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Esperidião Calisto e o preconceito escolar com base na cor: educação, cidadania e racialização no século XIX (Porto Alegre, Rio Grande do Sul)

Esperidião Calisto and the color prejudice in educational institutions: education, citizenship and racialization in the 19th century (Porto Alegre, Rio Grande do Sul)

Resumo:

Nos primeiros anos do regime republicano brasileiro, logo após a Abolição da escravatura, intelectuais da imprensa negra de Porto Alegre, como Esperidião Calisto, argumentavam que as crianças negras permaneciam segregadas nas escolas em decorrência da permanência de costumes escravistas, o que colocava em xeque as promessas liberais republicanas. Este estudo analisa os efeitos das interdições educacionais a pessoas negras, enfocando suas experiências de vida e lutas pelo direito à educação diante do processo de racialização em curso, entre o fim do Império e o início da República no Brasil. Mais do que demonstrar que, a despeito das interdições, pessoas negras frequentaram espaços formais ou informais de ensino, foca-se nos sentidos que elas atribuíam à instrução e à educação por meio de reflexões registradas na imprensa negra porto-alegrense do final do século XIX.

Palavras-chave:
Educação; Racialização; Imprensa Negra

Abstract:

In the first years of the Brazilian Republican regime, just after the abolition of slavery, black press intellectuals, like Esperidião Calisto, from the southern state capital of Porto Alegre, argued that black children remained segregated at schools as a result of the permanence of pro-slavery customs. The persistent racial division revealed that promises of actual freedom to black people, made by liberal republicans, had failed. Thus, this study analyzes the effects of educational interdictions to black people, focusing on their life experiences and struggles for the right to proper education in face of the racialization process in course over the end of the Monarchy and the beginning of the Republic. By doing so, this approach seeks to demonstrate not only that black people attended both formal and informal educational institutions, but most importantly, that they elaborated their own thoughts on instruction and education.

Keywords:
Racialization; Education; Black Press

Introdução

Persistia na historiografia da educação a concepção de que pessoas negras não frequentavam escolas durante o século XIX, baseada na compreensão de que eram apenas escravizadas e que as leis proibicionistas eram suficientes para afastá-las das instituições de ensino, vistas como elitistas (Barros, 2016BARROS, Surya. Um balanço sobre a produção da história da educação dos negros no Brasil. In: FONSECA, Marcus Vinícius; BARROS, Surya(Orgs.). A história da educação dos negros no Brasil. Niterói: EdUFF, 2016, p. 51-72.). No entanto, sobretudo nas duas últimas décadas, diversos estudos contestam essa assertiva (Silva, 2000SILVA, Adriana. Aprender com perfeição e sem coação: uma escola para meninos pretos e pardos na corte. Plano: Brasília, 2000.; Peres, 2002PERES, Eliane. Templo de luz: os cursos noturnos masculinos de Instrução primária da Biblioteca Pública Pelotense (1875/1925). Pelotas: Seiva Publicações, 2002.; Romão, 2005ROMÃO, Jeruse(Org.). História da educação do negro e outras histórias. Brasília: MEC/ Secad, 2005.; Gondra, Schueler, 2008GONDRA, José; SCHUELER. Alessandra. Educação, poder e sociedade no Império brasileiro. São Paulo: Cortez, 2008.; Fonseca, Barros, 2016FONSECA, Marcus Vinícius. A população negra no ensino e na pesquisa em história da educação no Brasil. In: FONSECA, Marcus Vinícius; BARROS, Surya(Orgs.). A história da educação dos negros no Brasil. Niterói: EdUFF, 2016, p. 23-50.). Simultânea e dialogicamente, pesquisas desenvolvidas nos campos da história social da escravidão, do trabalho, das emancipações e do pós-abolição problematizam a noção de que a população negra estava reduzida apenas à escravidão no século XIX. Dessa maneira, interpreta-se que a existência de vetos legais não era suficiente para afastá-las dos espaços escolares ou impedi-las de se instruírem por outros meios, ainda na vigência da escravidão (Pereira, 2007PEREIRA, Lúcia. Cultura e afrodescendência: organizações negras e suas estratégias educacionais em Porto Alegre (1872-2002). Tese (Doutorado em História), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2007.; Müller, 2013MÜLLER, Liane. As contas do meu rosário são balas de artilharia. Porto Alegre: Pragmatha, 2013.; Silva, 2014SILVA, Noemi. O batismo na instrução: projetos e práticas de instrução formal de escravos, libertos e ingênuos no Paraná provincial. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2014.; Mac Cord, Araújo, Gomes, 2017MAC CORD, Marcelo; ARAÚJO, Carlos; GOMES, Flávio(Orgs.). Rascunhos cativos: educação, escolas e ensino no Brasil escravista. Rio de Janeiro: Sete Letras, 2017.; Pinto, 2018PINTO, Ana Flávia Magalhães. Escritos de liberdade: literatos negros, cidadania e racismo no Brasil oitocentista. Campinas: Editora da Unicamp, 2018.; Perussatto, 2018PERUSSATTO, Melina. Arautos da liberdade: educação, trabalho e cidadania no pós-abolição a partir do jornal O Exemplo de Porto Alegre (1892-1911). Tese (Doutorado), Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2018.).

Além de evidenciar a presença de pessoas negras nas escolas públicas ou instruindo-se por outros meios, interrogamos o que as interdições legais e costumeiras à escolarização de pessoas negras no século XIX revelam sobre os processos de racialização em curso, entre o final do Império e início da República. Tendo em vista as relações, tensões e disputas sociais e políticas, analisamos, pois, os efeitos das interdições educacionais a pessoas negras, enfocando suas experiências de vida e lutas pelo direito à educação. Para tanto, focamos sobretudo nos sentidos que elas atribuíam à instrução e à educação por meio de reflexões registradas na imprensa negra porto-alegrense do final do século XIX. Na esteira da história social, o deslocamento do foco de análise para as agências e experiências nos leva a atentar para as relações dialéticas entre sujeitos e estruturas no movimento da história, compreendendo leis, costumes e práticas como arenas de conflitos entre sujeitos desiguais (Thompson, 1981THOMPSON, E. P. A miséria da teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1981., 1997 e 1998), que encontram na educação um espaço privilegiado de observação (Bertucci, Faria Filho, Oliveira, 2010BERTUCCI, Liane; FARIA FILHO, Luciano; OLIVEIRA, Marcus. Edward P. Thompson: história e formação. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2010.).

Desse modo, o presente artigo tem como fio condutor a trajetória de Esperidião Calisto, um “homem de cor”, nascido livre quando ainda vigorava a escravidão, e um dos fundadores de O Exemplo, jornal da imprensa negra de Porto Alegre (1892-1930). A ênfase recai em seu relato sobre o preconceito racial vivido na escola, ainda na infância, durante o contexto emancipacionista, no intuito de denunciar o “preconceito de cor” como uma persistência de costumes escravistas no pós-abolição e, a partir de tal ação, exigir que a igualdade entre os cidadãos, prevista nas leis liberais republicanas, fosse efetivada.1 1 As expressões entre aspas, como “homens de cor” e “preconceito de cor”, referem-se a termos manejados na imprensa negra.

Marcado pela aprovação da lei n. 2.040, de 28 de setembro de 1871, o inevitável fim da escravidão levou autoridades, classes proprietárias e intelectuais de grandes círculos científicos a mobilizarem ideias de raça para preservar políticas de dominação e hierarquias sociais. Embora com pontos de vista particulares, tais sujeitos e grupos se preocupavam com o destino da população negra livre e a ideia de raça, tanto que concorreram para a racialização de determinados grupos, forjando estigmas e estereótipos associados a características físicas e biológicas (Albuquerque, 2009ALBUQUERQUE, Wlamyra. O jogo da dissimulação: abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.). A despeito das continuidades, a Abolição extinguiu a classificação social baseada no escravismo, e o quase simultâneo processo de instauração do Estado republicano colocou no centro dos debates as definições e o alcance da igualdade e da cidadania no Brasil (Cunha, Gomes, 2007CUNHA, Olívia; GOMES, Flávio. Introdução - que cidadão? Retóricas da igualdade, cotidiano da diferença. In: CUNHA, Olívia; GOMES, Flávio(Orgs.). Quase-cidadão: histórias e antropologias da pós-emancipação no Brasil. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2007, p. 7-19.).

O pós-Abolição, portanto, deve ser compreendido em seus próprios termos. Mais do que uma herança escravista ou uma cronologia, é preciso analisá-lo como um problema histórico no qual racialização, cidadania, trabalho e liberdade se amalgamam e encontram materialidade na atuação política de sujeitos individuais ou coletivos, configurando uma arena de conflitos e disputas em torno de projetos de uma nação pós-escravista e de sociedade republicana (Cooper, Holt, Scott, 2005COOPER, Frederik; HOLT, Thomas; SCOTT, Rebecca. Além da escravidão: investigação sobre raça, trabalho e cidadania em sociedades pós-emancipação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.; Rios e Mattos, 2004RIOS, Ana; MATTOS, Hebe. O pós-abolição como problema histórico: balanços e perspectivas. Topoi, Rio de Janeiro, v. 5, n. 8, p. 170-198, jan./jun. 2004.). Nessa perspectiva, pessoas comuns e grupos de intelectuais, como aqueles reunidos na imprensa negra, também deram movimento à ideia de raça, impondo limites aos projetos de controle e dominação das elites, cujo processo remonta ao contexto escravista (Albuquerque, 2009ALBUQUERQUE, Wlamyra. O jogo da dissimulação: abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.; Pinto, 2018PINTO, Ana Flávia Magalhães. Escritos de liberdade: literatos negros, cidadania e racismo no Brasil oitocentista. Campinas: Editora da Unicamp, 2018.; Perussatto, 2018PERUSSATTO, Melina. Arautos da liberdade: educação, trabalho e cidadania no pós-abolição a partir do jornal O Exemplo de Porto Alegre (1892-1911). Tese (Doutorado), Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2018.; Rosa, 2019ROSA, Marcus. Além da invisibilidade: história social do racismo em Porto Alegre durante o pós-abolição (1884-1918). Porto Alegre: EST, 2019.).

Dessa forma, o artigo foi dividido em três partes. Na primeira, discutimos as relações entre instrução e racialização na imprensa negra do pós-Abolição, partindo de Esperidião Calisto e do jornal O Exemplo, com ênfase em sua denúncia sobre costumes escravistas, como o “preconceito escolar, tendo por base a cor”, nos tempos republicanos. Em seguida, debatemos como as leis e os costumes conformam campos de disputas reveladores de relações de poder e dinâmicas sociais, a partir de um percurso pela legislação provincial, destacando-se o processo de racialização em curso. Por fim, argumentamos que, historicamente, pessoas negras frequentam escolas públicas e constroem meios próprios e coletivos de instrução, especialmente por meio de projetos familiares e experiências associativas, conferindo-lhe valor e sentidos.

Esperidião Calisto e O Exemplo: instrução, cidadania e racialização na imprensa negra do pós-Abolição

Esperidião Calisto nasceu em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, no dia 13 de dezembro de 1864, no seio de uma família livre. Às vésperas de seu 28º aniversário, ao lado de Florêncio, seu irmão mais velho, e de outros seis amigos, fundou o jornal O Exemplo. As reuniões que deram origem ao projeto ocorriam diariamente no interior da barbearia de sua família, o Salão Calisto, localizada na rua dos Andradas, número 247, principal via do centro da capital, e informam uma tradição associativa da população negra da capital. O local serviu de sede ao periódico ao longo de sua primeira fase (1892-1897, somando 194 edições), especificamente em um quarto situado nos fundos do imóvel, cedido por Esperidião. Entre fases e renovações, o jornal existiu até 1930, com cerca de mil números publicados, registrando uma das mais longevas experiências de imprensa negra das Américas (Pinto, 2010PINTO, Ana Flávia Magalhães. Imprensa negra no Brasil do século XIX. São Paulo: Selo Negro, 2010.; Santos, 2011SANTOS, José Antônio dos. Prisioneiros da história: trajetórias intelectuais na imprensa negra meridional. Tese (Doutorado em História), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2011.; Perussatto, 2018PERUSSATTO, Melina. Arautos da liberdade: educação, trabalho e cidadania no pós-abolição a partir do jornal O Exemplo de Porto Alegre (1892-1911). Tese (Doutorado), Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2018.; Rosa, 2019ROSA, Marcus. Além da invisibilidade: história social do racismo em Porto Alegre durante o pós-abolição (1884-1918). Porto Alegre: EST, 2019.).

No manifesto de estreia, seus criadores sintetizaram seu programa como “a defesa de nossa classe e o aperfeiçoamento de nossos medíocres conhecimentos”.2 2 O Exemplo, Porto Alegre, 11 dez. 1892, p. 1. Por meio do repertório intelectual de seu tempo e de seu grau de instrução, buscavam a redenção racial e viam na imprensa um espaço privilegiado para a difusão de seu projeto político e contestação racial. Ao contrário do que diziam os “doutrinários que julgam o homem pela cor da epiderme”, segundo o editorial, demonstrariam que bastava a sujeição do cérebro ao estudo para que negros e brancos se igualassem intelectualmente, dissipando a ideia de inferioridade racial associada à incapacidade cognitiva em prol da compreensão de que derivava tão somente da distribuição desigual e racializada de oportunidades e recursos, como aqueles referentes à escolarização. Era, pois, fundamental deslocar a ideia de raça para o campo das relações sociais e estruturas de poder de modo a, efetivamente, democratizar e qualificar as oportunidades de ensino. Ademais, em sociedades racistas, sujeitos racializados (ou seja, não brancos) tendem a perder sua individualidade e tornar-se representativos do grupo sociorracial, por isso se fazia fundamental conscientizar a população negra sobre a importância de libertar-se do estado de ignorância ao qual ainda estava agrilhoada.

Ao sublinharem no editorial de fundação o desejo de aperfeiçoamento intelectual, e não a simples aquisição de conhecimentos, os fundadores explicitaram que se tratava de um grupo de letrados e não apenas alfabetizados. Segundo um dicionário brasileiro do século XIX, saber escrever correspondia a “formar letras em pena e tinta”, enquanto saber ler significava “pronunciar bem ou mal as palavras de uma escritura”. Já letrado era o “homem de letras, que estudou, que tem estudos”; “‘advogado que defende as causas em Juízo” (Pinto, 1832PINTO, Luiz. Diccionario da Lingua Brasileira. Ouro Preto: Typographia Silva, 1832.). Em outro dicionário, ser letrado significava ser um “homem ciente”; “versado nas letras”; “com ciência”; “com erudição” (Bluteau, 1712-1728BLUTEAU, Raphael. Vocabulário português e latino: áulico, anatômico, arquitetônico...Coimbra: Colégio das Artes da Companhia de Jesus, 1712-1728, v. 5., p. 90). O domínio da leitura e da escrita não significava, portanto, a fluidez pelo mundo letrado, o que os colocava na reduzida parcela de letrados do Império e da emergente República.

Desse modo, em se tratando de uma sociedade profundamente analfabeta, o pertencimento à parcela instruída do grupo sociorracial dos “homens de cor”, forma como se autodenominavam na imprensa negra, foi uma das condições que certamente viabilizou o acesso à condição de arautos de uma ideia e alimentou-lhes o desejo de conduzir seu povo rumo ao que compreendiam como a verdadeira emancipação. Esse processo, contudo, não se deu sem dificuldades, sobretudo na interlocução com a principal audiência e base de sustentação almejada: a população negra. Conforme outras experiências de imprensa negra, as precárias condições de vida e os baixos índices educacionais dificultavam não apenas a interlocução, mas a própria manutenção dos periódicos (Pinto, 2010PINTO, Ana Flávia Magalhães. Imprensa negra no Brasil do século XIX. São Paulo: Selo Negro, 2010.; Gomes, 2005GOMES, Flávio. Negros e política (1888-1937). Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2005.). A longevidade de O Exemplo, nesse sentido, pode ser explicada pela significativa rede de mantenedores e de associações negras em Porto Alegre (Santos, 2011SANTOS, José Antônio dos. Prisioneiros da história: trajetórias intelectuais na imprensa negra meridional. Tese (Doutorado em História), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2011.; Müller, 2013MÜLLER, Liane. As contas do meu rosário são balas de artilharia. Porto Alegre: Pragmatha, 2013.; Perussatto, 2018PERUSSATTO, Melina. Arautos da liberdade: educação, trabalho e cidadania no pós-abolição a partir do jornal O Exemplo de Porto Alegre (1892-1911). Tese (Doutorado), Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2018.).

Os jornalistas de O Exemplo possuíam uma expectativa geracional para a realização do projeto de elevação do grupo sociorracial, depositando sobre as crianças e a mocidade a esperança de um futuro melhor e estimulando adultos e adultas a aderirem ao programa apresentado, educando-os. Ou seja, além da instrução - a aquisição de habilidades intelectuais (ler, escrever e contar) -, visavam a educação - o desenvolvimento de qualidades morais. Por esse motivo, com o passar do tempo, o termo educação passou a abranger a instrução formal e informal. Disso decorreu ainda o esteio do projeto de O Exemplo - o “levantamento” intelectual e moral da população negra - e o fato de que, ao estabelecerem padrões de moralidade a serem alcançados, mais do que se adequar aos valores exigidos pela sociedade de então, teciam políticas de reconhecimento, respeitabilidade e contestação (Gomes, 2005GOMES, Flávio. Negros e política (1888-1937). Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2005.).

O cenário que se descortinou com a Abolição demandou a construção de uma nova imagem sobre o negro, que encontrava nos processos de invisibilidade ou no lugar do desajuste uma barreira racial a ser denunciada, contraposta e superada. Assim, por meio da imprensa, buscou-se construir visibilidades afirmativas e positivas, registrar memórias e pensamentos, participar e pautar projetos políticos de sociedade desde a perspectiva da intelectualidade negra (Gomes, 2005GOMES, Flávio. Negros e política (1888-1937). Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2005.; Pinto, 2010PINTO, Ana Flávia Magalhães. Imprensa negra no Brasil do século XIX. São Paulo: Selo Negro, 2010., 2018PINTO, Luiz. Diccionario da Lingua Brasileira. Ouro Preto: Typographia Silva, 1832.; Müller, 2013MÜLLER, Liane. As contas do meu rosário são balas de artilharia. Porto Alegre: Pragmatha, 2013.; Perussatto, 2018PERUSSATTO, Melina. Arautos da liberdade: educação, trabalho e cidadania no pós-abolição a partir do jornal O Exemplo de Porto Alegre (1892-1911). Tese (Doutorado), Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2018.). Ao se compreenderem como parte da sociedade e rejeitarem os esforços de transformar a população negra como um problema, acabavam por jogar luz sobre as relações e estruturas de poder que os racializavam, processo que passava pela nomeação do branco (“incolor”, “caiado” ou, simplesmente, “branco”) e a descrição de seus privilégios raciais, mesmo no interior da camada popular (Rosa, 2019ROSA, Marcus. Além da invisibilidade: história social do racismo em Porto Alegre durante o pós-abolição (1884-1918). Porto Alegre: EST, 2019.).

Tendo isso em vista, a situação das crianças negras nas escolas (ou fora delas) era pauta constante nas páginas de O Exemplo. O editorial número cinco, de março de 1893, denunciou “o fato de algumas escolas públicas da capital estarem abertamente se recusando a admitir ou limitando o número de matrículas para os estudantes negros”. Além disso, aqueles que conseguiam frequentar as escolas, tornavam-se “alvos de maus-tratos de seus professores”. Diante disso, muitos pais tiravam seus filhos das aulas públicas, gerando outro problema: a existência de crianças negras “atiradas à sociedade de uma ignorância crassa e prejudicial!”.3 3 O Exemplo, Porto Alegre, 8 jan. 1893, p. 1. Por isso, apesar das condições adversas, o editorial insistia na importância de os responsáveis, com coragem e perseverança, persistirem e não deixarem de matricular os filhos. Ante os desestímulos e adversidades, os jornalistas insistiam no bem maior a ser conquistado, a redenção racial, estimulando a permanência das crianças nas escolas.

Entre julho e agosto de 1893, Esperidião Calisto debateu com o colaborador Miguel Cardoso sobre o preconceito de cor na instrução pública. Enquanto Cardoso vislumbrava exemplos de concretização da igualdade, presente no texto das leis republicanas, Calisto sustentava uma opinião comum a outros redatores e colaboradores, qual seja, o fato de a lei não estabelecer o “preconceito da raça” não significava sua inexistência cotidiana. Pelo contrário, deveria servir para reivindicar o tratamento igualitário e não para justificar a ausência de discriminação racial.4 4 O Exemplo, Porto Alegre, 16 jul. 1893, p. 1; 23 jul. 1893, p. 1; 6 ago. 1893, p. 1; 20 ago. 1893, p. 1. Esse debate, conforme Ana Flávia Magalhães Pinto (2010PINTO, Ana Flávia Magalhães. Imprensa negra no Brasil do século XIX. São Paulo: Selo Negro, 2010., p. 172-176), evidencia que pessoas discordarem entre si não anula convergências fundamentais, capazes de sustentar a coesão de um grupo heterogêneo. Ademais, Cardoso e Calisto concordavam sobre a necessidade de ampliação do ensino e da dedicação dos pais, e, para além do jornal, entretinham fortes laços de amizade.

A experiência vivida no tempo escolar, que remonta à década de 1870, foi lembrada por Esperidião Calisto no debate com seu amigo Miguel Cardoso:

Quem escreve essas linhas frequentou a aula primária do primeiro distrito desta capital, dirigida pelo então professor público Rafael Antônio de Oliveira; e que fazia esse funcionário?... Separava-nos para um quarto escuro contíguo à sala, onde estavam os brancos; e [de] lá recebíamos a instrução correspondente à obumbrada luz diurna que exiguamente nos iluminava. Eis aí estabelecido o preconceito escolar, tendo por base a cor, nos afugentando das aulas públicas!5 5 O Exemplo, Porto Alegre, 23 jul. 1893, p. 1.

A rememoração de uma experiência pessoal e coletiva, pois compartilhada com colegas negros, somava-se à condenação da persistência do tempo da escravidão no tempo da liberdade por meio dos costumes. Em artigo alusivo aos cinco anos da Abolição, foi enfático ao dizer que, “na consciência trevosa e torpe dos que mercadejavam com os seus semelhantes[,] sobreveio o preconceito da raça oficialmente instituído, não em leis, mas impregnado nos costumes”. Isso era ainda “mais pernicioso” e “aviltante”, pois, conscientes de serem “livres e bons cidadãos”, viam-se obrigados “a mendigar aos potentados uma ressalva, para[,] com ela no bolso, ampararmos nossa liberdade individual”.6 6 O Exemplo, Porto Alegre, 13 mai. 1893, p. 2.

Desse modo, a despeito das leis republicanas, de fundo liberal, pregarem a igualdade entre os cidadãos, os costumes escravistas sustinham-se sobremodo arraigados nas práticas dos agentes e das instituições, que exigiam o manejo das leis para reivindicar o cumprimento efetivo de seu texto em detrimento de sua interpretação como reflexo imediato da realidade. Afinal, como alertou E.P. Thompson (1998THOMPSON, E. P. Costumes em comum: estudo sobre cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.), lei, costume e prática conformam uma relação dialética, ou seja, uma concorre para a constante conformação, alteração e reprodução da outra. Nesse sentido, embora a lei seja um produto das relações sociais de dominação e resistência, precisa aparentar ser justa para criar aderência no cotidiano das práticas e relações (Thompson, 1997THOMPSON, E. P. Senhores e caçadores: a origem da Lei Negra. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.).

Nesse sentido, é também no cotidiano que, segundo Thomas Holt (1995HOLT, Thomas. Marking: race, race-making, and the writing of history. The American Historical Review, v. 100, n. 1, p. 1-20, fev. 1995.), a “marcação” do outro racial acontece e é naturalizada, ou seja, é na constante interação entre o individual e o global que a racialização surte mais efeito e faz a raça. Ademais, Eduardo Bonilla-Silva (1997)BONILLA-SILVA, Eduardo. Rethinking racism: toward a structural interpretation. American Sociological Review, v. 62, n. 3, p. 465-480, jun. 1997. reivindicou a necessidade de compreensão do racismo como estrutura e estruturante do social e destacou que a contestação racial, promovida por pessoas e grupos racializados, incide sobre as esferas social, política econômica e/ou ideológica, revela disputas de interesses e se expressa em embates por mudanças sistêmicas.

O “preconceito escolar, tendo por base a cor”: instrução e racialização em leis, costumes e práticas do século XIX

Com o objetivo de historicizar a denúncia de Esperidião Calisto, problematizando o processo de incrustação do preconceito de cor nos costumes da sociedade por meio da cultura escolar, reportar-nos-emos à legislação da instrução pública primária do Rio Grande do Sul provincial. Embora não houvesse proibições com base na cor ou raça no texto da lei, quando Esperidião Calisto e seus colegas sofreram com a segregação racial no espaço escolar, contexto em que ainda vigorava a escravidão no Brasil, isso não significa dizer que inexistissem dispositivos legais dessa natureza. Liane Müller (2013MÜLLER, Liane. As contas do meu rosário são balas de artilharia. Porto Alegre: Pragmatha, 2013.), aliás, já percorreu brevemente esse caminho para situar a preocupação com a instrução por associações negras de Porto Alegre, no século XIX, assunto de que falaremos adiante.

Em 19 de dezembro de 1837, no contexto de autonomia provincial decorrente do Ato Adicional de 1834, a recém-fundada Assembleia Provincial criou o Colégio de Artes Mecânicas no Rio Grande do Sul, destinado ao ensino de órfãos pobres expostos e de filhos de pais indigentes, excetuando a admissão de “escravos” (Arriada, Tambara, 2004ARRIADA, Eduardo; TAMBARA, Elomar(Orgs.). Leis, atos e regulamentos sobre educação no período Imperial da província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Brasília: Inepe, 2004., p. 13-14). No dia 22 do mesmo mês e ano, aprovou-se a lei da instrução pública, segundo a qual, além dos “escravos”, proibia-se a frequência de pessoas que “padeciam de moléstias contagiosas”, bem como de “pretos, ainda que livres ou libertos” nos estabelecimentos de ensino (p. 15-20). Tais proibições foram mantidas no regulamento da referida lei, de 15 de março de 1842 (p. 21-40). Ou seja, se a proibição de pessoas portadoras de doenças contagiosas pode ser considerada uma medida profilática, a proibição seguinte indica quais sujeitos eram - e quais não eram - alvo da escolarização pelo Estado provincial, ainda em estruturação.

Entre 1835 e 1837, os “escravos” também foram proibidos de frequentar as escolas públicas nas províncias de Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio Grande do Norte, Mato Grosso e Paraíba, mas por meio de uma retórica distinta, a de que apenas pessoas livres poderiam frequentar as escolas públicas (Fonseca, 2016FONSECA, Marcus Vinícius; BARROS, Surya(Orgs.). A história da educação dos negros no Brasil. Niterói: EdUFF, 2016.). Portanto, a proibição textual dos “escravos” e a extensão do veto aos “pretos” na legislação sul-rio-grandense configura-se como um caso único no Brasil, levando-nos a interrogar sobre os sentidos dessa particularidade e o que ela informa sobre o lugar ocupado pela racialização no processo de construção da identidade e da sociedade sul-rio-grandense. Conjecturamos que a necessidade do veto explícito indica que sujeitos indesejáveis buscavam a escolarização formal, ou mesmo frequentavam as incipientes aulas públicas provinciais,7 7 A constatação decorre da leitura ampliada de relatórios de presidentes da província, disponíveis no repositório digital da Biblioteca Nacional. e que isso era incompatível com a hierarquização social desejada pelos detentores do poder.

Embora se tratasse de um contexto de autonomia provincial, vigorava no Brasil a Constituição do Império, outorgada em 1824. O artigo 179, dentre outras garantias, assegurava aos cidadãos - homens nascidos no país, fossem livres ou libertos - que a “lei seria igual para todos”, que a instrução primária seria “gratuita a todos” e que a admissão para cargos públicos (civis, políticos ou militares) seria igualitária, “sem outra diferença, que não seja dos seus talentos e virtudes”. Fonseca (2016FONSECA, Marcus Vinícius; BARROS, Surya(Orgs.). A história da educação dos negros no Brasil. Niterói: EdUFF, 2016., p. 30) conjecturou a possibilidade de a proibição extensiva aos “pretos” no Rio Grande do Sul referir-se aos “africanos”, associação comum na época. Considerando que havia a garantia constitucional à matrícula escolar a todos os cidadãos do Império, a proibição a “escravos e pretos”, seguindo a especulação, estendia-se, possivelmente, aos não cidadãos, ou seja, aos “escravos”, por sua condição jurídica, e, aos “pretos” (leia-se, africanos), por sua origem estrangeira. Portanto, por não serem cidadãos, fossem livres ou libertos, pretos/africanos estariam proibidos de se matricularem nas escolas públicas sul-rio-grandenses. No entanto, no cotidiano das práticas, a proibição aos “pretos” certamente estendeu-se às pessoas nascidas no Brasil.

Desse modo, passamos a indagar sobre as articulações entre o processo de construção de noções de cidadania com a existência de pessoas negras fora da escravidão, uma vez que, desde a primeira metade do século XIX, o Brasil respondia pela maior população negra livre ou liberta na América escravista (Pinto, 2018PINTO, Ana Flávia Magalhães. Escritos de liberdade: literatos negros, cidadania e racismo no Brasil oitocentista. Campinas: Editora da Unicamp, 2018.). A questão, portanto, não reside apenas em evidenciar a presença de pessoas negras nos bancos escolares, mas sim o que as leis proibitivas revelam sobre o projeto de nação em curso e sua relação com a cultura escolar e para além dela. Defendemos, nesse sentido, que a legislação provincial sul-rio-grandense, mais do que repercutir uma peculiaridade do Rio Grande do Sul, jogou luz sobre um processo ampliado de políticas que visavam barrar a ampliação da cidadania de pessoas negras fora da escravidão.

Em Minas Gerais, Marcus Vinicius Fonseca (2009FONSECA, Marcus Vinícius. População negra e educação: o perfil racial das escolas mineiras no século XIX. Belo Horizonte: Mazza, 2009.) encontrou uma significativa presença de pessoas negras nas escolas elementares da primeira metade do século XIX. Eliane Peres (2020PERES, Eliane. A aprendizagem da leitura e da escrita entre negras e negros escravizados no Brasil: as várias histórias dos “sem arquivos”. Cadernos de História da Educação, v. 19, n. 1, p. 149-166, jan.- abr.2020.) notou a presença de pessoas escravizadas que sabiam ler, escrever e contar em anúncios de compra e venda em jornais do Rio de Janeiro do começo do século XIX. Por isso, as proibições legais à matrícula de “escravos” podem ter sido uma tentativa de refrear o avanço de sua escolarização, ainda que ela pudesse ocorrer, entre pessoas escravizadas, em seus espaços de moradia e trabalho ou no pouco tempo livre de que dispunham, em feriados ou dias santos. Disso podemos inferir que pessoas negras, inclusive as escravizadas, historicamente valorizam a instrução e associam-na à luta pela liberdade e à qualificação do exercício da cidadania. Dentre outros benefícios, ainda, há a conquista de ocupações mais rentáveis e de arranjos de trabalho mais dignos, ampliando as chances de libertação.

No novo regulamento da instrução pública provincial sul-rio-grandense, de 1º de julho de 1857, seguiam proibidos os “escravos” e os “que padecem de moléstias contagiosas”, bem como, em um contexto de epidemia de cólera, os “que não tiverem sido vacinados” (Arriada, Tambara, 2004ARRIADA, Eduardo; TAMBARA, Elomar(Orgs.). Leis, atos e regulamentos sobre educação no período Imperial da província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Brasília: Inepe, 2004., p. 49-82). Em sentido convergente, três anos antes, em 1854, as reformas do ensino de Couto Ferraz registraram proibições semelhantes no município da Corte. Portanto, se, com o avançar do tempo, a proibição aos “pretos” desapareceu da legislação provincial sul-rio-grandense, os “escravos” seguiam impedidos de frequentar as aulas públicas em várias províncias do território brasileiro. Na Corte, a proibição foi retirada com as reformas de Leôncio Carvalho, aprovadas entre 1878 e 1879, que abriram a possibilidade de libertos maiores de 14 anos frequentarem as aulas públicas (Gondra, Schueler, 2008GONDRA, José; SCHUELER. Alessandra. Educação, poder e sociedade no Império brasileiro. São Paulo: Cortez, 2008.; Silva, 2014SILVA, Noemi. O batismo na instrução: projetos e práticas de instrução formal de escravos, libertos e ingênuos no Paraná provincial. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2014.).

Um pouco antes, em 1876, o veto textual aos “escravos” foi retirado na nova reforma no Rio Grande do Sul, quando também se previu a criação de uma escola noturna franqueada aos menos abastados, dentre os quais os “libertos e ingênuos” (Schneider, 1993SCHNEIDER, Regina. A Instrução Pública no Rio Grande do Sul, 1770-1889. Porto Alegre: Editora da UFRGS/EST Edições, 1993.), sendo efetivamente frequentada por esse público (Perussatto, 2021PERUSSATTO, Melina. O futuro da nação: instrução, educação e racialização da infância (Porto Alegre, RS, c. 1871-1910). Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, v. 13, n. 25, p. 60-90, 2021.). Ao tornar obrigatório o ensino primário “para todos os indivíduos livres maiores de 7 anos e menores de 15”, o novo regulamento, de 20 de maio de 1876, evidencia que “escravos” e “libertos” não estavam proibidos, mas também não eram o público-alvo da obrigatoriedade. Além disso, estavam isentos da matrícula obrigatória pessoas que morassem distantes de qualquer escola ou que possuíssem “impedimento físico ou moral” (Arriada, Tambara, 2004ARRIADA, Eduardo; TAMBARA, Elomar(Orgs.). Leis, atos e regulamentos sobre educação no período Imperial da província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Brasília: Inepe, 2004., p. 199-230). A tais dispensas acrescentaram-se, no novo regulamento, de 5 de junho de 1882, a condição de indigência e a necessidade de cuidar de pais inválidos ou doentes (Arriada, Tambara, 2004ARRIADA, Eduardo; TAMBARA, Elomar(Orgs.). Leis, atos e regulamentos sobre educação no período Imperial da província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Brasília: Inepe, 2004., p. 265-305). A menção à condição jurídica (livre, liberta ou escrava) desapareceu em definitivo nesse regulamento, mas, como sinalizado desde o regimento anterior, outras restrições passaram a ser estabelecidas como critérios de desobrigação - e desestímulo - à frequência escolar.

O gradual desaparecimento de proibições legais à frequência escolar de pessoas escravizadas, libertas ou livres “de cor”, e o surgimento de critérios ligados às condições materiais e espaciais de existência, acompanharam o processo de ampliação do número de pessoas negras fora da escravidão. Segundo o Recenseamento Geral do Império de 1872, cerca de 85% da população residente no Brasil era livre; desse contingente, 42,7% eram pretas ou pardas.8 8 Império do Brasil. Diretoria Geral de Estatística. Recenseamento Geral do Império, de 1872. A Lei do Ventre Livre, promulgada em 28 de setembro de 1871, deu novos encaminhamentos ao processo emancipacionista em curso no Brasil, que, baseado na gradualidade, encontrou na instrução pública uma aliada para a formação e o disciplinamento dos trabalhadores egressos da escravidão (Silva, 2014SILVA, Noemi. O batismo na instrução: projetos e práticas de instrução formal de escravos, libertos e ingênuos no Paraná provincial. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2014.; Perussatto, 2018PERUSSATTO, Melina. Arautos da liberdade: educação, trabalho e cidadania no pós-abolição a partir do jornal O Exemplo de Porto Alegre (1892-1911). Tese (Doutorado), Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2018.).

Esperidião Calisto frequentava a aula pública na década de 1870 e, em 1882, seu professor, Rafael Antônio de Oliveira, seguia lecionando na 1ª cadeira do sexo masculino do 1º Distrito (Nossa Senhora Madre de Deus de Porto Alegre).9 9 Relatório com que o Exm. Sr. Dr. Joaquim Pedro Soares passou a administração da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul ao Exm. Sr. Dr. José Leandro de Godoy e Vasconcellos, a 27 de fevereiro de 1882. Porto Alegre: Tipografia do Conservador, 1882. p. 25. Em 1886 foi demitido por razões desconhecidas,10 10 A Federação, Porto Alegre, 24 mar. 1886, p. 1. mas seu afastamento do serviço público, contudo, não durou muito, pois em 1892 foi nomeado escrivão do júri seccional.11 11 A Federação, Porto Alegre, 17 nov. 1892, p. 1. No relatório do Diretor Geral da Inspeção da Instrução Pública, de 1887, há um raro registro sobre a presença do alunado negro e sobre a conivência do professorado com os processos de exclusão. Segundo o inspetor, “Diversos professores recusam-se a matricular em suas escolas crianças de cor preta, recebendo reclamações contra este procedimento. Para sanar todas estas irregularidades tomei as providências necessárias”.12 12 Relatório da Diretoria de Instrução Pública, anexo ao Relatório do Presidente da Província do Rio Grande do Sul, S. Ex. o Sr. Dr. Rodrigo de Azambuja Villanova de 1887. Porto Alegre: Oficinas Tipográficas d’O Conservador, 1887. Não sabemos onde atuavam tais professores, se Oliveira era um deles, tampouco quais medidas foram, ou se foram, tomadas.

Desse modo, embora a proibição à matrícula escolar de pessoas “de cor preta” não figurasse mais na legislação da instrução pública, o comportamento de Rafael Antônio de Oliveira e de outros professores escancara o “preconceito de cor” que se entranhava nos costumes daquela sociedade, cuja expressão se materializava, conforme denunciado por Esperidião Calisto e seus colegas em O Exemplo, na cultura escolar, seja por meio da recusa à matrícula, do tratamento discriminatório ou da segregação racial daquelas que conseguiam frequentar escolas. Não menos importante, sinaliza o protagonismo do professorado no processo de exclusão escolar, que não acabou com a Abolição.

Em 1904, o colaborador Lindolfo Ramos denunciou em O Exemplo a persistência do “preconceito de cor” nas escolas, percebido em práticas docentes que reiteravam o lugar de subordinação desejado aos discentes negros, que eram vistos como criados, subalternos, e não como estudantes dignos de frequentarem aquele espaço nesta condição. Como exemplo, Ramos citou uma professora de Caçapava, interior do estado, que se recusava a matricular meninas negras em suas aulas, pois o único lugar que lhes cabia, segundo ela, era o trabalho doméstico. Desgostosa com o fato de ter que ensiná-las, concluiu: “Está aí para que serviu o 13 de maio!”13 13 O Exemplo, Porto Alegre, 19 dez. 1904, p. 1.

Ainda assim, crianças como Esperidião Calisto resistiram a toda sorte de discriminações, maus-tratos e se instruíram. Por isso, ao convocarem os pais a não desanimarem e a incentivarem seus filhos a se manterem nas escolas, também estavam falando de suas experiências, da coragem e da perseverança de suas famílias, cujos esforços foram compensados pela aquisição da instrução e seus benefícios. Crianças que, como Esperidião Calisto, uma vez adultas, se uniram em um projeto que passava pela defesa da massificação do ensino e pela luta contra a persistência de costumes dos tempos da escravidão, que encontrava no “preconceito de cor” uma reconfiguração.

Projetos familiares e experiências associativas: a instrução para além da escola pública

No contexto da experiência de segregação escolar relatada por Esperidião Calisto, seu pai, Calisto Felizardo de Araújo (1819-1909), era membro da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Porto Alegre, criada no final do século XIX por homens de cor preta e parda, livres e libertos, como um espaço de proteção e auxílio mútuo. Calisto nascera em Salvador, do ventre de Maria Felizarda do Bonfim, africana, de quem foi separado com cerca de dez anos de idade ao ser traficado para o Rio Grande do Sul. Chegou à capital na companhia do comendador José Antônio de Araújo Ribeiro, que o escravizou por mais de três décadas. Em liberdade, casou-se em 1862 com Joana da Conceição e Silva, uma mulher negra e nascida livre, com quem teve dois filhos (Florêncio e Esperidião) e duas filhas (Maria Torquata e Margarida, falecida aos 13 anos).14 14 Arquivo Histórico da Cúria Metropolitana de Porto Alegre. Livro de habilitações de casamento de 1862, n. 41, registro 253; Livro de Registro de Casamentos da Freguesia de Madre de Deus de Porto Alegre (1818-1866), 2 jul. 1862, p. 58. Não sabemos quando aprendeu o ofício de cirurgião-barbeiro, transmitido aos filhos, mas por meio dele acumulou um patrimônio e conquistou reconhecimento e respeitabilidade social. Nas homenagens póstumas, feitas em 1909 pelo jornal republicano A Federação, foi lembrado como “um dos mais antigos moradores” da cidade e o “decano dos barbeiros”15 15 A Federação, Porto Alegre, 18 jun. 1909, p. 4. (Perussatto, 2020PERUSSATTO, Melina. Liberdade, trabalho e cidadania negra no pós-Abolição: a família Calisto em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. In: MENDONÇA, Joseli; TEIXEIRA, Luana; MAMIGONIAN, Beatriz(Orgs.). Pós-abolição no Sul do Brasil: associativismo e trajetórias negras. Salvador: Sagga, 2020, p. 168-184.).

Calisto Felizardo de Araújo chegou a Porto Alegre pouco antes da aprovação da primeira lei da instrução pública provincial e, embora nascido no Brasil, portanto, passível de se tornar um cidadão quando alcançasse a liberdade, carregava em seu corpo as marcas da africanidade materna e, por isso, estava exposto ao veto aos “escravos” e aos “pretos” existente na referida lei. Mas, apesar disso, mobilizou recursos para ampliar a qualidade da liberdade e da cidadania, de forma coletiva e familiar, como demonstra sua vida associativa, a constituição de família e a preocupação em construir e transmitir um ofício e um patrimônio material e imaterial aos filhos (Perussatto, 2020PERUSSATTO, Melina. Liberdade, trabalho e cidadania negra no pós-Abolição: a família Calisto em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. In: MENDONÇA, Joseli; TEIXEIRA, Luana; MAMIGONIAN, Beatriz(Orgs.). Pós-abolição no Sul do Brasil: associativismo e trajetórias negras. Salvador: Sagga, 2020, p. 168-184.).

Em 1880, Calisto tornou-se tesoureiro da Arquiconfraria de Nossa Senhora do Rosário, cargo da mesa-diretora para o qual, juntamente com o de escrivão, exigia-se a alfabetização (Müller, 2013MÜLLER, Liane. As contas do meu rosário são balas de artilharia. Porto Alegre: Pragmatha, 2013., p. 59). No avançar do século XIX, o analfabetismo como barreira para o exercício da cidadania foi se ampliando e se mesclando a outros dispositivos de controle racializados, incidindo diretamente na vida associativa da população negra. Desse modo, o domínio da leitura, da escrita e da aritmética tornou-se importante recurso para a redução da precariedade da liberdade e para a qualificação da cidadania negra no século XIX, tornando-se emblemática a exclusão dos analfabetos na reforma eleitoral, de 1881, quando a imensa maioria da população negra era livre ou liberta (Chalhoub, 2010CHALHOUB, Sidney. Precariedade estrutural: o problema da liberdade no Brasil escravista (século XIX). História(Campinas). v. 19, p. 33-69, 2010.; Pinto, 2018PINTO, Ana Flávia Magalhães. Escritos de liberdade: literatos negros, cidadania e racismo no Brasil oitocentista. Campinas: Editora da Unicamp, 2018.).

Um ano depois, em 1881, Calisto Felizardo de Araújo decidiu dar partilha aos bens que finalmente havia conquistado por meio de seu trabalho.16 16 Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. Comarca de Porto Alegre. Juízo de Órfãos. Inventário post-mortem, n. 11, 1881. Abriu o inventário post-mortem da esposa, Joana da Conceição e Silva, falecida em 1869 e, por meio das assinaturas dos membros da família, o domínio da escrita por todos eles fica nítido pela caligrafia. Não sabemos como os demais adquiriram tal habilidade, mas é possível que, assim como Esperidião, seu irmão Florêncio e sua irmã Maria Torquata tenham frequentado aulas públicas do primeiro distrito da capital. Já o patriarca Calisto, que vivia na escravidão durante a vigência das proibições à matrícula escolar a “escravos”, deve ter conquistado sua alfabetização pelo autodidatismo ou por práticas coletivas e informais de instrução (Romão, 2005ROMÃO, Jeruse(Org.). História da educação do negro e outras histórias. Brasília: MEC/ Secad, 2005.; Fonseca, Barros, 2016FONSECA, Marcus Vinícius; BARROS, Surya(Orgs.). A história da educação dos negros no Brasil. Niterói: EdUFF, 2016.; Mac Cord, Araújo, Gomes, 2017GOMES, Nilma Lino. O movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. Petrópolis: Vozes, 2017.).

Não descartamos a possibilidade de Calisto Felizardo de Araújo ter se alfabetizado em meio à sociabilidade devocional, pois os Compromissos da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, de 1828, registram a preocupação com a instrução, com foco nos filhos órfãos de irmãos (Müller, 2013MÜLLER, Liane. As contas do meu rosário são balas de artilharia. Porto Alegre: Pragmatha, 2013.). Isso nos leva ainda a conjecturar que a proibição aos “escravos e pretos, ainda que livres e libertos” à matrícula escolar, em 1837, possa ter relações com a força política da entidade naquele contexto. Talvez fosse necessário, aos olhos dos legisladores, refrear a expansão de pessoas negras alfabetizadas, cortando na raiz tal possibilidade - ao menos no que dizia respeito à instrução adquirida nas aulas públicas. Para as classes dominantes, pessoas negras alfabetizadas, na condição escravizada, poderiam ser sobrevalorizadas, por ampliarem seu escopo de atuação, além de uma ameaça à ordem escravista, porque a alfabetização se inseria no repertório de ações de resistência (Chalhoub, 1990CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.; Wissembach, 1998WISSEMBACH, Maria Cristina. Sonhos africanos, vivências ladinas: escravos e forros em São Paulo, 1850-1880. São Paulo: Hucitec, 1998.).

A Irmandade/Arquiconfraria do Rosário foi um importante espaço associativo da capital desde fins do século XVIII e tornou-se catalisadora de redes familiares e experiências associativas, incluindo O Exemplo (Müller, 2013MÜLLER, Liane. As contas do meu rosário são balas de artilharia. Porto Alegre: Pragmatha, 2013.). Assim, mais do que um espaço de construção de sentidos à vida em liberdade, a sociabilidade devocional pode ter significado a Calisto e seus confrades a possiblidade de substantivá-la. Nesse sentido, a busca pelo funcionalismo público foi recorrente a confrades e “homens de cor” ainda no Império e avançou nos tempos republicanos, sendo compreendida como uma forma de inserção social e concretização de lutas políticas. Com exceção de Esperidião Calisto, todos os fundadores de O Exemplo tornaram-se funcionários públicos (Correios, Alfândega, Tesouro, Conselho Municipal etc.) (Pinto, 2010PINTO, Ana Flávia Magalhães. Imprensa negra no Brasil do século XIX. São Paulo: Selo Negro, 2010.; Santos, 2011SANTOS, José Antônio dos. Prisioneiros da história: trajetórias intelectuais na imprensa negra meridional. Tese (Doutorado em História), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2011.; Perussatto, 2018PERUSSATTO, Melina. Arautos da liberdade: educação, trabalho e cidadania no pós-abolição a partir do jornal O Exemplo de Porto Alegre (1892-1911). Tese (Doutorado), Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2018.; Rosa, 2019).

Aurélio Viríssimo de Bittencourt (1849-1919), confrade de Calisto, era pai de Sérgio e Aurélio Júnior, dois fundadores de O Exemplo, e se tornou um paradigma, mas não uma exceção, do funcionalismo público. Seu ingresso ocorreu em 1868, via concurso, no cargo de amanuense (responsável por copiar e escrever documentos à mão) da Secretaria de Governo. Ao verificarmos as exigências da vaga - “[...] boa letra, conhecimento da gramática portuguesa e da língua francesa, da aritmética até proporções e de geografia pátria e corografia da Província” (Moreira, 2014MOREIRA, Paulo. O Aurélio era preto: trabalho, associativismo e capital relacional na trajetória de um homem pardo no Brasil Imperial e Republicano. Estudos Ibero-Americanos, v. 40, p. 85-127, 2014., p. 104) -, compreendemos mais alguns dos sentidos da instrução para a população negra em seus projetos de vida, liberdade e cidadania.

Mas, além da instrução formal, outros meios concorreram para a alfabetização, aprendizado e letramento, como o autodidatismo, o ambiente de trabalho, as relações familiares e fraternais e os espaços de sociabilidade. As reuniões diárias que deram origem a O Exemplo, realizadas no estabelecimento da família Calisto, certamente serviram como um importante ambiente de estudo e de compartilhamento de conhecimentos e experiências entre mais velhos e mais jovens, tornando-se, pois, um espaço de aprofundamento de conhecimentos básicos proporcionados pela instrução. Calisto Felizardo de Araújo, portanto, foi um dos mantenedores do empreendimento jornalístico encabeçado por seus filhos e outros seis amigos, bem como um dos esteios intelectuais e morais do projeto de O Exemplo.

Nesse sentido, a realidade social adversa à população negra nos leva a reforçar a ideia de que não era primordialmente nas escolas regulares que pessoas negras se alfabetizavam, mas sim em espaços informais, construídos em meio a mobilizações e organizações familiares, religiosas e associativas. Em Porto Alegre, além da Irmandade do Rosário, outras iniciativas educacionais foram registradas em associações diversas, como foi o caso da Sociedade Floresta Aurora, fundada em 1872, com o propósito de, ainda hoje, conciliar instrução e cultura na construção de melhores condições de vida à população negra (Pereira, 2007PEREIRA, Lúcia. Cultura e afrodescendência: organizações negras e suas estratégias educacionais em Porto Alegre (1872-2002). Tese (Doutorado em História), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2007.).

Enquanto seu irmão e demais colegas investiram na carreira no funcionalismo público, conquistaram patentes da Guarda Nacional e se tornaram correligionários do Partido Republicano Rio-grandense (PRR), Esperidião Calisto seguiu no ofício ensinado pelo pai e se aproximou de militantes operários da corrente socialista. Ao lado de dois deles, Tácito Pires e Vital Batista, refundou o periódico em 1902, propondo a criação de uma escola noturna para trabalhadores, a Escola Noturna O Exemplo, destinada a trabalhadores; e, entre 1908 e 1910, esteve envolvido com o Asilo 13 de Maio, um projeto de acolhimento e educação de crianças, com método de ensino racionalista (Perussatto, 2018PERUSSATTO, Melina. Arautos da liberdade: educação, trabalho e cidadania no pós-abolição a partir do jornal O Exemplo de Porto Alegre (1892-1911). Tese (Doutorado), Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2018.). Os dois projetos não saíram do papel, mas revelam a centralidade da instrução no compromisso de Esperidião Calisto com um ideal de República pautado na igualdade e os próprios limites de tais projetos diante de um Estado que, a despeito de não registrar em leis, deixava bastante nítido, no cotidiano das práticas e relações, os limites da cidadania republicana.

A Constituição do Rio Grande do Sul, outorgada por Júlio Prates de Castilhos em 1891, definiu que ao Estado cabia apenas a responsabilidade sobre o ensino primário e que o secundário e superior seria leigo, gratuito e livre. Dessa forma, o fechamento do único curso noturno público da capital evidenciou qual modalidade de ensino primário o projeto castilhista estava efetivamente preocupado em atender e, por consequência, que a instrução de trabalhadores e a assistência às crianças negras não eram prioridades do Estado no alvorecer republicano. Restava, pois, à iniciativa particular atender a tal demanda, como se pode ver na profusão de aulas e cursos vinculados a associações comerciais (Perussatto, 2018PERUSSATTO, Melina. Arautos da liberdade: educação, trabalho e cidadania no pós-abolição a partir do jornal O Exemplo de Porto Alegre (1892-1911). Tese (Doutorado), Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2018.), mas também de organizações no âmbito de associações, famílias e grupos negros, como núcleos instrutivos, grêmios musicais e dramáticos, reuniões e saraus, leitura coletiva de jornais, como O Exemplo (Bohrer, 2013BOHRER, Felipe. A música na cadência da história: raça, classe e cultura em Porto Alegre no pós-abolição. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2013.). Tais iniciativas particulares passam a configurar um campo de disputas em torno da instrução e da educação da população negra, cuja discussão extrapola as pretensões do presente artigo.

Ressaltamos ainda que o relato de Esperidião Calisto, bem como o entendimento da raça como construção sócio-histórica, encontra ressonâncias na intelectualidade negra diaspórica. W.E.B. Du Bois (1999DU BOIS, W.E.B. As almas da gente negra. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 1999, p. 54., p. 54), por exemplo, descobriu-se negro no espaço escolar, o que concorreu, mais tarde, para sua teorização sobre a “dupla consciência” (efeito psicológico do racismo compartilhado por pessoas negras em países que passaram pela colonização e pela escravização, que se manifesta por meio do sentimento de ser um cidadão constantemente vigilante e vigiado). Ao remover o véu e deixar de se reconhecer a partir das delimitações impostas pelo outro racial (o branco), Du Bois passou a buscar a reconciliação entre suas duas almas, ou seja, se (auto)reconhecer simultaneamente como “Negro” e “americano”, e construir um projeto aglutinador da luta do povo negro, promotor de uma educação verdadeiramente emancipadora, rumo a uma “humanidade consciente”. Segundo Paul Gilroy (2002GILROY, Paul. Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência. Rio de Janeiro: Editora 34/Ucam - Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2002.), a “dupla consciência” é uma metáfora da modernidade e marca a experiência de ser negro em sociedades racializadas.

A escola é transnacional e historicamente um espaço de (re)produção do racismo, mas também de construção de possiblidades para sua superação, o que nos ajuda a compreender os porquês das lutas promovidas e da compreensão do movimento negro como um educador (Pereira, 2013PEREIRA, Amílcar Araújo. O Mundo Negro: relações raciais e a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas/FAPERJ, 2013.; Gomes, 2017GOMES, Nilma Lino. O movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. Petrópolis: Vozes, 2017.). Como assinalou Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva (2016SILVA, Petronilha. Apresentação. In: FONSECA, Marcus Vinícius; BARROS, Surya(Orgs.). A história da educação dos negros no Brasil. Niterói: EdUFF, 2016, p. 7-10.), os conhecimentos escolares, acedidos no interior ou não dos seus muros, possibilitam tanto o necessário aprendizado da linguagem do opressor como a expressão da identidade e do projeto de sociedade defendido por pessoas e coletividades negras. Dessa forma, a condição de letrados ampliou as possibilidades de Esperidião Calisto e seus colegas de imprensa proporem uma reescrita da história do país, na qual pessoas negras se fazem presentes em representações afirmativas e positivas. Em uma delas, nosso protagonista reforçou o caráter educativo do jornal, cuja pedagogia concorria para o restabelecimento do pacto social baseado nos sentidos que atribuía aos princípios liberais de igualdade, liberdade, fraternidade e humanidade, em detrimento do projeto de racialização em curso: “Ser negro atualmente no Brasil é a mais nobre linhagem que se pode evocar; pois é ter-se a certeza de que se descende de um povo herói do trabalho, mártir da ganância selvagem da ociosa raça dos descobridores deste pedaço da América”.17 17 O Exemplo, Porto Alegre, 3 mai. 1904, p. 1.

Nessas disputas narrativas, era comum a mobilização de histórias de vida e a construção de uma galeria de grandes homens exemplares, por meio da qual a importância e os sentidos da instrução e da educação eram pedagogicamente destacados. No número de estreia, Esperidião Calisto foi saudado pela passagem de seu aniversário natalício e ressaltou-se que, além do vasto número de amigos e admiradores, “Ao serviço d’O Exemplo ele tem sido [de] uma abnegação inexcedível; seja empregando toda a sua atividade na parte material, seja concorrendo com as luzes de seu fulgurante talento para a parte intelectual, tornando-se assim um dos seus mais fortes sustentáculos”.18 18 O Exemplo, Porto Alegre, 11 dez. 1892, p. 3. Em 1929, na edição comemorativa à fundação, o médico e colaborador Arnaldo Dutra assim encerrou sua homenagem ao abnegado e exemplar Esperidião Calisto: “congratulo-me contigo que foste um esteio na defesa dos princípios que nos unem, e cuja mocidade esplendorosa consagraste toda a O Exemplo”.19 19 O Exemplo, Porto Alegre, 2 jan. 1929, p. 1.

Considerações finais

Sem pretendermos oferecer uma resposta definitiva, mas sim um conjunto de reflexões decorrentes do que foi exposto, temos que a luta pelo direito à educação concorre, historicamente, para a luta contra o racismo no Brasil. Enfocar a cotidianidade das relações, leis, práticas e costumes, nesse sentido, adensa a compreensão sobre a complexidade e a materialidade do processo de racialização nas últimas décadas do século XIX no Brasil. Assim, muito embora a documentação da Instrução Pública não tenha registrado informações sobre cor, raça, origem ou condição jurídica do alunado, outros caminhos metodológicos e outras fontes, sobretudo a imprensa negra e aquelas produzidas por grupos negros, permitem-nos acessar o cotidiano da racialização e dizer que pessoas negras buscaram a escolarização desde os primeiros tempos do Brasil imperial, mobilizando meios próprios e coletivos, em suas lutas por liberdade e cidadania.

O rápido percurso pelas leis, tendo como ponto de partida a segregação racial vivida por Esperidião Calisto e seus colegas de aula, exibiu-nos nuances da produção racializada de desigualdades sociais desde a escolarização. Desse modo, o deslocamento dos critérios de obrigatoriedade e matrícula da condição jurídica para a condição social, quando a imensa maioria das pessoas negras estava fora da escravidão, explicita como os mecanismos de exclusão da população negra (em sua maioria, pobre) da instrução pública se reconfiguraram, articulando cor/raça e classe. Ou seja, à ausência de pertencimento ao espaço escolar decorrente dos processos de exclusão e segregação presentes em leis, costumes e práticas, e que encontrava nos professores e professoras importantes agentes, somaram-se as condições materiais de existência e trabalho, ampliando o conjunto de desestímulos e impedimentos à frequência escolar.

Mas se as necessidades materiais de existência, como o trabalho, aliadas aos desestímulos legais, afastaram muitas delas dos espaços formais de ensino, meios informais foram edificados pela comunidade negra, concorrendo para a conformação do “movimento negro educador” (Gomes, 2017GOMES, Nilma Lino. O movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. Petrópolis: Vozes, 2017.). Assim, por meio da imprensa negra e de outras experiências associativas e familiares, vimos que a luta pelo direito à educação se insere em uma tradição de embates pela cidadania e sua qualificação, uma vez que a instrução concorria para a superação de adversidades, como a conquista de trabalho digno, de autonomia e de respeitabilidade, reduzindo a precariedade estrutural da liberdade em uma sociedade racializada e ampliando as possibilidades de contestação racial. Desse modo, amalgamada à educação, a instrução concorria para alterar costumes e práticas, tornando-se a imprensa importante instrumento pedagógico a educar toda a sociedade. A busca pela instrução era, como explicitam os diversos textos de O Exemplo, mais uma expressão do sujeito coletivo negro, seja diante dos esforços para manter as crianças negras nas escolas públicas, seja para criar espaços educativos mais acolhedores, seja para assumir a autoria nas disputas de narrativas e memórias sobre a população negra, seja para pautar o debate público e propor outro projeto de nação.

Portanto, ao desejarem que apenas os talentos e virtudes diferenciassem as pessoas, em detrimento do “preconceito de cor” compreendido como um costume escravista persistente nas práticas, intelectuais como Esperidião Calisto evidenciam que a democracia não foi uma marca do processo de instauração republicana e que, por isso, era preciso disputar o conteúdo da igualdade prevista nas leis. Assim, ao marcarem a indissociabilidade entre as lutas por instrução e contra o “preconceito de cor” no projeto político de O Exemplo, tentaram comunicar por meio da imprensa aos seus contemporâneos, e não apenas às pessoas negras, que não lhes era possível exercer a liberdade e a cidadania enquanto a ideia de raça fosse uma das estruturantes sociais, mas que, para que ela fosse implodida, inclusive nos costumes e práticas, instruir-se e educar-se era um passo fundamental a ser dado. Dessa forma, seria possível contestar, como eles próprios faziam, a ideia de raça como condição natural e deslocá-la para o campo das relações de poder. Para tanto, um primeiro passo consistia na construção de oportunidades educacionais para que o cérebro de pessoas negras em estado de ignorância se desenvolvesse intelectualmente, contrariando representações, estigmas e estereótipos raciais em curso.

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  • 1
    As expressões entre aspas, como “homens de cor” e “preconceito de cor”, referem-se a termos manejados na imprensa negra.
  • 2
    O Exemplo, Porto Alegre, 11 dez. 1892, p. 1.
  • 3
    O Exemplo, Porto Alegre, 8 jan. 1893, p. 1.
  • 4
    O Exemplo, Porto Alegre, 16 jul. 1893, p. 1; 23 jul. 1893, p. 1; 6 ago. 1893, p. 1; 20 ago. 1893, p. 1.
  • 5
    O Exemplo, Porto Alegre, 23 jul. 1893, p. 1.
  • 6
    O Exemplo, Porto Alegre, 13 mai. 1893, p. 2.
  • 7
    A constatação decorre da leitura ampliada de relatórios de presidentes da província, disponíveis no repositório digital da Biblioteca Nacional.
  • 8
    Império do Brasil. Diretoria Geral de Estatística. Recenseamento Geral do Império, de 1872.
  • 9
    Relatório com que o Exm. Sr. Dr. Joaquim Pedro Soares passou a administração da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul ao Exm. Sr. Dr. José Leandro de Godoy e Vasconcellos, a 27 de fevereiro de 1882. Porto Alegre: Tipografia do Conservador, 1882. p. 25.
  • 10
    A Federação, Porto Alegre, 24 mar. 1886, p. 1.
  • 11
    A Federação, Porto Alegre, 17 nov. 1892, p. 1.
  • 12
    Relatório da Diretoria de Instrução Pública, anexo ao Relatório do Presidente da Província do Rio Grande do Sul, S. Ex. o Sr. Dr. Rodrigo de Azambuja Villanova de 1887. Porto Alegre: Oficinas Tipográficas d’O Conservador, 1887.
  • 13
    O Exemplo, Porto Alegre, 19 dez. 1904, p. 1.
  • 14
    Arquivo Histórico da Cúria Metropolitana de Porto Alegre. Livro de habilitações de casamento de 1862, n. 41, registro 253; Livro de Registro de Casamentos da Freguesia de Madre de Deus de Porto Alegre (1818-1866), 2 jul. 1862, p. 58.
  • 15
    A Federação, Porto Alegre, 18 jun. 1909, p. 4.
  • 16
    Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. Comarca de Porto Alegre. Juízo de Órfãos. Inventário post-mortem, n. 11, 1881.
  • 17
    O Exemplo, Porto Alegre, 3 mai. 1904, p. 1.
  • 18
    O Exemplo, Porto Alegre, 11 dez. 1892, p. 3.
  • 19
    O Exemplo, Porto Alegre, 2 jan. 1929, p. 1.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    31 Dez 2020
  • Aceito
    16 Abr 2021
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