Open-access Literatura negra: Arnaldo Xavier e a transnegressão

Black literature: Arnaldo Xavier and transnegressão

Resumo:

A finalidade deste artigo é examinar aspectos da concepção literária de Arnaldo Xavier - um poeta negro que se destacou em São Paulo no circuito vanguardista de produção artístico-cultural -, especialmente suas ideias sobre literatura negra. Para tanto, serão reportadas e discutidas intervenções por ele realizadas entre 1985 e 1995, que tratam do assunto.

Palavras-chave:
Literatura; Negro; Raça

Abstract

The purpose of this article is to examine aspects of the literary conception of Arnaldo Xavier - a black poet who stood out in São Paulo in the avant-garde circuit of artistic and cultural production -, especially his ideas about black literature. To this end, interventions carried out by him between 1985 and 1995, which deal whith the subject, will be reported and discussed.

Keywords:
Literature; Black; Race

Introdução

Arnaldo França Xavier (1948-2004) tornou-se um intelectual negro proativo no debate público brasileiro, principalmente entre as décadas de 1970 e 1990. Em pouco mais de trinta anos, publicou diversos livros e textos - entre artigos, poemas, contos, ensaios, crônicas e argumentos cinematográficos -, participou de grupos de literatura marginal, organizou eventos e colaborou em diversas entidades no movimento negro brasileiro.

Seu pensamento imaginativo, controverso e de pendor hermético, baseado em uma visão caleidoscópica, vanguardista e, até certo ponto, libertária, causou desde estranhamento, passando por indiferença até chegar a uma aversão, tanto nos meios literários negros, como na intelectualidade em geral. O que explica, talvez, a pouca visibilidade do seu nome na recente valorização de autores e intelectuais negros no mercado editorial e no mundo acadêmico.1

As ideias de Arnaldo Xavier emergem em um momento de candentes debates sobre a literatura negra brasileira.2 De acordo com Mário Medeiros da Silva (2023, p. 58), “até os fins dos anos 1980, a literatura não pararia de refletir sobre si própria e ser repensada por estudiosos”, envolvendo não apenas acadêmicos, mas também intelectuais e ativistas do movimento negro. Arnaldo Xavier seria um desses casos.

A proposta deste artigo é discutir aspectos da concepção literária de Arnaldo Xavier. Para tanto, analisaremos quatro intervenções realizadas por ele entre 1985 e 1995, que tratam sobre literatura negra no Brasil, mapeando suas principais ideias e as altercações em que se envolveu no auge dos debates sobre o conceito, fundamentos, dilemas e desafios dessa vertente literária.

Antes, porém, cabe uma indagação: o que é literatura negra? Não há consenso entre os especialistas do assunto. Conceito em construção, vem sendo utilizado com mais de um sentido e significado. Para Zilá Bernd, literatura negra é aquela que “não se atrela nem à cor da pele do autor nem apenas à temática por ele utilizada, mas emerge da própria evidência textual cuja consistência é dada pelo surgimento de um eu enunciador que se quer negro” (Bernd, 1988, p. 22). Portanto, não devemos nos ater à cor da pele da autoria, mas à enunciação do pertencimento.

Já Cuti (Luiz Silva) prefere o termo “literatura negro-brasileira”, que “nasce na e da população negra que se formou fora da África, e de sua experiência no Brasil” (Cuti, 2010, p. 44). A singularidade é negra e, ao mesmo tempo, brasileira, pois a palavra “negro” aponta para um processo de luta participativa nos destinos da nação. De acordo com Cuti, a palavra “negro” nos remete àqueles que sofrem na pele o racismo, ao passo que a expressão “afro-brasileiro” nos lança, em sua semântica, ao continente africano, “com suas mais de 54 nações, dentre as quais nem todas são de maioria de pele escura, nem tampouco estão ligadas à ascendência negro-brasileira” (Cuti, 2010, p. 40). Portanto, denominar afro a produção literária “negro-brasileira (dos que se assumem como negros em seus textos) é projetá-la à origem continental de seus autores, deixando-a à margem da literatura brasileira” (Cuti, 2010, p. 35).

Apesar dessas ressalvas, Eduardo de Assis Duarte prefere o vocábulo “afro-brasileira” para se referir à literatura caracterizada por uma voz autoral afrodescendente, explícita ou não na narrativa; à temática afro-brasileira; a um ponto de vista ou lugar de enunciação política e culturalmente identificado à afrodescendência; a um léxico pertencente às práticas linguísticas oriundas de África e inseridas no processo transculturador em curso no Brasil e, por fim, a um projeto discursivo, declarado ou não, que dialogue com o “horizonte de expectativas do leitor, combatendo o preconceito e inibindo a discriminação sem cair no simplismo, muitas vezes maniqueísta, do panfleto (Duarte, 2015, p. 41).

É nesse cipoal semântico em torno da literatura negra que se inscrevem as intervenções de Arnaldo Xavier, entre ensaios, manifestos e artigos selecionados. Talvez, devido ao grau de heterodoxia e dos confrontos que ensejou, esse autor acabou por ser escanteado ou mesmo apagado de alguns registros sobre a história da literatura negra brasileira. Suas produções chamam atenção pela linguagem, fragmentada, ambivalente, inventiva inclusive no aspecto gráfico, e, até certo ponto, caótica e sibilina em vários trechos, mas também pelos canais nos quais foram divulgadas. Em vez de publicados em cadernos culturais ou em coletâneas de ensaios, autônomas ou coletivas, a maioria dos escritos ensaísticos de Xavier veio a lume em canais considerados mais alternativos e marginais.

A aurora idiossincrática

Poeta, ativista, ensaísta, roteirista e letrista, Arnaldo Xavier nasceu em Campina Grande, Paraíba, em 19 de novembro de 1948. Nos anos 1960, ainda estudante do Ensino Fundamental, fez parte do movimento cineclubista local, participando do Cineclube Glauber Rocha. Nessa época, há indícios de que sofreu as primeiras perseguições políticas do regime militar. Foi em Campina Grande que tomou conhecimento de algumas das mais importantes vanguardas artísticas latentes naquele período, participando do movimento do poema-processo,3 na Paraíba, e iniciando um diálogo com a chamada poesia concreta.4 Tal contato influenciaria bastante a sua concepção estética relacionada ao experimentalismo gráfico e visual, principalmente em seus poemas produzidos nas décadas de 1980 e 1990.

Xavier migrou para São Paulo no final da década de 1960. Lá começou sua atividade literária, bem como sua participação no movimento negro. Na literatura, fez parte do Grupo Pindaíba, formado por nomes como Aristides Klafke, Ulisses Tavares, Roniwalter Jatobá, entre outros. O Núcleo Literário Pindaíba, ou simplesmente Grupo Pindaíba, criado em 1974, atuante até os anos 1990, foi considerado por pesquisadores, como Carlos Menseder Pereira (1981) e Glauco Matoso (1982), como um dos grupos mais atuantes na clivagem denominada literatura marginal.

Foi justamente por meio das edições Pindaíba que Xavier publicou suas coletâneas de poemas. Com 28 anos de idade, estreou em 1976 com o livro Pablo, obra em parceria com o poeta Aristides Klafke, com quem também publicou uma série de livros-poemas envelope contestadores da ditadura militar, a exemplo de Terraaa e Vidaliberdade. Xavier lançou ainda dois outros títulos, A rosa da recvsa, em 1982, e Ludlud, em 1997, ambos pela Casa Pindaíba e influenciados por uma visão estética experimental no domínio da linguagem, transitando entre o novo lirismo da poesia visual e a crítica sociopolítica.

Afora esses títulos de poemas, Xavier publicou os livros Há um buraco negro entre a vida e a morte (com Nilza Iraci da Silva), lançado no Rio de Janeiro por meio da parceria da Geledés/Soweto, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO), em 1992, e o Manual de sobrevivência do negro no Brasil (com Maurício Pestana), lançado em São Paulo pela Editora Sampa, em parceria com a Geledés, em 1993. Simultaneamente à literatura, ele se dedicou a outras linguagens artísticas, no campo da música, do teatro e do cinema.5

Assim, Xavier publicou várias obras - entre coletâneas de poemas e ensaios -, participou de coletâneas e antologias poéticas nacionais e internacionais e mourejou na cena cultural. Ademais, a partir dos anos 1970, em um contexto de rearticulação do movimento negro, ele se aproximou do Centro de Cultura e Arte Negra (Cecan) e orbitou o Movimento Negro Unificado (MNU) e outros agrupamentos culturais, sociais e políticos, inserindo-se neles como um intelectual impetuoso.6

Especificamente no âmbito da literatura, envolveu-se nos debates, polêmicas e disputas em torno da noção de literatura negra no Brasil, sendo um dos organizadores dos Encontros de Poetas e Ficcionistas Negros, ocorridos entre 1985 e 1987, além de ser um dos responsáveis pela criação da Livraria Eboah, uma das pioneiras do público afrodescendente em São Paulo, na década de 1980. Xavier ainda se enfronhou em ações coletivas antirracistas no contexto da redemocratização, que desembocaram na Constituição de 1988, nas comemorações do centenário da Abolição da Escravidão, nas discussões sobre as políticas públicas em favor da população afro-brasileira, na valorização de personagens negros na história da cultura brasileira, como no caso de Cruz e Sousa e Luís Gama.7

Apresentando um contraponto às diretrizes estéticas predominantes da literatura negra brasileira, Xavier foi pivô de dissensos e embates com o grupo Quilombhoje, com os Cadernos Negros e com o “Triunvirato” (designação utilizada para se referir aos poetas Oswaldo de Camargo, Paulo Colina e Abelardo Rodrigues). Vale dizer que, em 1978, sob a idealização de Cuti e Hugo Ferreira, começaram a ser publicados em São Paulo os Cadernos Negros, que editavam em cada edição anual poemas nos volumes de números ímpares e contos nos volumes de números pares. A série, que “contribui em muito para a configuração discursiva de um conceito de literatura negra” (Duarte, 2015, p. 21; destaque do original), é marcada notadamente pelo protesto contra o racismo, tanto no verso quanto na prosa, na linha da tradição militante vinculada ao movimento negro (Souza, 2005).

Já o Quilombhoje foi um desdobramento dos Cadernos Negros, quando os idealizadores e os autores das edições da série resolveram promover encontros para tratar dos próprios textos ou de obras de escritores consagrados, como Lima Barreto. A partir desses encontros, foi fundado em 1980 o grupo Quilombhoje, por Cuti, Oswaldo de Camargo, Paulo Colina, Abelardo Rodrigues, entre outros escritores negros. Sua finalidade precípua é discutir e aprofundar a experiência afro-brasileira na literatura (Souza, 2005). O grupo, desde seu início, busca promover a difusão de conhecimentos e informações sobre literatura negra, bem como desenvolver e fomentar estudos, pesquisas e diagnósticos acerca desse campo temático.

A querela

O marco de eclosão do pensamento crítico de Xavier sobre a literatura negra brasileira foi uma palestra por ele proferida durante o Projeto Zumbi,8 em uma mesa-redonda sobre o assunto, realizada no Museu de Artes de São Paulo (Masp), em novembro de 1984. Tendo como intuito alfinetar os Cadernos Negros, n. 7, publicado pelo coletivo Quilombhoje naquele ano, Xavier censurou a excessiva tematização da problemática do negro nos poemas editados pelo grupo, fator que teria retardado o processo de construção de uma consciência de “linguagem etnoliterária”, uma linguagem, segundo ele, adequada aos novos tempos e às novas formas de atuação, voltada às questões da população negra no Brasil.9

Segundo Xavier (1995, p. 10), “a escritura negra não poderia se limitar à simples movimentação de sem-Letras e a introjeção de eternos Condenados da Terra no sentido fannoniano”. A seu ver, tal perspectiva teria, em seu ponto estético, a repetição de recursos técnicos e de termos marcados pelos lugares-comuns, trazendo um esvaziamento de repertório e um indício de acomodação ou estagnação.

Com efeito, o momento mais polêmico da palestra de Xavier foi quando ele criticou com escárnio as chamadas Rodas de Poemas, do Quilombhoje, espinafrando o grupo por difundir um discurso de autoflagelo, e comparando os recitais com cultos evangélicos ou palcos de “camelôs” nos logradouros públicos. Asseverou ainda que a maioria dos poemas declamados nessas rodas eram autocaricaturas e não passavam de um panfleto amassado pela ameaça permanente do efêmero. Não satisfeito, Xavier traçou uma comparação das rodas, consideradas ultrapassadas, com o hip-hop (o break), produzido pelos jovens da periferia paulistana. A seu ver, o canto falado do rap era o que havia de mais moderno naquele momento.

Diante dos acintes do poeta paraibano, a reação do público, presente em um dos auditórios do Masp, foi imediata e violenta. O poeta Jamu Minka (José Carlos de Andrade),10 membro do Quilombhoje e um dos mais ativos declamadores das Rodas de Poemas do grupo, manifestou-se irado, acusando Xavier de traidor da causa. Nas palavras deste, mais de 10 anos depois do episódio, Jamu Minka “desindexou os meus poemas e me ameaçou com medidas provisórias” (Xavier, 1995, p. 12), além de hostilizá-lo e desafiá-lo para uma briga. Os ânimos teriam sido apaziguados devido à interferência de Cuti.

Outras diatribes

Vários dos pontos abordados na palestra de Xavier na mesa-redonda no Masp, de 1984, foram retomados no ensaio/palestra/manifesto: “Dha lamba à qvizila: a busca dhe hvma expressão literária negra”, publicado em 1987, na coletânea Criação criola, nu elefante branco,11 porém escrito/lido em setembro de 1985 no auditório da Faculdades Rebouças. Portanto, menos de um ano depois da primeira intervenção.

De acordo com Medeiros da Silva, Criação crioula, nu elefante branco é um exemplo de multiplicidade de visões, “por vezes conflitantes, sobre a confecção literária negra” (Silva, 2023, p. 65). Provavelmente, quando o sociólogo se refere às visões “conflitantes”, esteja evocando o ensaio de Arnaldo Xavier “Dha lamba à qvizila”, principalmente quando esse autor analisa a qualidade dos textos da literatura negra brasileira contemporânea.

Ao apresentar o cerne da discussão, Silva relata que Miriam Alves, uma das fundadoras do Quilombhoje e organizadora do I Encontro Nacional de Poetas e Ficcionistas Negros, educadamente defende, nesse evento, que a qualidade dos textos dos escritores negros não deve ser discutida, como forma de evitar a desunião e os estremecimentos entre os presentes. Silva então comenta: “se Alves faz essa crítica com extrema elegância, o mesmo não pode ser dito de Arnaldo Xavier” (Silva, 2023, p. 100). Realmente, o ensaio do poeta paraibano não poupa ninguém da sua “metralhadora giratória”.

De acordo com Silva, o ensaio de Xavier é dividido em tópicos, marcados graficamente por uma “tentativa de expressão inovadora”. O que o sociólogo chama de tentativa é, na verdade, um recurso inventivo, que procura incomodar o leitor, por meio de um jogo gráfico com títulos e subtítulos irônicos, como também por meio da fusão de termos à luz de um estilo crítico e polemista, a exemplo de Brasyloiro (Brasil Loiro), Ministéril (Ministério), Esquerdococus (esquerda como uma bactéria coco), entre outros.

A primeira parte do ensaio discute a cultura brasileira e a identidade nacional, por um viés problematizador, assinalando como principais características o elitismo e a dependência. Produto espremido entre os imperialismos europeu e norte-americano, a cultura brasileira possuiria, segundo o ensaísta, uma repulsa ao negro e ao indígena, em uma busca permanente de se identificar com o mundo branco.

Baseado no livro Verdade seduzida (1983), de Muniz Sodré, Xavier compreende que o conceito de cultura vigente no país está centrado no valor de verdade que o Ocidente estabeleceu na modernidade - uma verdade branca, posta pelas elites dominantes, na qual falar em literatura negra implicaria uma “desidealização da própria sociedade brasileira” (Xavier, 1987, p. 89). O ensaísta, portanto, comunga com a ideia de Sodré de que nossa cultura nasceu de uma singularidade que deglute desde a cultura popular até a cultura importada.

Dentro desse contexto, a literatura brasileira possuiria uma índole branca, embora tenha Machado de Assis como seu ponto alto. Tal índole, que reflete certo projeto de modernidade da sociedade, teria por base dois modelos externos: de um lado as expressões vanguardistas europeias; de outro, os programas do “realismo socialista” soviético, de vertente panfletária.

Xavier avalia que, naquele momento, a literatura brasileira estava em crise, tanto no aspecto criativo, como de popularidade, em grande parte devido ao baixo nível de instrução do país. Apesar disso, o ensaísta não deixou de elencar alguns autores (Ferreira Gullar, Augusto de Campos, Ignácio de Loyola Brandão, Ivan Ângelo, Raduan Nassar, Rubem Fonseca, Márcio Souza, Wlademir Dias-Pino e Décio Pignatari) que expressariam momentos de liberdade e criatividade na literatura brasileira. Nenhum negro, segundo ele. Complementamos: nenhuma mulher também.

Afora essa “constelação de autores”, Xavier se dedica a problematizar dois nomes do cenário da literatura negra brasileira daquele momento: Solano Trindade e Abdias Nascimento:

Nem mesmo Solano Trindade, cuja chancela do PCB merece uma investigação crítica mais aguçada no que se concerne ao sentido programático de sua obra, estabelecendo-se uma análoga comparação com a produção teatral de Abdias Nascimento, na sua vã tentativa de superpor a expressão cultural Negra é grega, sem conseguir se libertar do ethos de ocidentalidade contido no feitiço integralista. Entretanto, necessário se faz reconhecer a não devida atenção por parte dos escritores Negros para sua cosmovisão política Negra esboçada no Quilombismo (Xavier, 1987, p. 91).

Solano Trindade é visto com suspeição por ser ligado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), logo, sua arte poderia ter uma inclinação doutrinária; já Abdias Nascimento é ressalvado por tramar a “expressão cultural negra” à luz de uma matriz epistemológica ocidental. Da perspectiva de Xavier, o processo de desmistificação do conceito de cultura ainda não teria encontrado correspondência estética nos textos negros. Discorrendo sobre a produção literária negra entre 1975 e 1985, o ensaísta se utiliza da frase de Wlademir Dias-Pino - de que “não existem grandes poetas, existem grandes poemas” - para afirmar que “foram produzidos bons e péssimos textos” (Xavier, 1987, p. 94).

Xavier espicaça o “Movimento Político dos Negros”, postulando a existência de uma literatura negra no Brasil, “com identidade e tudo”. A partir daí, o ensaísta lança duas dúvidas sobre essa produção: “A primeira, que interroga se a precariedade da Literatura Negra recente corresponde às condições de vida das massas Negras”; e a outra que questiona, “além do engajamento, a especificidade do fazer literário puro e simplesmente contemplativo dissociado da própria precariedade que o cria” (Xavier, 1987, p. 94).

Nesse instante, Xavier volta a pautar a crítica que fez durante a palestra no Masp, ao grupo Quilombhoje, em 1984, por meio dos Cadernos Negros n. 7, bem como das Rodas de Poemas, para cartografar o estado da arte da literatura negra brasileira, considerada precária e contemplativa: “a Roda de Poemas se revelava banzística e condoreira, o que não corresponde à realidade do Negro, principalmente lambuzado por universidades e acostumado a manipular o código do mundo branco” (Xavier, 1987, p. 94).

À medida que retoma a crítica ao Quilombhoje, Xavier também se insurge contra aqueles que se arvoravam na vanguarda da literatura negra brasileira: os escritores Oswaldo de Camargo, Paulo Colina e Abelardo Rodrigues. Os três foram fundadores do Quilombhoje, mas romperam com o grupo em 1982, justamente por discordarem do nível estético da produção literária de seus membros. Assim, pejorativamente, Xavier alcunhou o trio de “Triunvirato”.12

O “Triunvirato” havia divulgado um manifesto, chamado “O escritor negro no brasil: quem é ele?”, durante evento de lançamento do livro O estranho, de Oswaldo de Camargo, em 1984. Xavier detrata o manifesto em seu ensaio, caracterizando-o elitista, excludente, pedante e passadista. Nas palavras do ensaísta paraibano: “o receituário do Triunvirato reza em torno de seu próprio umbigo” e, da pretensão de escola, reconhece nas “agruras”, “esperanças” e “alma lírica” as únicas fontes repertoriais da “literatura negra”, como caminhos do fazer verso e prosa, calcados nas lições do passado - “dos mestres” - e de um “pessimismo pedante em relação à inflação de poetas Negros” (Xavier, 1987, p. 94). Somado a isso, incomoda Xavier saber que o trio de escritores instituiu como paradigma de “literatura negra” o livro O estranho, do próprio Oswaldo de Camargo, sem contar a interpretação que eles fizeram de Cruz e Sousa, considerada uma leitura mal digerida do poeta simbolista.

Essa tensão, chamada por Xavier de quizila - termo yorubá, que significa “discussão por divergência de opinião” -, parece ser uma disputa não apenas pelo fazer literário negro brasileiro, mas também sobre quem é a verdadeira vanguarda dessa modalidade de literatura. De um lado, o Quilombhoje, que, em meio a uma tradição e dicção pouco férteis, colocava-se como novo, esposando uma plataforma literária combativa, politizada e militante; de outro lado, o chamado “Triunvirato”, do qual Oswaldo de Camargo, Paulo Colina e Abelardo Rodrigues se apresentavam como arautos renovadores, reivindicando sofisticação formal e uma melhor qualidade literária, a partir de uma noção de arte pela arte. Por fim, Xavier, que se credenciava como uma alternativa radical, disruptiva, mas que acabou por se tornar hermética com o tempo, como bem sintetiza Ronaldo Augusto:

Arnaldo Xavier [...] advogou em causa de uma literatura que fosse estética e formalmente negra, uma literatura feita por negros cujos experimentos de linguagem não acarretassem como consequência natural o sequestro de sua relevância revolucionária. Xavier vislumbrou essas possibilidades em especial na dimensão visual e paratática da arte africana e suas atualizações nos territórios da diáspora, mas sem se recusar a aproximá-la de outras matrizes culturais vincadas pela visualidade, descartando assim a presunção de fidelidade a um essencialismo autoindulgente (Augusto, 2023, p. 44).

Xavier lamenta, em seu manifesto de 1985, o quase nulo aproveitamento das poéticas “pansemióticas” de extração africana nos textos negros, elementos que, a seu ver, poderiam servir de nutrimento para uma literatura mais pulsante, engenhosa e imaginativa, sugerindo, assim, que havia uma lacuna nos textos negros, que foi preenchida até ali por realizações literárias convencionais sem a menor inquietação expressiva (Xavier, 1987, p. 97).

Na parte final do seu ensaio “Dha lamba à qvizila”, Xavier traça algumas diretrizes de um projeto de “expressão literária negra”, baseado na autonomia de pensamento. Tais diretrizes passam pelo investimento no repertório, que rompe com as chamadas reduções nominalistas que compõem o discurso do autoflagelado (angústia, tristeza, traição, vingança, loucura, agonia, lamento, entre outras). Proclama a necessidade de uma manifestação “contraestilística”, nascida de um posicionamento político, mas conectada a uma expressão literária que, ao mesmo tempo, combata o racismo e seja dotada de valor artístico, facultando à autoria um processo de independência de criação na ordem da linguagem. Por esse viés, resume: “o Negro não é feio nem Bonito. O Negro contraria pelo Seu Não Alinhamento. Pela sua Não Permissão. O Negro contraria e esta contrariedade é a expressão de sua incorrespondência às significações adversas manifestadas pelo mundo branco” (Xavier, 1987, p. 96).

Tal manifesto explica as tensões entre Xavier e o chamado “Triunvirato”, sobretudo Oswaldo de Camargo, que dará uma resposta a seu crítico no ensaio/antologia “Negro escrito”, lançado pela mesma Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, que publicou Criação crioula, nu elefante branco no mesmo ano, 1987.

Para nós o melhor de Arnaldo Xavier ainda está em Contramão, poemas, coletânea de Edições Pindaíba/Poesias Populares, SP, 1978. A sua transição de poemas como São Pálido para os de Rosa da Recvsa, livro solitário de Arnaldo, não revelou ter o poeta percorrido o caminho de conseguir falar negro-poeticamente com os grafismos e signos até o momento escolhidos. Rosa da Recvsa (1982) é pura curiosidade.

[…] Arnaldo Xavier, poeta de quem se está esperando muito como um inovador, mas que parece não ter achado ainda a fórmula que não anule o seu passado com os ‘experimentalismos’ iniciados no Grupo Pindaíba, desaguados na feitura de Rosa da Recvsa. Espera-se de Arnaldo que se insira, ‘claro e negro’, na corrente de poetas onde já estão instalados Solano Trindade, Carlos Assunção, Oliveira Silveira, Adão Ventura, Paulo Colina, Abelardo Rodrigues, Cuti, Éle Semog, por exemplo (Camargo, 1987, p. 103).

Para Oswaldo de Camargo (1987), o envolvimento de Xavier com as poéticas de vanguarda, em seus diálogos com a poesia concreta e a práxis, além de resultar em criações que não passavam de “experimentalismos”, no sentido de pura curiosidade estética, afastava-o da conquista de uma voz negra própria. Um olhar admoestador, que pode ser explicado dentro do universo de tensões na consolidação da literatura negra brasileira na década de 1980.

Esgrimindo contra o establishment

Não podemos afirmar com convicção que o projeto estético de Xavier repercutiu no meio literário na primeira metade da década de 1980, ou caiu no ostracismo nesses últimos 40 anos, visto que sua memória vem à tona apenas esporadicamente, em pequenas ondas, principalmente por meio de alusões de alguns dos seus amigos e interlocutores do passado. Sueli Carneiro, ao se reportar à realização da pesquisa que deu origem ao seu livro Dispositivo de racialidade, presta-lhe uma homenagem: “Arnaldo Xavier […] foi o meu principal interlocutor. Achei que não conseguiria terminar [o livro] sem ele, mas decidi terminar por ele. Sempre no meu coração. […] meu irmão, meu amigo de fé, meu camarada por mais de três décadas”. Dizia ser “o maior poeta que Deus crioulo” e que “o negro contraria o grego” (Carneiro, 2023, p. 299-300).

No entanto, o mais prolixo divulgador do nome de Xavier é, sem dúvida, o poeta e crítico literário gaúcho Ronald Augusto. Desde os anos 1990, Augusto publicou diversos ensaios e artigos dedicados à obra do poeta paraibano. Todavia, sua voz de comentarista especializado, que procura visibilizar o pensamento xaveliano, parece não ecoar em meio ao universo diversificado da literatura negra brasileira contemporânea.13

Embora alguns poetas coevos não concordassem com todas as ideias de Xavier, dialogaram e trocaram experiências literárias com ele. É o caso de Éle Semog e Cuti. Este foi parceiro na organização do Encontro Nacional de Poetas e Ficcionistas Negros, bem como na autoria do texto da peça de teatro Terramara; nos dois casos, na companhia de Miriam Alves. Aliás, Xavier, Cuti e Miriam Alves formaram um trio viçoso em termos de animar projetos envolvendo a cultura afro-brasileira em São Paulo na década de 1980.

Já Éle Semog, diferentemente de Cuti e Miriam Alves, era residente no Rio de Janeiro, mas foi outro interlocutor importante de Xavier desde o início da década de 1980. Uma prova disso é o prefácio/correspondência/manifesto datiloscrito, escrito por Xavier para o livro O cio das cores, de Semog. Este “Antiprefácio”, datado de 20 de março de 1986, é intitulado por Semog de “De-Crihoulo-para-Criohoulo”. Em edição especial de junho de 2022, a revista Bric a Brac relata esse episódio:

Uma carta datilografada com letras vivas estouradas, uma carta-manifesto, um antiprefácio ‘de-Crihoulo-para-Criohoulo sobre um pedaço luminoso de nossa Criação Crihoula’. A histórica carta foi escrita pelo poeta experimental negro Arnaldo Xavier, cuja obra ecoa até hoje no vanguardismo poético brasileiro; para o poeta hoje consagrado Éle Semog, autor, pensador […]. O documento-carta tem 20 páginas escritas em inventiva linguagem quase glauberiana. É datada de 20/III/86, SP. Xavier faz uma tempestade-crítica em cima do livro O Cio das Cores, que jamais foi lançado por Semog, pois seus poemas acabaram sendo publicados em outros livros que vieram depois. Mas o texto delirante de Arnaldo Xavier, assim como os seus poemas, transcendem ao prefácio proposto para os poemas iniciais de Semog, alcançado uma grandeza programática existencial, cultural e linguística que certamente serviu de base (ou não) para a construção de uma moderna poética negra brasileira dos anos 70 e 80 (De Crihoulo, 2022, p. 70-71).

Apesar de não ter sido publicada na edição comemorativa dos cem anos da Semana de Arte Moderna da revista Bric a Brac, o relato da editoria desse periódico sintetiza aspectos do vislumbre estético de Xavier, por descrever o seu caráter inovador, intenso, caótico e delirante, comparando-o inclusive com a linguagem frenética do cineasta Glauber Rocha.

Ao ter contato com as vinte páginas do datiloscrito, a primeira impressão é de incômodo. Assim como no ensaio/manifesto “Dha lamba à qvizila”, Xavier cria e recria palavras, monta e desmonta expressões, causando um estranhamento em diversos momentos. Na realidade, ele vai além da prática da “inventividade”, decompondo ou esticando as palavras. Brasil aparece como Brasiloyro, mais uma vez; pós-moderno vira Puz MuuuÚUderno, entre outros neologismos e expressões recorrentemente utilizados ao longo do texto.

No primeiro momento, o leitor observa uma aproximação entre os dois interlocutores: “De Crihoulo para Crihoulo”, ou seja, de Xavier para Semog. Uma irmandade construída pela troca de experimentações, oposta à chamada “etnosociológica do Brasil”. O que aproxima essa irmandade é: “o sentido irreverente e agressivo de nossas manifestações literárias, multidirecionadas na busca de uma autocompreensão do Negro” (Xavier, 1986, p. 1). Xavier entende que, assim como ele, Semog é um iconoclasta, isto é, ambos não se prestam a cultuar nomes, dogmas ou paradigmas.

Semelhante a “Dha lamba à qvizila”, Xavier desfere em seu “antiprefácio” uma série de ataques, nomeando inclusive os seus alvos. O primeiro a ser alvejado é o poeta e ensaísta Antônio Cícero, autor de um artigo na Folha de S.Paulo, intitulado “MPB: raízes versus antenas”. Depois de Cícero, o poeta paraibano alveja uma série de intelectuais acadêmicos que se dedicaram a pesquisar e a escrever sobre a literatura negra brasileira. O francês Roger Bastide e o inglês David Brookshaw são os dois principais.

Sem se aprofundar em nenhum momento ou mesmo citar quais obras desses acadêmicos estão sendo refutadas, Xavier segue sua toada. Ao fazer uma apreciação de Bastide, postula que sua crítica - quando acusa a literatura negra brasileira de “imitatória” dos autores brancos, não existindo, portanto, uma diferença essencial entre a produção dos negros e dos brancos - não é válida. Provavelmente, os escritos do francês, criticados por Xavier, são “A poesia afro-brasileira”, de 1943, e “Estereótipos negros através da literatura brasileira”, de 1953.

Já sobre Brookshaw, tudo indica que a contestação é do seu livro Raça e cor na literatura brasileira, publicado no Brasil em 1983. Segundo Xavier, o pesquisador inglês de “forma fraseológica” estabelece “comparações bizantinas” entre os poetas negros Lino Guedes e Solano Trindade, sob o álibi de “q’ambos-são-oriundos dos movimentos políticos da primeira metade do século” (Xavier, 1986, p. 11). Porém, a crítica mais contundente de Xavier volta-se contra os acadêmicos, que cobram obras-primas de autoria negra. Em seu livro, o pesquisador inglês teria argumentado que a razão da ausência de uma tradição literária negra do Brasil, quando comparada aos Estados Unidos, é o maior desenvolvimento econômico dos negros estadunidenses. Xavier ironiza tal argumento: “Se nós - NegRRRROOOOoosSSSSS não produzimos ainda um JAMES BALDWING e/ou um LANSTONE. O Brasiloyro não produziu nenhum POUND, ELIOT e BAUDELAIRE” (Xavier, 1986, p. 6).

Apesar das diatribes contra o meio acadêmico, o poeta paraibano reconhece que existe uma leitura acadêmica que, estimulada por uma consciência de escrúpulos, vem catalogando a literatura negra contemporânea. E ironiza mais uma vez: “Talvez, buscando detectar possíveis sintomas de uma Explosão)ïnevitável(Negra no Brasiloyro? Não sei” (Xavier, 1986, p.11).

Além das críticas, quando não desconfiança, ao meio acadêmico, Xavier não poupa invectivas contra o movimento negro, apontando insuficiências desse movimento para pensar a própria “questão negra”. O poeta paraibano cria um apodo, que utiliza em vários momentos da carta-prefácio: CafETNIA, uma junção de “cafetão” com “etnia”. “Cafetão” é aquele que vive à custa da prostituição alheia; já “etnia” do grego ethnos, povo que tem o mesmo costume, a mesma origem, cultura, língua. Pelas penas de Xavier a CafETNIA seria

uma atitude política nos departamentos partidários ou nas instituições dos poderes eventuais (Poderes Podres do Puz-muuuuÚUUUderno). Uma prática política notadamente descomprometida com a Não-Permissão q’as manifestações literárias começam a empreender ou conceber de forma radical no sentido explícito de uma transgressão estética (Xavier, 1986, p. 10).

Transgressão estética que o próprio Xavier procura colocar em prática na carta-prefácio, pois, além de utilizar-se de expressões inventivas, o poeta paraibano se vale do espaço da escritura para criar ideográficos, como um recorte em forma de colagem com rostos de referências negras - Zumbi dos Palmares, Pixinguinha, Garrincha, Luiz Gonzaga, Luiz Melodia, entre outras -, ou poemas visuais.

A carta, enfim, chega ao seu propósito: verte-se em prefácio do livro O cio das cores, de Semog. Mas, como no resto do texto, Xavier não segue os parâmetros tradicionais de um prefácio, visto que, afora alguns elogios, acaba por lavrar uma série de falhas ou limitações da obra apresentada.

De acordo com Xavier, O cio das cores é uma coletânea poética conotativa de um parque de diversões ao mesmo tempo trágico e cômico. Sendo um libelo contra o racismo, o prefaciador entende que o livro não pode ser examinado dissociado das lutas pela autodeterminação dos povos negros, sem considerar as consequências da expansão capitalista, a modernização da sociedade brasileira e a dependência política, cultural e econômica do país.

Entre as principais qualidades de O cio das cores, Xavier registra: “emocionou-me mesmo, Semog, a sua fecunda incursão na tentativa de feminização da linguagem poética”. Já as ressalvas estão no plano do processo criativo, em que identifica poemas com “fatores redundantes”, trechos de “diacrônico confessionalismo” e com “certa emocionalidade proselitista e grandiloquente” (Xavier, 1986, p. 18-19).

A fortuna crítica

Assinalamos a rede de sociabilidade negra tecida por Xavier com Cuti, Miriam Alves e Éle Semog, no seio do circuito literário. Abílio Ferreira é outro nome desse mesmo circuito. Contista, poeta e jornalista, Ferreira foi membro do Quilombhoje e participante dos Encontros de Poetas e Ficcionistas Negros, ocorridos na década de 1980. Xavier tornou-se um de seus grandes interlocutores, o que explica o convite que Ferreira lhe fez para escrever o prefácio de uma novela que acabara de concluir em 1989: Antes do carnaval.

Xavier escreveu, porém, nos moldes da carta-prefácio produzida para Semog. O poeta paraibano se utilizou do exórdio para realizar uma intensa e curiosa revisitação de suas próprias ideias, deixando praticamente de lado a apreciação do livro do amigo. O ensaio/prefácio “O brilho de Abílio”, escrito em 1989, acabou publicado, por circunstâncias editoriais, apenas em 1995, pela Selinunte Editora, de São Paulo, com apoio cultural da Convivência Editora.

Xavier passou a limpo os seus últimos escritos literários, difundidos na década de 1980, fazendo, especialmente, uma autocrítica de suas ideias sobre literatura negra, bem como pela primeira vez procurou refinar a sua proposta estética, chamada de transnegressão, conceito engendrado pelo poeta paraibano na tentativa de sintetizar seu modo de pensar e de trabalhar artisticamente.

Em “O brilho de Abílio”, Xavier começou por um tópico chamado “A quizila original”, descrevendo a sua “pesada” crítica aos Cadernos Negros, n. 7, bem como às Rodas de Poemas, realizadas pelo Quilombhoje durante a mesa redonda no Masp, que fez parte do Projeto Zumbi, em novembro de 1984. Referindo-se à qualidade duvidosa dos textos produzidos ou declamados nesses eventos, Xavier ponderou: “eu temia o risco da perda da necessária essencialidade antilírica, da dimensão política do fazer artístico. E julgava também que essa repetição refletia a singularidade do modo político e cultural de produção, do peso que os Cadernos Negros tinham e têm mesmo de ter” (Xavier, 1995, p. 11).

No tocante às Rodas de Poemas, que expressariam, naquele momento (anos 1980), um discurso de autoflagelo, comparado a cultos evangélicos ou palcos de “camelôs”, Xavier se confessou “desarmado de arrependimentos, que o texto lido no MASP era um achincalhe” (Xavier, 1995, p. 12). Convém lembrar a reação virulenta que Jamu Minka, um integrante das Rodas de Poemas, teve na ocasião. Outro poeta negro que reagiu - de maneira mais pacífica - foi Cuti, que cobrou de Xavier maior participação, compromisso e intervenções menos suicidas. Salientou, ainda, a necessidade de diferenciar o gueto (o lugar imposto ao negro pelo branco) do quilombo (lugar conquistado pelo negro a despeito do branco).

Passando em revista todos esses acontecimentos, Xavier procura se retratar com o grupo remanescente das Rodas de Poemas, elogiando o trabalho do poeta Oubi Inaê Kibuko, em seu conteúdo performático, já alinhado e sintonizado “com a new wave que se prolongou do break ao rap. A sua leitura magistral do Trem de Leopoldina, do Solano Trindade. Ou a declamação rap-estilizada de Bodarrada de Luiz Gama, trabalhada por Cuti, Éle Semog, Abílio Ferreira e eu” (Xavier, 1995, p. 13).

Nesse ímpeto revisionista de suas concepções, Xavier reserva um elogio para o primeiro Encontro Nacional de Poetas e Ficcionistas Negros - uma “navegação das veias” empreendida por ele juntamente com outros tantos escritores negros -, bem como confere destaque ao Quilombhoje e seus Cadernos Negros que, por esse novo viés, é de uma indiscutível importância histórica, compondo “um épico coletivo”.

A partir desse mosaico de autocríticas, o poeta paraibano empreende um percurso reflexivo em forma de manifesto para compor o que ele acha ser “verdadeiramente” uma literatura negra brasileira. Para isso, indica a necessidade de diversas medidas: “aflorar uma massa crítica e criativa. Delinear aberturas & caminhos nos processos criativos”; desenvolver um “projeto imaginativo marcado pela contraposição à compreensão política e estética do mundo branco” (Xavier, 1995, p. 14). Tudo isso articulado a uma operação intertextual com trabalhos coletivos, de revisitação de Cruz e Sousa, Lima Barreto, Machado de Assis, Lino Guedes e Luiz Gama, bebendo na fonte da negritude de Aimé Cesaire e Léopold Senghor. E incorporando a poesia, quer das tradições do negro norte-americano, quer da resistência de poetas africanos, como Agostinho Neto e Arlindo Barbietos.

Surge, então, a noção de transnegressão, que ficará marcada em toda a produção de Xavier, tanto poética como ensaística, e tanto da década de 1980, sobretudo no ensaio “Dha lamba à qvizila” aqui discutido, como da década de 1990; porém, a partir daí, ela aparece nomeada de forma mais evidente: “o negro não é nem feio nem bonito: é o que contraria (na aparência e na essência, na forma e no conteúdo) pela incorrespondência sobretudo político-existencial, como as peças de teatro de Abdias Nascimento, a arte plástica de Mestre Didi e o jornalismo de José Correia Leite, por exemplo” (Xavier, 1995, p. 15-16).

O conceito de transnegressão, fusão dos vocábulos “transgressão” e “negro”, formulado por Xavier, nasce como uma provocação ao engessamento, à estagnação e à mesmice de normas “uniformizadoras” das manifestações literárias dos escritores negros. Xavier argumenta em favor da instabilidade do signo estético e diapasão estilístico, postulando que os fluxos e definições sobre o fenômeno literário devem estar sujeitos a essa dinâmica aberta, descentrada, até “pela visceralidade impossível de ser controlada pelos parâmetros sígnicos e simbólicos dos rótulos produzidos pelos espaços de celebração acadêmicos” (Xavier, 1995, p. 10).

O poeta paraibano rompe com a rigidez essencialista do denuncismo panfletário e da retórica engajada na afirmação de uma identidade fixa e estável.14 É por isso que Augusto (2023) entende a transnegressão como uma abordagem “contraestilística”, no bojo de um posicionamento que rejeita a instrumentalização moral ou política do fenômeno literário. Para Augusto (2023), o poeta paraibano sugere que a busca por novos paradigmas discursivos e criativos não deve se render às convenções estabelecidas, mas sim desafiar as expectativas impostas pelo senso comum.

Ao destacar elementos como a natureza do conteúdo, a estrutura formal, a compleição rítmica, a disposição repertorial, as nuances da narrativa, a delineação de personagens, a construção silogística e a chave de ouro do poema, o conjunto dos ensaios de Xavier descerra propugnando em várias camadas uma ampla redefinição das práticas literárias. Esses elementos de caráter axiológico são apresentados como componentes que devem ser reconsiderados e transgredidos para alcançar uma autêntica expressão da negritude.

A transnegressão, portanto, é denotada como uma indexação de não alinhamento, uma recusa em concorrer ao espólio do “parasitarismo branco”, e uma incorrespondência com as expectativas do senso comum. A liberdade de declinar do convite para se inserir cristalina e negramente, como sugeriu Oswaldo de Camargo, no conjunto dos criadores tradicionais, é realçada como um ato de resistência e autoafirmação.

Assim como “Dha lamba à qvizila”, Xavier, em “O brilho de Abílio”, sugere que o conceito de transnegressão aplica-se para além da literatura, estendendo-se às manifestações culturais e artísticas afro-brasileiras. É operando com essa lógica que o poeta paraibano, nesse último ensaio, evidencia o sentido de transgressão, que se apreende na inscrição negra urdida na literatura de Cuti, na plasticidade corporal do bailarino Ismael Ivo, na representação da mulher negra de Geni Guimarães, Miriam Alves, Esmeraldina Ribeiro, como também na dicção de Éle Semog, no traço do cartunista Maurício Pestana, na arte cinevideoplástica de Luiz Paulo Lima, Ari Cândido, Celso Prudente, Joel Zito e Mário Espinosa. A lista é grande; inclui, pois, músicos, cineastas, fotógrafos, dançarinos e poetas. Aparece também “A violência do canto veroz dos Racionais MC’s” (Xavier, 1995, p. 17).

Nesse sentido, a transnegressão é uma atitude que permeia diversas esferas e dimensões da expressão negra, desafiando padrões preestabelecidos e impulsionando uma nova forma de narrar e representar a experiência afrodiaspórica. Assim, a transnegressão, como conceito, torna-se uma ferramenta metalinguística em vista da emancipação estética e cultural, uma força propulsora rumo à elaboração de um discurso mais genuíno, libertário, policentrado e multifário.

Considerações finais

Arnaldo Xavier, como intelectual atuante no Brasil entre as décadas de 1970 e 1990, viu-se enredado nas teias da literatura negra, cuja característica nevrálgica é a marginalidade frente ao sistema literário. Porém, Xavier não teceu de maneira ortodoxa as teias dessa rede. De espírito questionador e iconoclasta, ele procurou em seus ensaios/artigos/manifestos lançar dúvidas, ambivalências e questionamentos sobre os pressupostos da literatura negra brasileira, dentro de um espírito crítico e irônico. Para algumas pessoas suas posições eram radicais, quando não polemistas. Porém, para outras, suas ideias qualificavam e ampliavam os horizontes do debate em curso.

Em seus textos, Xavier operou com aquilo que ele mesmo batizou de transnegressão, categoria criada pelo poeta na tentativa de delinear seu modo de pensar e agenciar artisticamente. Ela remete, tanto ao gesto de transgredir à ordem canônica da literatura brasileira, quanto às investidas de interseccionar o negro nessa transgressão, o que configura um experimento artístico contranormativo, insurgente, insólito e multifacetado. Augusto (2019) argumenta que o compósito verbal transnegressão, cunhado pelo poeta paraibano, tenta dar conta - por meio da justaposição dos vocábulos (“negro” + “transgressão”), ao estilo da montagem cinematográfica - de uma proposta estética interessada em violar, quer as ideias convencionais que orientam nossas filosofias de vida, quer as imagens de um cânone totalizante, “universal”, ubíquo a ponto de poder ser aplicado em qualquer tempo-espaço.

Xavier, um dos intelectuais negros frementes de sua geração, despontou como figura ativa no circuito alternativo da produção cultural, especialmente sua retórica racial, que foi forjada nos intensos debates e agenciamentos ocorridos entre 1978, ano da fundação do MNU, e 1988, ano do centenário da Abolição (Alberto, 2017). A partir da década de 1980, ele divulgou sua produção e investimentos narrativos no terreno do vanguardismo estético, causando reações dos escritores, no que diz respeito aos rumos, impasses e desafios de uma literatura negra - uma modalidade de ativismo literário articulada em estreita sintonia com o Movimento Negro.

Conforme argumenta Augusto, Xavier é um autor cuja obra e reflexões estão “tensamente imbricadas no debate referente aos dilemas de uma vertente negra na literatura brasileira” (Augusto, 2006, p. 50). Mas o seu ponto de vista sobre essa questão se define, acima de tudo, por uma postura crítica, “problematizadora, metalinguística, intra e intertextual”, mais do que por uma enunciação conclusiva ou utilitarista de uma causa que, de roldão, é apropriada para legitimar agendas e “tópicos identitários através de uma ação literária entendida como testemunho de verdade étnica ou de realidades meramente vivenciais” (Augusto, 2006, p. 50). Da perspectiva de Xavier, a literatura negra se configura como um debate que não precisa, a princípio, “ser lacrado assim às pressas. Exceto, talvez, do ponto de vista acadêmico, essa literatura se constitui em algo que não tem de ser resolvido”. Afinal, “um poema de verdade não admite solução” (Augusto, 2006, p. 50).

Xavier defendeu, em seus escritos e em sua própria verve poética, a instauração de uma linguagem transnegressora. Isto é, uma espécie de gramática de criação literária disruptiva, que fosse além dos esquemas convencionais, dos clichês e léxicos maniqueístas, e além de “simples” instrumentalização da poesia como arma política para sensibilizar a consciência dos leitores para a questão racial. Sua poesia é a transnegressão nos umbrais representacionais da linguagem, fronteira exusíaca entre mundo e signo. Na acepção de Luiz de Sousa, a obra poética de Xavier “ultrapassa o plano individual, étnico, nacional e aspira ao universal” (Sousa, 2011, p. 343).

Para Sueli Carneiro, ele fez da poesia um ato de amor e coragem: “foi assim que ele viveu. Recusando o aplauso fácil, o diálogo inócuo, a subjetivação proposta pelo racismo e suas múltiplas formas de discriminação”. Irreverente, “contrariar era uma missão, a resistência possível às seduções de cooptação literária ou política; o seu exercício de liberdade” (Carneiro, 2023, p. 300-301). Falecido em São Paulo em 26 de janeiro de 2004, deixou vários inéditos, como o volume Ekathonblue. Fato é que a produção poética e ensaística desse intelectual paraibano ainda não foi incorporada devidamente à paisagem histórica da literatura brasileira. Este artigo é um passo na contramão disso.

Referências

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  • XAVIER, Arnaldo. Antiprefácio Rio de Janeiro, 20 mar. 1986. (Correspondência para Éle Semog). Acervo pessoal de Bruno Rafael de Albuquerque Gaudêncio, s.d.
  • 1
    Recentemente vêm sendo publicados vários livros que visibilizam as trajetórias das pessoas negras brasileiras, como as coletâneas Afro-Brasil reluzente: 100 personagens notáveis do século XX (2019), organizada por Nei Lopes, e a Enciclopédia negra (2021), organizada por Flávio Gomes, Jaime Lauriano e Lilia Schwarcz. Na primeira coletânea, Arnaldo Xavier não aparece entre os cem perfilados. Na segunda, ainda mais ampliada, pois se “trata de uma narrativa feita em verbetes, em fragmentos, de certos nomes conhecidos pelos brasileiros e sobretudo de outros basicamente ignorados, mas que tiveram seu protagonismo em diferentes momentos e regiões do país”, também constatamos a ausência de Xavier.
  • 2
    A esse respeito, ver Kennedy (1986).
  • 3
    O poema-processo foi um movimento artístico de vanguarda que ocorreu no Brasil entre 1967 e 1972, em pleno regime militar. Surgido no Rio de Janeiro (RJ) e em Natal (RN), se expandiu pelo país, aglutinando diversos poetas, dos quais se destacaram: Wlademir Dias Pino, Moacy Cirne, Neide de Sá e Álvaro de Sá.
  • 4
    O advento da poesia concreta, dos poemas concretos, remonta ao movimento de vanguarda concretista no século XX. Consistiu num movimento artístico e cultural originado na Europa, que aportou no Brasil na década de 1950, especialmente em São Paulo, durante a Exposição Nacional de Arte Concreta, realizada no Museu de Arte Moderna, em 1956. Os principais fundadores do concretismo no país foram Décio Pignatari, Haroldo de Campos e Augusto de Campos, também conhecidos como “irmãos Campos” e formadores do grupo denominado “Noigandres”. Posteriormente, esse grupo lançou uma revista literária homônima.
  • 5
    Na música, Xavier foi parceiro de nomes como Alcides Neves, Gereba e Toninho Crespo, compondo canções nos gêneros forró e reggae. No teatro, em parceria com Miriam Alves e Cuti, ele publicou a peça Terramara (1988). No cinema, em parcerias, elaborou diversos roteiros sobre Cruz e Sousa, Luiz Gama, Eduardo Oliveira, entre outros personagens e temáticas.
  • 6
    Xavier esteve em diversos atos do MNU na década de 1970, como na Caminhada de Zumbi, em 20 de novembro de 1979, quando um policial pediu sua identificação. A partir da década de 1980, colaborou com vários agrupamentos do movimento negro, como Soweto, Gelédes, Grupo Negro da PUC e Olodum. Sobre esse movimento no período, com destaque para o Cecan e o MNU, ver: Moore (1989), Hanchard (2001), Covin (2006), Silva (2012), Brauns, Santos e Oliveira (2020).
  • 7
    Sobre a mobilização racial da época, ver: Mitchell (1985), Andrews (2015) e Santos (2022).
  • 8
    Evento anual ocorrido São Paulo, no mês de novembro, entre 1984 e 1986. Foi criado pelo fotógrafo e cineasta Ari Cândido Fernandes, quando assessor de Assuntos Afro-Brasileiros da Secretaria Estadual da Cultura de São Paulo.
  • 9
    Acerca das “novas formas de atuação voltadas às questões da população negra” em São Paulo e no Brasil, ver: Andrews (1998) e Alberto (2017).
  • 10
    Jamu Minka, jornalista, formado pela Universidade de São Paulo (USP), participou de projetos político-culturais que agitavam a juventude afro-paulistana na década de 1970. Escreveu nos jornais Árvore das Palavras, Versus (na coluna Afro-Latino-América) e Jornegro. Militou no Cecan e no Quilombhoje. Integrou o grupo que traz a público em 1978 o primeiro número da série Cadernos Negros.
  • 11
    Criação crioula, nu elefante branco é uma coletânea que reúne vinte textos e uma transcrição de uma sessão de debates do I Encontro Nacional de Poetas e Ficcionistas Negros, ocorrido em São Paulo, na Faculdade Rebouças, entre os dias 6 e 8 de setembro de 1985.
  • 12
    Em política, triunvirato designa o comitê entre governantes ou três personagens com autoridade em pé de igualdade em nível e poder e que se reúnem em um esforço único para a gestão de uma entidade ou para completar uma missão. Quando Xavier utiliza o termo para se referir aos três escritores, atribui um teor de ridicularização; um meio de menosprezar a pretensa superioridade deles.
  • 13
    Ronald Augusto publicou, entre 1995 e 2019, diversas versões de diferentes artigos sobre a poesia de Arnaldo Xavier em revistas, antologias e sites literários. Ver: Augusto (2019).
  • 14
    Para uma crítica ao essencialismo na retórica da pureza ancestral, ver: Appiah (1997).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Maio 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    30 Mar 2024
  • Aceito
    28 Abr 2024
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