em que o Estado esteja invadido por alguma armada, ou esquadra de inimigos, [...] não convirá usar deste meio [punições e execuções], mas reservá-lo para ocasião de mais sossego".82 82 AHU, Parecer do Conselho Ultramarino, BNB, DH, 1952, vol. 96, p. 50. Ou ainda "se [se] procedesse com rigor contra os delinquentes, se poderia aumentar a sublevação". 83 83 Evaldo Cabral de Mello, A fronda dos mazombos - nobres contra mascates: Pernambuco 1666-1715, São Paulo, Companhia das Letras, 1995, p. 403. Outros expressam temores semelhantes que podiam dar-lhes "um pretexto para se valerem de outra nação".84 84 Consulta do Conselho Ultramarino, maio de 1661. Publicado em Frazão de Vasconcellos, Archivo nobiliarchico portuguez, 1ª série, n. 6, p. 13 apud Charles R. Boxer, Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola, 1602-1686, São Paulo, Edusp, 1973, p. 338.

Sob a ideia da razão de Estado, reivindicando princípios católicos, o caminho parecia aberto para justificar o uso da dissimulação nos domínios distantes, tornando-se a América seu grande laboratório

Ganhar prazo em situações de crise era virtude do príncipe prudente. Recomendava-se deixar o tempo passar, superando-se as circunstâncias difíceis para adiante vencer, usando aí meios virtuosos, sem estarem contaminados pelo mal.85 85 José Antonio Maravall, Teoria del Estado en España en el siglo XVII, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 249. A espera, segundo Rivadeneyra, deveria acompanhar a dissimulação. Como prova de prudência dos que governam multidões: "el mirar la conyuntura y razón también aprovecha para disimular algunas cosas, por graves que sean y merecedoras de castigo, y guardarle para su tiempo".86 86 "observa a conjuntura e a razão também aproveita para dissimular algumas coisas, por mais graves que sejam e merecedoras de castigo, e guarde-a para seu tempo". Ibidem, p. 248. Diante das alterações de Évora, como ficaram conhecidos os sucessivos protestos naquela cidade em 1637 que se irradiam pelo território do reino sob a União Ibérica, Castela vacilou diante dos "rebeldes humores". Temia-se, segundo D. Francisco Manuel de Melo, a possível influência do exemplo para outros domínios espanhóis:

A uns pareceu se devia dissimular com aqueles povos inquietos, até melhor tempo, a troco de não confessar às nações da monarquia se se achava nela alguma tão ousada; outros entenderam que com a nova do erro convinha chegasse a do castigo.87

A suspensão temporária da punição, ou do processo judicial, quase sempre acompanhava a dissimulação: "Por ora", os castigos esperariam; "até cessar o receio" de ameaça estrangeira, era preferível aguardar; os castigos, cabia "reservá-los para ocasião de mais sossego"; "persuadia a prudência que por ora se dissimulasse com o castigo". Foram essas algumas das recomendações com os rebeldes na América colonial. A ideia de tempo é, portanto, essencial para os prudentes, que Gracián chama de "a arte de deixar estar". Cede-se agora para vencer depois.88 88 José Antonio Maravall, Teoria del Estado en España en el siglo XVII, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 249.

Não poucas vezes, a recomendação para não castigar rebeldes no Brasil Colônia fazia par com a imposição de um silêncio geral a respeito. "Que se ponha perpétuo silêncio nesta causa", muitas vezes se escreveu. Tratava-se aqui de atualizar no Novo Mundo lições da política cristã, especialmente a respeito da justiça punitiva dos príncipes. Sebastião César de Meneses admite que há certas culpas para as quais, por razões de natureza política, é melhor evitar punição. Diz: "Casos há puníveis que convém se não castiguem, por não perpetuar sua memória, em lugar de escarmento".89 89 apud Luís Reis Torgal, Ideologia política e teoria do Estado na Restauração, vol. II, Coimbra, Biblioteca Geral da Universidade, 1981, p. 210.

Por outro lado, a condenação da dissimulação que se mostra incapaz de reduzir crises e a defesa do castigo exemplar bebem nas mesmas fontes da política cristã. O corretivo deve ser exemplar, pois reafirma a autoridade do príncipe e evita novos tumultos. Em sua defesa, afirmavam os conselheiros ultramarinos ser o castigo "a medicina de tão graves achaques, como sedições e levantamentos populares, onde deve o castigo ser pronto".90 90 Sobre a conta que da o conde de Assumar D. Pedro de Almeida governador e capitão general das Minas Gerais dos motins e tumultos que nelas tem havido, e vão as cartas que se acusam, AHU, cód. 233, fl. 218-223v. Adaptavam máximas elaboradas sob o drama da política barroca europeia. Inspiravam-se em um princípio equivalente ao que defendia a dissimulação, embora aqui servisse para justificar atitude inversa. O princípio do amor com que os reis deveriam tratar seus vassalos era defendido, sendo ele regulado pelo respeito e autoridade. Antônio de Sousa Macedo sustenta o uso do castigo severo ocasionalmente como forma de manter a ordem e a estabilidade: "a severidade não causa ódio, mas respeito, com um castigo atalha muitas culpas, e é grande Clemência ser cruel uma vez".91 91 apud Luís Reis Torgal, op cit., p. 197.

Diz ainda, "a pena medíocre irrita, não atemoriza os ânimos, mostra que o crime não foi totalmente reprovado, ou que o Príncipe não ousou castigá-lo, com que fica contemptível [sic], e o povo insolente".92 92 Ibidem, p. 199.

Muitas são as passagens que expressam o raciocínio resoluto de alguns conselheiros: "nenhuma sorte de perdão, ou dissimulação, porque os muitos que se tem perdoado, ou dissimulado foram a causa destes, e serão de mais, se se não castigarem".93 93 Sobre a conta que da o conde de Assumar D. Pedro de Almeida governador e capitão general das Minas Gerais dos motins e tumultos que nelas tem havido, e vão as cartas que se acusam, AHU, cód. 233, fl. 218-223v. Também aqui os pensadores católicos parecem fornecer as linhas gerais dessas lições. Diego Saavedra Fajardo escrevia: "La confianza del perdon haze atrevidos a los Subditos, i la Clemencia desordenada cria desprecios, ocasiona desacatos, i causa la ruina de los Estados".94 94 "a confiança no perdão deixa os súditos atrevidos, e a clemência desordenada cria desprezo, traz desacatos e causa a ruína dos Estados". Idea de un principe politico christiano: rapresentada en cien empresas, por Don Diego de Saavedra Fajardo ... En Monaco [s.n.], a 1 marzo 1640; En Milan [s.n.], a 20 de abril 1642. Disponível em: <http://archive.org/details/ideadeunprincipe42saav>. Acesso em: 4 fev. 2014. Algo muito semelhante escreviam os conselheiros em seus pareceres: "Grande virtude é a da clemência, principalmente nos Príncipes. Mas é de tal natureza, que se se exercita repetidas vezes, e de ordinário, degenera em vício, porque convida a delinquir". 95 95 AHU, Parecer do Conselho Ultramarino, BNB, DH, 1952, vol. 96, p. 42-43.

Ainda que inspirada e claramente lastreada na leitura dos moralistas e pensadores sob a política cristã, as recomendações e o campo de ação das autoridades estiveram no Brasil balizados não apenas pela moral católica mas, especialmente, pelos riscos políticos de alta traição, inconfidência e a perda do patrimônio. Em vista disso, a dissimulação foi acolhida em um papel decisivo como instrumento de governo. A forma que assumiu a linguagem da dissimulação no Brasil alargou as possibilidades de a política cristã se ajustar à inquietação exagerada e aos riscos extremos que se verificava nesses domínios da monarquia portuguesa.

Quando se tratava de preservar o poder, garantir o bem comum e cumprir a harmonia sobre a terra dos homens, os pensadores cristãos podiam superar a violência e os expedientes práticos muitas vezes atribuídos a Maquiavel, de quem queriam se imaginar a léguas de distância. Mas as falsas aparências por vezes se desmancham à luz da ironia. D. Francisco Manuel de Melo, com sua pena afiada, revelou o lugar das coisas ao sugerir que "nossa Corte [...] pode ler e ensinar artes, e tretas aos Tácitos e, Machiavelos".96 96 "...D. Francisco Manuel de Melo, ao dirigir-se a Francisco de Sousa Coutinho, afirmará: 'A malicia corre tal (segundo ouço), que a nossa Corte não sendo antigua, pode ler, e ensinar artes, e tretas aos Tácitos, e Machiavelos'"apud Martim de Albuquerque, Maquiavel e Portugal. Estudos de história das ideias políticas, Lisboa, Alêtheia Editores, 2007, p. 77.

  • 1
    Estudo desenvolvido no âmbito no projeto de bolsa produtividade do CNPq "Tradições intelectuais e lutas políticas na América portuguesa moderna, séculos XVI-XVIII". O embrião deste artigo foi a comunicação apresentada no Colóquio internacional Maquiavel dissimulado: heterodoxias político-culturais no mundo luso-brasileiro, na UFF, em outubro de 2011. Sou grato ao convite de Rodrigo Bentes Monteiro, que acreditou em uma nota de rodapé perdida num velho artigo. Cabem agradecimentos a Sérgio Alcides, Enzo Baldini, Giuseppe Marcocci, Ângela Barreto Xavier e Silvia Patuzzi pelas vivas sugestões propostas durante os debates. Sou grato aos pareceristas anônimos da TEMPO que contribuíram para reparar omissões e imprecisões.
  • 2
    Vivaldo Coaracy, O Rio de Janeiro no século XVII, 2. ed. rev. e aum. Prefácio de Francisco de A. Barbosa, Rio de Janeiro, J. Olympio, 1965, p. 119.
  • 3
    Arquivo Histórico Ultramarino (daqui para a frente AHU), Parecer do Conselho Ultramarino, Lisboa, 25 de outubro de 1644, cód. 13, f. 131v-133.
  • 4
    Idem, Bahia, Luisa da Fonseca, Parecer do Conselho Ultramarino e Treslado de uma junta que se fez sobre os avisos que agora se tiveram do Rio de Janeiro e da morte de Luiz Barbalho Bezerra, Rio de Janeiro, 4 de maio de 1644, doc. 1077, fl. 6-7.
  • 5
    Desde o livro de Marcelo Caetano, O Conselho Ultramarino: esboço da sua História, Lisboa, Agência Geral do Ultramar, 1967, demorou algum tempo para o Conselho Ultramarino, como tema específico de estudo, voltar a provocar interesse. Dentre eles, ver Edval de Souza Barros, Negócios de tanta importância: o Conselho Ultramarino e a disputa pela condução da guerra no Atlântico e no Índico (1643-1661), Lisboa, Centro de História de Além-Mar, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, 2008 e Eric Lars Myrup, "Governar a distância: o Brasil na composição do Conselho Ultramarino, 1642-1833", In: Stuart Schwartz; Eric Myrup (orgs.), O Brasil no império marítimo português, Bauru, Edusc, 2009, p. 275-276.
  • 6
    Necessário registrar que os debates e as opiniões travadas no âmbito do Conselho Ultramarino, por razões variadas, nem sempre se cumpriam no plano da prática dos que governavam. Este estudo não pretende conferir a execução das medidas recomendadas que, algumas vezes, chegavam tarde ou podiam ser evitadas pelos governadores que não se furtaram a executar e castigar.
  • 7
    Marcello José Gomes Loureiro, O Conselho Ultramarino e sua pauta: aspectos da comunicação política da monarquia pluricontinental (1640-1668) - notas de pesquisa, Nuevo Mundo Mundos Nuevos, Colloques, mis en ligne le 14 octobre 2013. Disponível em: <http://nuevomundo.revues.org/65830>. Acesso em: 6 set. de 2014; Idem, A gestão no labirinto: circulação de informações no império ultramarino português, formação de interesses e construção da política lusa para o Prata (1640-1705), Rio de Janeiro, Apicuri, 2012.
  • 8
    AHU, Bahia, Luísa da Fonseca, Parecer do Conselho Ultramarino e Treslado de uma junta que se fez sobre os avisos que agora se tiveram do Rio de Janeiro e da morte de Luiz Barbalho Bezerra, Rio de Janeiro, 4 de maio de 1644, doc. 1077, fl. 6-7.
  • 9
    Idem, Francisco de Souto Maior governador do RJ da conta de como tomou posse daquele governo e avisa de algum particular tocantes a segurança daquela capitania, cód. 13, fl. 122-123v.
  • 10
    Para uma visão de conjunto das revoltas coloniais, ver Laura de Mello e Souza, "Motines, revueltas y revoluciones en la América portuguesa de los siglos XVII y XVIII", Historia General de América Latina: procesos americanos hacia la redefinición colonial, vol. 4, Paris, 2000, p. 459-473, e Luciano Raposo de Almeida Figueiredo, Rebeliões no Brasil Colônia. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2005.
  • 11
    Luciano Raposo de Almeida Figueiredo, Revoltas, fiscalidade e identidade colonial na América portuguesa: Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais (1640-1761), Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996 (cap. 1 - "A revolta da cachaça"); Charles R. Boxer, Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola, 1602-1686, São Paulo, Edusp, 1973, p. 306-345 (cap. VII - "Capitão-general do sul"); Antonio Filipe Pereira Caetano, Entre a sombra e o sol: a Revolta da Cachaça, a freguesia de São Gonçalo do Amarante e a crise política fluminense (Rio de Janeiro, 1640-1667), Dissertação de mestrado, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2003.
  • 12
    Laura de Mello e Souza. O sol e a sombra: política e administração na América portuguesa do século XVIII, São Paulo, Companhia das Letras, 2006, p. 90.
  • 13
    AHU, Parecer do Conselho Ultramarino sobre o que escrevem os oficiais da câmara do Rio de Janeiro acerca do levantamento que houve no povo daquela capitania contra Tomé Correia de Alvarenga, Lisboa, 7-4-1661, cód. 16 (consultas mistas), fl. 11-12.
  • 14
    Consulta do Conselho Ultramarino, maio de 1661. Publicado em Frazão de Vasconcellos, Archivo nobiliarchico portuguez, 1ª série, n. 6, p. 13, apud Charles R. Boxer, Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola, 1602-1686, São Paulo, Edusp, 1973, p. 338.
  • 15
    O episódio da deposição do governador de Pernambuco, com toda sua complexidade, inaugura a A fronda dos mazombos - nobres contra mascates: Pernambuco 1666-1715, obra seminal de Evaldo Cabral de Mello, São Paulo, Companhia das Letras, 1995. Ver capítulo "O agosto do Xumbergas", p. 19-50.
  • 16
    Ibidem, p. 46.
  • 17
    Laura de Mello e Souza, "Motines, revueltas y revoluciones en la América portuguesa de los siglos XVII y XVIII". In: Enrique Tandeter (dir.), Historia General de América Latina: procesos americanos hacia la redefinición colonial, vol. 4, Paris, Ediciones Unesco, 2000, p. 459-473.
  • 18
    Para Pernambuco, ver Evaldo Cabral de Mello, A fronda dos mazombos - nobres contra mascates: Pernambuco 1666-1715, São Paulo, Companhia das Letras, 1995.
  • 19
    Adriana Romeiro, Paulistas e emboabas no coração das Minas: idéias, práticas e imaginário político no século XVIII, Belo Horizonte, Editora da UFMG, 2008, p. 80.
  • 20
    Ibidem, p. 302. Lembra a autora que a prudência adotada não impediu a aplicação de castigos.
  • 21
    Luciano Raposo de Almeida Figueiredo, Revoltas, fiscalidade e identidade colonial na América portuguesa: Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais (1640-1761), Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996.
  • 22
    AHU, Parecer de Antonio Roiz da Costa, s.d., Bahia, documento avulso não identificado., cx. 6, doc. 108.
  • 23
    Embora a documentação do Conselho Ultramarino ofereça o material documental essencial para nossa interpretação, outros agentes e instituições pesaram nos rumos do processo de gestão das crises políticas. Ver, em especial, Maria Fernanda Bicalho, "As tramas da política: conselhos, secretários e juntas na administração da monarquia portuguesa e de seus domínios ultramarinos", In: João Fragoso; Maria de Fátima Gouvêa (orgs.). Na trama das redes. Política e negócios no império português. Séculos XVI-XVIII, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2010, p. 343-371. Convém também considerar que os pareceres do Conselho Ultramarino não possuíam caráter deliberativo, assessorando o soberano com conselhos que podiam ou não ser admitidos. O uso massivo dessa documentação, por outro lado, não deve fazer crer que fosse o Conselho instância de decisão a determinar o desfecho das insurreições ou da ação dos oficiais a respeito delas.
  • 24
    O tema da aplicação do perdão vem sendo amplamente estudado por João Henrique Ferreira de Castro em seu projeto de doutorado "Castigar sempre foi Razão de Estado? O debate sobre a punição às revoltas ocorridas no Brasil: da defesa dos perdões à progressiva legitimação da violência (1660-1732)", desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, associado à cultura política do Antigo Regime e às negociações envolvendo as elites locais.
  • 25
    "...os primeiros dois por Vossa majestade, e os mais pelo governador da Bahia, exceto o de Sergipe Del Rei que não sabe se o fora...". AHU, Parecer do Conselho Ultramarino, Biblioteca Nacional do Brasil (BNB), Documentos históricos (DH), 1952, vol. 96, p. 42.
  • 26
    Ibidem.
  • 27
    Ibidem, p. 42-43.
  • 28
    Parecer do procurador da coroa no Parecer do Conselho Ultramarino, Ibidem, p. 43.
  • 29
    AHU, BNB, DH, 1952, vol. 96, p. 50.
  • 30
    Idem, Bahia, Parecer do Conselho Ultramarino, Lisboa, 12 de janeiro de 1713, documento avulso não identificado, cx. 7, doc. 96.
  • 31
    Evaldo Cabral de Mello, A fronda dos mazombos - nobres contra mascates: Pernambuco 1666-1715, São Paulo, Companhia das Letras, 1995, p. 403.
  • 32
    Laura de Mello e Souza (org.), Discurso histórico e político sobre a sublevação que nas Minas houve no ano de 1720, Belo Horizonte, Sistema Estadual de Planejamento, Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1994, p. 166.
  • 33
    Uma das passagens mais originais do estudo de Rosario Villari, Elogio della dissimulazione: la lotta politica nel Seicento, 2. ed., Roma, Laterza, 1993, p. 25, é a discussão do modo como a oposição e a resistência aos poderes no século XVII se apropriam de um recurso desenvolvido no século anterior exclusivamente para ação do governo.
  • 34
    Jonathan Martins Ferreira, À margem da "palavra oficial": dissimulação e boatos no motim de Vila Rica, Dissertação de mestrado, Universidade Estadual de Montes Claros, 2013, p. 141. Sobre o tema da dissimulação como recurso de oposição política, ver também Fernando R. de la Flor, Pasiones frías: secreto y simulación en el Barroco hispano, Madrid, Marcial Pons, 2006, especialmente o capítulo "Ocultación y engaño em la colonia", p. 173-182, e Rosario Villari, op cit., especialmente, p. 25-29.
  • 35
    Maria Verônica Campos, Governo de mineiros: de como meter as minas numa moenda e retirar-lhe o caldo dourado - 1693-1737, Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002, p. 227.
  • 36
    AHU, Sobre a conta que da o conde de Assumar D. Pedro de Almeida governador e capitão general das Minas Gerais dos motins e tumultos que nelas tem havido, e vão as cartas que se acusam, cód. 233, fl. 218-223v.
  • 37
    Ibidem.
  • 38
    "convém não dissimular tais desacatos, para que não criem força para outros maiores", como o castigo deveria ser aplicado sem vacilo, sendo "arrancadas as cabeças dos autores da sedição e colocadas em público". Laura de Mello e Souza (org.), Discurso histórico e político sobre a sublevação que nas Minas houve no ano de 1720, Belo Horizonte, Sistema Estadual de Planejamento, Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1994, p. 163.
  • 39
    Carta de Sua Majestade ao Governador sobre não poder dar perdões a nenhum culpado como se declara (11/01/1719), Arquivo Público do Estado da Bahia. Microfilmes, Ordens Régias n. 6, flash 4, doc. 3 apud João Henrique Ferreira de Castro, A repressão à revolta de Vila Rica de 1720: perdão e punição sob a ótica da justiça no império ultramarino português, Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012, p. 232. Segundo o autor, essa proibição régia representa um papel crucial para se compreender adequadamente a atitude do governador conde de Assumar de dispensar o perdão.
  • 40
    João Henrique Ferreira de Castro, A repressão à revolta de Vila Rica de 1720: perdão e punição sob a ótica da justiça no império ultramarino português, Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012, p. 247.
  • 41
    Instruções de Martinho de Mendonça de 1 e 2 de maio de 37, p. 133 apud Diogo de Vasconcelos, História média de Minas Gerais, Prefácio de Francisco Iglésias, Introdução de Basílio de Magalhães, 3. ed., Belo Horizonte, Itatiaia/INL, 1974.
  • 42
    http://www.historia.uff.br/impressoesrebeldes/. Acesso em: 14/07/2014.
  • 43
    Assim como o peso político do Conselho varia ao longo da temporalidade abarcada nesse artigo, varia também seu papel em relação a diferentes reinados e circunstâncias políticas.
  • 44
    Nicolau Maquiavel, O príncipe, Escritos políticos, Tradução de Livio Xavier, 3. ed., São Paulo, Abril Cultural, 1983 (Os pensadores), p. 73-74.
  • 45
    Ibidem, p. 74.
  • 46
    Maurizio Viroli, Machiavelli, New York, Oxford University Press, 1998 (Founders of Modern Political and Social Thought), p. 88. Perez Zagorin defende a força do argumento desse capítulo da obra, ainda que ressalte a novidade da noção de que o príncipe não é obrigado a manter a fé com seus súditos: Ways of lying: dissimulation, persecution, and conformity in early modern Europe, Cambridge, Harvard University Press, 1990, p. 6 (ver capítulo "Dissimulation in historical context", p. 1-14). Ver ainda Quentin Skinner, Maquiavel. Pensamento político, São Paulo, Brasiliense, 1988, p. 69-70.
  • 47
    Ibidem, p. 71.
  • 48
    Ibidem. Ver, ainda, Marcelo Jasmin, Política e historiografia no Renascimento italiano: o caso de Maquiavel, In: Berenice Cavalcante (org.), Modernas tradições: percursos da cultura ocidental (séculos XV-XVIII), Rio de Janeiro, Acccess, 2002, p. 181.
  • 49
    Quentin Skinner, Los fundamentos del pensamiento político moderno, vol. 1, México, Fondo de Cultura Económica, 1993, 2 vols., p. 152.
  • 50
    Quentin Skinner, Los fundamentos del pensamiento político moderno, vol. 1, México, Fondo de Cultura Económica, 1993, 2 vols., p. 157.
  • 51
    Ibidem. Não iremos aqui desdobrar mais do que o necessário a respeito da discussão sobre virtude e virtù na obra de Maquiavel, tema de vastíssima bibliografia.
  • 52
    Felix Gilbert, "Machiavellism", In: Philip P. Wiener (org.), Dictionary of the history of ideas, Tomo III, New York, Charles Scribners's Son, p. 116-126.
  • 53
    Quentin Skinner, Maquiavel. Pensamento político, São Paulo, Brasiliense, 1988, p. 71.
  • 54
    Perez Zagorin, Ways of lying: dissimulation, persecution, and conformity in early modern Europe, Cambridge, Harvard University Press, 1990 (ver capítulo "Dissimulation in historical context", p. 1-14). Ver também Jon R. Snyder, Dissimulation and the culture of secrecy in early modern Europe, Berkeley; Los Angeles, University of California Press, 2009, p. 17.
  • 55
    Ver José Antonio Maravall, Teoria del Estado en España en el siglo XVII, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1997.
  • 56
    Perez Zagorin, op cit., p. 1-14.
  • 57
    Rosario Villari, Elogio della dissimulazione: la lotta política nel Seicento, Roma, Laterza, 1987, p. 18-19.
  • 58
    Ibidem, p. 25.
  • 59
    Ibidem, p. 28-29.
  • 60
    Ibidem, p. 18.
  • 61
    Ibidem, p. 28-29.
  • 62
    Sobre o episódio, ver Luciano Raposo de Almeida Figueiredo, Revoltas, fiscalidade e identidade colonial na América portuguesa: Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais (1640-1761), Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996 (cap. 1 - "A revolta da cachaça").
  • 63
    "...na opinião de muitos mais culpado parecendo-lhes maquiavelice para [o?] desculpar do castigo, e que em vez deste o premiasse VMje. com a continuação do governo, na falta ou ausência minha..." . Notícia de um motim, no Rio de Janeiro, enviada à Rainha Regente, dona Luísa de Gusmão, por Salvador Correia de Sá. Rio de Janeiro, 10 de abril de 1661. Biblioteca Nacional de Portugal, Reservados, cód. 10563/83, fl. 195-196.
  • 64
    Alguns pensadores espanhóis do século XVII estabelecem diferença entre dissimulação e simulação. A ação de dissimular é lícita, correspondendo à atitude de não revelar o que se sabe ou se suspeita; já simular aparece como ação reprovável na medida em que diz uma coisa e faz outra. O tema aparece em José Antonio Maravall, Teoria del Estado en España en el siglo XVII, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 257. Conforme Torquato Accetto, a simulação é ação desonesta na moral cortesã, posto que enganadora: "Simula-se aquilo que não é, dissimula-se aquilo que é": Torquato Accetto, La disimulación honesta, Buenos Aires, El Cuenco de Plata, 2005, p. 21.
  • 65
    A respeito da formulação em sentido positivo da ideia de simulação pela moral católica em Portugal, ver o trabalho de Bruno Silva de Souza, O fantasma de Maquiavel: antimaquiavelismo e Razão de Estado no pensamento político ibérico do século XVII, Dissertação de mestrado, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, 2011, p. 70 et passim.
  • 66
    Claude Lefort, "Sobre a lógica da força", In: Célia Galvão Quirino; Maria Teresa Sadek (orgs.), O pensamento político clássico, São Paulo, Martins Fontes, 2003, p. 35-58; 56.
  • 67
    António Manuel Hespanha (coord.), História de Portugal, vol. 4, Lisboa, Estampa, 1992, p. 121. Sobre antimaquiavelismo em Portugal, ver Martim de Albuquerque, Maquiavel e Portugal. Estudos de história das ideias políticas, Lisboa, Alêthea Editores, 2007.
  • 68
    Luís Reis Torgal, Ideologia política e teoria do Estado na Restauração, vol. II, Coimbra, Biblioteca Geral da Universidade, 1981, p. 186.
  • 69
    Ibidem, p. 182.
  • 70
    Bruno Silva de Souza, O fantasma de Maquiavel: antimaquiavelismo e razão de Estado no pensamento político ibérico do século XVII, Dissertação de mestrado, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, 2011, p. 68.
  • 71
    Ibidem, p. 61 (ver, especialmente, o capítulo "Sebastião César de Menezes: os alicerces da razão de Estado").
  • 72
    Peter Burke parece não ter atentado para a diferença ao mencionar que muitos dos que atacavam violentamente Maquiavel podem ser flagrados recomendando dissimulação e mesmo a quebra dos tratados como ele fazia. Peter Burke, "Tacitism, sceptisism, and reason of State", In: James Henderson Burns (org.), The Cambridge history of political thought 1450-1700, Cambridge, Cambridge University Press, p. 479-499; 483.
  • 73
    Sebastião César de Menezes, Suma política, 1649, p. 103-104 apud Bruno Silva de Souza, O fantasma de Maquiavel: antimaquiavelismo e Razão de Estado no pensamento político ibérico do século XVII, Dissertação de mestrado, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, 2011, p. 63.
  • 74
    Perez Zagorin, Ways of lying: dissimulation, persecution, and conformity in early modern Europe, Cambridge, Harvard University Press, 1990, p. 1-14; 8. (ver capítulo "Dissimulation in historical context").
  • 75
    "quem não dissimula não impera, quem não sabe dissimular o que dissimula não pode mantê-lo. A dissimulação dos Príncipes é traição honesta contra traidores". Francisco de Quevedo y Villegas, "Primera parte de la vida de Marco Bruto", Madrid, 1644, In: Obras de Quevedo, vol. I, [S.l., s.n.], p. 163 apud José Antonio Maravall, Teoria del Estado en España en el siglo XVII, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 256.
  • 76
    Martim de Albuquerque, Maquiavel e Portugal. Estudos de história das ideias políticas, Lisboa, Alêtheia Editores, 2007, p. 76-77.
  • 77
    António Manuel Hespanha (coord.), História de Portugal, vol. 4, Lisboa, Estampa, 1992, p. 133. Sobre Tácito, ver José Antonio Maravall, Teoria del Estado en España en el siglo XVII, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 379; Luís Reis Torgal, Ideologia política e teoria do Estado na Restauração, vol. II, Coimbra, Biblioteca Geral da Universidade, 1981, p. 138.
  • 78
    Evaldo Cabral de Mello, A fronda dos mazombos - nobres contra mascates: Pernambuco 1666-1715, São Paulo, Companhia das Letras, 1995, p. 298.
  • 79
    Parecer do Conselho Ultramarino, BNB, DH, 1952, vol. 96, p. 50.
  • 80
    Consulta do Conselho Ultramarino, maio de 1661. Publicado em Frazão de Vasconcellos, Archivo nobiliarchico portuguez, 1ª série, n. 6, p. 13 apud Charles R. Boxer, Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola, 1602-1686, São Paulo, Edusp, 1973, p. 338.
  • 81
    Luís Reis Torgal, Ideologia política e teoria do estado na Restauração, vol. II, Coimbra, Biblioteca Geral da Universidade, 1981, p. 181.
  • 82
    AHU, Parecer do Conselho Ultramarino, BNB, DH, 1952, vol. 96, p. 50.
  • 83
    Evaldo Cabral de Mello, A fronda dos mazombos - nobres contra mascates: Pernambuco 1666-1715, São Paulo, Companhia das Letras, 1995, p. 403.
  • 84
    Consulta do Conselho Ultramarino, maio de 1661. Publicado em Frazão de Vasconcellos, Archivo nobiliarchico portuguez, 1ª série, n. 6, p. 13 apud Charles R. Boxer, Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola, 1602-1686, São Paulo, Edusp, 1973, p. 338.
  • 85
    José Antonio Maravall, Teoria del Estado en España en el siglo XVII, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 249.
  • 86
    "observa a conjuntura e a razão também aproveita para dissimular algumas coisas, por mais graves que sejam e merecedoras de castigo, e guarde-a para seu tempo". Ibidem, p. 248.
  • 87
    D. Francisco Manuel de Melo, Tácito português. Vida, morte, dittos e feitos de El rey Dom João IV de Portugal [ca. 1638], Lisboa, Livraria Sá da Costa Editora, 1995.
  • 88
    José Antonio Maravall, Teoria del Estado en España en el siglo XVII, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 249.
  • 89
    apud Luís Reis Torgal, Ideologia política e teoria do Estado na Restauração, vol. II, Coimbra, Biblioteca Geral da Universidade, 1981, p. 210.
  • 90
    Sobre a conta que da o conde de Assumar D. Pedro de Almeida governador e capitão general das Minas Gerais dos motins e tumultos que nelas tem havido, e vão as cartas que se acusam, AHU, cód. 233, fl. 218-223v.
  • 91
    apud Luís Reis Torgal, op cit., p. 197.
  • 92
    Ibidem, p. 199.
  • 93
    Sobre a conta que da o conde de Assumar D. Pedro de Almeida governador e capitão general das Minas Gerais dos motins e tumultos que nelas tem havido, e vão as cartas que se acusam, AHU, cód. 233, fl. 218-223v.
  • 94
    "a confiança no perdão deixa os súditos atrevidos, e a clemência desordenada cria desprezo, traz desacatos e causa a ruína dos Estados". Idea de un principe politico christiano: rapresentada en cien empresas, por Don Diego de Saavedra Fajardo ... En Monaco [s.n.], a 1 marzo 1640; En Milan [s.n.], a 20 de abril 1642. Disponível em: <http://archive.org/details/ideadeunprincipe42saav>. Acesso em: 4 fev. 2014.
  • 95
    AHU, Parecer do Conselho Ultramarino, BNB, DH, 1952, vol. 96, p. 42-43.
  • 96
    "...D. Francisco Manuel de Melo, ao dirigir-se a Francisco de Sousa Coutinho, afirmará: 'A malicia corre tal (segundo ouço), que a nossa Corte não sendo antigua, pode ler, e ensinar artes, e tretas aos Tácitos, e Machiavelos'"apud Martim de Albuquerque, Maquiavel e Portugal. Estudos de história das ideias políticas, Lisboa, Alêtheia Editores, 2007, p. 77.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2014

Histórico

  • Recebido
    25 Jul 2014
  • Aceito
    15 Set 2014
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