Accessibility / Report Error

A engrenagem da rejeição: fluxos, cifras e enredos da reprovação na carreira inquisitorial portuguesa (1670-1780)

The mechanisms of rejection: flows, figures and plots of failure in the Portuguese inquisitorial career (1670-1780)

Resumo:

A proposta deste estudo é explorar aspectos ainda pouco conhecidos do funcionamento da Inquisição portuguesa: como, por que e quando candidaturas para cargos de agentes inquisitoriais foram reprovadas. Para isso, a investigação centra-se em dois eixos de interesse. Primeiro, analisa os procedimentos administrativos tomados pela instituição para rejeitar habilitandos considerados inaptos, predominantemente aspirantes aos postos de comissário e familiar do Santo Ofício, apontando quais foram os principais motivos embargantes. Depois, a partir do exame integral da subsérie Habilitações Incompletas do Tribunal do Santo Ofício, apresenta, por meio do levantamento estatístico, como se deu a distribuição temporal e espacial destes processos no espaço territorial do Império lusitano, com atenção especial para a América portuguesa.

Palavras-chave:
Inquisição portuguesa; Habilitações Incompletas; Carreira inquisitorial

Abstract:

The purpose of this study is to explore still little-known aspects of the functioning of the Portuguese Inquisition: how, why and when applications for positions as inquisitorial agents were denied. In order to do this, the investigation focuses on two axes of interest. Firstly, it analyzes the administrative procedures taken by the institution to reject qualified employees predominantly aspiring to the positions of comissário and familiar of the Holy Office who were considered inapt, pointing out what the main impediments were. Then, from the full examination of the Habilitações Incompletas of the Court of the Holy Office, it presents, through the statistical survey, how the temporal and spatial distribution of these process­es took place in the territorial space of the Lusitanian Empire, with special attention to Portuguese America.

Keywords:
Portuguese Inquisition; Court of the Holy Office; Inquisitorial career

A concessão de habilitações de agentes para servir ao Tribunal do Santo Ofício português começou a chamar atenção de pesquisadores nos anos 1980 e consolidou-se como um dos temas mais explorados pela historiografia dedicada à história da Inquisição nas últimas duas décadas (Novinsky, 1984NOVINSKY, Anita. “A igreja no Brasil colonial: agentes da inquisição”. Anais do Museu Paulista, São Paulo, n. 33, p. 17-34, 1984.; Torres, 1994TORRES, José Veiga. “Da repressão à promoção social: A inquisição como instância legitimadora da promoção social da burguesia mercantil”. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 40, 1994.; Calainho, 2006CALAINHO, Daniela Buono. Agentes da Fé: Familiares da Inquisição Portuguesa no Brasil colonial. Bauru: Edusc, 2006.; Wadsworth, 2008WADSWORTH. James E. Agents of Ortodoxy: Inquisitorial and prestige in colonial Pernambuco, Brazil. New York; Lanham, Maryland: Rowman and Littlefield Publishers, 2008.; Vaquinhas, 2010VAQUINHAS, Nelson. Da comunicação ao sistema de informação: o Santo Ofício e o Algarve (1700-1750). Lisboa: Colibri/CIDEHUS-UÉ, 2010.; Rodrigues, 2011RODRIGUES, Aldair C. Limpos de sangue: familiares do Santo Ofício, Inquisição e sociedade em Minas colonial. São Paulo: Alameda, 2011.; Lopes, 2013LOPES, Bruno. A Inquisição em terra de cristãos-novos. Arraiolos 1570-1773. Lisboa: Apenas Livros, 2013.; Lopes, 2014LOPES, Luiz Fernando R. Vigilância, distinção e honra: Inquisição e dinâmica dos poderes locais nos sertões das Minas setecentistas. Curitiba: Ed. Prismas, 2014.; Souza, 2014SOUZA, Grayce M. B. Para remédio das almas: comissários, qualificadores e notários da Inquisição portuguesa na Bahia Colonial (1692-1804). Vitória da Conquista: Edições Uesb, 2014.; Monteiro, 2015MONTEIRO, Lucas M. A Inquisição não está aqui? A presença do tribunal do Santo Ofício no extremo sul da América portuguesa, 1680-1821. Jundiaí: Paco Editorial, 2015.). Mais recentemente, com um considerável volume de estudos monográficos, tornou-se extensa - e um pouco repetitiva - a produção acadêmica dedicada a compreender, a partir do cargo de familiar do Santo Ofício, as dinâmicas da distinção social nos diversos espaços do Império português. No entanto, apesar da larga quantidade de estudos acerca da rede de agentes da Inquisição e do reconhecimento emanado por seus provimentos, os historiadores, até aqui, não se dedicaram a investigar de maneira sistemática e vertical o fracasso no acesso à carreira inquisitorial, e, menos ainda, como funcionavam os meandros institucionais do Santo Ofício para reprovar pretendentes considerados inaptos.

Até o momento, as pesquisas que tocaram nestas questões foram de abordagens indiretas ou de recortes pontuais. Na primeira metade da década de 1980, Anita Novinsky, em artigo que discutia os agentes da Inquisição no Brasil, publicou uma lista com nomes de 62 candidatos reprovados, entre postulantes aos cargos de notário, familiar e comissário (Novinsky, 1984NOVINSKY, Anita. “A igreja no Brasil colonial: agentes da inquisição”. Anais do Museu Paulista, São Paulo, n. 33, p. 17-34, 1984.). Já Daniela Calainho, em pesquisa de mestrado desenvolvida entre 1988 e 1992 que tinha como enfoque os familiares do Santo Ofício no Brasil colonial, identificou 15 habilitandos vetados a este posto, encontrando seus nomes nos Livros de Habilitações do Santo Ofício e seus processos depositados na subsérie Diligências de Habilitações (Calainho, 2006CALAINHO, Daniela Buono. Agentes da Fé: Familiares da Inquisição Portuguesa no Brasil colonial. Bauru: Edusc, 2006., p. 110). Em suas pequenas amostragens, estas autoras buscaram identificar qual o principal motivo para o revés dos pleiteantes identificados e constataram que mais da metade deles ficou impedida em virtude da mácula de sangue cristão-novo a eles imputada. Já nos anos 2000, Didier Lahon (2001LAHON, Didier. Esclavage et confréries noires au Portugal durant l’Ancien Régime (1441-1830). Tese (Doutorado). École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, 2001.), Isabel Drumond Braga (2008BRAGA, Isabel Drumond. “A mulatice como impedimento de acesso ao ‘Estado do Meio’”, O espaço atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades. Actas. Lisboa: Instituto Camões, 2008.), James Wadsworth (2008)WADSWORTH. James E. Agents of Ortodoxy: Inquisitorial and prestige in colonial Pernambuco, Brazil. New York; Lanham, Maryland: Rowman and Littlefield Publishers, 2008., Aldair Rodrigues (2011RODRIGUES, Aldair C. Limpos de sangue: familiares do Santo Ofício, Inquisição e sociedade em Minas colonial. São Paulo: Alameda, 2011.) e Grayce Souza (2014SOUZA, Grayce M. B. Para remédio das almas: comissários, qualificadores e notários da Inquisição portuguesa na Bahia Colonial (1692-1804). Vitória da Conquista: Edições Uesb, 2014.) também viriam a tocar no tema das candidaturas indeferidas, mas ainda de forma circunscrita. Os dois primeiros autores procuraram discutir os habilitandos afrodescendentes interditados; já os três últimos tinham interesse em identificar alguns dos candidatos rejeitados residentes nas capitanias de Pernambuco, Minas Gerais e Bahia, respectivamente. Embora sejam estudos valiosos para se conhecer os motivos do óbice de habilitandos de determinadas localidades, estes trabalhos não tinham como foco a reprovação na carreira inquisitorial e apenas tangenciaram o tema, sem perscrutá-lo.

Este tímido avanço historiográfico no que toca a compreensão da rejeição e dos rejeitados na Inquisição pode ser explicado pela natureza descontínua e subjacente da documentação que permite o estudo das candidaturas malsucedidas. Se por um lado o tribunal elaborou diversos registros a respeito de seus agentes providos em funções colaborativas, por outro, produziu raros apontamentos que dão claras notícias daqueles que tiveram seus pleitos indeferidos. A única referência conhecida produzida pelo Santo Ofício onde se discrimina em lista nominal, contínua e de modo deliberado um número significativo de peticionantes que tenham sido obstruídos e ficado sem despacho favorável na instituição é o livro dos Habilitandos recusados, que cobre apenas o período entre os anos de 1683 e 1737 (Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Livro 36). Foi com base nas informações contidas neste livro que Novinsky, Lahon, Braga, Rodrigues e Souza fundamentaram suas análises e considerações sobre postulantes reprovados em suas pesquisas, o que implica um limite de análise temporal restrito apenas ao referido período abarcado por esta fonte. No entanto, consultando os nomes dos candidatos impedidos inscritos neste registro, é possível perceber que a imensa maioria dos processos destes habilitandos tiveram andamento interrompido e estão alocados em uma subsérie documental chamada Habilitações Incompletas, espaço arquivístico que acautela milhares de habilitações que pararam de tramitar pelos mais variados motivos. Assim, por serem muitos - 5.428 processos registrados em cotas nominais - e conterem informações mais detalhadas sobre os peticionantes impedidos, como as petições dos candidatos, os pedidos de “nada-consta” dos tribunais distritais, as provanças investigativas e os despachos das instâncias decisórias do tribunal, os processos de habilitação depositados nesta subsérie são as fontes que permitem o estudo serial, temporalmente mais abrangente e rigorosamente mais qualificado dos candidatos rejeitados pela Inquisição portuguesa.

James Wadsworth, Aldair Rodrigues, Grayce Souza, Fernanda Olival, João de Figuerôa-Rego, Bruno Feitler, Ronald Raminelli, Pollyanna Gouveia Muniz e Bruno Lopes são alguns dos historiadores que trabalharam de alguma maneira com habilitações incompletas em suas investigações, sempre versando acerca de postulantes reprovados no acesso à carreira inquisitorial. Contudo, o uso desta documentação nos trabalhos destes autores prioriza análises de casos, ou está circunscrito a contextos de investigação muito específicos. O que este estudo propõe é, por meio de uma análise sistemática e em escala global de toda a subsérie, apresentar estatisticamente o histórico de ocorrências e a distribuição espacial e temporal de todos os processos nela depositados. São interesses ainda, identificar os caminhos e fluxos administrativos mais usuais do Santo Ofício para empreender o veto a candidatos e revelar os motivos mais frequentes da reprovação na carreira inquisitorial.1 1 Este artigo apresenta análises aprimoradas e dados revistos e ampliados de minha tese de doutoramento (Lopes, 2018). Não há espaço neste artigo para um exame aprofundado dos perfis socioprofissionais dos candidatos rejeitados nem das especificidades de cada grupo interditado, aspectos estes que tenho procurado desenvolver em outros trabalhos. O foco aqui será a análise em escala macro das habilitações incompletas, buscando identificar como, por que e quando a engrenagem da rejeição funcionou ao longo da história do Santo Ofício português. Assim, as perguntas que esta investigação buscará responder são: quais eram os mecanismos administrativos do Santo Ofício para vetar candidaturas controversas? Quais foram os fluxos institucionais mais frequentes? Como estes enredos administrativos se transformaram ao longo da história da instituição? Por quais motivos se reprovava? Quais os locais de origem e qual o ritmo de tramitação destes processos?

Conhecendo as “Habilitações Incompletas”

A subsérie intitulada Habilitações Incompletas está inserida na série documental Diligências de Habilitação, pertencente ao subfundo do Conselho Geral do Santo Ofício e, em último nível, integrada ao fundo do Tribunal do Santo Ofício. É composta por 5.428 registros processuais em papel e pergaminho, dispostos em ordem alfabética, alocados em 133 caixas e produzidos entre os anos de 1588 e 1820.2 2 Cota arquivística: Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações Incompletas. Para consulta on-line dos catálogos da subsérie no site Digitarq, ver o seguinte código de referência: PT/TT/TSO-CG/A/008-002. Nela estão acautelados processos de habilitação de candidatos residentes em toda a extensão do Império português - e, alguns raros casos, de residentes fora dos domínios de Portugal -, entre os séculos XVI e XIX, que, por diferentes razões, não tiveram continuidade ou parecer favorável à obtenção de cargos inquisitoriais peticionados.

A composição estrutural formada pelos manuscritos desta subsérie permite dizer que se trata de um verdadeiro baú de miscelâneas resultantes dos mais diferentes procedimentos e das mais diversificadas situações administrativas ocorridas na rotina de funcionamento do Santo Ofício português. Nela estão depositados documentos que testemunham diversas circunstâncias de pedidos para habilitação de cargos inquisitoriais. Como seu nome explicita, as Habilitações Incompletas são processos de habilitação para cargos do Tribunal do Santo Ofício que ficaram inconclusos; processos que tiveram seus trâmites interrompidos e que na maioria das vezes se restringem a poucos fólios - quando comparados aos processos de habilitação deferidos, portanto, completos -, algumas vezes, a uma única lauda. É possível encontrar depositados em meio a estas cotas arquivísticas processos com apenas as páginas da petição do candidato, ou com o parecer dos tribunais distritais; há ainda, dentre diversos roteiros administrativos possíveis, processos em que constam somente as diligências investigativas e outros restritos unicamente ao parecer dos comissários responsáveis pelas investigações. É válido considerar que nesta subsérie também possam estar dispostos fólios que se desprenderam dos maços aos quais pertenciam originalmente e se extraviaram em meio à administração cotidiana do Santo Ofício ao longo dos seus 285 anos de funcionamento. É credível ainda que possa haver documentos que se perderam ao longo do processo de alocação arquivística, sobretudo no período entre a extinção da Inquisição pelo decreto das Cortes Constituintes de Portugal, publicado em 31 de março de 1821, a guarda provisória de parte do acervo na Biblioteca Pública de Lisboa neste mesmo ano, a transferência para o Real Arquivo em 1825 e, finalmente, o envio para guarda definitiva na Torre do Tombo em 1836 (Farinha, 1990FARINHA, Maria do C. J Dias. Os arquivos da Inquisição. Lisboa: ANTT - Serviço de Publicações e Divulgação, 1990.).

Tipificando ainda o que esta subsérie documental acautela em suas inscrições nominais, é possível encontrar 150 processos referenciados em cotas arquivísticas por nomes femininos, apesar da existência neste mesmo subfundo documental de uma subsérie intitulada Habilitações de Mulheres.3 3 ANTT, TSO, CG, Habilitações de Mulheres. Esta subsérie apresenta 86 processos de mulheres casadas ou para casarem com ministros inquisitoriais, quase sempre familiares do Santo Ofício. Há ainda uma pequena parcela de habilitações para servirem como amas do Paço. Para consulta on-line dos catálogos da subsérie no site Digitarq, ver o seguinte código de referência: PT/TT/TSO-CG/A/008-003. Trata-se de processos de habilitação de cônjuges de familiares do Santo Ofício habilitados, uma vez que, para se casarem, estes funcionários laicos do tribunal precisavam demonstrar que suas noivas e esposas também se enquadravam nas exigências regimentais. Foi o caso, por exemplo, do processo de habilitação de Isabel de Pina de Abreu, natural e moradora em Portel, “moça donzela” que era noiva do familiar Bento Lopes. Em virtude da fama de cristã-nova que a jovem carregava, suas diligências foram reprovadas, e o casamento com o noivo familiar desautorizado pelo Santo Ofício (ANTT, TSO, CG, Habilitações Incompletas, doc. 2243).

Já os habilitandos casados na ocasião da candidatura também deveriam habilitar suas esposas, pois embaraços na limpeza de sangue e comportamento de suas consortes poderiam impedir seus provimentos na instituição. Nestes casos, quase sempre, as diligências de habilitação das nubentes constam nos nomes dos maridos habilitandos. Foi o caso de dona Catarina Correa da Fonseca, natural de Lisboa, onde morava, que era “infamada de cristã-nova por razão de sua avó materna”. Por conta de tal rumor, seu marido Afonso Vaz Sardinha ficou sem a medalha de familiar do Santo Ofício, solicitada em 1739 (ANTT, TSO, CG, Habilitações Incompletas, doc. 17). Também digno de nota é o episódio vivido por José Moreira Ramos, sargento-mor do regimento de cavalaria de Itamaracá, no Brasil, que peticionou a familiatura em 1765, mas teve o andamento de seu processo de habilitação interrompido no mesmo ano devido ao fato de ser sua esposa, dona Marcelina Santos Dias, segundo as investigações do Santo Ofício, “parda bastantemente escura” (ANTT, TSO, CG, Habilitações Incompletas, doc. 3369). O procedimento rotineiro do Santo Ofício era anexar estas diligências investigativas ao processo de habilitação de seus consortes, mas o fato de estarem separadas, em cotas nominais próprias, mostra que nem sempre o roteiro usual foi seguido.

Vale pontuar ainda que há dentre os processos das Habilitações Incompletas muitas ocorrências de candidatos que inicialmente tiveram seus pedidos rejeitados, mas que, num segundo momento, peticionaram novamente e obtiveram a habilitação inquisitorial que almejavam. Foi o que aconteceu com o advogado Antônio Antunes de Campos, natural e morador em Penamacor, na Beira, que peticionou ser familiar do Santo Ofício em 1743, mas seu processo foi descontinuado porque o Santo Ofício “não achou notícia alguma de tal homem” quando buscou informações sobre o avô materno do candidato (ANTT, TSO, CG, Habilitações Incompletas, doc. 210). Passados quase dez anos, o aspirante a agente inquisitorial fez nova petição e desta vez alcançou o provimento desejado, tendo recebido a carta de familiar em novembro de 1752 (ANTT, TSO, CG, Habilitações, Antônio, mç. 116, doc. 2010). Em casos como este, os habilitandos têm então dois processos de habilitação no Santo Ofício: um inconcluso, depositado na subsérie das Habilitações Incompletas, e um “concluído”, alocado na subsérie Diligências de Habilitação. Convém destacar que é possível, para os pretendentes residentes no espaço sob jurisdição da Inquisição de Lisboa, efetuar consulta aos 24 livros de Provisões de Nomeação e Termos de Juramentos, onde estão inscritos todos os agentes que aquele tribunal nomeou ao longo de sua história e, assim, confirmar se o candidato realmente ficou sem o posto ao qual pleiteou.4 4 Cota arquivística: ANTT, TSO, IL, Ministros e Oficiais, Provisões de Nomeação e Termos de Juramento. Para consulta on-line dos livros no site Digitarq, ver o seguinte código de referência: PT/TT/TSO-IL/A/002. Na avaliação destes casos, em que o postulante tem dois processos de habilitação, é prudente considerar a possibilidade de que, em determinadas situações, estas duas compilações documentais deveriam pertencer a um só processo, tendo se separado em razão de algum procedimento errôneo do tribunal ou até mesmo da gestão arquivística da Torre do Tombo.

Dentre as cotas que compõem a subsérie há destaque, ainda, para a considerável quantidade de processos de peticionantes que foram bem-sucedidos na avaliação das provanças e que obtiveram dos tribunais distritais o parecer favorável ao provimento, mas que, ao final, por razões desconhecidas, terminariam sem efeito. Mateus Gomes de Aguiar, por exemplo, era cavaleiro professo da Ordem de Santiago, e sua petição para familiar obteve da Mesa da Inquisição de Coimbra a recomendação de nomeação em 1673. Apesar disso, não há qualquer deliberação do Conselho Geral neste sentido e seu processo não terminou em admissão (ANTT, TSO, CG, Habilitações Incompletas, doc. 4808). O mesmo aconteceria com o pedido de familiatura de Agostinho Mendes Cerveira, que em 1716 obteve da mesma Inquisição a prescrição de aprovação e também não viu chegar sua carta (ANTT, TSO, CG, Habilitações Incompletas, doc. 34). Também foi assim no caso do italiano João Alexandre Sciain, que na altura do ano de 1737 andava pelas ruas de Lisboa ostentando no peito a medalha de familiar da Inquisição de Palermo e rogava à Inquisição lisboeta “o favor de Deus” de agregar-se àquele tribunal. Os inquisidores deliberariam pela incorporação do agente italiano para o corpo de colaboradores do Santo Ofício português caso se confirmasse a limpeza de sangue de sua esposa e a autenticidade de sua insígnia da Inquisição siciliana, mas nada aconteceu depois desta recomendação (ANTT, TSO, CG, Habilitações Incompletas, doc. 2336). Ao cabo, tecnicamente estes candidatos não incidiram em óbices impeditivos e não podem ser considerados reprovados.

Por fim, cabe salientar que as habilitações incompletas são ainda fontes valiosas para a compreensão do processo de escalada na carreira inquisitorial.5 5 Bruno Feitler analisou a mobilidade na carreira inquisitorial lusitana e os requisitos de promoção do Santo Ofício de forma especial em dois artigos: Feitler (2013, p. 107-128; 2011, p. 235-258). Isso porque, em meio aos processos preservados nesta subsérie, é possível encontrar postulantes que já haviam alcançado cargos no tribunal e pleitearam posições mais altas na hierarquia inquisitorial, às vezes obtendo êxito, outras não. Alguns notários do Santo Ofício, por exemplo, peticionariam, depois de alguns anos de serviços prestados ao tribunal nesta função, a concessão da habilitação de comissário, no anseio de alcançar posição mais destacada e prestigiosa. O padre João Rodrigues Teixeira, por exemplo, fora nomeado para atuar como notário no Recife. Depois de anos neste posto, solicitou a comissaria e, apesar de as novas diligências de capacidade terem se tornado um novo processo, que acabou depositado nas Habilitações Incompletas em vez de ser anexado aos autos originais (ANTT, TSO, CG, Habilitações Incompletas, doc. 2850), seu pedido seria atendido, como se vê em seu registro de provimento de comissário na Inquisição de Lisboa (ANTT, TSO, IL, Livro de Provisão de Nomeação e Termos de Juramentos - 1767-1772).

Explicadas algumas das circunstâncias que compõem parte da massa documental conservada nesta subsérie, conclui-se que nem todos os processos nela guardados são fruto de reprovação deliberada. Em uma estimativa baseada em amostragem - análise pormenorizada dos dez primeiros processos de cada centena, buscando identificar a razão da interrupção dos trâmites - pode-se dizer que a cada dez habilitações incompletas, pelo menos seis são efetivamente frutos de rejeição. Deste modo, se faz necessário identificar e tipificar quais foram os caminhos administrativos que produziram a maior parte destes processos inconclusos.

Identificando enredos administrativos

A análise global destas fontes documentais revela a existência de roteiros mais ou menos frequentes de interrupção processual, o que permite a proposição de algumas tipologias explicativas mais generalistas. As explicações para a intermissão dos trâmites das habilitações incompletas apontam, via de regra, para três principais circunstâncias: 1) interrupção sem razões claras; 2) interrupção por causas fortuitas; e 3) interrupção por ocorrência de óbice regimental.

1) A interrupção do andamento sem razões claras

Dentre os processos depositados nas Habilitações Incompletas, como já destacado, há uma parcela importante que teve seu andamento interrompido sem que fosse possível identificar a razão da descontinuidade dos trâmites. Há quantidade significativa de candidatos que alcançaram o parecer favorável de suas diligências investigativas, e até mesmo o despacho do Conselho Geral recomendando a continuidade das provanças, mas, ao cabo, tiveram o andamento de seus processos descontinuados, ficando sem o desejado provimento inquisitorial. Não há explicação objetiva para estes casos.

2) As causas fortuitas ou pontuais para a interrupção dos trâmites processuais

Muitas habilitações tiveram a suspensão dos seus trâmites por razões circunstanciais, sem que houvesse qualquer indício de decisão avaliativa do Santo Ofício. As principais situações identificadas foram: 1) Falta de depósito para pagar as custas investigativas do processo; 2) falecimento durante o andamento dos trâmites; 3) petição feita de modo incompleto ou inadequado; e 4) retorno ao reino antes do fim das investigações, em casos de candidatos residentes nos espaços coloniais.

3) Candidaturas tecnicamente reprovadas

A maior parte das candidaturas foi interrompida ou administrativamente reprovada pelas instâncias decisórias em virtude dos impeditivos incidentes sobre os candidatos. As principais razões para a rejeição envolveram, essencialmente, as seguintes conjunturas: 1) problemas com limpeza de sangue, principalmente rumor de ascendência cristã-nova;6 6 O rumor de ascendência judaica foi o motivo mais frequente de veto de candidaturas. A análise vertical por amostragem de 10% dos processos constatou a incidência desta circunstância em pelo menos 1/5 das 5.428 habilitações incompletas. Considerando-se apenas os processos de habilitação sem efeito em razão da constatação de algum impeditivo regimental - deixando-se então de fora os que foram interrompidos por circunstâncias fortuitas ou pontuais -, a estimativa é de que cerca de pelo menos 45% de casos abortados ou escusados com despacho do Conselho Geral tiveram final desfavorável por esta razão. 2) rumor de mulatismo ou filhos com mulheres de ascendência africana; 3) mau procedimento: “bêbado”, “gênio áspero”, “juízo leve”, “defeito de juízo”, “pouco assento e estourado”, “vingativo”, “galanteador”, padres com filhos naturais etc.; 4) incapacidade moral ou intelectual: “muito falador”, “tem verduras de moço”, “sem domínio da razão”, “louco”, “mal sabe ler e escrever”, pouca idade, formação insuficiente para o cargo almejado etc.; 5) falta de asseio ou desempenho de ofício vil: “anda de capote”, “anda descalço pelas matas”, “carrega mochila às costas”, desempenho de ocupações consideradas rudes, como taverneiro, carniceiro, caixeiro, moço de pé, lacaio, capitão do mato; 6) sem cabedal ou posses suficientes para espelhar imagem honrada; 7) antepassados presos e penitenciados pelo Santo Ofício; 8) falta de notícias ou de clareza sobre a ascendência; 9) falta de necessidade de agentes inquisitoriais para o local de residência do candidato (enredo bastante comum, especialmente nas décadas finais do século XVII). Poderia haver, ainda, a combinação de dois ou mais impeditivos na fundamentação do embargo das candidaturas.

No que diz respeito aos procedimentos rotineiros do Santo Ofício para negar a habilitação a um pleiteante, foi possível notar certas tendências de gestão ao longo de sua história. De modo geral, a práxis inquisitorial da rejeição esteve propensa a seguir três caminhos mais frequentes:

1) Suspensão imediata dos trâmites do processo de habilitação diante de claros impeditivos encontrados nas investigações ou da falta de notícias sobre os ascendentes do candidato. Nestas ocasiões, a esmagadora maioria dos processos que teve seu andamento suspenso não foi retomada posteriormente, gerando uma série de processos de habilitação interrompidos que resultaram em candidaturas sem desfecho favorável. Este foi o procedimento administrativo mais comum tomado pelo Santo Ofício para negar o provimento a um postulante tido como inapto, pois assim evitavam-se gastos processuais desnecessários, demandas de trabalho infrutíferas, além de poupar a honra do candidato controverso, que poderia se desgastar com a insistência das investigações. Provavelmente, a recorrência desta circunstância explica o nome dado à subsérie que guarda estes processos: habilitações incompletas. Oficialmente, o tribunal só entrava em contato com o candidato durante os trâmites de habilitação quando havia necessidade de o pleiteante efetuar um novo depósito para financiar as custas investigativas, que eventualmente extrapolavam o valor do primeiro depósito realizado na ocasião do envio da petição. Como se verá, por não saberem da interrupção de seus processos de habilitação, estes aspirantes, por vezes, peticionariam novamente o posto desejado, demonstrando expectativa e angústia. Na prática, a suspensão dos trâmites investigativos e a não retomada do seu andamento seria, quase sempre, uma ação administrativa que funcionaria como reprovação dos habilitandos controversos.

2) O procedimento da rejeição também poderia acontecer por meio de pareceres das Mesas dos tribunais distritais, seguidos pelo despacho do Conselho Geral. Nestes casos, o fluxo institucional costumava seguir dois principais percursos:

A Mesa do tribunal distrital responsável pela jurisdição do local de moradia do candidato - Lisboa, Coimbra ou Évora - relatava em seu parecer ao Conselho Geral os problemas que incidiam sobre o pleiteante e sugeria que o candidato não estava nos termos de ser aprovado para o posto peticionado. Estes pareceres se davam costumeiramente depois da investigação confirmar óbices incontornáveis, como ser cristão-novo, ter mau procedimento ou ter antepassados condenados pelo Santo Ofício. O Conselho Geral tendia sempre a endossar este tipo de parecer das mesas e emitia despacho dando a petição como escusada, expressão usada pelo órgão em seus pareceres. Esta rotina foi bastante comum até as primeiras décadas do século XVIII. Depois deste período, a maneira mais usual de se rejeitar um candidato seria a simples suspensão da tramitação, provavelmente em virtude do grande aumento de candidaturas e, consequentemente, das demandas de trabalho no tribunal ao longo do século XVIII.

Emissão de parecer das mesas dos tribunais distritais ponderando alguns problemas na candidatura, como ter desempenhado algum ofício vil no passado, ou mesmo rumor de sangue impuro já desvanecido ou de fama com origem duvidosa, mas sugerindo que o Conselho, na figura do inquisidor-geral - ou de Sua Majestade, depois da elevação do Santo Ofício à condição de tribunal régio em 20 de maio de 1769 -, concedesse a habilitação ao suplicante (às vezes, mediante dispensa do rei). Acontece que nestes casos, mesmo com a sugestão de provimento dos inquisidores nas mesas dos tribunais distritais, ao final, o entendimento do Conselho Geral poderia ser outro, e o candidato era dado como escusado. Este roteiro foi mais frequente a partir da década de 1760, após as reformas régias no tribunal.

Já a respeito da pragmática inquisitorial para julgar a ocorrência de rumores, famas e notícias controversas que recaíam sobre os aspirantes a agentes, é possível identificar nuances mais claras em alguns períodos.

Embora fossem orientadas pelas diretrizes explicitadas pelos regimentos inquisitoriais, as políticas de rejeição empreendidas pelo Santo Ofício não foram absolutamente fixas ao longo de sua história. Ainda que normativas para o recrutamento dos agentes tivessem sido estipuladas no regimento inquisitorial de 1640 e só substituídas oficialmente com a publicação de um novo documento regulador em 1774 (Siqueira, 1996SIQUEIRA, Sônia A. “Os Regimentos do Santo Ofício”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, ano 157, n. 392, p. 495-1020, 1996.), a aplicação dos princípios e conceitos na gestão dos trabalhos do tribunal sofreu, ao longo desse período, clara influência das mudanças de sensibilidades da sociedade portuguesa. Em um exercício de tipificação explicativa destas políticas, é possível propor para um longo intervalo de pouco mais de cem anos, com certa relativização de suas balizas de início e fim, uma divisão em três principais fases com tendências claras:

1) 1670-1730: período de alto rigor e intolerância institucional com quaisquer ocorrências de rumores impróprios nas diligências dos candidatos. A menor notícia desfavorável bastava para o processo de habilitação ter seu andamento abortado. Pode-se verificar tal ocorrência, inclusive, pelo volume em páginas notoriamente menor dos processos tramitados neste período, quando comparados aos transcorridos a partir do segundo terço do século XVIII. Este padrão de procedimento é reflexo do que Marcocci e Paiva (2013MARCOCCI, Giuseppe; PAIVA, José Pedro História da Inquisição Portuguesa - 1536-1821. Lisboa: A Esfera Livros, 2013., p. 175) destacaram: a segunda metade do século XVII é uma das épocas de maior segregação dos cristãos-novos e de maior necessidade de obtenção de prova de que não se possuía sangue “infecto”.

A aguda precaução e a intransigência inquisitorial diante dos rumores desfavoráveis podem ser observadas em candidaturas como as de André Docil Carneiro, Bartolomeu Dias Nobre, Bartolomeu Monteiro da Fonseca, Francisco de Abreu Soares e Amaral e Jerônimo Rodrigues (ANTT, TSO, CG, Habilitações Incompletas, documentos 129, 880, 884, 1585 e 2300, respectivamente). Entre as três últimas décadas do Seiscentos e as primeiras do século XVIII, estes postulantes a familiar tiveram seus pleitos reprovados com base nas murmurações, umas mais e outras menos difundidas, de que eram portadores da nódoa de sangue judeu. Seus processos de habilitação foram reprovados sem que houvesse maiores investigações para averiguar o fundamento de tal fama, sendo derrogados fundamentalmente com base em um único parecer dos comissários informantes para as mesas dos tribunais distritais. Esta ocorrência indica que a Inquisição portuguesa, até pouco depois do alvorecer do século XVIII, depositava crédito quase inabalável na opinião de seus agentes investigadores, possivelmente por não ter ainda, até aquele momento, uma rede significativamente ampla e consolidada de colaboradores que permitisse clarificar as informações das provanças mais embaraçadas.

2) 1730-1769: aprofundamento das investigações diante da ocorrência de alguma fama duvidosa ou sem origem clara. Durante este período, a Inquisição esteve propensa a averiguar mais profundamente um rumor controvertido até identificar seu princípio e então avaliá-lo. Nesta altura, já com uma rede de agentes mais consolidada, tornava-se possível esmiuçar os casos mais ambíguos. Colaborou ainda para esta maior disposição institucional certa dilatação da tolerância diante da fama pública considerada duvidosa ou da qual não se pudesse comprovar a origem.

Ilustra bem esta circunstância o caso do padre Domingos Lopes Antunes, natural da freguesia de São João do Itaboraí e nela morador, onde atuava como cônego da Sé do Rio de Janeiro (ANTT, TSO, CG, Habilitações Incompletas, doc. 1358). Desejoso de servir no cargo de comissário da Inquisição em 1739, as notícias levantadas em suas provanças foram bastante desfavoráveis: além de o candidato não ser bacharel em Cânones, como havia ele declarado em sua petição, mas apenas estudara por um tempo filosofia e teologia no Rio de Janeiro, identificou-se um rumor de sangue impuro por parte de sua avó materna. No entanto, neste caso ficaria a dúvida se a ascendência era de pardos, mulatos, ou de carijó. O tribunal solicitaria novas investigações para averiguar mais a fundo e esclarecer tal imbróglio. As novas notícias que chegariam aos Estaus foram de que o cônego era bisneto de uma dita Aurélia, “mulata bem tisnada”, que era filha de “uma negra chamada Dorotéia, a qual negra vem a ser a terceira avó materna do dito pretendente”. Esclarecida a dúvida depois de novas investigações, o andamento de seu processo de habilitação foi abortado.

3) 1769-1780: momento de transformações estruturantes em alguns dos preceitos avaliativos para considerar o rumor de sangue africano e a aceitação de habilitandos com filhos mulatos, bem como o aumento da tolerância para com a fama leve ou duvidosa de cristão-novo. Com a publicação de diversos decretos régios no final da década de 1760 e do novo regimento inquisitorial que passa a vigorar em 1774, há uma mudança clara no sentido de alargar o rol de condições aceitáveis incidentes nas trajetórias dos candidatos, inclusive, na reconsideração de candidaturas anteriormente abortadas. No entanto, permaneceriam os critérios morais de reprovação em razão do comportamento considerado moralmente inadequado para um agente inquisitorial.

Insere-se neste enredo o caso do padre João Henriques de Aragão, morador no Funchal. Havia ficado sem despacho quando tentou ser comissário em 1760 em virtude da fama de cristão-novo. Onze anos depois, seu processo foi reavaliado e a mesa da Inquisição de Lisboa negou a comissaria, “por não ter as dignidades necessárias para Comissário”, mas sugeriu conceder provisão de notário, mesmo tendo certa fama de descender de judeus (ANTT, TSO, CG, Habilitações Incompletas, doc. 2620). Ainda a súplica de Domingos Lopes de Carvalho é exemplo sintomático da tolerância diante da descendência mestiça dos habilitandos a partir desse momento. Ele nunca havia sido casado, mas na cidade de Mariana, nas Minas Gerais, onde vivia dos ganhos de sua “loja de mercador” no ano de 1756, todos consideravam que a menina Maria, mulata de 11 ou 12 anos que o candidato a familiar tinha em casa, era sua filha. Sua candidatura havia ficado estacionada em razão exclusivamente do impeditivo de descendência, mas, quando foi reanalisada em 1770, os inquisidores do tribunal de Lisboa alegariam que por “semelhantes casos Vossa Majestade tem mandado proceder as judiciais”, deliberando pela continuidade dos trâmites (ANTT, TSO, CG, Habilitações Incompletas, doc. 1359). Já o enredo da candidatura do padre Diogo Antônio Vieira retrata a permanência do óbice diante do procedimento inadequado. Vigário colado na Sé de Lamego, era considerado limpo de sangue e quis ser comissário inquisitorial em 1770. Foi reprovado porque tinha comportamento controverso, tendo sido “infamado com uma mulher casada”, e considerado “totalmente inábil”, “incapaz por muitas faltas e negligências”. Em 1771 o Conselho Geral encerrou seu processo de habilitação deixando o sacerdote “escusado por falta de requisitos pessoais” (ANTT, TSO, CG, Habilitações Incompletas, doc. 1200).

O veto e as tensões em torno da rejeição

Como já destacado, salvo os casos em que os tesoureiros dos tribunais distritais contactavam os pretendentes para solicitar novo depósito para custear novas provanças, o Santo Ofício, ordinariamente, ao negar admissão a um candidato infamado - fosse interrompendo os trâmites do processo de habilitação ou emitindo despachos de escusa - não informava aos habilitandos malsucedidos nada a respeito do óbice de suas candidaturas. Tal circunstância geraria imensa tensão entre os postulantes e aqueles com quem partilhavam a vida comunitária. Afinal, as investigações, ainda que secretas, mobilizavam depoentes que conheciam os pretendentes e opinavam sobre eles, gerando expectativa pelo desfecho do processo de habilitação na comunidade onde viviam. Por esta razão, a demora no provimento de algum habilitando era vista por sua rede de sociabilidade como indício de suspeição na qualidade de seu sangue, o que frequentemente gerava murmurações em torno da honra de quem aguardava ansiosamente pela nomeação. São muitos os casos de aspirantes a comissários e familiares que escreviam ao tribunal mostrando-se preocupados com suas reputações e relatando as fricções sociais agravadas pela tardança do provimento tão desejado.

João Dias, mercador no Corpo Santo, em Lisboa, por exemplo, esperava ser familiar daquela Inquisição desde que fez petição em 1684, mas o fato de ser “infamado continuamente de ter raça de cristão-novo” jogou por terra sua pretensão. Narrando o drama doméstico que a tardança de sua nomeação implicava, apelaria ao tribunal expondo

[...] a grande aflição que padece em se lhe dilatar o despacho de uma petição que tem feito ao tribunal do Santo Ofício para ser familiar dele, porquanto da dilação se segue confirmar-se o labéu que algumas pessoas por ódio inconstante lhe opõem e também um grande perigo de lhe lançarem fora uma neta que tem no mosteiro de Santa Anna da dita cidade para lhe dar o estado de religiosa dele por estar findo o tempo que lhe dera para apurar a sua limpeza (ANTT, TSO, CG, Habilitações Incompletas, doc. 2496).

A ânsia do mercador de alcançar a habilitação inquisitorial e provar a limpeza de sangue da família e assim salvar a vida conventual de sua sobrinha seria frustrada, pois ele terminou rejeitado por despacho dos inquisidores de Lisboa naquele mesmo ano.

Morador em Ponte Delgada, nos Açores, Lázaro Manuel da Câmara Estrela solicitou a familiatura no ano de 1765, mas, passados quase dois anos, por não ver chegar sua desejada carta, escreveu ao tribunal queixando-se da delonga no desfecho de seu pedido. Argumentava ser de limpo sangue e muito respeitado em sua terra, e que “com a dita demora padece o suplicante na sua fama, em razão de se ter divulgado na dita ilha como nesta corte a dita súplica e não o verem como a mercê suplicada, sendo das principais pessoas da dita ilha” (ANTT, TSO, CG, Habilitações Incompletas, doc. 3575). Antônio Coelho, morador em Évora no ano de 1752, escrevia ao Conselho pedindo confirmação no posto de homem da vara da Inquisição daquela cidade. Alegava que a demora de tantos meses em passar-lhe a carta de provimento gerava imenso prejuízo, pois, além de desautorizar o meirinho que o nomeou para o dito cargo que havia ficado vago, ficava “entendido na dita cidade aonde é pública a sua pretensão que a não conseguiu por ter, ou a sua mulher, algum defeito no sangue” (ANTT, TSO, CG, Habilitações Incompletas, doc. 273). Mesma situação foi a de Antônio Duarte Pimenta, livreiro em Lisboa, que na altura do ano de 1743 reclamou ao tribunal a morosidade de quase dois anos em torná-lo familiar, o que fazia, segundo o pretendente, “padece(r) grande detrimento com seu crédito com a demora” (ANTT, TSO, CG, Habilitações Incompletas, doc. 331). Também foi assim no pleito a familiar do capitão Cipriano da Silva Rocha, reinol que vivia em Luanda, Angola. Depois de peticionar o posto de agente laico em 1720, escreveu a Lisboa demostrando ansiedade e queixando-se da tardança em receber a insígnia inquisitorial, declarando que “ainda que maior seja sua despesa, a todo custo pretende se habilitar e não duvidará fazer todo o depósito necessário” (ANTT, TSO, CG, Habilitações Incompletas, doc. 1120). Por fim, outro caso categórico é o enredo da candidatura de Cristóvão do Amaral Monteiro. Ao longo de sete anos, entre 1733 e 1740, este pretendente escreveria impressionantes seis vezes ao Santo Ofício suplicando pela carta de familiar da Inquisição de Coimbra. Alegava que “diversas vezes tem recorrido a benignidade de Vossa Eminência sem saber a causa da demora do seu despacho”, e recorria então à piedade do inquisidor-geral “para que o livre sendo hábil o labéu que lhe segue de não ser despachado pelo Santo Tribunal” (ANTT, TSO, CG, Habilitações Incompletas, doc. 1150). Para seu infortúnio, sua candidatura ficaria obstruída em razão da cristã-novice de sua esposa.

Episódios como estes, em que os candidatos impedidos peticionavam repetidamente a ocupação almejada, implorando por urgência no provimento e expondo os danos sociais gerados em virtude da tardança de suas nomeações, indicam o peso da reconhecida capacidade classificatória da Inquisição e o papel que o prestigioso lastro das habilitações cumpria nos conflitos locais de poder. Sua busca era claramente motivada pela expectativa de mitigar as beligerâncias da vida cotidiana e dão bem a medida do que representava a candidatura a um cargo do tribunal: vontade de redenção da honra, mas também um grande risco à reputação, caso o processo de habilitação não corresse de forma breve e sem maiores instabilidades.

Conhecidos de perto alguns dos enredos mais usuais desta documentação, este estudo privilegiará a partir daqui a abordagem macro das fontes. Este foco metodológico mais abrangente permitirá a estruturação estatística das habilitações incompletas, revelando a distribuição temporal e espacial dos papéis da subsérie e apontando tendências mais generalistas acerca da rejeição na carreira inquisitorial.

A distribuição das “Habilitações Incompletas” no tempo e no espaço

Diante da necessidade de sistematizar a compreensão das múltiplas dinâmicas administrativas e dos enredos que os manuscritos depositados na subsérie Habilitações Incompletas testemunham, foi criado um banco de dados que pudesse registrar estatisticamente as informações destas fontes e assim tipificar as rotinas processuais. Ao longo de quatro anos, ele foi alimentado, de um lado, com informações das datas de início e fim de tramitação, presentes nos catálogos digitais do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, e, de outro, com informações de localidade de residência, coletadas a partir da consulta um a um dos manuscritos de toda a subsérie.

Para arrolar tais informações, a estruturação dos campos deste banco de dados se deu da seguinte maneira: a) número da cota do processo; b) século de tramitação do processo no tribunal; c) ano da entrada da petição no tribunal; d) ano de encerramento/interrupção do processo; e) se é possível conhecer o local de moradia do solicitante; f) se sim, qual o local (reino, América portuguesa, África, Ásia ou outro); e g) se a petição foi feita por um residente na América portuguesa, em qual capitania o solicitante residia.

As informações sistematizadas e apresentadas a seguir acerca do período de tramitação - intervalo entre a data de abertura do processo de habilitação, que tinha início com o registro da petição enviada pelos candidatos, e a data de encerramento, marcada pelo último trâmite administrativo registrado pelo tribunal -, e também do local de residência dos peticionantes, são fruto do levantamento censitário das 5.428 cotas documentais, isto é, são referentes a todos os processos depositados na subsérie documental. Os dados tabulados no Quadro 1 dão a dimensão em números totais e em percentuais por século em que as habilitações incompletas tramitaram ao longo da história do Santo Ofício.

Quadro 1
Relação entrada/encerramento por século

Como se pode observar no Quadro 1, os números totais dos processos alocados na subsérie indicam que a tramitação das habilitações incompletas teve início ainda em fins do século XVI, seguiu em ritmo contido ao longo do século XVII e, no terço final desta centúria, começou a inflacionar. A cadência da tramitação alcançaria sua maior intensidade durante o século XVIII, chegando ao seu ápice entre as décadas de 1730 e 1770. Após as reformas régias ocorridas em fins da década de 1760 e começo da década de 1770, especialmente com o fim dos estatutos de limpeza de sangue em Portugal em 1773, o ritmo de tramitação dos processos da subsérie descenderia drasticamente, até a extinção do Tribunal do Santo Ofício no início da terceira década do século XIX. A seguir, o Gráfico 1 demonstra visualmente as curvas de ascensão e declínio. É interessante notar que, de modo geral, os picos e ocasos das entradas das habilitações incompletas vão ao encontro dos índices de habilitações de familiares do Santo Ofício expedidas para o Brasil e para Lisboa, como se pode observar pelos dados arrolados por José Veiga Torres (1994TORRES, José Veiga. “Da repressão à promoção social: A inquisição como instância legitimadora da promoção social da burguesia mercantil”. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 40, 1994.) (Gráfico 2). Assim, os indícios apontam para a constatação de que a aprovação ou a rejeição no Santo Ofício tendiam a seguir ritmos afins, ambos marcados pelo nível de procura pelos provimentos inquisitoriais ao longo da história da instituição. Dito de outra maneira, provavelmente se rejeitou e se aprovou mais ou menos porque, grosso modo, a busca por cargos foi maior ou menor. No entanto, não dispomos de dados precisos o suficiente para assegurar conclusivamente tal hipótese. Seria necessária uma análise qualitativa de todas as habilitações incompletas para diagnosticar as que, de fato, são fruto da reprovação, o que, naturalmente, foge aos limites deste estudo.

Gráfico 1
Registro de aberturas de “Habilitações Incompletas”

Gráfico 2
Familiares do Santo Ofício habilitados pela Inquisição portuguesa

Gráfico 3
Registros de aberturas de “Habilitações Incompletas” para todo o Império português - por ano

A representação gráfica que ilustra o início de tramitação das habilitações incompletas ano a ano (Gráfico 3) identifica os momentos de maior e menor registro das petições que terminariam sem parecer favorável ao provimento. Assim como no caso dos índices globais das familiaturas expedidas levantados por Torres (1994TORRES, José Veiga. “Da repressão à promoção social: A inquisição como instância legitimadora da promoção social da burguesia mercantil”. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 40, 1994.), a década de 1670 é o marco inicial de ascendência das tramitações das habilitações incompletas; coincide também com o período de ocaso, no último terço do século XVIII. Já a interpretação explicativa de alguns picos específicos de alta ou de baixa tramitação, talvez não seja missão empiricamente exequível. Isto porque um sem-número de variáveis circunstanciais pode ter condicionado tais ocorrências. O trabalho administrativo acumulado, por exemplo, pode ter sido executado em um momento específico ou ainda ser fruto de uma demanda de candidaturas represada. Apesar disso, parece plausível considerar que os picos bastante fora da curva de crescimento nos anos de 1706 e 1707, por exemplo, possam materializar uma mudança de rotina institucional ocorrida em razão da morte do inquisidor-geral D. José de Lencastre em 13 de setembro de 1705 e de sua substituição por D. Nuno da Cunha de Ataíde e Melo, em 30 de julho de 1707; ou, ainda, um rearranjo de forças políticas estimulado pela coroação de D. João V em janeiro de 1707. Já o caso da queda abrupta de registros de entradas do ano de 1755 em relação aos seguintes, muito provavelmente pode ser explicado pelas circunstâncias desfavoráveis à vida da população de Lisboa após o terremoto de 1º de novembro de 1755, e também pelas implicações na rotina de trabalho que a tragédia gerou no Santo Ofício. Como é sabido, o Palácio dos Estaus, que sediava o Conselho Geral e a Inquisição daquela cidade, sofreu sérios danos estruturais na ocasião, obrigando o tribunal a construir no Rossio uma acomodação interina de madeira para ali funcionar enquanto se reedificava sua antiga sede (Rijo, 2016RIJO, Delminda M. Miguéns. “Palácio dos Estaus de Hospedaria Real a Palácio da Inquisição e Tribunal do Santo Ofício”. Cadernos Municipais. Lisboa: CML, 2016.). Esta circunstância seguramente afetou o ritmo dos trabalhos administrativos da instituição, sendo passível de registro estatístico a partir do encolhimento no número de petições que aconteceria nos anos seguintes.

Já o Gráfico 4, onde se expõem os registros de fim de tramitação de habilitações incompletas ano a ano, apresenta um índice inflacionário incomum para os anos de 1769 e 1770. Ao longo do decurso da alimentação do banco de dados foi possível perceber que havia uma vertiginosa incidência de encerramentos administrativos especificamente nestes anos, em frequência estatística muito acima da usual para outros anos, como se nota no gráfico em questão. Além disso, saltam aos olhos os longos intervalos entre o início e o fim da tramitação dos processos neste interstício, rigorosamente fora da média. Estas constatações estatísticas indicam a ocorrência de uma circunstância atípica nos trabalhos administrativos da instituição.

Gráfico 4
Registros de encerramento de “Habilitações Incompletas” para todo o Império português - por ano

A fim de identificar e compreender este pico inusual, foi feita uma análise qualitativa das habilitações encerradas nestas datas específicas, o que permitiu identificar que, nesse período de protagonismo político de Sebastião José de Carvalho e Melo, os tribunais distritais realizaram ao longo de dois anos um procedimento de reabertura de antigos processos que haviam ficado estacionados em virtude de algum óbice regimental incidente sobre os candidatos. O que se percebeu foi que, na reabertura de antigas candidaturas, se empreendia uma nova análise das condições dos pretendentes, agora à luz das novas diretrizes políticas que vigoravam no Estado português naquele momento. Embora, por razões de espaço, não seja possível aprofundar aqui as questões atinentes a este episódio, a constatação desta ação administrativa no Conselho Geral do Santo Ofício revela em boa medida o quanto a Inquisição, depois de elevada à condição de tribunal régio em 1769, passou por fortes interferências do poder monárquico e esteve a serviço dos ímpetos de governação do reformismo empreendido no reinado josefino.

No que tange ao local de moradia dos pleiteantes, a recolha global de dados permitiu levantar registros para 5.415 peticionantes, o que corresponde a 99,76% do total de habilitações incompletas. Não foi possível identificar esta informação para apenas 13 casos em virtude da impossibilidade de acesso arquivístico a tais documentos, situação que corresponde a 0,23% do total de processos acondicionados na subsérie. Do montante para o qual temos dados sobre o local de moradia, os residentes no reino configuram 4.362 processos, ou seja, mais de 80% dos peticionantes. O fato de o reino ser o território de origem da esmagadora maioria destes documentos explica-se por ser a sociedade metropolitana mais próxima das instituições normatizadoras da ordem social e, assim, radicalmente mais ressoante quanto aos valores do Antigo Regime, isto é, a que mais valorizava os mecanismos de distinção e prestígio oferecidos pela Inquisição. Deste modo, devido a maior procura, os índices do reino serão os maiores em tudo nos provimentos inquisitoriais: os maiores peticionantes, os mais aprovados e os mais rejeitados. Para os territórios coloniais lusitanos, a distribuição se dá de maneira a retratar a ordenação das frentes de colonização portuguesa a partir de fins do século XVII: os moradores na América portuguesa conformam 982 habilitações incompletas, que são pouco mais de 18% do total; cifras estas bem mais expressivas do que as de Goa, na Índia, que tem apenas 34 processos dentro da subsérie. São também números mais significativos que os dos residentes nos territórios coloniais do continente africano, que somados totalizam 33 processos, sendo a maior parte de viventes em Angola; para a África há ainda habilitações incompletas de moradores em Cabo Verde, em Moçambique, no Marrocos - na cidadela portuguesa de Mazagão -, e na ilha de São Tomé. Por fim, constam quatro cotas processuais oriundas de peticionantes de outras ­localidades fora dos domínios de Portugal, predominantemente de lusitanos residentes no reino de Castela ou na América espanhola, que, por não viverem em território de jurisdição da Inquisição portuguesa, não poderiam ser providos para servir ao Santo Ofício. O Quadro 2 sistematiza estas informações.

Quadro 2
Locais de residência dos peticionantes

Como apontado, o fato de a América portuguesa ser, de longe, o território ultramarino lusitano com maior incidência de habitações incompletas - seria também para as habilitações expedidas, como se percebe na comparação dos dados arrolados nas pesquisas de Silva (2004SILVA, Felipa Ribeiro. “A Inquisição na Guiné, nas ilhas de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe”. Revista Lusófona de Ciência das Religiões, n. 5-6, p. 157-173, 2004.) e Rodrigues (2011RODRIGUES, Aldair C. Limpos de sangue: familiares do Santo Ofício, Inquisição e sociedade em Minas colonial. São Paulo: Alameda, 2011.) -, endossa a importância e a afluente cadência do empreendimento colonial português no Novo Mundo, consolidando, a partir das décadas finais do Seiscentos, o eixo do Atlântico como o foco de exploração, em detrimento, especialmente, do Pacífico (Boxer, 1969BOXER, Charles R. O Império marítimo português (1415-1825). Lisboa: Edições 70, 1969.; Subrahmanyam, 1994SUBRAHMANYAM, Sanjay. O Império Asiático Português (1500-1700). Lisboa: Difel, 1994.; Alencastro, 2000ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.; Souza, 2006SOUZA, Laura de Mello e. O sol e a sombra: política e administração na América portuguesa do século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras , 2006.). Os Gráficos 5 e 6 mostram a frequência de abertura e encerramento destes processos para a América portuguesa ao longo dos anos.

Gráfico 5
Registros de aberturas de “Habilitações Incompletas” para a América portuguesa - por ano

Gráfico 6
Registros de encerramentos de “Habilitações Incompletas” para a América portuguesa - por ano

Explorando a distribuição dos processos pelo território da América, fica latente como estas provisões eram buscadas por moradores dos principais eixos de ocupação colonial. O Quadro 3 permite a observação sistemática das nuanças estatísticas de distribuição das habilitações incompletas por local de moradia do Brasil colonial.

Quadro 3
“Habilitações Incompletas” da América portuguesa distribuídas por localidade

Para se conhecer melhor os enredos das habilitações incompletas do Brasil, cabe aqui aproximar a escala de observação. A primeira habilitação incompleta de um residente na América seria a de João Franco Angra, morador no Recife, que tramitou entre os anos de 1674 e 1676. Foi interrompida por ter falecido o pretendente durante o andamento dos trâmites (ANTT, HSO, CG, Habilitações Incompletas, doc. 2572). Já o primeiro habilitando do Brasil efetivamente reprovado na carreira inquisitorial seria o padre Manuel Lopes de Araújo, em 1688. Era natural de Braga e também residia em Pernambuco, tendo ficado sem a comissaria por que havia na localidade onde morava um aspirante mais qualificado para tal cargo: um cônego e deão da Sé pernambucana estava se habilitando para o posto, enquanto ele, candidato, não tinha “dignidade alguma que dê mais autoridade a este título” (ANTT, HSO, CG, Habilitações Incompletas, doc. 4272). Neste período, até fins do século XVII, a política de nomeações para agentes inquisitoriais seria bastante contida, tendo havido uma clara ação do Santo Ofício para que se concedesse provimento a candidatos prioritariamente residentes em regiões consideradas carentes de colaboradores e se privilegiassem os sacerdotes mais bem formados e empregados em cargos eclesiásticos de maior autoridade. Já a última habilitação incompleta de um residente do Brasil a tramitar foi a do jovem baiano Manuel José de Faria Junior, natural e residente na freguesia da Conceição da Praia. Com 14 anos de idade em 1806, ano em que peticionou a medalha de familiar, o moço ainda vivia sobre o pátrio domínio e era sócio de seu pai nos negócios. Seu processo de habilitação terminaria definitivamente abortado em 1814, nos anos finais de existência do Tribunal do Santo Ofício, em razão, pelo que tudo indica, da absoluta falta de notícias sobre sua avó materna, que foi residente em Olinda (ANTT, HSO, CG, Habilitações Incompletas, doc. 4241).

Na disposição estatística das habilitações incompletas do Brasil colonial, a capitania que teria maior índice de ocorrências seria a da Bahia, região que foi a gênese do empreendimento colonial e que por muito tempo foi a principal praça mercantil e sede do governo português na América. Em seguida viria a capitania de Minas Gerais, formada no século XVIII ao ritmo da descoberta do ouro, atividade que estabeleceu de forma contundente a experiência da vida urbana na América portuguesa e que drenou para si largos contingentes populacionais ao longo do Setecentos. O Rio de Janeiro, principal porto da região centro-sul da colônia, apareceria logo em seguida em terceiro lugar, seguido por Pernambuco, em quarto. Estas duas capitanias também corresponderam a importantes praças mercantis na América, onde o interesse pela distinção social se faria sentir mais intensamente.

Esta distribuição guarda semelhanças com a disposição percentual das habilitações de familiares do Santo Ofício da América portuguesa no século XVIII levantadas por Aldair Rodrigues, que, consultando o livro de registro de provisões da Inquisição de Lisboa, identificou o total de 1.907 nomeações para viventes no Brasil. O trabalho deste autor revelou que a capitania que mais teve agentes nomeados foi a do Rio de Janeiro, com 529, seguida por Bahia, com 460 provimentos, Minas Gerais, com 447, e Pernambuco, com 318 (Rodrigues, 2011, p. 150). De tal modo, ainda que tenham proporções diferentes, as quatro principais regiões da América portuguesa com mais agentes laicos nomeados são as mesmas que têm as maiores incidências de habilitações incompletas. A imensa massa documental e os limites deste artigo não permitem a análise mais vertical das habilitações incompletas para se desvendar quais índices de candidatos efetivamente reprovados teve cada uma destas capitanias, como fiz para a capitania de Minas Gerais em outro trabalho.7 7 Explorando verticalmente as 189 habilitações incompletas de moradores de Minas Gerais identifiquei que 94 processos tiveram os trâmites interrompidos em virtude da ocorrência de algum óbice regimental; isto é, 49,8% do total das habilitações incompletas de moradores desta capitania tiveram desfecho de reprovação. Os principais motivos de óbice foram: ascendência cristã-nova (32%), ter filhos mulatos (19,2%), ter mau procedimento (10,6%) e incidência em mais de um impeditivo (12,8%). Ver Lopes (2021). No entanto, os números de familiaturas expedidas e a quantidade de habilitações incompletas referentes ao Brasil sugerem uma distância menor na relação aprovados/rejeitados para os residentes nesta região. Pensando em níveis de proporção e porcentagem, é plausível que tenha havido maior número de candidatos rejeitados do que aprovados na América portuguesa quando se estabelece a comparação com o reino. Isso poderia ser explicado pela forma como a Inquisição, instituição metropolitana, ao cumprir seu papel de examinadora e ratificadora da honra pública, conceituou o “viver em colônias”. Como bem demonstrou Claudia Damasceno, residir nas colônias era mais desonroso e tornava-se um complicador na busca por distinção social (Fonseca, 2011FONSECA, Claudia Damasceno. Arraiais e vilas del Rei: espaço e poder nas Minas setecentistas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.). O espaço colonial acomodaria os códigos normativos do modo singular, edificando uma sociedade de matizes e nuanças próprias, sendo marcada principalmente pela presença generalizada da escravidão.

Nos Gráficos 7 e 8 são indicadas as representações gráficas de tempo e espaço das habilitações incompletas do Brasil colonial distribuídas por capitania.

Gráfico 7
- Registros de aberturas de “Habilitações Incompletas” oriundas da América portuguesa - capitanias mais frequentes

Gráfico 8
- Registros de aberturas de “Habilitações Incompletas” oriundas da América portuguesa - regiões menos frequentes

Minas Gerais terá todas as suas habilitações incompletas tramitando exclusivamente no Setecentos. Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco tiveram habilitações incompletas correndo do século XVII ao XIX. São Paulo também terá processos com expedientes administrativos acontecendo nos três séculos, mas com índices bem inferiores aos daquelas capitanias. É interessante notar que Pernambuco foge da tendência geral da curva de ocorrência e terá seu pico de tramitação no último quarto do século XVIII, índice que se repete para as habilitações de familiares do Santo Ofício expedidas. Esta informação denota uma característica regional no que se refere ao interesse pelas habilitações inquisitoriais, marcada provavelmente por um habitus singular dos grupos privilegiados daquela capitania, que mesmo com o fim legal da limpeza de sangue no Império português a partir de 25 de maio de 1773, continuariam por algum tempo enxergando na habilitação um artifício valoroso para se distinguir na sociedade pernambucana.8 8 Para conhecer melhor a relação da sociedade pernambucana com os provimentos do Santo Ofício ver: Wadsworth (2008). Seu enredo é exemplo categórico de como os valores do Antigo Regime tiveram lastros irregulares e foram apropriados de maneiras distintas nos diferentes espaços de domínio territorial lusitano.

Por fim, para vislumbrarmos em dimensão global os processos de habilitação do Santo Ofício, vale um último dado estatístico. Em números atuais, o fundo do Tribunal do Santo Ofício no Arquivo Nacional da Torre do Tombo contabiliza pouco mais de 25 mil processos de habilitação para os mais diversos cargos da Inquisição portuguesa ao longo de sua história. Já os processos que compõem as Habilitações Incompletas se aproximam, como vimos, da cifra de 5,5 mil cotas processuais. Se compararmos proporcionalmente estes números, chega-se à média simplificada de que a cada cinco habilitações expedidas uma ficou incompleta.

Considerações finais

Por meio de uma análise metodológica global e sistêmica dos 5.428 processos alocados na subsérie Habilitações Incompletas do Tribunal do Santo Ofício, esta investigação buscou responder de maneira compendiada como, por que e quando peticionantes dos postos colaborativos da Inquisição portuguesa tiveram seus pleitos indeferidos. A respeito do modo operacional em que se davam as negativas, isto é, os caminhos administrativos da reprovação, foi possível identificar tendências mais claras da gestão institucional, com momentos de maior apego aos valores doutrinários do Antigo Regime, e outros de certa distensão, marcados pela variação das condições endógenas e exógenas ao tribunal ao longo de sua história. Desde a absoluta aversão ao rumor de mácula cristã-nova em fins do século XVII, passando por uma maior capacidade e disposição investigativa no auge das nomeações, em meados do Setecentos, até chegar ao desmonte de uma série de critérios excludentes durante a época pombalina, a engrenagem da rejeição na carreira inquisitorial seria reequacionada no fazer cotidiano da instituição, mas também das metamorfoses sociais e políticas de Portugal. Assim, como se viu, a prática do exercício normatizador da Inquisição não foi estanque, mas dinâmica e bem mais fluida do que os regimentos inquisitoriais podem fazer crer. Como procurei demonstrar, durante o longo período de 134 anos em que vigorou o regimento de 1640, claros ajustes foram feitos na pragmática do recrutamento de agentes, tanto no que diz respeito aos fluxos da rotina administrativa quanto aos critérios de exclusão. Por isso, a compreensão da historicidade dos regimes simbólicos do provimento inquisitorial passa necessariamente pela análise dos processos de habilitação indeferidos.

Outro ponto de interesse deste estudo era compreender como se deu a distribuição no tempo e no espaço da documentação contida na subsérie documental aqui escrutinada. No tocante à cronologia, a abordagem holística destes documentos revelou que a partir do último terço do século XVII ascenderia o volume de tramitação das habilitações incompletas, e a partir do último terço do Setecentos declinaria, dados estes que coincidem com as cifras das familiaturas expedidas (Torres, 1994TORRES, José Veiga. “Da repressão à promoção social: A inquisição como instância legitimadora da promoção social da burguesia mercantil”. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 40, 1994.). Assim, é possível inferir que os períodos com maior rejeição de candidaturas no Santo Ofício tendem a ser também os de maior número de nomeações. Em outras palavras, os índices de aprovação e reprovação na carreira inquisitorial possivelmente caminharam em paralelo, seguindo tendências comuns, marcadas, essencialmente, pela procura do acesso às insígnias inquisitoriais, socialmente consideradas um valimento precioso no mercado distintivo da sociedade portuguesa. Futuras pesquisas poderão ratificar a validade desta hipótese ou identificar contextos específicos em que a relação aprovação versus reprovação fuja desta tendência. No que diz respeito à distribuição espacial destes processos pelos territórios que compunham o Império, foi possível diagnosticar também o protagonismo dos reinóis - pouco mais de 80% do total - dentre os peticionantes que tiveram processos de habilitação inconclusos, frequência quatro vezes maior que a dos residentes na América portuguesa. Este dado vai ao encontro do perfil de expedição de familiaturas levantados por José Veiga Torres (1994), aspecto que reitera o maior interesse e sensibilidade da sociedade metropolitana diante de insígnias de distinção social. Também endossa este argumento a distribuição geográfica destas habilitações oriundas do Brasil colônia. A apuração dos dados de origem regional das habilitações incompletas provenientes da América revelou que as capitanias que tiveram maior incidência foram as da Bahia, de Minas Gerais, do Rio de Janeiro e de Pernambuco, ou seja, os principais centros econômicos e urbanos da colônia lusoamericana, repetindo as quatro regiões do Brasil com maiores ocorrências de habilitações do Santo Ofício expedidas, conforme Rodrigues (2011RODRIGUES, Aldair C. Limpos de sangue: familiares do Santo Ofício, Inquisição e sociedade em Minas colonial. São Paulo: Alameda, 2011.).

Por este trabalho priorizar o manejo integral da larga massa documental de toda a subsérie, não seria viável escrutinar uma a uma das habilitações incompletas para identificar quantas são frutos de reprovações deliberadas. No entanto, as cifras aqui apresentadas apontam tendências claras. Novas investigações, com focos de escala mais reduzidos, poderão aprofundar as análises destes processos e trazer cores mais definidas para os índices de reprovação de candidaturas oriundas de diferentes regiões do Império português. Estes avanços permitirão aos historiadores dedicados ao estudo da Inquisição e, de modo especial, da mobilidade social, praticar um exercício metodológico ainda pouco usual nesta tradição historiográfica: lançar luz sobre os que falharam no acesso à carreira inquisitorial e analisar a distinção a contrapelo, partindo do prisma do fracasso.

Referências

  • ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
  • BRAGA, Isabel Drumond. “A mulatice como impedimento de acesso ao ‘Estado do Meio’”, O espaço atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades. Actas Lisboa: Instituto Camões, 2008.
  • BOXER, Charles R. O Império marítimo português (1415-1825) Lisboa: Edições 70, 1969.
  • CALAINHO, Daniela Buono. Agentes da Fé: Familiares da Inquisição Portuguesa no Brasil colonial Bauru: Edusc, 2006.
  • FARINHA, Maria do C. J Dias. Os arquivos da Inquisição Lisboa: ANTT - Serviço de Publicações e Divulgação, 1990.
  • FEITLER, Bruno. “Hierarquias e mobilidade na carreira inquisitorial portuguesa: a centralidade do tribunal de Lisboa”. In: MONTEIRO, Rodrigo B. et al. Raízes do privilégio: mobilidade social no mundo ibérico do Antigo Regime Rio de Janeiro: Record, 2011, p. 235-258.
  • FEITLER, Bruno. “Hierarquias e mobilidade na carreira inquisitorial portuguesa: critérios de promoção”. In: LOPES-SALAZAR, Ana I., OLIVAL, Fernanda; FIGUERÔA-REGO, João de (Orgs.). Honra e sociedade no mundo ibérico e ultramarino: Inquisição e ordens militares, séculos XVI-XIX Lisboa: Caleidoscópio, 2013, p. 107-128.
  • FONSECA, Claudia Damasceno. Arraiais e vilas del Rei: espaço e poder nas Minas setecentistas Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.
  • LAHON, Didier. Esclavage et confréries noires au Portugal durant l’Ancien Régime (1441-1830). Tese (Doutorado). École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, 2001.
  • LOPES, Bruno. A Inquisição em terra de cristãos-novos. Arraiolos 1570-1773 Lisboa: Apenas Livros, 2013.
  • LOPES, Luiz Fernando R. Vigilância, distinção e honra: Inquisição e dinâmica dos poderes locais nos sertões das Minas setecentistas Curitiba: Ed. Prismas, 2014.
  • LOPES, Luiz Fernando R. Indignos de servir: os candidatos rejeitados pelo Santo Ofício português (1680-1780). Tese (Doutorado em História). Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, 2018.
  • LOPES, Luiz Fernando R. “Os que fracassaram: os candidatos rejeitados pelo Santo Ofício em Minas Gerais colonial”. Locus: Revista de História, v. 27, n. 1, p. 203-28, 2021. DOI: https://doi.org/10.34019/2594-8296.2021.v27.31898.
    » https://doi.org/10.34019/2594-8296.2021.v27.31898
  • MARCOCCI, Giuseppe; PAIVA, José Pedro História da Inquisição Portuguesa - 1536-1821 Lisboa: A Esfera Livros, 2013.
  • MONTEIRO, Lucas M. A Inquisição não está aqui? A presença do tribunal do Santo Ofício no extremo sul da América portuguesa, 1680-1821 Jundiaí: Paco Editorial, 2015.
  • NOVINSKY, Anita. “A igreja no Brasil colonial: agentes da inquisição”. Anais do Museu Paulista, São Paulo, n. 33, p. 17-34, 1984.
  • RIJO, Delminda M. Miguéns. “Palácio dos Estaus de Hospedaria Real a Palácio da Inquisição e Tribunal do Santo Ofício”. Cadernos Municipais Lisboa: CML, 2016.
  • RODRIGUES, Aldair C. Limpos de sangue: familiares do Santo Ofício, Inquisição e sociedade em Minas colonial São Paulo: Alameda, 2011.
  • SILVA, Felipa Ribeiro. “A Inquisição na Guiné, nas ilhas de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe”. Revista Lusófona de Ciência das Religiões, n. 5-6, p. 157-173, 2004.
  • SIQUEIRA, Sônia A. “Os Regimentos do Santo Ofício”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, ano 157, n. 392, p. 495-1020, 1996.
  • SOUZA, Grayce M. B. Para remédio das almas: comissários, qualificadores e notários da Inquisição portuguesa na Bahia Colonial (1692-1804) Vitória da Conquista: Edições Uesb, 2014.
  • SOUZA, Laura de Mello e. O sol e a sombra: política e administração na América portuguesa do século XVIII São Paulo: Companhia das Letras , 2006.
  • SUBRAHMANYAM, Sanjay. O Império Asiático Português (1500-1700) Lisboa: Difel, 1994.
  • TORRES, José Veiga. “Da repressão à promoção social: A inquisição como instância legitimadora da promoção social da burguesia mercantil”. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 40, 1994.
  • VAQUINHAS, Nelson. Da comunicação ao sistema de informação: o Santo Ofício e o Algarve (1700-1750) Lisboa: Colibri/CIDEHUS-UÉ, 2010.
  • WADSWORTH. James E. Agents of Ortodoxy: Inquisitorial and prestige in colonial Pernambuco, Brazil New York; Lanham, Maryland: Rowman and Littlefield Publishers, 2008.
  • 1
    Este artigo apresenta análises aprimoradas e dados revistos e ampliados de minha tese de doutoramento (Lopes, 2018LOPES, Luiz Fernando R. Indignos de servir: os candidatos rejeitados pelo Santo Ofício português (1680-1780). Tese (Doutorado em História). Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, 2018.).
  • 2
    Cota arquivística: Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações Incompletas. Para consulta on-line dos catálogos da subsérie no site Digitarq, ver o seguinte código de referência: PT/TT/TSO-CG/A/008-002.
  • 3
    ANTT, TSO, CG, Habilitações de Mulheres. Esta subsérie apresenta 86 processos de mulheres casadas ou para casarem com ministros inquisitoriais, quase sempre familiares do Santo Ofício. Há ainda uma pequena parcela de habilitações para servirem como amas do Paço. Para consulta on-line dos catálogos da subsérie no site Digitarq, ver o seguinte código de referência: PT/TT/TSO-CG/A/008-003.
  • 4
    Cota arquivística: ANTT, TSO, IL, Ministros e Oficiais, Provisões de Nomeação e Termos de Juramento. Para consulta on-line dos livros no site Digitarq, ver o seguinte código de referência: PT/TT/TSO-IL/A/002.
  • 5
    Bruno Feitler analisou a mobilidade na carreira inquisitorial lusitana e os requisitos de promoção do Santo Ofício de forma especial em dois artigos: Feitler (2013FEITLER, Bruno. “Hierarquias e mobilidade na carreira inquisitorial portuguesa: critérios de promoção”. In: LOPES-SALAZAR, Ana I., OLIVAL, Fernanda; FIGUERÔA-REGO, João de (Orgs.). Honra e sociedade no mundo ibérico e ultramarino: Inquisição e ordens militares, séculos XVI-XIX. Lisboa: Caleidoscópio, 2013, p. 107-128., p. 107-128; 2011FEITLER, Bruno. “Hierarquias e mobilidade na carreira inquisitorial portuguesa: a centralidade do tribunal de Lisboa”. In: MONTEIRO, Rodrigo B. et al. Raízes do privilégio: mobilidade social no mundo ibérico do Antigo Regime. Rio de Janeiro: Record, 2011, p. 235-258., p. 235-258).
  • 6
    O rumor de ascendência judaica foi o motivo mais frequente de veto de candidaturas. A análise vertical por amostragem de 10% dos processos constatou a incidência desta circunstância em pelo menos 1/5 das 5.428 habilitações incompletas. Considerando-se apenas os processos de habilitação sem efeito em razão da constatação de algum impeditivo regimental - deixando-se então de fora os que foram interrompidos por circunstâncias fortuitas ou pontuais -, a estimativa é de que cerca de pelo menos 45% de casos abortados ou escusados com despacho do Conselho Geral tiveram final desfavorável por esta razão.
  • 7
    Explorando verticalmente as 189 habilitações incompletas de moradores de Minas Gerais identifiquei que 94 processos tiveram os trâmites interrompidos em virtude da ocorrência de algum óbice regimental; isto é, 49,8% do total das habilitações incompletas de moradores desta capitania tiveram desfecho de reprovação. Os principais motivos de óbice foram: ascendência cristã-nova (32%), ter filhos mulatos (19,2%), ter mau procedimento (10,6%) e incidência em mais de um impeditivo (12,8%). Ver Lopes (2021LOPES, Luiz Fernando R. “Os que fracassaram: os candidatos rejeitados pelo Santo Ofício em Minas Gerais colonial”. Locus: Revista de História, v. 27, n. 1, p. 203-28, 2021. DOI: https://doi.org/10.34019/2594-8296.2021.v27.31898.
    https://doi.org/10.34019/2594-8296.2021....
    ).
  • 8
    Para conhecer melhor a relação da sociedade pernambucana com os provimentos do Santo Ofício ver: Wadsworth (2008).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    02 Out 2020
  • Aceito
    13 Maio 2022
EdUFF - Editora da UFF Universidade Federal Fluminense, Instituto de História, Rua Prof. Marcos Waldemar de Freitas Reis, Bloco O, sala 503, CEP: 24210-201, Tel.: (+55 21)2629-2920, (+55 21)2629-2920 - Niterói - RJ - Brazil
E-mail: tempouff2013@gmail.com