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A saga dos índios da Ibiapaba e outras ações indígenas diante da lei do Diretório no Ceará oitocentista

Indigenous actions before the law of the Diretório in eighth century Ceará

Resumo:

O artigo reflete sobre a atuação política indígena no Ceará diante do Diretório dos Índios, lei setecentista ainda vigente na capitania e província no século XIX. Analisa como as comunidades operacionalizavam a lei e lutavam por sua supressão por meio da argumentação escrita e do traquejo nos trâmites jurídicos e administrativos, e de que maneira suas ações também influenciaram os posicionamentos indigenistas dos governos de Portugal, Brasil e do Ceará. Na sua produção documental, chamam atenção a leitura que faziam do seu passado e, a partir dela, as intenções de autonomia nos seus espaços, inclusive para gerirem suas próprias atividades produtivas e comerciais. São aspectos importantes nessa investigação tanto a perspectiva dos índios acerca do arcabouço normativo, do seu trabalho e de si na sociedade colonial portuguesa - na qualidade de súditos capazes e dignos da atenção do soberano - quanto as ações jurídicas movidas por eles.

Palavras-chave:
Índios; Legislação; Cultura política

Abstract:

The article reflects on the indigenous political action in Ceará before the Diretório dos Índios, the eighteenth century law that was still in force in the captaincy and province in the nineteenth century. It analyzes how the communities operationalized the law or fought for its suppression through written argumentation and tricks in the legal and administrative proceedings, and how their actions also influenced the indigenist positions of the governments of Portugal, Brazil and Ceará. In their documentary production, they draw attention to their reading of their past and, from it, the intentions of autonomy in their spaces, including to manage their own productive and commercial activities. Important aspects in this investigation are both the Indians perspective on the normative framework, about their work and themselves in Portuguese colonial society - as capable vassals and worthy of the sovereign’s attention - and the legal actions brought by them.

Keywords:
Indians; Legislation; Political culture

São muitos os trabalhos que se propõem a analisar as sociedades indígenas que viveram sob o regime do Diretório dos Índios, norma que substituiu o poder dos religiosos sobre essa população e que tinha como objetivo equipará-los aos brancos enquanto súditos da Coroa portuguesa. Promulgada inicialmente para o Grão-Pará em 1757 e estendida ao resto do Brasil no ano seguinte, a legislação visava regulamentar as leis de liberdade de 1755, fazendo dos índios uma importante ferramenta de povoamento e exploração de terras não desbravadas na colônia, sem restringir seu emprego como mão de obra para os colonos e o Estado. Dentre as medidas mais marcantes estavam a elevação das antigas aldeias religiosas a vilas, a criação de cargos de câmara ocupados pelos próprios índios, a obrigatoriedade da execução de trabalhos de aluguel em lavouras próprias e na de parti­culares e a presença do diretor, principal representante do poder temporal da Coroa e responsável pela distribuição dos trabalhadores.

De acordo com Isabelle da Silva, o objetivo do Diretório era a supressão do poder dos religiosos “sobre a vida dos índios e a emancipação e a integração destes à sociedade colonial”. Para a plena inserção dos indígenas como vassalos da Coroa portuguesa, algumas orientações na legislação são especialmente destacadas pela autora, como a “massificação da presença de brancos” nas vilas. Ela enfatiza ainda que o “trabalho indígena, o comércio e a instituição de impostos [eram], sem dúvida nenhuma, matérias centrais do Diretório” (Silva, 2005SILVA, Isabelle Braz Peixoto da. Vilas de índios no Ceará Grande: dinâmicas locais sob o Diretório pombalino. Campinas: Pontes, 2005., p. 80-82). Segundo Ricardo Pinto de Medeiros, a lei indigenista em questão fazia parte das mudanças do período pombalino que visavam “promover a agricultura e o comércio, e aumentar os laços da exploração colonial”. Para o autor, a integração dos índios à sociedade portuguesa era contrária à política de segregação que havia caracterizado a administração missionária (Medeiros, 2001MEDEIROS, Ricardo Pinto de. Política indigenista do período pombalino e seus reflexos nas capitanias do norte da América portuguesa. In: OLIVEIRA FILHO, João Pacheco de (org.). A presença indígena no Nordeste. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2011, p. 115-144., p. 116).

Ainda que o Diretório previsse a obrigatoriedade do trabalho, os índios eram, por lei, livres e deveriam ser remunerados pelos serviços que executassem, situação que perdurou durante toda a vigência dessa legislação no Ceará. Mas, apesar da proteção prevista pela lei pombalina, da condição de vassalos livres que lhes era concedida e dos cargos de câmara que podiam exercer, era grande a rejeição indígena. Por um lado, a lei vetava a escravização dos índios e os fazia vassalos “iguais aos outros”; por outro, a incongruência entre a liberdade concedida e a situação de tutela, além das obrigações que lhes eram impostas, acentuavam as contradições da lei na prática e, consequentemente, sua repulsa por parte dos nativos. Para Fátima Lopes, as descrições de “decadência física das vilas” presentes em muitos relatos do início do século XIX são provas dos males provocados pelas diretrizes pombalinas (Lopes, 2005LOPES, Fátima Martins. Em nome da liberdade: as vilas de índio do Rio Grande do Norte sob o Diretório pombalino no século XVIII. Tese (Doutorado em História), Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2005., p. 390). Segundo ela, “a situação de pobreza e miséria só tenderia a se agravar com as exigências de consumo feitas pelo próprio Diretório” (Lopes, 2005LOPES, Fátima Martins. Em nome da liberdade: as vilas de índio do Rio Grande do Norte sob o Diretório pombalino no século XVIII. Tese (Doutorado em História), Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2005., p. 423). A autora indicou ainda que os principais motivos para o “fracasso” apontado pela historiografia seriam “a má administração devida à falta de preparo dos agentes coloniais; os maus tratos infligidos aos índios; a exploração sobre a produção indígena” (Lopes, 2005LOPES, Fátima Martins. Em nome da liberdade: as vilas de índio do Rio Grande do Norte sob o Diretório pombalino no século XVIII. Tese (Doutorado em História), Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2005., p. 451). Contudo, o cenário de espaços decadentes era justamente um dos motivos para que a Coroa acreditasse na lei pombalina como uma solução em muitas regiões nos oitocentos.

Em 1798, por meio de uma Carta Régia, o Diretório foi oficialmente abolido no Grão-Pará e em outras regiões do Brasil, num contexto de ocupação, exploração e conflitos em suas fronteiras externas e internas. A medida teve alcance geográfico limitado, e em muitas capitanias, como na do Ceará, o Diretório continuou vigente, atravessando períodos de intensa transformação e configurações políticas bastante distintas, nas quais os índios vivenciaram mudanças em seu estatuto social e jurídico de igual profundidade. Em território cearense, o Diretório permaneceu em vigor até ser substituído pelo Regulamento das Missões em 1845.

Acerca desse período entre 1798 e 1845, Manuela Carneiro da Cunha o caracterizou de “vazio legislativo” por não ter havido nele uma lei geral para regular a política indigenista no Brasil. Com a revogação do Diretório, criou-se, segundo ela, “um vazio que não seria preenchido”; sua anulação só ocorreu “por falta de diretrizes que o substituíssem” e, mesmo assim, “parece ter ficado oficiosamente em vigor. No Ceará [...] permanece [como] um parâmetro de referência” (Cunha, 1992aCUNHA, Maria Manuela Ligeti Carneiro da. Prólogo. Legislação indigenista no século XIX: uma compilação, 1808-1889. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Comissão Pró-Índio de São Paulo, 1992a, p. 1-34., p. 9-11).

Parte da historiografia, por outro lado, discorda da perspectiva do “vácuo legislativo” para caracterizar a política indigenista no início dos oitocentos. Como argumentou Francisco Cancela, se a execução da lei pombalina teve diferentes feições em cada uma das regiões do Brasil, sua superação também “não pode ser analisada sem levar em consideração a possibilidade de diferentes temporalidades e múltiplas experiências”. Mais do que ter marcado um “vazio legislativo”, a passagem dos séculos XVIII e XIX teria selado o “ponto de referência para o retorno de uma política indigenista flexível e dual” (Cancela, 2012CANCELA, Francisco Eduardo Torres. De projeto a processo colonial: índios, colonos e autoridades régias na colonização reformista da antiga capitania de Porto Seguro, 1763-1808. Tese (Doutorado em História), Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2012., p. 280-281).

Tudo isso aponta para o caráter plural das leis e da sociedade corporativa do Antigo Regime português (Palti, 2010PALTI, Elías. Entre a natureza e o artifício: a concepção de nação nos tempos da independência. Lua Nova (São Paulo), n. 81, p. 17-45, 2010., p. 35; Garriga, Slemian, 2013GARRIGA, Carlos; SLEMIAN, Andréa. “Em trajes brasileiros”: justiça e constituição na América Ibérica, c.1750-1850. Revista de História (São Paulo). n. 169, p. 181-221, 2013., p. 181-122; Hespanha, 2006HESPANHA, Antônio Manoel. Direito comum e direito colonial. Panóptica (Vitória). ano 1, n. 3, p. 95-116, 2006., p. 111-115), tornando-se anacrônico falar em “vazio legislativo” por conta da ausência de uma lei geral. Com a independência do Brasil e a crise desse modelo político, há a tendência de formulação de leis gerais, apesar da apropriação do sistema anterior ser perceptível em algumas circunstâncias, como era o caso da continuação da aplicação do Diretório no Ceará, vigente até a década de 1830 e reativado em 1843.

Portanto, onde a Carta Régia não teve efeito não se instaurou necessariamente um vazio, sendo fundamental compreender as particularidades da região, as diversidades das experiências indígenas e da própria legislação indigenista do século XIX no âmbito das capitanias e províncias, como afirmou Patrícia Sampaio (2009SAMPAIO, Patrícia Maria Melo. Política indigenista no Brasil imperial. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (org.). O Brasil imperial , v. I: 1808-1831. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009., p. 184). Após a expedição da Carta, cada governo utilizou as determinações régias que, do seu ponto de vista, melhor se ajustassem às suas próprias conjunturas sociais e econômicas, raras vezes tendo caráter geral, segundo Maria Regina de Almeida. O Diretório no Ceará, contudo, não era apenas um “parâmetro de referência” para as práticas governamentais (Almeida, 2008ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios no tempo da corte: reflexões sobre a política indigenista e cultura política indígena no Rio de Janeiro oitocentista. Revista USP (São Paulo). n. 79, p. 94-105, 2008., p. 95-96), já que continuou oficialmente em vigor.

A Carta Régia de 1798 foi expedida em um momento de busca da Coroa portuguesa pelo fortalecimento do Antigo Regime em sua colônia na América, especialmente em suas regiões de fronteira, como era o caso da Amazônia. Centrada na ocupação territorial promovida por povoados de habitantes livres e na restituição da liberdade aos indígenas, a maior diferença da Carta em relação à lei pombalina, segundo Sampaio, estava “no que diz respeito à supressão de uma tutela exterior (nesse caso, laica) sobre as populações já estabelecidas nas vilas e lugares”. Ou seja, com a nova legislação, o tão criticado cargo de diretor deixou de existir. A ideia era promover uma permanente disponibilidade de índios, inserindo-os em corpos militares ou de trabalho, para uma devida ocupação do território através da liberdade de negociação entre particulares e indígenas (Sampaio, 2011SAMPAIO, Patrícia Maria Melo. Espelhos partidos: etnia, legislação e desigualdade na Colônia. Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2011., p. 233-234).

A situação do Ceará à época era diferente das capitanias que adotaram a Carta Régia de 1798. Com uma economia baseada na pecuária, nas lavouras de algodão e na mão de obra livre, além de uma diminuta população escrava, o trabalho indígena era indispensável. Nos oitocentos, o território cearense não era uma região de expansão de fronteira, e nem por isso deixou de estar nos planos de desenvolvimento econômico da Coroa, com os índios ocupando um papel destacado nas discussões. Portanto, vários aspectos da demografia e economia do Ceará foram decisivos para a continuidade da lei pombalina. Sua manutenção foi, inclusive, defendida por vários gestores que acreditavam ser necessária sua aplicação para um povo ainda indisciplinado em uma capitania e província bastante dependente de sua força de trabalho.

Prova dessa alegada e incômoda “indisciplina” era a ação indígena presente nas vilas do Ceará oitocentista, que lidava frequentemente com a legislação. Utilizava-a para buscar autonomia no governo dos espaços, garantir terras e mercês e contra a opressão dos que usufruíam de sua mão de obra. Vivendo sob as normas do Diretório, os índios atuaram diante da lei de diversas formas, seja procurando eliminar as limitações comerciais impostas pela diretriz setecentista, a figura do diretor ou mesmo intentando aboli-la por completo. As iniciativas de lideranças revelam o conhecimento que tinham dos trâmites burocráticos do universo português e de sua condição política: eram súditos das Coroas portuguesa e brasileira e se percebiam como merecedores, portanto, de atenção e de mais liberdade.

“Os índios dessa vila não querem ter diretor”

Na sessão da câmara de Aquiraz de 15 de janeiro de 1821 foram lidas várias memórias de algumas autoridades do município, oriundas de suas reflexões e proposições. Uma delas foi a dos índios da povoação de Monte-mor Velho, liderados pelo comandante José Francisco do Monte, que foi aceita, “menos o quererem eles passar sem um diretor branco que o dirijam”.1 1 Termo de vereação da Câmara Municipal de Aquiraz, 15 de janeiro de 1821. Arquivo Público do Estado do Ceará (Apec), fundo Câmaras Municipais (CM), Câmara de Aquiraz, livro 29, p. 10. A solicitação não chegou sequer às mãos do governador da capitania, prontamente recusada pelas autoridades da vila, formada por homens brancos. A negação poderia ter acontecido pelo fato de os vereadores não terem autorização para tomar tal decisão. Mas o mais provável, já que a memória dos índios ficou restrita à deliberação municipal, é que tenha sido fruto da preocupação das lideranças locais de que os indígenas vivessem sem tutela, “incivilizados” e sem alguém para distribuí-los, mediante aluguel, pelas propriedades.

Já um memorial da câmara da vila de índios de Messejana chegou a ser remetido ao governo provisório do Ceará em janeiro do ano seguinte, contendo uma série de parágrafos com diversos requerimentos. Por meio dele pediam, indo além dos índios de Monte-mor Velho, não somente a dispensa do diretor, mas explicitamente o fim da lei pombalina. Argumentavam que o comércio da vila era impedido “por não se poder vender nela licores espirituosos” e, por isso, solicitavam que ficasse o “Diretório abolido por resultar em benefício público”. Diziam que os “índios desta vila não queriam ter diretor”, e que “deveriam ser administrados debaixo da inspeção do seu respectivo capitão-mor”, que, no caso do Ceará, eram indígenas. Seriam “obrigados a trabalhar [para] os moradores, mas que seus filhos não seriam tirados para o trabalho e serviço [...] como antes eram obrigados”. Não ficariam, contudo, ociosos, já que teriam um “mestre de primeiras letras que os ensin[asse]”. Disseram-se ainda cientes de que a agricultura era “um dos principais objetos para aumento da província”, mas que não se podia “bem estabelecer pela falta de possessões dos moradores por não terem fábricas”, ou seja, pessoas que os auxiliassem. Como solução, acordaram “com o voto de todos” que fossem enviados “escravos para se vender aos moradores, e que estes seriam pagos com os frutos das mesmas lavouras e plantações que se fizesse, e a pagamentos anuais”.2 2 Memorial que fez o Senado da Câmara desta vila de Messejana, com assistência dos repúblicos e mais povo. Messejana, 15 de janeiro de 1822. Biblioteca Nacional (BN), II-32, 24, 9.

Como colocou Vânia Moreira, as queixas dos índios das vilas não eram a favor do ócio ou para que não mais trabalhassem, mas em prol de serem tratados dignamente (Moreira, 2012MOREIRA, Vânia Maria Losada. Autogoverno e economia moral dos índios: liberdade, territorialidade e trabalho (Espírito Santo, 1798-1845). Revista de História (São Paulo). n. 166, p. 223-243, 2012., p. 241), supervisionados por uma liderança da própria comunidade e sem a exploração de crianças. Indo além das condições de trabalho, a proposta também previa um incremento comercial que era impedido pelo Diretório e pela própria condição de pobreza que visavam superar. A presença dos escravos de origem africana não os isentava de trabalhar para os moradores extranaturais, e revela, primeiramente, a preocupação dos índios em desenvolver economicamente sua vila por meio de sugestões concretas. Em segundo lugar, mostra a visão que tinham do seu lugar no império português, enquanto pessoas “habilitadas” a vender bebidas alcoólicas e viver sem tutela. É preciso notar ainda que o memorial, escrito no início do ano de 1822, é contemporâneo às Cortes de Lisboa, tendo sido uma provável tentativa dos índios de se aproveitar do momento liberal para abolir tais aspectos ligados ao Antigo Regime português.

A proposta dos indígenas de Messejana parece não ter surtido efeitos ou nem ao menos ter sido avaliada pelo governo da capitania. Em junho de 1829, os índios tentaram novamente incrementar sua dinâmica comercial por meio de uma lista de posturas da câmara municipal. Algumas buscavam modificar as leis, numa nova tentativa de derrubar a legislação setecentista. Boa parte delas foi rejeitada ou recebeu algum comentário do conselho da província, presidido por Joaquim Pereira da Silva, que ordenou seu reenvio no mês seguinte com atenção às observações feitas. Para as lideranças provinciais, não teriam “nem tom nem som jurídico” e nem mereciam “o nome de ‘posturas’”, já que “alguns de seus artigos até vão de encontro à lei”. Por serem “contra as disposições do Diretório”, era preciso que a câmara se dirigisse ao Poder Legislativo, expondo a necessidade de dispensa das diretrizes pombalinas por conta dos contratos de aguardente e das casas dos extranaturais, fazendo “aumento e comércio delas, sem ônus ou pensão”. Ao final, foi sugerido que a câmara de Messejana, para “organizar novas e legais posturas e aumentar as suas tênues rendas”, chamasse um “advogado hábil que a assessore”, já que “muitos de seus artigos [eram] opostos à lei”.3 3 De Joaquim Pereira da Silva e Francisco Esteves de Almeida à Câmara de Messejana. Fortaleza, 6 de julho de 1829. Apec, fundo Governo da Província (GP), Correspondências Expedidas (CO EX), livro 13, p. 69-71.

A preocupação das lideranças indígenas em desenvolver a vila e aumentar suas rendas vai de encontro às imagens que os retratavam apenas como ociosos, indolentes e desprovidos de qualquer motivação por esses espaços. O choque entre a visão dos índios e a das autoridades estava presente também nas diferentes percepções da lei: enquanto o Diretório, para os nativos, era um claro empecilho ao comércio, o governo via vantagens na presença de nãoíndios nas vilas, mesmo sem a cobrança de impostos. As concepções acerca das vilas eram heterogêneas, fazendo desses espaços palcos de conflitos de interesses.

As posturas de Messejana foram finalmente aprovadas no ano seguinte,4 4 De Manoel José de Albuquerque a João Facundo de Castro e Menezes. Fortaleza, 25 de maio de 1830. Apec, GP, CO EX, livro 15, p. 26V. mas, antes disso, em setembro de 1829, houve nova tentativa de burlar a legislação, dessa vez por parte do juiz de paz da vila. Foi acusado de querer entrar nas atribuições do diretor, “contra o disposto nos alvarás da sua criação em vigor (e tanto em vigor [...] que o senhor deputado para esta província Manoel do Nascimento Castro e Silva fez uma indicação para serem abolidos os diretores dos índios)”.5 5 De Manoel Joaquim Pereira da Silva a José Ferreira Lima. Fortaleza, 12 de setembro de 1829. Apec, GP, CO EX, livro 13, p. 129. Por isso, o presidente da província ordenou-lhe respeito às leis do Diretório “até que S. M. I. [Sua Majestade Imperial] ordene novamente o que se deve observar a tal respeito”.6 6 De Manoel Joaquim Pereira da Silva a José Ferreira Lima. Fortaleza, 17 de setembro de 1829. Apec, GP, CO EX, livro 13, p. 132. O líder do governo comunicou-se também com o diretor, para que continuasse “no mesmo exercício como até agora, de baixo das mesmas leis e instruções a tal respeito”.7 7 De Manoel Joaquim Pereira da Silva a João da Cunha Pereira. Fortaleza, 17 de setembro de 1829. Apec, GP, CO EX, livro 13, p. 132V.

O que parecia haver em Messejana era a disputa pelo poder em torno da mão de obra dos índios, ambicionada pelo juiz de paz. Contudo, pelo que foi citado por Pereira da Silva, abolir o Diretório era um desejo compartilhado por parte do Legislativo. Havia receio no governo da província de que a alteração na lei ferisse a autoridade do rei ou fugisse a suas atribuições, mas o fato de que a mudança na legislação tenha sido discutida sinaliza a existência de intenções de transformação. A proposta dos índios de Messejana já apontava dificuldades econômicas locais e dava soluções concretas para essa superação, entre elas, o fim da lei pombalina e da tutela, também ansiado pelos índios de Monte-mor Velho.

Em outro memorial de autoria anônima, provavelmente de meados da década de 1820, há a sugestão de extinguir artigos do Diretório para melhorias econômicas no Ceará, que mesmo tendo conhecido “progressivo aumento no seu comércio” entre 1818 e 1821, sofria de “uma falta geral de tudo”. Sobre a administração dos índios, propunha-se que fossem “governados da mesma forma que são os brancos”, sendo “extintos os lugares de capitães-mores, e fiquem policiados pelas autoridades territoriais, e servindo nos corpos de milícias”. Suas povoações e vilas ficariam livres para comercializar licores, as terras seriam repartidas igualmente a partir dos fogos existentes e os extranaturais que tivesse edificações teriam que pagar foro aos índios “na forma do Diretório, [...] e continuará nesse aforamento enquanto quiser ali estar, não podendo nunca ser despejado”.8 8 BN, II-32, 23, 63.

Alguns detalhes da proposta levam a crer que não tenha sido concebida por índios. Em primeiro lugar, apesar do sugerir que os não indígenas fossem foreiros, isentava-os de qualquer possibilidade de expulsão, algo dificilmente acordado pelos indígenas. Em seguida, tal divisão por lotes individuais seguia um raciocínio liberal incomum na tradição dos índios das vilas, descendentes dos habitantes dos antigos aldeamentos missionários, de viver em terras comunais. Por fim, a extinção dos diretores viria junto com a dos capitães-mores, acabando com o posto de prestígio constantemente referenciado nos requerimentos indígenas, além de deixar ambígua a questão da tutela ao não esclarecer quem seriam as “autoridades territoriais” e o que significava, para os índios, ficar policiado por elas. Ser governado “da mesma forma que os brancos”, contudo, remete a uma vida sem as obrigações de estarem agrupados no espaço da vila e de trabalhar para particulares e para o Estado.

Esta foi a sugestão do diretor de Vila Viçosa, Paulo Fontenele, enviada ao presidente do Ceará, Tristão Gonçalves de Alencar Araripe, em maio de 1824. Em resposta, Araripe disse que não tinha autoridade para “desaldear” os índios “pois iria contra as leis”, e ordenou que, ao contrário, Fontenele deveria “congregar os dispersos, e da mesma sorte obrigá-los à cultura” da mandioca. Como observou Maico Xavier, no pedido do diretor estava o desejo de que os índios fossem “misturados” aos não índios e de que perdessem suas garantias coletivas, dentre elas, a terra (Xavier, 2010XAVIER, Maico Oliveira. “Cabôcullos são os brancos”: dinâmicas das relações sócio-culturais dos índios do termo da Vila Viçosa Real, século XIX. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, 2010., p. 125). Contrariando os anseios de Fontenele, a ideia de que a condição de tutelados para índios seria um necessário remédio para a “ociosidade, mãe fecunda dos furtos e de vícios”,9 9 De Tristão Gonçalves de Alencar Araripe a Paulo Fontenele. Fortaleza, 21 de maio de 1824. Apec, GP, CO EX, livro 02, p. 52. bem como para debilitada economia da região, permaneceu vigente nos governos do Ceará até a década de 1830, mesmo com as repetidas contestações de autoridades locais e das lideranças indígenas.

O “alumiado” João de Souza Benício e os índios da Ibiapaba

A mais importante e bem documentada manifestação indígena contrária à lei pombalina no Ceará oitocentista foi o extenso requerimento produzido pelos índios de Vila Viçosa e Baepina, na serra da Ibiapaba, em outubro de 1814. Encaminhando à “Soberana Rainha Nossa Senhora” dona Maria I, os nativos pediram na solicitação que recolhesse “o Diretório por um decreto, para que os senhores brancos, e outras qualidades de pessoas que residem nas terras dos índios, cada um procure suas pátrias”. Só assim se veria “florescer os índios nos aumentos da sua vila e dos seus negócios”, impedidos pelos brancos que lhes tiravam “todo o seu direito”.10 10 Abaixo-assinado dos índios da Ibiapaba à rainha dona Maria I, anexo ao ofício do Marquês de Aguiar a Manuel Ignácio de Sampaio. Rio de Janeiro, 20 de outubro de 1814. Apec, fundo Governo da Capitania (GC), livro 93. Salvo indicação em contrário, as citações nos próximos parágrafos pertencem a esse documento.

O desejo comum de índios e autoridades locais em abolir o Diretório se diferenciava nos objetivos finais: cada lado visava se ver livre do outro, garantindo para si a autonomia na administração das vilas e na posse das terras. Segundo os indígenas, cientes da legislação a que estavam submetidos, o requerimento tratava das “leis que têm feito os diretores contra as ordens de Sua Majestade Fidelíssima”, indicando, de início, que o tratamento que sofriam era uma afronta às próprias determinações da Coroa. Relataram que havia 50 anos eram dirigidos pelos diretores, e mesmo assim não gozavam “das honras, nobrezas, liberdades e privilégios dados por Sua Majestade, o falecido dom João V”. Diziam-se merecedores das mercês reais “pelos benefícios que fizeram seus antepassados na defesa da Real Coroa [...] na continuação das batalhas que deram aos bárbaros gentios deste Brasil”. Pelo fato de as “leis serem todas sonegadas”, prostravam-se “os miseráveis índios suplicantes a representar as suas misérias e vexames que se veem oprimidos dos diretores”, que o rei mandara “para criá-los, e não para os acabar, destruir, aniquilar”. Encontravam-se, portanto, “no vexame de cativos, tudo urgido pelas leis dos diretores”.

As “leis dos diretores”, a que insistentemente se referiam os índios, diziam respeito à maneira com que essas autoridades conduziam seus trabalhos na vila com a população indígena. Habilidosos nas escolhas das palavras e argumentos, os nativos fizeram questão de sublinhar que o tratamento que exigiam nada mais era do que o correto cumprimento das ordens da própria monarquia lusitana e que as explorações que sofriam configuravam um desrespeito à Coroa. Além disso, não hesitaram em se remeter aos feitos de seus antepassados em defesa dos reis portugueses: sua cultura histórica e perspectiva do próprio passado eram estreitamente vinculadas à cultura política, ao demarcar a diferença entre eles e os “gentios bárbaros” e rememorar sua fidelidade ancestral aos soberanos de Portugal.

No mesmo requerimento, em seguida, os índios contaram resumidamente o histórico da relação com cada um dos oito diretores que passaram por sua povoação, desde quando ascendeu à condição de vila, além de outro que dirigiu São Pedro de Baepina. Os relatos foram minuciosamente analisados por Maico Xavier, que classificou a situação dos nativos em Viçosa como um “regime de escravidão mascarada” (Xavier, 2010XAVIER, Maico Oliveira. “Cabôcullos são os brancos”: dinâmicas das relações sócio-culturais dos índios do termo da Vila Viçosa Real, século XIX. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, 2010., p. 89). O autor também apontou para disputas em torno da interpretação das leis e da própria memória, quando alguns diretores chegaram a afirmar que as honras e privilégios haviam ficado no passado, com a justificativa de que somente “os que [as] gozavam foram seus ancestrais” (Xavier, 2010XAVIER, Maico Oliveira. “Cabôcullos são os brancos”: dinâmicas das relações sócio-culturais dos índios do termo da Vila Viçosa Real, século XIX. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, 2010., p. 94).

A posição dos índios nesse confronto era clara: sabiam com precisão dos feitos dos seus antepassados e dos privilégios garantidos pelos reis. Era em nome do correto cumprimento das ordens monárquicas que pediam à rainha para que estendesse “os seus benignos olhos para as misérias dos pobres índios”, e mandasse “recolher os Diretórios que se achasse nas vilas dos índios”. Lembraram, mais uma vez, a “patente que foi passada aos seus antecedentes”, por conta das terras que conquistaram à Coroa, e especialmente pela batalha travada contra o indígena “Mandu Ladino, um dos principais inimigos”, que comandou uma revolta indígena no Piauí na primeira metade do século XVIII. Em decorrência desses combates teria morrido “o governador dos índios dom José de Vasconcelos, cavaleiro do Hábito de Cristo, falecendo miseravelmente sem sacramento algum, mostrando ser fiel vassalo de sua Majestade”. Segundo os autores do requerimento, muitos outros sucumbiram nas guerras “por onde hoje está o Brasil, aumentado de grande número de povos”, numa tentativa de destacar sua importância e a de seus ancestrais na construção da colônia portuguesa. Amparados pela histórica fidelidade de seu povo, e diante de tantos abusos, pediram, por isso, que a rainha abolisse o Diretório e expulsasse os brancos e outros extranaturais da vila.

A preocupação dos nativos de Viçosa em desenvolver sua vila é semelhante ao caso de Messejana na década seguinte. Não se tratava apenas de se verem livres dos não índios para viver em ociosidade: esses eram mais uma vez apontados pelos indígenas como a causa da decadência dos espaços em que viviam. Em contrapartida à desobediência dos brancos, indicavam novamente o papel de seu povo para a consolidação do império português ao morrerem pelo estabelecimento da colônia na América. O citado Mandu Ladino, famoso pela rebelião na capitania vizinha e contra quem seus ancestrais haviam lutado, não era um bárbaro arredio. Ao contrário, fora criado por frades capuchinhos e educado em Pernambuco, e, ainda assim, tornara-se inimigo da Coroa lusitana. Já os de Viçosa, segundo os autores do requerimento, sempre se portaram como fiéis súditos, prontos para derramar seu sangue em nome da monarquia.

Os anseios dos índios de Viçosa mais uma vez se assimilam com os de Messejana ao expressarem a vontade de ver o “aumento da vila” e, para isso, além da expulsão dos nãoíndios, propuseram outras medidas com o objetivo de incrementar a economia local. Pediram a elevação do povoado de Baepina à condição de vila, por ser distante de Viçosa 12 léguas. Para Xavier, a solicitação sugere a participação dos índios da localidade na produção do texto, desejosos de “viver sem autoridades locais superiores a eles próprios, [...] ocupar cargos político-administrativos de importância e dialogar diretamente com os reinóis sem a interferência de terceiros” (Xavier, 2010XAVIER, Maico Oliveira. “Cabôcullos são os brancos”: dinâmicas das relações sócio-culturais dos índios do termo da Vila Viçosa Real, século XIX. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, 2010., p. 105). Requisitaram ainda a devolução de algumas terras invadidas, que lhes foram dadas “pela Data Régia primeira, e os que [se] acha[ssem] dentro delas com sesmarias ficar[iam] perdendo o benefício que tiverem feito”. Por fim, que a rainha mandasse

todos os anos uma frota de fazenda [tecido], ferramenta, pólvora, armas, para nos mandarmos carregar, e fazer paga com algodões em pluma, fazendo para isso nossos chefes casa de alfândega, para ali todos irem comprar com seu algodão o que carecer, ou para seus negócios como fazem os senhores brancos, para assim se acabar tanta miséria, tanta carestia, tanto [?] que se tem feito aos miseráveis índios.

Não parece tão difícil deslindar o pensamento dos índios da Ibiapaba, como acredita Xavier. Concordando com o relato do padre Andreoni, que esteve com os tabajaras dessa região no século XVIII, o autor entende como contraditórios os pedidos dos nativos ao desejarem o recolhimento do Diretório e, ao mesmo tempo, a elevação de um povoado a vila (Xavier, 2010XAVIER, Maico Oliveira. “Cabôcullos são os brancos”: dinâmicas das relações sócio-culturais dos índios do termo da Vila Viçosa Real, século XIX. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, 2010., p. 104). Vânia Moreira, por outro lado, analisou o sistema político vivido pelos índios no Espírito Santo nos primeiros anos do século XIX, sob a aplicação da lei que abolira a diretriz pombalina. Lá, eles eram “submetidos ao governo de suas vilas, onde poderiam exercer cargos civis e militares, tornando-se livres da tutela dos diretores” (Moreira, 2012MOREIRA, Vânia Maria Losada. Autogoverno e economia moral dos índios: liberdade, territorialidade e trabalho (Espírito Santo, 1798-1845). Revista de História (São Paulo). n. 166, p. 223-243, 2012., p. 226). Onde a Carta Régia de 1798 havia entrado em vigor, os indígenas governavam suas próprias povoações: era esse o anseio dos da Ibiapaba, ainda que não citassem a legislação que extinguira o Diretório, mesmo porque foram além, ao implorarem a expulsão completa dos não índios. Ao propor o fim de uma lei e uma nova forma de vida não entravam, necessariamente, em contradição, como afirmou Xavier (2010XAVIER, Maico Oliveira. “Cabôcullos são os brancos”: dinâmicas das relações sócio-culturais dos índios do termo da Vila Viçosa Real, século XIX. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, 2010., p. 105), mas operacionalizavam diversas concepções legais e políticas. Os índios vislumbravam novas relações por meio das mercês da Coroa, relembrando sua fidelidade ancestral e sugerindo medidas concretas para o desenvolvimento do comércio que tanto interessava à monarquia. Queriam, enfim, viver e cuidar de seus negócios “como faziam os senhores brancos”, sem o sofrimento que sua presença provocava.

O requerimento foi entregue pessoalmente pelos índios à Corte no Rio de Janeiro, para onde foram por terra, atravessando Minas Gerais, e junto levavam dezdocumentos anexos. O grupo era formado por João de Souza Benício, Pedro Gonçalves de Vasconcelos, Antônio Rodrigues Lima e João da Costa de Oliveira, “índios, o primeiro alumiado mestre professor das primeiras letras na Vila Viçosa Real da Ibiapaba da Capitania do Ceará Grande”.11 11 De Manuel de Portugal a João de Souza Benício, Pedro Gonçalves de Vasconcelos, Antônio Rodrigues de Lima e João da Costa de Oliveira. Vila Rica, 20 de agosto de 1814. Anexo ao ofício do marquês de Aguiar a Manuel Ignácio de Sampaio. Rio de Janeiro, 20 de outubro de 1814. Apec, GC, livro 93.

Chama atenção o destaque dado ao “alumiado” professor João Benício que, pelos conhecimentos que tinha, foi provavelmente o autor do requerimento, ou, pelo menos, um dos principais organizadores da ação. Remete ao “fascínio pela escrita” apontado por John Monteiro, presente na história dos índios em suas relações com os colonizadores. Juntamente aos “motins”, fugas, arcos e flechas, “a escrita apresentava-se como outra escolha para estas lideranças” (Monteiro, 2001MONTEIRO, John Manuel. Tupis, tapuias e historiadores:estudos de história indígena e do indigenismo. Tese (Livre-docência), Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2001., p. 77), que também a utilizavam enquanto referência nas suas comunidades. Municiados das “luzes” de Benício, executaram uma longa viagem para o Rio de Janeiro.

Segundo Manuela Carneiro da Cunha, o século XIX teve como característica o estreitamento da arena de discussão da política indigenista a partir da vinda da Corte portuguesa para o Brasil em 1808 (Cunha, 1992bCUNHA, Maria Manuela Ligeti Carneiro da. Política indigenista no século XIX. In: CUNHA, Maria Manuela Ligeti Carneiro da. História dos índios no Brasil (org.). São Paulo: Companhia das Letras, 1992b, p. 134-154., p. 133), facilitando, inclusive, a solicitação de mercês por parte dos índios. Mais do que isso, a presença da Coroa no Rio de Janeiro “significava a possibilidade de reivindicar direitos diretamente ao rei que, por sua vez, os recebia com a devida atenção, cumprindo seu papel de monarca justiceiro, preocupado com o bem-estar dos seus súditos indígenas”, como afirmou Maria Regina de Almeida (2008ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios no tempo da corte: reflexões sobre a política indigenista e cultura política indígena no Rio de Janeiro oitocentista. Revista USP (São Paulo). n. 79, p. 94-105, 2008., p. 96).12 12 Um exemplo foi o do líder indígena João Marcelino, da vila de São Gonçalo do Amarante (atual Regeneração, no Piauí), que foi ao Rio de Janeiro em 1811 reclamar ao rei da invasão das terras de sua comunidade. Cf. Mott (1985, p. 121). Sobre a presença de representantes indígenas de diferentes regiões do Brasil no Rio de Janeiro, ver: Silva (2016).

Um dos anexos era a carta patente de governador dos índios da Ibiapaba dada a dom José de Vasconcelos pelo rei dom João V em 1721, por conta da morte de dom Jacob de Souza e Castro e pelos serviços que havia feito à Coroa, “desinfestando dos gentios bárbaros as capitanias do Ceará e do Piauí, e alcançando muitas vitórias, e ultimamente a em que mataram o índio Mandu Ladino, um dos mais cruéis inimigos nossos”.13 13 Carta patente do rei dom João V nomeando dom José de Vasconcelos como governador dos índios da Ibiapaba. Lisboa, 28 de janeiro de 1721. Anexo ao ofício do marquês de Aguiar a Manuel Ignácio de Sampaio. Rio de Janeiro, 20 de outubro de 1814. Apec, GC, livro 93. Outro era uma portaria do antigo governador João Baptista Montauri nomeando dom Jacob de Souza e Castro - descendente de outro, do mesmo nome, citado na carta patente de 1721 - como sargento-mor dos índios de Viçosa em 1784.14 14 Portaria de Antônio Batista de Azevedo Coutinho de Montauri nomeando Jacob de Souza e Castro como sargento-mor dos índios de Viçosa. Fortaleza, 20 de fevereiro de 1784. Anexo ao ofício do marquês de Aguiar a Manuel Ignácio de Sampaio. Rio de Janeiro, 20 de outubro de 1814. Apec, GC, livro 93. Tais anexos atestavam a ancestralidade nobre dos requerentes e o histórico de fidelidade de seu povo à monarquia lusitana, em mais uma demonstração da relevância da palavra escrita na cultura histórica e política dos índios, que guardaram esses documentos por décadas.15 15 Outros anexos foram: um “passaporte a folhas corridas” que fora dado a “João de Souza Benício, e outros índios de Vila Viçosa”, autorizando sua ida ao Rio de Janeiro em fevereiro de 1813; “uma atestação gratuita passada pelo capitão-mor Ignácio de Souza e Castro a favor de João de Souza Benício”, em maio de 1812; outra, do padre Manuel Martins de Sá, de Vila Viçosa, em março de 1813; e a nomeação de Benício, passada pelo diretor de Baepina João Sampaio, como mestre de primeiras letras em abril de 1812. O oitavo anexo não consta no registro, e os dois últimos são “duas listas de meninos da escola de Baepina”. Cf. Anexos ao ofício do marquês de Aguiar a Manuel Ignácio de Sampaio. Rio de Janeiro, 20 de outubro de 1814. Apec, GC, livro 93. Pelas datas dos documentos, é possível conjecturar que o início da mobilização dos indígenas para pôr em ação sua jornada começara, pelo menos, dois anos antes da produção e entrega do requerimento. Para Xavier, a glória indígena de outrora “fazia parte do presente dos índios de Vila Viçosa em 1814”. Ao ocupar um “lugar na memória de seus descendentes”, a lembrança dos antigos chefes era a arma “que lhes permitia exigir bons tratamentos da parte dos brancos administradores da vila” (Xavier, 2010XAVIER, Maico Oliveira. “Cabôcullos são os brancos”: dinâmicas das relações sócio-culturais dos índios do termo da Vila Viçosa Real, século XIX. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, 2010., p. 83).

Como consta no requerimento em seu primeiro anexo, os índios foram autorizados a fazer sua travessia em 20 de agosto de 1814, e conseguiram chegar a seu destino no início do mês seguinte. A resposta da Coroa foi expedida ao final do mês de outubro. O príncipe regente ordenou ao governador do Ceará, Manuel Ignácio de Sampaio, que “inform[asse] sobre as pretensões dos suplicantes, dando, entretanto, que o mesmo Senhor não as resolve, a providência que vossa mercê julgar conveniente a respeito dos diretores de quem se queixam”.16 16 Do marquês de Aguiar a Manuel Ignácio de Sampaio. Rio de Janeiro, 20 de outubro de 1814. Apec, GC, livro 93. Arquivo Nacional (AN), série Interior — Negócios de Províncias (AA), IJJ9 56, p. 111.

Para Xavier, a resposta de dom João VI “talvez tenha gerado nos índios um pressentimento de que haveriam de encarar dias ainda mais difíceis, pois continuariam sendo administrados por diretores”. Segundo o autor, o príncipe havia fechado “os olhos para os problemas por eles apresentados” (Xavier, 2010XAVIER, Maico Oliveira. “Cabôcullos são os brancos”: dinâmicas das relações sócio-culturais dos índios do termo da Vila Viçosa Real, século XIX. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, 2010., p. 109). Mas, ao contrário do que supôs, as súplicas dos nativos da Ibiapaba não foram simplesmente ignoradas por completo: mesmo sem as resolver, dom João exigiu informações do governador acerca da questão e incumbiu-o da responsabilidade sobre o problema com os diretores. Além do tradicional procedimento da administração colonial portuguesa de informações, a decisão é um indicativo do funcionamento da política indigenista joanina, que delegava a cada capitania a condução dos rumos da administração da população indígena. Essa história estava longe de ter uma conclusão e, como veremos, muitos outros documentos foram produzidos nos anos seguintes, frutos da busca dos governos do Ceará e do Reino Unido de Brasil e Portugal em resolver a situação dos índios.

Apenas no ano seguinte o governador Sampaio agiu no sentido de deliberar acerca do requerimento da comunidade de Viçosa, solicitando a opinião do diretor da vila, Antônio do Espírito Santo,17 17 De Manuel Ignácio de Sampaio a Antônio do Espírito Santo. Fortaleza, 12 de maio de 1815. Apec, GC, livro 20, p. 19. e do secretário do governo do Ceará, José Rabelo de Souza Pereira. A resposta do secretário veio em julho de 1815. Com palavras duras, atribuiu a culpa dos problemas da região aos próprios suplicantes, dificultando a conquista do que pediam. Reconheceu as adversidades com o estabelecimento dos subsídios de carnes, que impediram o aparecimento de arrematantes desse contrato - “a ponto que faltavam mais de 12 mil, que existiam na Parnaíba e no Piauí ganhando sua vida” - mas negou a explicação dos maus tratos para a situação de esvaziamento da vila. Afirmou ter tido boas informações do então diretor, e em relação

aos rigores de que os índios se queixam ser tratados, parece-me, ao contrário, que a relaxação em que eles estão produz a sua mesma miséria e aniquilação, pois que são gente sem avareza, nem ambição, nem prevenção, com poucas necessidades, e estas do momento, e de uma indolência que se deixarão antes morrer que trabalhar.

O método dos jesuítas, segundo o secretário, era sábio, “pois naquele tempo [os indígenas] floresciam em população, agricultura, e indústria ao seu modo”, mas, pela situação no período em que escrevia, em pouco tempo se veria “confundir ou extinguir a raça dos índios”.18 18 De José Rabelo de Souza Pereira a Manuel Ignácio de Sampaio. Fortaleza, 11 de julho de 1815. BN, C-199, 14.

A resposta de Pereira sugere possíveis ligações políticas envolvendo o secretário e autoridades locais da vila, como o diretor, por meio das “boas informações” que disse ter ouvido. Ainda que o destaque à sabedoria da ação religiosa indique sua discordância aos planos pombalinos - possivelmente insuficientes no rigor necessário aos índios, de natureza tida como autodestrutiva - não coloca a presença dos diretores como um problema. Para ele, as palavras desses povos não deveriam ser sequer ouvidas, e quanto mais autonomia lhes fosse garantida - já prevista com limitações pelo Diretório e requerida com maior amplitude pelos índios - mais se aprofundariam sua miséria e aniquilação.

No mês seguinte, quase um ano após a deliberação da Coroa, Sampaio enviou um ofício em resposta ao marquês de Aguiar, a partir de observações que fizera e das pessoas que consultara.19 19 De Manuel Ignácio de Sampaio ao Marquês de Aguiar. Fortaleza, 1 de agosto de 1815. BN, C-199, 14. Salvo indicação em contrário, as citações nos próximos parágrafos pertencem a esse documento. Apesar de admitir justas as reclamações dos índios a respeito da decadência de Viçosa e dos abusos que sofriam, julgou “nada dever alterar, por ser tudo conforme com o que se acha prescrito pelo Diretório, dado à mesma vila no momento da sua criação em 1759”. Segundo o governador, a causa principal das queixas era a “distribuição dos mesmos índios pelos moradores circunvizinhos [...], sendo os de menor idade dados a salários, e os outros a jornal”. Para ele, os índios entendiam tais procedimentos como “restos da escravidão que antigamente sofriam, sem se lembrar, primeiro, que a sua liberdade lhes foi concedida pelos anos de 1755 e 1758 com este ônus”. Em segundo lugar, que da mesma forma como eram tratados os brancos órfãos, assim deveriam ser reputados “todos os índios”, seja por ser a maioria filhos de mulheres solteiras como pelos ensinamentos dos pais, que os habituavam “ao ócio e aos princípios do gentilismo, cujos ritos não perdem a ocasião de exercitar no meio dos matos em lugares tão escondidos, que muitas vezes só eles conhecem”. A distribuição dos índios para os moradores era, no seu entendimento, “de grande interesse para a cultura do país”, e de “maior utilidade para os mesmos índios, e para o aumento de sua civilização”. Aqueles que haviam aprendido algum ofício mecânico foram educados “em casa de morador”, mas os que ficavam com os pais formavam “a ideia de que os bens são comuns, e degeneram com muita facilidade em ladrões, de que com igual facilidade saltam a salteadores”.

Acerca da cessão das terras nas vilas para os extranaturais, teriam a finalidade de “aumentar a civilização dos índios, facilitando-lhes a comunicação com os brancos, e de procurar algum rendimento para as câmaras por meio dos foros”, que pagavam aqueles que não tinham casa na vila. “Tudo se acha sabiamente providenciado no Diretório”; contudo, reconhecia que os diretores, autoridades criadas pela lei, abusavam dos índios, “sem que o governador lhes possa inteiramente obstar, em razão das grandes distâncias destes sertões”. “Mas além de que este abuso se não verifica[va] a respeito do atual diretor de Vila Viçosa Real”, os males provenientes de uma “perfeita liberdade” seriam muito maiores do que os que procediam dos abusos dos diretores, anualmente fiscalizados pelos ouvidores. Para um combate mais efetivo aos abusos, a proposta de Sampaio era a criação dos cargos de juízes de fora nas vilas de índio, “observando-se o que prevê o Diretório”.

Não mereceria, na visão do governador, “nenhuma atenção” a “pretensão de terem uma loja de ferramenta e de instrumentos de agricultura”. Segundo ele, os índios teriam nas vilas de Sobral e Granja tudo o que precisassem, o que seria bom para que “fossem capazes de sentir necessidades e de trabalhar para supri[-las]”. Ainda assim, admitia que tinham “muita razão de lamentarem da decadência das suas vilas, que eles atribuem a causas bem diferentes das reais e verdadeiras”. Desconsiderando a importância das reclamações sobre agressões e abusos dos diretores, a origem das dificuldades, para ele, estava em impostos cobrados - subsídios militar e literário e o de “cinco réis sobre cada libra de carne verde” - que emperravam ainda mais a economia de uma região já comercialmente debilitada. Sobre isto, afirmou ter recebido “várias representações tanto dos índios de Vila Viçosa como de outros”, mas não tomava providências por obediência às ordens da Coroa. Concluiu suas informações “sobre as queixas dos índios de Vila Viçosa” como sendo “em parte justas”, mas que “não souberam suficientemente aclarar no seu requerimento”, ainda que carecessem de providências por serem “dignos de compaixão”.

A defesa ao Diretório foi mais uma vez corroborada, não só em prol de sua manutenção como também na tentativa de provar seus benefícios para a civilização dos índios. A busca em reafirmá-los e expor uma suposta ignorância indígena acerca de sua realidade fez com o que Sampaio caísse em redundância. O governador passou boa parte do texto explicando os objetivos da lei pombalina - provavelmente, já bem conhecidos pelo príncipe regente - e, por ela em si, os clamores indígenas não fariam sentido ou seriam provenientes de entendimentos limitados. A explicação da denúncia dos “restos de escravidão” pelo que ele julga de “esquecimento dos índios” das leis de liberdade é uma prova dos “a priori” que revestiam o raciocínio de Sampaio. Ao contrário, as leis de 1755 e 1758 não foram esquecidas pelos indígenas, mas usadas como argumento para legitimar sua liberdade enquanto mercês da monarquia, e que, por não serem postas em prática plenamente, deveriam ser beneficiados com a expulsão dos brancos da vila.

Para o governador, a natureza dos índios seria, em si, inferior, por não terem capacidade de avaliar sua própria situação, por serem propensos ao gentilismo e por não perceberem que era ela a origem de seus sofrimentos. O diretor de Viçosa, Antônio do Espírito Santo, foi novamente defendido, e a convivência com os extranaturais passou de “causa da decadência” - na perspectiva indígena - para fundamental à civilização. O trabalho tutelado dos índios, alugados aos proprietários, foi também destacado como benéfico a eles e à economia da região, reforçando sua opinião de que os sofrimentos e soluções que apresentavam - ao pedirem armazéns de ferramentas - eram injustificáveis, e que apesar de ser preciso providências, a política indigenista deveria permanecer inalterada. Por serem como “órfãos”, a liberdade deveria continuar restrita, e o “sábio” Diretório, em vigor na Ibiapaba desde 1759 sem ter sido, até então, abolido, assim precisava continuar.

Os males da perfeita liberdade

Enquanto isso, a demora de uma resolução para os problemas dos índios, mesmo após as informações passadas pelo governador, os deixava apreensivos, e voltaram a se comunicar com a Coroa a fim de ter suas súplicas atendidas. Em documento sem data e nem remetente, pertencente ao acervo da Biblioteca Nacional, registra-se que “João de Souza Benício e mais índios de Vila Viçosa Real, e os da povoação de São Pedro de Baepina [...], tiveram a honra de entregar na real mão de Vossa Majestade os seus requerimentos em 11 de setembro de 1814”. Souberam que havia “vários tempos” que o rei passara um informe ao governador Sampaio, mas até então “não tiveram deferimento algum”. O texto conta que os suplicantes puseram na presença do rei as comprovações dos “grandes vexames e violências que estavam sofrendo dos seus diretores, oprimindo-os de todas as maneiras”. Obrigavam-lhes “à força de tirar seus filhos, para servir” em diferentes lugares, e tomavam-lhes “suas terras por sesmarias, quando estas lhes foram dadas pelos senhores reis antecessores de Vossa Majestade para habitação dos pobres suplicantes, como tudo melhor se via provado nos ditos documentos”. Pediam, enfim, à “Real Clemência de Vossa Majestade para lhes deferir como for do seu real agrado”.20 20 Sem remetente, local ou data. BN, C-199, 14.

Anos se passaram e nada foi decidido, e os índios, sem saber, estavam em meio a um jogo de atribuições onde a Coroa e o governo do Ceará transferiam de uma para outra instância a responsabilidade na resolução do problema. Manuel Ignácio de Sampaio chegou a solicitar em agosto de 1816 uma cópia do Regimento das Missões ao governador do Maranhão “para responder a uma provisão da Mesa do Desembargo do Paço” acerca do pedido de anulação do Diretório.21 21 De Manuel Ignácio de Sampaio a Paulo José da Silva Gama. Fortaleza, 31 de agosto de 1816. Apec, GC, livro 23, p. 111V.

Em setembro do ano seguinte, uma nova comunicação foi remetida ao governador, por meio de ofício do ministro Thomas Antônio de Vilanova Portugal, sobre o requerimento dos índios da Ibiapaba. Pedia que desse as providências necessárias para que, indefectivelmente, se observasse “o que se acha estabelecido a respeito dos índios, não consentindo que se lhes tirem as suas terras, nem se lhes façam violências, e procedendo contra os diretores que faltarem ao seu dever”. A postura do príncipe regente mais objetiva, e aparentemente atenciosa aos clamores indígenas, se deveu a ter-lhe sido “muito agradável a adesão que os índios mostraram ter à sua real pessoa no sucesso da Revolução Pernambucana”, abafada havia poucos meses, e queria, “por este motivo, que [fossem] muito favorecidos”.22 22 De Thomas Antônio de Vilanova Portugal a Manuel Ignácio de Sampaio. Rio de Janeiro, 3 de setembro de 1817. AN, AA, IJJ9 56, p. 188. A participação dos índios do Ceará a favor do rei nas lutas em Pernambuco (Cf. Costa, 2018COSTA, João Paulo Peixoto. Na lei e na guerra: políticas indígenas e indigenistas no Ceará, 1798-1845. Teresina: Edufpi , 2018., p. 315-329) e a resposta da monarquia indicam a relação positiva que eventualmente havia entre indígenas aldeados, que se declaravam repetidas vezes como fiéis súditos do soberano, e dom João VI, que buscava mostrar-se atento aos nativos que compartilhavam de seus interesses, ainda que nem sempre atendesse a todos os seus anseios.

Após o novo pedido da Coroa, Manuel Ignácio de Sampaio escreveu outra análise acerca da situação dos índios e de suas requisições, em 2 de julho de 1818.23 23 De Manuel Ignácio de Sampaio a Thomas Antônio de Vilanova Portugal. Fortaleza, 2 de julho de 1818. BN, C-199, 14. Salvo indicação em contrário, as citações nos próximos parágrafos pertencem a esse documento. Produzido quase um ano depois da solicitação que recebera, o texto é bem mais extenso e detalhado, discorrendo acerca do trabalho e das terras dos índios, expondo até que ponto - em sua perspectiva - eram válidas suas reivindicações e apresentando propostas ainda mais objetivas para a melhoria da vida dessa população, sem, necessariamente, concordar com tudo o que argumentaram em suas queixas. É necessário destacar, antes de tudo, que o maior cuidado patente na escrita do governador veio após a aberta demonstração de gratidão do rei em relação aos índios seus vassalos, que, em seu nome, batalharam no ano anterior e cujos atos foram realçados diversas vezes no oficio.

No novo texto, talvez por ter sido novamente ordenado providências, a exposição das ideias do governador é mais concreta, ainda que, no que diz respeito à política indigenista e ao Diretório, acreditava que nada deveria ser mudado. Para Sampaio, o fim dos abusos e de qualquer outro problema por que passavam os índios não viriam, necessariamente, da interrupção do fornecimento de trabalhadores indígenas a proprietários e da abolição da tutela de grupos ainda propensos ao “gentilismo”.

Sampaio deu relevo à “fidelidade constantemente evidenciada por todos os índios aldeados” durante a Revolução Pernambucana de 1817, sendo, “sem dúvida, digna de contemplação de Sua Majestade”.

Mas nem por isso se deve extinguir os diretores, nem tampouco deixar de se distribuir os índios a salário, e a jornal da maneira prescrita pelo Diretório, fim principal a que se dirigem todas as representações dos índios, ignorando os grandes males que se seguiriam de ser deferida uma tal súplica.

Sujeitos a um diretor, segundo Sampaio, os índios “aumentam gradualmente de civilização”, e sua distribuição nas propriedades era “de grande utilidade aos extranaturais ou moradores, na frase do Diretório, fornecendo-lhes braços para a agricultura, para o comércio e para todos os outros trabalhos da economia civil e política”. Sem os diretores, cessaria a “distribuição pelos extranaturais e sua civilização retrogradaria a passos mui gigantescos”, além de se entregarem à ociosidade e “aos seus ritos gentílicos, que, apesar de todas as cautelas, não tem jamais sido possível fazer inteiramente cessar”.

Paralelos à civilização dos nativos e a extirpação de seus hábitos “gentílicos” estavam os objetivos econômicos na manutenção da lei pombalina em pleno século XIX. “Sem os diretores, enfim, cessariam de repente todas as utilidades que o Estado tira do trabalho de tantos índios”, que fatalmente virariam ladrões por conta da ainda viva “ideia da comunidade dos bens”. Intensamente proclamada durante a Revolução Pernambucana de 1817, tais princípios encontravam terreno fecundo, na visão de Sampaio, entre as comunidades indígenas “e as qualidades de misturados [mestiços]”. Ao relembrar os conflitos em Pernambuco, Sampaio fez questão de frisar que, independentemente das “vicissitudes que presentemente ameaçam o Estado”, o rei poderia contar com a fidelidade de todos os índios, se estes permanecessem “aldeados e sujeitos a seus diretores”.

Segundo o governador, nas “circunstâncias dos sertões do Brasil, não ha[via] tropa melhor, nem menos dispendiosa”, do que a dos índios. Como se demonstrou em 1817, eram fiéis ao rei, pouco dispendiosos e bastante efetivos, mas tais vantagens desapareceriam se o cargo de diretor fosse extinto, por ficarem desamparados da disciplina de seu tutor. Os “índios dispersos, assim como também a maior parte dos misturados que vagueiam pelos sertões”, eram propensos aos crimes e “sempre dispostos a se agregarem àqueles que os chama, lhes dá de comer, e os protege devida ou indevidamente”, numa clara referência à formação dos potentados locais. Com tudo que era oferecido, era bem melhor, para muitos deles, viver junto a ricos proprietários do que subjugados àqueles que os alugavam e aos diretores. Sem esses, a tendência a que seriam propensos se acentuaria.

Sampaio defendia o Diretório pelos benefícios que traria aos índios, cuja percepção da própria situação seria limitada, inviabilizando o autogoverno indígena com um sistema vantajoso para a economia e a civilização. Acerca da queixa dos índios de que ainda sofriam “restos da antiga escravidão”, o governador novamente entendia que o argumento era equivocado, pois se baseava na própria determinação do Diretório de distribuí-los, assim como a seus filhos, para trabalhar em propriedades particulares. Para ele, a prática não era escravista por ser também estendida aos órfãos brancos, “e como tais órfãos são com justa causa considerados todos os índios”. Sugeria ainda, para minimizar os possíveis abusos que sofriam, “em atenção à fidelidade constantemente evidenciada pelos índios”, que os diretores passassem a receber soldo ou ordenado, “ficando estes só com as prerrogativas que os §50 e §71 do Diretório estabelecem para os principais”. Tais parágrafos se referem ao pagamento dado aos capitães-mores, sargentos-mores e principais indígenas com a extração de drogas no sertão. Como o cargo de principal não existia no Ceará oitocentista (por qual motivo ainda não sabemos), Sampaio propunha que os diretores recebessem em seu lugar, mas não deixou claro se capitães e sargentos-mores também seriam beneficiados.

Três anos depois, dom João VI finalmente agiu concretamente em resposta ao requerimento dos índios de 1814; todavia, apenas em parte. Levando em consideração “a fidelidade e amor à minha real pessoa com que os índios [...] marcharam contra os revoltosos” de Pernambuco, por meio do decreto de 25 de fevereiro de 1819, o rei declarou-os isentos do subsídio militar, do pagamento de selo nas patentes e das “quotas-parte de 6%, ou outras semelhantes, aos seus diretores”.24 24 Decreto de 25 de fevereiro de 1819. Concede aos índios das diversas vilas do Ceará Grande, Pernambuco e Paraíba diversas graças e mercês pelo serviço prestado contra os revoltosos da vila do Recife. Coleção... (1889). De igual conteúdo In: BN, C-199, 14. Costa (2002, v. XXIII, p. 353). Cf. Costa (2015, p. 347-349; 2018, p. 309-323). Mas o Diretório, como vimos, permaneceu em vigor.

Ao dar atenção à estima dos índios em relação às patentes militares em suas ordenanças, a Coroa buscava incentivar ainda mais a fidelidade dessa população em relação à monarquia. Segundo Isabelle da Silva, os 6%, por exemplo, eram “alvo de grande rejeição por parte da população indígena no Ceará” desde a instalação do Diretório na capitania, em meados do século XVIII (Silva, 2005SILVA, Isabelle Braz Peixoto da. Vilas de índios no Ceará Grande: dinâmicas locais sob o Diretório pombalino. Campinas: Pontes, 2005., p. 154). A estratégia de dom João VI, portanto, era mostrar-se um soberano atencioso para com seus súditos, sem passar, contudo, por cima dos interesses dos proprietários de terra e nem do comércio. Além disso, suas decisões comprovam que o fortalecimento econômico encetado nesse período não poderia funcionar a partir de ordenamentos gerais e que não atentassem às particularidades sociais e produtivas de cada região. A coleta de informações minuciosas com o governador revela que as características próprias do Ceará, bem como de seus habitantes, foram determinantes na ação política do rei, inclusive naquelas direcionadas às comunidades indígenas.

As sugestões de Sampaio e a atuação política dos índios - ainda que suas súplicas não tenham sido atendidas - também servem para refletir acerca das práticas governamentais da Coroa portuguesa e de sua operacionalização pelos indígenas no início dos oitocentos. Por um lado, apesar da isenção dos impostos, todos os outros pontos presentes nos requerimentos de João de Souza Benício e de seus companheiros foram ignorados pela monarquia porque afrontavam os poderosos proprietários no sertão, dependentes dos trabalhadores indígenas.

Por outro lado, enquanto foram vassalos do rei lusitano, os índios buscaram o amparo régio, por meio da observância dos ritos, procedimentos e elementos da burocracia portuguesa. Chama atenção a impressionante saga de mais de vintedias e dois mil quilômetros entre Vila Viçosa e o Rio de Janeiro. Mas em todo esse “percurso” burocrático - entre 1812, data da primeira atestação, e 1819, quando foi promulgada a isenção dos impostos - também merecem destaque todas as ações empreendidas, os argumentos históricos, jurídicos e comerciais utilizados, a habilidade do manuseio das palavras - sendo o próprio professor Benício uma referência para a comunidade - e o detalhado conhecimento da lei que visavam extinguir. As maneiras pelas quais os indígenas se percebiam como membros do império luso - sendo importantes para sua grandeza e dignos da complacência monárquica, ainda que nem sempre ou inteiramente atendidos - e como se relacionavam com a legislação do Antigo Regime têm profunda conexão com suas próprias experiências e perspectivas acerca das leis a que estavam submetidos, de seus espaços, do próprio passado e de si.

Considerações finais

Em diferentes conjunturas, variadas formas de ação indígena tiveram lugar em conexão intensa com a legislação do período. Era perceptível a intimidade que muitos índios tinham com as leis, operacionalizando-as a seu modo e a partir de suas próprias preocupações, como a tomada de terras e os abusos nas suas relações de trabalho. Os casos aqui analisados revelam as sofisticadas experiências indígenas nos trâmites administrativos em consonância com os diferentes momentos marcados pelas transformações da passagem dos séculos XVIII e XIX. O profundo conhecimento que tinham dos artigos pombalinos, dos princípios que os baseavam e das limitações que impunham era evidente. Mas o mais importante a ser destacado era que tanto no Antigo Regime português quanto durante sua crise, e já no Brasil independente, nas reclamações contra a vigência do Diretório nos oitocentos, os indígenas relacionaram suas demandas com os contextos em que viviam, como em suas expectativas de livre gestão das atividades produtivas e comerciais.

Disso percebe-se que não somente os índios se posicionaram a partir da legislação: as próprias formas de aplicação das leis indigenistas eram influenciadas pela atuação indígena. Por exemplo, as diversas tentativas de abolição do Diretório por parte dos índios do Ceará no século XIX revelavam para as autoridades imperiais portuguesas e brasileiras que as aspirações indígenas intencionavam, no fim das contas, uma vida mais livre, baseadas na noção confirmada pela própria norma pombalina de que eram súditos iguais aos outros (Diretório..., 1758DIRETÓRIO DIRETÓRIO que se deve observar nas povoações dos índios do Pará, e Maranhão, enquanto sua Majestade não mandar o contrário. Lisboa: Oficina de Miguel Rodrigues, 1758., §83, p. 35). A partir de circunstâncias próprias de cada momento, os índios se valeram da legislação de que dispunham e que era muitas vezes desvantajosa para eles. Sua atuação sempre foi de encontro aos abusos da exploração de sua mão de obra e a favor de sua liberdade, baseados em uma cultura política tanto saudosa do prestígio de seus antepassados quanto atenta aos novos tempos liberais que passaram a viver.

Referências

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  • 1
    Termo de vereação da Câmara Municipal de Aquiraz, 15 de janeiro de 1821. Arquivo Público do Estado do Ceará (Apec), fundo Câmaras Municipais (CM), Câmara de Aquiraz, livro 29, p. 10.
  • 2
    Memorial que fez o Senado da Câmara desta vila de Messejana, com assistência dos repúblicos e mais povo. Messejana, 15 de janeiro de 1822. Biblioteca Nacional (BN), II-32, 24, 9.
  • 3
    De Joaquim Pereira da Silva e Francisco Esteves de Almeida à Câmara de Messejana. Fortaleza, 6 de julho de 1829. Apec, fundo Governo da Província (GP), Correspondências Expedidas (CO EX), livro 13, p. 69-71.
  • 4
    De Manoel José de Albuquerque a João Facundo de Castro e Menezes. Fortaleza, 25 de maio de 1830. Apec, GP, CO EX, livro 15, p. 26V.
  • 5
    De Manoel Joaquim Pereira da Silva a José Ferreira Lima. Fortaleza, 12 de setembro de 1829. Apec, GP, CO EX, livro 13, p. 129.
  • 6
    De Manoel Joaquim Pereira da Silva a José Ferreira Lima. Fortaleza, 17 de setembro de 1829. Apec, GP, CO EX, livro 13, p. 132.
  • 7
    De Manoel Joaquim Pereira da Silva a João da Cunha Pereira. Fortaleza, 17 de setembro de 1829. Apec, GP, CO EX, livro 13, p. 132V.
  • 8
    BN, II-32, 23, 63.
  • 9
    De Tristão Gonçalves de Alencar Araripe a Paulo Fontenele. Fortaleza, 21 de maio de 1824. Apec, GP, CO EX, livro 02, p. 52.
  • 10
    Abaixo-assinado dos índios da Ibiapaba à rainha dona Maria I, anexo ao ofício do Marquês de Aguiar a Manuel Ignácio de Sampaio. Rio de Janeiro, 20 de outubro de 1814. Apec, fundo Governo da Capitania (GC), livro 93. Salvo indicação em contrário, as citações nos próximos parágrafos pertencem a esse documento.
  • 11
    De Manuel de Portugal a João de Souza Benício, Pedro Gonçalves de Vasconcelos, Antônio Rodrigues de Lima e João da Costa de Oliveira. Vila Rica, 20 de agosto de 1814. Anexo ao ofício do marquês de Aguiar a Manuel Ignácio de Sampaio. Rio de Janeiro, 20 de outubro de 1814. Apec, GC, livro 93.
  • 12
    Um exemplo foi o do líder indígena João Marcelino, da vila de São Gonçalo do Amarante (atual Regeneração, no Piauí), que foi ao Rio de Janeiro em 1811 reclamar ao rei da invasão das terras de sua comunidade. Cf. Mott (1985MOTT, Luiz Roberto de Barros. Piauí colonial: população, economia e sociedade. Teresina: Projeto Petrônio Portela, 1985., p. 121). Sobre a presença de representantes indígenas de diferentes regiões do Brasil no Rio de Janeiro, ver: Silva (2016SILVA, Ana Paula da. O Rio de Janeiro continua índio: território do protagonismo e da diplomacia indígena no século XIX. Tese (Doutorado em Memória Social), Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2016.).
  • 13
    Carta patente do rei dom João V nomeando dom José de Vasconcelos como governador dos índios da Ibiapaba. Lisboa, 28 de janeiro de 1721. Anexo ao ofício do marquês de Aguiar a Manuel Ignácio de Sampaio. Rio de Janeiro, 20 de outubro de 1814. Apec, GC, livro 93.
  • 14
    Portaria de Antônio Batista de Azevedo Coutinho de Montauri nomeando Jacob de Souza e Castro como sargento-mor dos índios de Viçosa. Fortaleza, 20 de fevereiro de 1784. Anexo ao ofício do marquês de Aguiar a Manuel Ignácio de Sampaio. Rio de Janeiro, 20 de outubro de 1814. Apec, GC, livro 93.
  • 15
    Outros anexos foram: um “passaporte a folhas corridas” que fora dado a “João de Souza Benício, e outros índios de Vila Viçosa”, autorizando sua ida ao Rio de Janeiro em fevereiro de 1813; “uma atestação gratuita passada pelo capitão-mor Ignácio de Souza e Castro a favor de João de Souza Benício”, em maio de 1812; outra, do padre Manuel Martins de Sá, de Vila Viçosa, em março de 1813; e a nomeação de Benício, passada pelo diretor de Baepina João Sampaio, como mestre de primeiras letras em abril de 1812. O oitavo anexo não consta no registro, e os dois últimos são “duas listas de meninos da escola de Baepina”. Cf. Anexos ao ofício do marquês de Aguiar a Manuel Ignácio de Sampaio. Rio de Janeiro, 20 de outubro de 1814. Apec, GC, livro 93. Pelas datas dos documentos, é possível conjecturar que o início da mobilização dos indígenas para pôr em ação sua jornada começara, pelo menos, dois anos antes da produção e entrega do requerimento.
  • 16
    Do marquês de Aguiar a Manuel Ignácio de Sampaio. Rio de Janeiro, 20 de outubro de 1814. Apec, GC, livro 93. Arquivo Nacional (AN), série Interior — Negócios de Províncias (AA), IJJ9 56, p. 111.
  • 17
    De Manuel Ignácio de Sampaio a Antônio do Espírito Santo. Fortaleza, 12 de maio de 1815. Apec, GC, livro 20, p. 19.
  • 18
    De José Rabelo de Souza Pereira a Manuel Ignácio de Sampaio. Fortaleza, 11 de julho de 1815. BN, C-199, 14.
  • 19
    De Manuel Ignácio de Sampaio ao Marquês de Aguiar. Fortaleza, 1 de agosto de 1815. BN, C-199, 14. Salvo indicação em contrário, as citações nos próximos parágrafos pertencem a esse documento.
  • 20
    Sem remetente, local ou data. BN, C-199, 14.
  • 21
    De Manuel Ignácio de Sampaio a Paulo José da Silva Gama. Fortaleza, 31 de agosto de 1816. Apec, GC, livro 23, p. 111V.
  • 22
    De Thomas Antônio de Vilanova Portugal a Manuel Ignácio de Sampaio. Rio de Janeiro, 3 de setembro de 1817. AN, AA, IJJ9 56, p. 188.
  • 23
    De Manuel Ignácio de Sampaio a Thomas Antônio de Vilanova Portugal. Fortaleza, 2 de julho de 1818. BN, C-199, 14. Salvo indicação em contrário, as citações nos próximos parágrafos pertencem a esse documento.
  • 24
    Decreto de 25 de fevereiro de 1819. Concede aos índios das diversas vilas do Ceará Grande, Pernambuco e Paraíba diversas graças e mercês pelo serviço prestado contra os revoltosos da vila do Recife. Coleção... (1889COLEÇÃO COLEÇÃO das leis do Brasil de 1819. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889. ). De igual conteúdo In: BN, C-199, 14. Costa (2002COSTA, Hipólito José da. Correio Brasiliense ou Armazém Literário. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado; Brasília: Correio Brasiliense, 2002., v. XXIII, p. 353). Cf. Costa (2015COSTA, João Paulo Peixoto. Disciplina e invenção: civilização e cotidiano indígena no Ceará, 1812-1820. Teresina: Edufpi, 2015., p. 347-349; 2018COSTA, João Paulo Peixoto. Na lei e na guerra: políticas indígenas e indigenistas no Ceará, 1798-1845. Teresina: Edufpi , 2018., p. 309-323).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    15 Ago 2019
  • Aceito
    11 Maio 2020
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