Open-access De Londres a Buenos Aires: diálogos entre Virginia Woolf e Victoria Ocampo sobre a condição da mulher intelectual no início do século XX

From London to Buenos Aires: dialogues between Virginia Woolf and Victoria Ocampo about the condition of intellectual women at the beginning of the twentieth century

Resumo:

O artigo acompanha a trajetória de duas intelectuais, Virginia Woolf e Victoria Ocampo, posicionando-as como observatórios de um tipo de sociabilidade transnacional que caracterizou o leque das possibilidades das mulheres letradas da primeira metade do século XX. Com base em um debate sobre a circulação internacional das ideias e das práticas intelectuais, o argumento acompanha as trajetórias das autoras, com destaque para dois elementos: o papel da escrita autobiográfica e suas relações com a universidade, mormente tematizados a partir das experiências que são registradas por elas em suas memórias (no caso de Ocampo, seus Testimonios, no caso de Woolf, Momentos de vida e Um teto todo seu). A hipótese é de que o tipo de centralidade que elas ocuparam - redes privadas, sociabilidades domésticas e grupos semiuniversitários - ajuda a acompanhar a dinâmica de recrutamento/exclusão dos campos intelectuais em questão.

Palavras-chave:
História intelectual; Virginia Woolf (1882-1941); Victoria Ocampo (1890-1979)

Abstract:

The article follows the trajectory of two intellectuals, Virginia Woolf and Victoria Ocampo, positioning them as observatories of a type of transnational sociability that characterized the range of possibilities of literate women in the first half of the 20th century. Based on a debate on the international circulation of ideas and intellectual practices, the argument follows the trajectories of the authors, with emphasis on two elements: the role of autobiographical writing and its relations with the university, mainly thematized based on the experiences that are recorded by them in their memories (in the case of Ocampo, her Testimonies, in the case of Woolf, Momentos de vida and A ceiling all yours). The hypothesis is that the type of centrality they occupied - private networks, domestic sociability and semi-university groups - helps to monitor the recruitment/exclusion dynamics of the intellectual fields in question.

Keywords:
Intellectual history; Virginia Woolf (1882-1941); Victoria Ocampo (1890-1979)

O dinheiro dignifica aquilo que é frívolo quando não remunerado.

VirginiaWoolf (1985)

Há algumas décadas a posição das mulheres no campo intelectual - tanto em termos absolutos, apreensíveis estatisticamente pelo aumento do acesso ao ensino superior, por exemplo, quanto em termos relativos, a partir da comparação entre trajetórias femininas e seus colegas homens com as mesmas condições - têm sido objeto de inúmeras revisões (Almeida, Moscovich, 2016; Zilberleib, 2023).1 A crítica à sua invisibilização - seja no campo da universidade, seja no campo mais amplo da produção cultural - coexiste com um rol de análises propositivas sobre a mitigação de uma desigualdade de acesso ao mundo da cultura que perpassa também a raça e a classe (Scott, 1992; Rago, 1995; Collins, 2016; Kilomba, 2019). Todavia, apesar do imenso avanço, notado sobretudo no interesse crescente de pesquisas e no aumento expressivo de professoras e estudantes ocupando cargos centrais na universidade, é preciso notar também importantes continuidades no que diz respeito à posição da mulher no campo intelectual, sobretudo em países como o Brasil e a Argentina. Afinal, não se trata apenas de uma equiparação numérica: é preciso levar em conta quais posições estão sendo ocupadas por mulheres e por quais mulheres. Como salienta Maria da Gloria Oliveira (2018), no artigo intitulado sugestivamente “Os sons do silêncio”, a figura feminina ainda é vista, na universidade, como um outro, tal como há quase um século vaticinava Beauvoir. Esse diagnóstico se desdobra ainda em uma questão estruturante: assim como em outros espaços da vida social, no mundo intelectual há outros mais outros do que outros. Nesse sentido, a posição de “outridade” - ou de outsider, que este artigo pretende tematizar - não é uma posição absoluta ou essencial, mas sempre relativa a um jogo específico de posições sociais. Dificilmente, nesse sentido, poderíamos pensar que as personagens que presidirão o percurso desse argumento, Virginia Woolf (1882-1941) e Victoria Ocampo (1890-1979), oriundas de famílias com importante capital simbólico e econômico, possam ser compreendidas como outsiders strictu sensu. É precisamente essa posição híbrida - a posse de capital cultural e econômico consolidado e a dificuldade de acesso ao ensino universitário regular - que as qualifica como observatório da consolidação da posição outsider, entendido como espaço privilegiado - por ser o único permitido - da posição das mulheres no mundo intelectual. Em outras palavras, dificilmente Ocampo e Woolf poderiam ser consideradas outsiders tais como a maior parte das mulheres de seus respectivos contextos: em seu próprio tempo foram agentes centrais nas dinâmicas culturais de Londres e de Buenos Aires respectivamente, e a posteridade se encarregou de transformá-las em cânones. Nesse sentido, de que maneira uma posição canônica pode funcionar como expediente de análise da relação das margens com o centro das consagrações culturais? Minha hipótese é de que o tipo de centralidade que elas ocuparam em seu tempo - redes privadas, sociabilidades domésticas e grupos parauniversitários - é justamente o que as posiciona como outsiders privilegiadas do establishment intelectual que, a partir do começo do século XX, parece se encaminhar definitivamente para fora dos salões, e assentar-se mais comodamente nos campi universitários. Assim, acompanho a análise de McLaughlin (1998), quando afirma que a marginalização não é uma exclusão, mas um modo de definir uma posição a partir de sua inclusão relativa em um determinado jogo. A posição das autoras é ainda mais emblemática quando pensamos em figuras que, como Ocampo e Woolf, frequentaram esporadicamente a universidade, ainda que jamais como insiders: sua posição híbrida, consolidada fora da instituição e a partir de critérios de consagração exógenos a ela, é o objeto dessa análise, que se valerá de suas trajetórias não no sentido empírico e biográfico mas, como diria Bourdieu, como registros de indivíduos epistêmicos que informam sobre posições possíveis dentro de determinado universo social. Constrangido de duas maneiras - insider pela posição social e outsider pela condição feminina - o espaço específico que ambas ocupam e constroem em seus respectivos contextos nacionais nos permitirá, se a hipótese deste artigo estiver correta, tematizar o fenômeno que o sociólogo francês descreveu, em algumas de suas obras, como a transformação da necessidade em virtude (Bourdieu, 2008; Bourdieu, Passerón, 2013).

Este não é, todavia, um texto exaustivamente comparativo entre as obras e/ou trajetórias de Virginia Woolf e Victoria Ocampo. Apesar das inúmeras possibilidades analíticas que tal iniciativa apresenta, considero que elas já foram feitas com sucesso em obras como Virginia Woolf, Victoria Ocampo, and the national/transnational dialectic in “Three Guineas”, de Matthew Beeber (2015) e Virginia Woolf e Victoria Ocampo: sob uma perspectiva brasileira, de Maria Aparecida de Oliveira (2018). Além disso, as duas escritoras foram, em seus respectivos contextos, exaustivamente estudadas por literatos, filósofos, sociólogos e historiadores.

Apesar de este não ser um artigo de história comparada, quero enfatizar, de saída, que ele se beneficia dessa imensa bibliografia, incomum para escritoras mulheres. Apoiada nela, a proposta é partir dos textos autobiográficos das duas escritoras, bem como da inserção dessas obras nas dinâmicas institucionais que as circunscrevem, para pensar uma história da circulação internacional da posição de intelectuais escritoras, em muitos sentidos marginal - por ser paralela - à circulação global dos intelectuais acadêmicos no mesmo período; mas também criativa e específica, capaz de posicionar escritoras como Woolf e Ocampo como insiders no campo intelectual de seus respectivos contextos. Dessa forma, este artigo adota a perspectiva de uma história intelectual sociologicamente orientada, já que atenta à dimensão prática e institucionalizada das disputas simbólicas (Miceli, 2014, 2018; Bourdieu, 2008, 2010). Para que uma análise dessa natureza possa se propor a transitar entre dois contextos tão diferentes como Inglaterra e Argentina, é preciso considerar, como propõe Sapiro (2013), em Il camp est il national?, o trânsito legitimador das elites na importação de modelos escolares, modelos estes que definem, por contraste, a posição do outsider. Acompanhando Casanova (2002) e Ana Maria de Almeida (Almeida, Nogueira, 2002), os referenciais nacionais se constroem numa luta literária que é internacional. Precisamente, é essa dinâmica que une as duas cosmopolitas Woolf e Ocampo, e nos permite tematizar, para além de suas trajetórias nacionais, o significado dos trânsitos estabelecidos entre elas, como traduções e encontros sociais. O diálogo entre ambas as escritoras, nesse caso, é construído como um observatório heurístico das posições possíveis para intelectuais mulheres, nas primeiras décadas do século XX.

A estrutura do argumento tem a intenção de mesclar os movimentos analíticos às trajetórias das autoras, com destaque temático para dois elementos: o papel da escrita autobiográfica em Ocampo e Woolf, e suas relações com a universidade, mormente tematizadas a partir das experiências que são registradas por elas em suas memórias (no caso de Ocampo, seus Testimonios, no caso de Woolf, Momentos de vida e Um teto todo seu). Inicialmente, apresento um debate de reconstrução bibliográfica sobre o tema dos salões e das instituições informais de consagração cultural. Em seguida, apresento Woolf e Ocampo como observatórios dessa tensão criativa entre universidade e instâncias privadas de consagração cultural em seus respectivos contextos, Inglaterra e Argentina da primeira metade do XX. Os relatos oferecidos pelas autoras, nesse sentido, são cotejados com as estruturas de consagração cultural e acadêmica, em seus respectivos contextos de circulação. Menos do que atestar objetivamente um estado de coisas, os relatos ajudam a compor um panorama das possibilidades de posicionamento das escritoras no campo literário e no campo acadêmico. Por fim, proponho uma interpretação sobre a criação de uma posição inédita e híbrida personificada por Woolf e Ocampo: não se tornaram insiders, mas transformaram a margem em uma instituição visível e socialmente valorada, posição estrutural que viria a constituir uma gênese das posições outisders contemporâneas, não ocupadas necessariamente por mulheres, mas consagradas a partir da valorização dos espaços de educação informais como espaços de crítica à universidade e ao discurso professoral.

Os salões como colégios invisíveis: uma genealogia das outsiders

Frequentemente o espaço dos salões é analisado como uma espécie de pré-história das instituições formais de produção cultural, sobretudo da universidade. Em outra perspectiva, igualmente incompleta em minha percepção, os salões ocupam a função de uma “história paralela”, a história das mulheres no mundo das letras e do pensamento. Quero argumentar que tais posições não fazem justiça à função que as reuniões privadas ocuparam no início da consolidação da universidade, tanto na Europa como na América Latina. Além de funcionarem como espaços de socialização das elites e, portanto, de formação de alianças políticas e comerciais, o espaço dos salões compreende uma vasta gama de atividades e de possibilidades que ultrapassam as reuniões privadas, pontualmente executadas por senhoras francesas ou vitorianas. Neste artigo, quero argumentar que a sociabilidade dos salões designa, na esteira das reflexões de Agulhon (2016) e Lilti (2005), todos aqueles espaços privados de produção cultural que carregam consigo também modos de adquirir e professar a cultura legítima (Bourdieu, 2010), como cafés e teatros. Em contextos nos quais a universidade é muito corporativa ou fechada, ou mesmo quando ocupa uma posição culturalmente pouco prestigiosa, os salões cumprem a função de fornecer os códigos que frequentemente conectam, por sua dimensão espacial, as elites econômicas com as elites intelectuais. Essa dimensão também é importante porque a fronteira público/privada é frequentemente borrada, como se vê, por exemplo, no uso ritual da leitura de cartas.2 As leituras mantinham seus ouvintes atualizados sobre as disputas e os acontecimentos da alta sociedade, e permitiam uma circulação de informações que não eram compreendidas nem como íntimas, nem como públicas, mas destinadas a fornecer goma social a certos nichos das elites letradas, um expediente de distinção, para usar a expressão clássica de Bourdieu (2010).

Para Alain Viala (1985), a ideia fundacional dos muitos tipos de salões e associações culturais que se consolidaram ainda no século XVIII era justamente estreitar os vínculos entre literatos e cientistas, garantindo oportunidades de subsistência financeira em um contexto em que o mecenato era mais frequente do que os cargos públicos dedicados ao conhecimento ou à ciência. Em seus termos, “a atividade acadêmica que assim se desenvolve também representa uma empresa de codificação e legitimação autônoma de valores culturais e artísticos” (Viala, 1985, p. 18).3 Trata-se de uma sociabilidade cujo fim era funcionar exatamente como espaço de convívio, se diferenciando, nesse sentido, das sociedades científicas, nas quais a sociabilidade também comparecia como elemento central, mas era justificada pela persecução de finalidades “elevadas”.4 Além disso, a sociabilidade informal das redes de salões e cafés, tanto em Londres como em Buenos Aires, foi importante para garantir um espaço de autonomia para o diletante num contexto em que, precisamente, a profissionalização das disciplinas e o confinamento do saber em universidades se expandia.5

Mais especificamente atento ao funcionamento dos salões literários, Antonie Lilti (2005) ressalta que a dinâmica central desses espaços era a conversação, a arte de dizer com estilo, com espírito. Essa imagem evoca certa nostalgia de um tempo pré-institucionalizado, em que vigoravam etiquetas menos codificadas e burocratizadas no trato social. Esse apelo nostálgico (Boym, 2017) também remonta à uma sensibilidade pré-industrial e pré-citadina, de modo que é fundamental analisar a relação dos salões com outras instituições das elites e com o próprio espaço da cidade. Isso porque o salão é, antes de mais nada, um espaço privado. Essa característica, inclusive, se conecta ao argumento central deste artigo: de que é a domesticidade a porta pela qual muitas mulheres letradas se apresentam à vida mundana. Como também destaca Lilti, embora nem todos os salões dos séculos XVIII e XIX fossem protagonizados por mulheres, o eram em sua maioria. Isso não significa que se possa confundir, apressadamente, a condição de anfitriã de um salão com a condição de autora. Muitas vezes os textos redigidos por mulheres eram publicados de forma anônima ou assinados por parceiros. Essa escrita invisível, por assim dizer, respondia ao estigma da ridicularização ao qual estavam submetidas, nesse primeiro momento, as mulheres que se identificavam como autoras e não apenas como anfitriãs desses espaços sociais. Poderíamos nos perguntar, porém, se o anonimato implica em que elas não pudessem ser consideradas propriamente intelectuais. Isso porque, tal como foi concebido a partir do século XIX, o termo nasce intrinsecamente ligado à dimensão pública da atividade cultural. Uma questão conceitual dessa natureza, suponho, precisa ser confrontada com cada contexto específico em que se apresenta. No nosso caso, tanto na Inglaterra quanto na Argentina da primeira metade do XX, o registro privado, a memória e o romance autobiográfico aparecem justamente como instâncias intermediárias entre a dimensão pública da atividade intelectual e a dimensão privada que os salões e as sociedades privadas garantem. De certa maneira, falar em primeira pessoa, ainda que privadamente, pode ser entendido como um modo de adentrar na mundanidade, valor central da sociabilidade letrada.

O espaço dos salões, dos cafés e das instituições culturais se altera com o passar do tempo. A partir da metade do século XX, esses espaços se tornam também possibilidades de vida autônoma para mulheres ricas, como era o caso de Woolf e Ocampo. Casadas ou solteiras, o espaço da cultura privada era legitimado por leis de hospitalidade e cortesia, linguagens nas quais ambas as nossas personagens haviam sido preparadas ao longo da vida. Não se tratava, portanto, de um não lugar simplesmente, uma falta em relação ao espaço público, à civilidade dos homens. Quero afirmar, em outras palavras, que embora as instituições privadas de produção cultural - desde os salões famosos de Mme. de Stael6 até as sociabilidades e grupos de amigos que marcaram os contextos de Ocampo e Woolf -, fossem outsiders em relação à universidade ou às instituições científicas, não eram marginais no sentido social do termo. Ao contrário, eram espaços de arbítrio cultural, que tinham suas próprias barreiras de admissão em relação aos outsiders - a esses, muitas vezes, por não possuírem os códigos sociais da etiqueta e do witts, não bastava sequer a credencial formal da posição universitária, coisa que podia, inclusive, depor em desfavor dos que pleiteavam acesso ao grupo. Não é que um cientista não pudesse frequentar um salão, os jardins de Bloomsbury ou a casa de campo da família Ocampo, muitos frequentaram. Todavia, quando isso acontecia, não estavam ali pelos mesmos critérios de seleção da universidade, respondiam às relações de amizade e a um código sumariamente diferente, o das consagrações privadas. Como lembra Alain Viala, o clientelismo, os salões, o mecenato, a academia e mesmo as universidades costumam coexistir no mesmo espaço de tempo, facultando a distintos grupos sociais, distintas combinações possíveis de composição dos espaços de arbítrio do gosto. Como lembra também Mills (1975) em A elite do poder, é possível, e eventualmente desejável, viver na universidade sob regras “de salão”, ou seja, operando sob relações de amizade e alianças simbólicas que dependem, em última instância, de relações prévias ao ingresso na instituição de ensino superior.

Essa digressão sobre os salões, contudo, não nos ajuda a situar de forma exata o contexto de vida de Ocampo e de Woolf. Não se poderia dizer que elas eram como donas de salões, tanto pela cronologia quanto pela estreiteza de defini-las como sucessoras dessas mulheres invisíveis, pois ambas escreveram e atuaram proficuamente no mundo público de seu tempo. O que as une é, precisamente, o oposto: ambas são oriundas de grupos da elite de seus respectivos contextos, que se diferenciavam justamente por sua preocupação com a cultura e com as letras. Ambas, ainda, foram privadas, em diferentes níveis, do ensino formal. Foram paradigmas, nesse sentido, de uma posição híbrida, outsider-insider. Não se trata, portanto, de comparar Woolf ou Ocampo com Mme. Geoffrin ou Mme. Stael, mas de recuperar a historicidade de um espaço social de aquisição e enunciação cultural que ajuda a identificar de que maneira o papel de “outridade” da figura feminina em relação à universidade e ao conhecimento formal também é, a seu modo, um ingrediente central do campo. A margem, afinal, como lembra Jaap Bos (2008), não é uma não posição, mas uma parte estrutural do sistema cultural que garante, por seu próprio contraste, a perpetuação do centro e de seus sistemas de exclusão e estigmatização. Tendo isso em vista, passo agora a acompanhar as trajetórias de Woolf e de Ocampo a partir de um observatório muito específico: a relação que mantiveram, em seus respectivos campos nacionais, com a universidade de seu tempo.

Victoria Ocampo e a universidade nas sombras: uma outsider no centro das consagrações

Victoria Ocampo nasceu em 7 de abril de 1890, no seio de uma das famílias mais prósperas da elite argentina. Sua juventude, ricamente documentada por suas próprias memórias, é contemporânea de um contexto de expansão do mercado editorial e cultural de Buenos Aires. Não apenas Victoria, mas também seus amigos e parentes mais próximos estiveram vinculados, de distintas maneiras, à consolidação desse ambiente de profusão de revistas, cafés culturais e uma pujante sociabilidade nos bairros centrais de Buenos Aires. A iniciativa mais famosa talvez tenha sido a da própria Victoria: a fundação da revista Sur, em 1931, que comentarei em breve.

Porém, antes de posicionar Victoria Ocampo nesse cenário e de vê-la transformando-se em mecenas cultural e curadora do bom e do belo na Argentina (Miceli, 2018), é importante mensurar o tipo de sociabilidade intelectual que se gerava para além da universidade naquele contexto. Nos anos 1920 e 1930, a universidade argentina ainda não tinha a força e o prestígio que viria a adquirir na cena bonaerense nos anos 1950. Mesmo na universidade, imperavam as redes de sociabilização e amizades estabelecidas fora dela. Essas alianças eram importantes para as classes mais abastadas, já que ajudavam a manter as distinções da elite letrada autóctone em relação à classe média imigrante que, naquele contexto, começava a acessar o ensino superior. A referência francesa funcionava, para essa elite, como demarcador cultural. Conforme Tedesco (2022), não apenas as crianças da elite eram educadas em francês, mas as pessoas escreviam suas correspondências pessoais em francês, viajavam frequentemente para Paris para o mergulho “no seio do absoluto” da civilização e, claro, preferiam omelettes sufflés a meros huevos revueltos (Tedesco, 2022).

A inspiração francesa ajuda na criação de uma série de instituições exemplares dessa hipertrofia do mundo privado de produção cultural argentino. “É a inspiração da Société parisiense que informa, segundo a ata de fundação, o nascimento, por exemplo, do CLES (Colégio Libre de Estudios Superiores), instituição que funcionará, na Argentina dos anos peronistas, como rede de apoio mútuo e divulgação intelectual para os escritores e professores que haviam sido deslocados da universidade” (Tedesco, 2018, p. 231).7

A sociabilidade privada das elites letradas de Buenos Aires não estaria completa, todavia, sem a menção à instituição cultural que condensava esse ethos, à revista Sur, fundada por Victoria Ocampo, em 1931. A iniciativa tem uma história paradigmática desde sua fundação, revelando exemplarmente os dispositivos de circulação cultural e o cosmopolitismo que caracterizaram o empreendimento ao longo de sua extensa vida (a revista durou até 1976). Em contraposição a uma universidade então desprestigiada, a revista Sur funcionou durante muitas décadas como tradutora de nomes consagrados e como aglutinadora da intelectualidade liberal portenha, reunindo nomes como Jorge Luis Borges, Silvina Ocampo, Eduardo Mallea e, claro, Victoria Ocampo, sua diretora e financiadora. Conforme argumentei em outra ocasião, os membros permanentes desse círculo se moviam num “estilo de convivência ideológica” (King, 1986), ainda que discordassem eventualmente entre si. A partir dessa estratégia, segundo Sergio Miceli, a Sur funcionou, nos primeiros anos, baseada no prestígio que intercambiava com seus membros estrangeiros e que preenchiam as páginas com “retratos essencialistas que pretendiam quiçá validar a superioridade argentina na voz de intelectuais estrangeiros consagrados” (Miceli, 2018, p. 41). Paulatinamente a revista se torna o “carro-chefe do establishment literário” argentino, consagrando a atividade intelectual e literária “como prática reservada à minoria da inteligência e, ao mesmo tempo, propiciou a mediação exclusiva de um círculo de sociabilidade da alta burguesia” (Miceli, 2018, p. 42). Nos famosos salões de San Isidro, propriedade da família Ocampo que funcionava como antessala da consagração cultural daqueles tempos, transitavam, segundo compilação de Miceli, nomes como Eduardo Mallea, Carlos Alberto Erro, Roger Caillois, Maria Rosa Oliver, Eduardo Lanuza, Pedro Henríquez Ureña, Francisco Bunes e, eventualmente, dividiam a mesa com a sociabilidade francesa de Ocampo: Jean Hugo, bisneto de Vitor Hugo, pintor; Jean Godebski, amigo íntimo de Ravel; Baba de Faucigny-Lucinge, filha do banqueiro e barão de Erlanger, dentre outros.

É importante ressaltar que a relevância da revista Sur anda de par com a construção mitológica da própria figura de Victoria Ocampo. Ao longo de sua vida, Victoria escreveu inúmeros ensaios e crônicas literárias, mas certamente dedicou a maior parte de seus anos como escritora às suas memórias e seus relatos autobiográficos. Tanto em Testimonios (1935) como em Autobiografia (1980), Victoria nos deixa saber sobre a educação informal de sua infância, marcada, por sua condição feminina, pela dificuldade de acesso ao ensino formal e pelas limitações profissionais que se impunham às jovens ricas de seu contexto. Nesse sentido, conforme Podlubne (2016, p. 4), “o nascimento de Sur, cujas aventuras Ocampo já havia narrado em diversas ocasiões, opera no desenvolvimento do plano geral da Autobiografia como o culminar do prolongado esforço de restauração espiritual em torno do qual se articula toda a história de sua vida”.

Sua condição de autodidata (outsider) coexiste, todavia, com uma posição totalmente insider em relação ao capital econômico e cultural. Victoria capitaneou uma extensa rede de contatos internacionais, visitava frequentemente a Europa e estabeleceu relações próximas de amizade com nomes como Waldo Frank e José de Ortega y Gasset, então diretor da prestigiada Revista de Occidente. Essa tensão dentro-fora é também exemplificada pela relação de Victoria com sua família, da qual provinha seu capital cultural. A relação de Ocampo com sua herança familiar é ambígua, oscila entre a adesão e a crítica e, nesse movimento, deixa antever uma operação de feitura de si que, vinculada ao sobrenome de família, procura converter o capital econômico dos Ocampo em capital cultural. Como forma de erigir uma personalidade intelectual, Victoria enfatiza, em suas memórias, sua vida privada, e dedica muitas páginas às interdições que sua condição feminina lhe impunha (Steiner, 1999).

Por fim, um ponto relevante para o tema deste artigo é a condição de outsider da mulher escritora. Victoria teve uma trajetória diferente das mulheres de seu tempo, já que sua condição econômica lhe permitiu voos vedados à suas contemporâneas: divorciou-se e construiu uma biografia intelectual ousada para os padrões da época. Nos Testimonios, inclusive, Victoria narra a conquista do seu “quarto próprio” (Woolf) na rua Montevidéo. Conforme María González,

Este processo interno coincide com a aquisição de um ‘quarto próprio’ onde Victoria não só mostra a experiência pessoal de se mudar sozinha, após o fracasso da sua relação conjugal com Luís Bernardo de Estada e de vivenciar o seu amor clandestino com Julián Martínez, mas também o início da sua consolidação na cena pública dos anos vinte onde combinou o seu papel de escritora com o de mecenas (González, 2020, p. 391).

Essa condição muito específica de Victoria Ocampo - constrangida por seu sexo e prestigiada pelo acúmulo de capital econômico e simbólico - é a marca distintiva da posição outsider-insider que ora tematizamos. Ao contrário de Mme. Geoffrin, Ocampo foi uma escritora profícua, indo muito além, nesse sentido, de uma “mulher de salão”, embora as reuniões privadas que organizou e as sociabilidades que construiu em suas propriedades privadas sejam, ainda hoje, reconhecidas como o legado central de Ocampo, no que se compara à importância das mulheres de salão do século anterior. Essa analogia, todavia, claramente tem seus limites. Será que uma revista pode funcionar como um salão? Há muito separando as duas instituições, sobretudo um contexto cultural bem mais profissionalizado e institucionalizado no século XX, mas uma dimensão as une homologamente: a construção de um espaço alternativo às consagrações acadêmicas, majoritariamente masculinas em ambos os contextos, e a articulação de um espaço menos hostil às mulheres. Essa é a transformação da necessidade em virtude, que ajuda a consagrar o espaço central das outsiders. Vale mencionar, nesse momento, que Ocampo frequentou alguns cursos livres no Collège de France, em uma de suas muitas viagens de formação familiar. Apesar de narrar com muita empolgação essa experiência em seus Testimonios (1980), foi em uma reunião privada, em um salão, que Ocampo teve a oportunidade de conhecer e entabular relações com uma figura muito admirada por ela própria e por seu círculo: Virginia Woolf.

Woolf: de Cambridge, só os jardins

No famoso ensaio lido perante a Sociedade das Artes, em Newnham, e a Odtaa, em Girton, em 1928, depois publicado com o título Um teto todo seu, Virginia Woolf formula, em resposta à pergunta sobre a relação entre as mulheres e a ficção, uma afirmação paradigmática em torno da posição das mulheres no mundo intelectual: “A mulher precisa ter dinheiro e um teto próprio se pretende mesmo escrever ficção” (Woolf, 1985, p. 8). Virginia tinha 47 anos no momento em questão, já consolidada como coração nervoso do famoso grupo Bloomsbury. Antes de situá-la, porém, quero me deter um pouco no texto em várias camadas de Woolf, no qual a reflexão é apresentada a partir de uma meta-narração de onde Virginia escreve. Ali está ela, na universidade. Virgínia está escrevendo nos jardins de Cambridge. Seu capital social lhe permite entrar no campus, mas apenas do lado externo, distante das salas e laboratórios nas quais se discute, a sério, temas acadêmicos. Enquanto escreve, Virginia é incomodada por um bedel. “somente os fellows e os Estudantes têm permissão de estar aqui; meu lugar é no cascalho” (p. 10). Na cena narrada por ela, vemos Woolf vagando em direção à biblioteca e sendo mais uma vez impedida, pois as mulheres só podiam entrar ali acompanhadas de um fellow ou providas de uma carta de apresentação. Ela fica, então, enfurecida, e jura nunca mais tentar. Na continuação da cena, Virginia está no refeitório da universidade, espaço mais uma vez interno e externo (doméstico e privado). Em companhia de uma amiga, Woolf divaga sobre a imensa dificuldade de as mulheres conseguirem juntar dinheiro. “O que estavam fazendo nossas mães, que não tiveram nenhuma riqueza para nos legar? Empoando o nariz? Olhando as vitrines das lojas? Exibindo-se ao sol em Monte Carlo?” (p. 28). Se tivessem sido mulheres de negócios, talvez hoje pudéssemos estar aqui discutindo antropologia. Se as mães das mães das mães tivessem construído a riqueza que sustenta prêmios, bolsas e fellowships, a vida seria mais fácil. O raciocínio foi interrompido bruscamente, como numa tomada de consciência: a vida seria mais fácil mas, ao mesmo tempo, seria impossível, porque sem a abnegação de mães, avós e bisavós elas simplesmente não existiriam. “Fazer fortuna e ter treze filhos […] nenhum ser humano suportaria isso” (p. 29).

As mulheres às quais se refere Virginia possuíam acesso ao dinheiro, viviam como ricas, mas não eram donas desse dinheiro e, mais importante para nosso argumento, não conseguiam convertê-lo em capital cultural ou acadêmico. Tal como Ocampo, Woolf tem a experiência da vida letrada a partir de uma posição híbrida, sempre tensionada pela dinâmica dentro-fora. O livro segue, nos capítulos seguintes, acompanhando a odisseia de Virginia, agora em Londres, tentando entender a relação entre as mulheres e a ficção. Na capital, diante de uma enormidade de obras sobre as mulheres no catálogo do Museu Britânico, ela se pergunta e nos pergunta: “Por que são as mulheres, a julgar por esse catálogo, tão mais interessantes para os homens do que os homens para as mulheres?” (Woolf, 1985, p. 36). Woolf nota que para onde quer que se olhasse os homens pensavam diferentes coisas sobre as mulheres, mas nunca deixavam de pensar: Napoleão e Mussolini as desprezavam, Goethe as exaltava, mas elas sempre apareciam como objetos estranhos a serem desvendados. Virginia notou, então, que os professores escreviam com raiva sobre as mulheres. Mas por que, afinal, se eles ocupam precisamente a posição de superioridade que é capaz de objetificar metade do planeta? Essa reflexão acaba sendo novamente interrompida pela realidade quando Virginia se dá conta de que está no café e pode pagar a conta porque recebeu uma herança de uma tia, notícia que veio junto com a do sufrágio e, na época, pareceu muito mais importante: “é impressionante a mudança de ânimo que uma renda fixa promove” (p. 48).

Um tema recorrente nesse escrito de Woolf é a estigmatização, através da história, das mulheres que escrevem. Essa estigmatização, ora praticada como interdição, ora como condescendência, se fortalece, para Virginia, a partir de uma ausência de tradição. Essa ausência de tradição - ou de predecessoras - geraria, em seu ponto de vista, uma fatal ausência de repertório para as mulheres escritoras. Por esse motivo, sintomaticamente, as que se aventuraram na escrita o fizeram, sobretudo, a partir da crônica doméstica e dos registros de costumes. No fim, essa era toda a matéria-prima que as intelectuais anteriores ao século XX tinham para trabalhar.

Não passa despercebido de Woolf que, antes do século XX, as mulheres que escreviam eram apenas aquelas que possuíam determinado nível de satisfação material de suas necessidades. Essa dimensão concreta da interdição das mulheres é apresentada como condicionante de suas possibilidades no campo intelectual. Virginia era, como Ocampo, favorecida pelo contato familiar com as coisas da cultura. Seguindo Bourdieu (2010), poderíamos pensar na diferença entre adquirir um conhecimento de forma escolar e aquele outro, que se aprende por lenta familiarização e que é, também, um modo de saber, um savoir-faire. Essa dimensão prática do mundo das letras, sobretudo adquirida a partir da vida privada, é um tópico central na trajetória de Woolf. Embora a autora não frequentasse a universidade como aluna, viveu e recriou, a partir do famoso grupo Bloomsbury, uma sociabilidade privada composta e estruturada, também como no caso de Ocampo, a partir de uma zona híbrida entre acadêmicos e laços de amizade. Acompanho, nesse momento, a análise de Raymond Williams (1999) sobre o grupo de Bloomsbury.

A consagrada análise de Williams parte de uma questão fundamental para o tipo de abordagem que esse texto subscreve: a necessidade de analisar os grupos culturais, não apenas a partir dos manifestos evidentes ou das declarações de princípios, mas sobretudo a partir do ethos, das taxinomias e consensos nem sempre formalizados, que caracterizam determinadas instituições culturais. Leonard Woolf, marido de Virginia, frequentemente descrevia o grupo Bloomsbury como um “grupo de amigos”, contraposto à ideia de um grupo formal, uma sociedade ou um partido.8 As raízes dessa amizade - que incluía nomes como John M. Keynes, Roger Fry, Julian Bell, além do próprio casal Woolf - encontra-se, todavia, na Universidade de Cambridge. Analogamente a outros espaços domésticos de cultivo cultural, nesse sentido, a relação com a universidade é um dentro-fora. Cambridge é o que fornece os laços, a identidade do grupo. Em outras palavras, é um grupo de amigos, mas não é só um grupo de amigos. Tratava-se de um círculo muito específico da elite econômica (insiders), vistos como outsiders por sua própria classe (judeus de ascensão social recente). De qualquer maneira, para além da autodeclaração, vigorava nesse círculo uma etiqueta específica, baseada na franqueza e na clareza. Uma etiqueta oposta àquela dos salões, vale dizer, que valorizava a frivolidade e o witts, mas ainda assim uma etiqueta comportamental e, a seu modo, uma arte, um estilo que tornava reconhecível seus membros e os distinguia tanto do restante de sua classe vitoriana quanto dos iletrados.

Para Williams, o grupo Bloomsbury pode ser descrito como rebeldes da classe dominante, uma posição análoga à de Victoria Ocampo, especificamente no que diz respeito à situação das mulheres. A fração civilizada de sua classe, é o espírito que os une. Tal posição é bastante parecida com aquela que sustentava o grupo Sur frente aos autoritarismos de seu tempo e aos descaminhos da política formal, dos quais procuravam se afastar: criar uma espécie de mundo “livre”, porque amador (não constrangido, nesse sentido, pelas adesões partidárias), distanciado o suficiente das questões mundanas a ponto de que fosse possível julgá-las e, eventualmente, escrever sobre elas de forma irônica (como fez Borges no tradicional número de 1955 da Sur, em artigo intitulado “L’Illusion comique”,9 dedicado à figura de Perón).

Assim como acontece com Ocampo, a escrita de si é importante para a consolidação da imagem de Virginia Woolf tanto como escritora quanto como porta-voz de determinado conjunto de ideias de seu tempo. Em Momentos de vida, lemos uma reconstrução da época da juventude de Virginia feita aos 25 anos, momento em que se inicia a consolidação de Virginia em Bloomsbury. A autobiografia, vale dizer, é um tema central da inovação formal dos romances de Woolf, justamente porque é baseada na mudança ininterrupta da personalidade. Os textos que compõem o livro são fragmentos descontínuos de distintas épocas de sua vida, organizadas a partir de momentos paradigmáticos, como a morte da mãe e da meia-irmã Stella. Ao longo do livro, a vida bucólica da infância permeia as experiências de autoformação e educação domiciliar, apropriadas às circunstâncias em que o aprendizado formal era, ainda, e sobretudo no círculo social de Virginia, prerrogativa masculina. Em O esboço do passado, que Virginia escreve com 60 anos, ou seja, já como escritora consagrada, a autora encontra-se em posição para tematizar o impacto da origem dos pais - em seus termos, “remediados” - em sua própria escrita, como se nota pela colocação de que a dificuldade em escrever sua autobiografia está na inexistência de parâmetros identitários que poderia ter obtido, por exemplo, numa escola. Virginia foi educada em casa e todo seu trabalho intelectual foi, de alguma maneira, organizado a partir da esfera doméstica. A posição híbrida dessa circunstância biográfica, que nos interessa sobremaneira, reside no fato de que sua casa com Leonard Woolf, em Cambridge, tornou-se uma instituição, um “dentro-fora”. Na linguagem bruta e lírica de Woolf, essa posição híbrida comparece diversas vezes. Escolho uma delas: “Vejo-me como um peixe num rio; [...] impedido de se mover; mas incapaz de analisar o rio” (Woolf, 1986, p. 94).

Considerações finais

Em sua História de conceitos, Reinhardt Koselleck (2006) nos convida a frequentar mais uma vez o conceito de Bildung, que não é apenas o resultado institucional de um processo educativo. Em termos de tradução, o conceito que mais se aproxima é o de autoformação, um esforço individual que só pode ser realizado na autorreflexão. Nesse sentido, ele é perfeitamente oposto à ideia de educação em sentido formal, escolar ou institucionalizado. Menos do que a posse do conhecimento em si, trata-se da posse da força do conhecer e do agir. Na hipótese deste ensaio, a posse dessa disposição (Bourdieu, 2010), é o que aproxima os modos de adquirir cultura que irmanam Ocampo e Woolf a despeito de todas as suas especificidades. Separadas por um oceano literal de dinâmicas de consagrações nacionais que não podem ser escamoteadas, Victoria e Virginia se aproximam pela posição homóloga que ocupam em seus contextos nacionais: a margem em relação ao sistema formal, o centro em relação à posição social. Em certo sentido, ambas ostentam, como distinção, a marca, ou o estigma (Goffman, 1980) da educação em casa, mais erudita e menos massificada que aquela oferecida pelo sistema de ensino. Vale mencionar que, na primeira metade do século XX, Argentina e Inglaterra passaram por processos de reestruturação de seus sistemas de ensino. Na Argentina, a abertura da universidade a oriundos da imigração, alargando consideravelmente as fronteiras da ascensão via educação, fez com que as elites, como os Ocampo, pudessem reelaborar fronteiras de distinção: nesse sentido, o único saber que podia preservar as fronteiras da aristocracia e separá-la dos conhecimentos burgueses era justamente aquele que não poderia ser ensinado na escola: o savoir-faire da educação em casa, lenta e mediada pelos códigos familiares. A cada tipo de aprendizagem, enfim, o sujeito deve um leque de esquemas fundamentais, um modus operandi, diria Panofsky, de modo que o desinteresse expresso na educação em casa operava como um marcador distintivo (Bourdieu 1967, 2010). Analogamente, nos anos 1950, as Universidades de Cambridge e Oxford, pelas quais Woolf transitava marginalmente, começaram a ter sua hegemonia negociada pela fundação de uma série de institutos técnicos, que democratizaram o ensino superior inglês e também foram objetos da crítica “massificadora” por parte dos amigos de Bloomsbury.

Como nos conta Beatriz Sarlo (2010, p. 86) em Modernidade periférica, “assim como Virginia Woolf, Victoria Ocampo lamenta a refinada falta de cultura do ambiente em que nasceu e o enclausuramento preconceituoso que cerca sua primeira infância”.10 Essa semelhança ganha relevo no momento em que as duas trajetórias se cruzam. Quando Victoria conheceu Virginia, ficou profundamente impactada. O primeiro encontro entre as duas ocorreu em 26 de novembro de 1934, quando Ocampo foi apresentada a Woolf por Aldous Huxley, em Londres, na exposição fotográfica de Man Ray. De um lado, Ocampo estava absolutamente fascinada pela escritora inglesa, de outro, Virginia Woolf vê Ocampo como uma personagem exótica. O local em que foram apresentadas, e toda a dinâmica social que envolve um anfitrião como Huxley, contudo, são lembretes de que mesmo encontros entre duas desiguais resguardam possibilidades impensáveis fora de certa similitude social que as une. Em carta de Ocampo sobre seu encontro com Woolf, publicada em Madri em 1934, lemos:

Bem, Virgínia, devo confessar que ainda não me sinto completamente livre do equivalente dessa suscetibilidade, desse falso orgulho nacional, no que diz respeito ao meu sexo. Quem sabe se sofro de reflexos de parvenue! De qualquer forma, não há dúvida de que sou um tanto exigente nesse aspecto. Assim que surge a oportunidade (e se não surgir, procuro), já me declaro solidária com o sexo feminino. A atitude de algumas mulheres únicas, como Anna de Noailles, que se juntam às fileiras dos homens, aceitando que sejam tratadas como exceções e que lhes seja concedida uma situação privilegiada, sempre me enojou. Esta atitude, tão elegante e tão confortável, é-me intolerável. e também para você, Virgínia (n. 137, nov. 1934) (Ocampo, 1935).

A importância dessas redes (a Sur e o grupo Bloomsbury), é central para ambas as trajetórias em questão. O que elas forneceram a Ocampo e Woolf foi uma possibilidade de formação e autoformação para além da universidade. Assim, ainda que não fornecessem diplomas, tais redes emitiam, a seu modo, certificados públicos de acuidade moral e boas práticas, chancelando a tutela do gosto de seus respectivos contextos e contribuindo para a criação de uma imagem do que seria uma postura intelectual desejável. Essa não é uma questão de menor importância quando comparamos, no tempo, as posições políticas que ambas as intelectuais encamparam: a opção pela vida interior diante de regimes como o fascismo e o peronismo que, cada qual a seu modo, colocavam em questão a posição individualista do liberalismo clássico à qual ambas se filiaram. Esse liberalismo esteta, digamos assim, é lastreado pela ideia de Bildung, de autoformação, de um modelo de vida intelectual que não se resume à universidade, remetendo-se a uma lenta familiarização e à interiorização dos códigos simbólicos da autoridade letrada (Bourdieu, 2010). Recorrendo mais uma vez à dinâmica de consagração típica dos salões, encontramos Woolf e Ocampo inseridas em um tipo de ritualização das práticas letradas, em que o julgamento da obra se opera a partir do julgamento da pessoa. Essa relação, contudo, não é meramente “pré-universitária”, na medida em que dentro da instituição acadêmica o julgamento “integral” também opera. Quero afirmar, todavia, que nesse último caso as operações de consagração não são em si mesmas evidentes, pois se apresentam como julgamento impessoal. Conforme Bender (1997), nesse sentido, a universidade e a profissionalização são capazes de criar comunidades de discurso específicas, nas quais vigoram certos códigos que provém das consagrações operadas em cafés e salões, mas revestidas de um discurso técnico e despersonalizado.

Afinal, será que Ocampo e Woolf podem ser consideradas exemplares de uma educação informal que adquire prestígio fora da universidade se essa foi uma posição ocupada à revelia graças às restrições que a sociedade inglesa e argentina do começo do XX fazia em relação à escolarização das mulheres? Quero argumentar que perguntas como essa não podem ser respondidas, em nossa opção metodológica, pela análise das intenções manifestas das intelectuais e suas redes, mas podem ser tematizadas a partir de um dispositivo que as considere como criadoras de uma posição dentro das possibilidades de seus contextos, criadoras criadas, e não incriadas, de um espaço de valorização do saber não universitário em um contexto em que o ensino formal não lhes garantia a mesma oportunidade que a seus pares homens.

No já canônico manifesto por uma Slow Science, Isabelle Stengers (2019, p. 35) propõe que a “cara” masculina da ciência contemporânea (e da universidade com ela) se relaciona internamente com uma prescrição sobre “o que deve ser” um cientista no contexto da universidade contemporânea, organizada por critérios de mercado.11 Se aceitamos seu diagnóstico, devemos nos perguntar: quem pode, socialmente, fazer sacrifícios dessa natureza? Certamente alguém que não esteja envolvido com tarefas de cuidado ou sobrecarregado com as “mundanidades” necessárias para o andamento da vida prática, como há cem anos já argumentava Woolf. Dessa maneira, a retórica mítica da universidade (como espaço de gênios abnegados), que está na base da própria ciência moderna - como também notou Steven Shapin (2013) ao comentar sobre os hábitos alimentares frugais de Wittgenstein -, estaria a serviço da manutenção de uma profunda desigualdade de gênero. A perenidade dessas discussões reposiciona figuras como Ocampo e Woolf em um debate contemporâneo sobre as posições ocupadas por mulheres acadêmicas, cuja incompletude foi destacada no início deste artigo.

Virginia Woolf - que sempre salientou a aridez masculina do ambiente acadêmico, o desaconselhando inclusive - e Victoria Ocampo - que conheceu a universidade por suas bordas -, são certamente casos muito específicos nessa dinâmica. Em certo sentido, não jogaram o jogo sacrificial descrito por Stengers (inclusive porque enfrentaram uma universidade menos mercantilizada em seu tempo), mas, efetivamente, construíram uma tradição em contraposição a certas proibições oficiais e a certos constrangimentos de ordem axial. O que pedia Woolf no fim de seu livro sobre as mulheres e a ficção (a de que as mulheres escrevessem o quanto pudessem para elas próprias, para que as próximas gerações tivessem aquilo que lhe havia sido negado, uma tradição) estava, naquele momento, ao alcance de poucas mulheres, Ocampo era uma delas.

Referências

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  • 1
    Para uma análise atualizada do processo de formação do campo de pesquisa sobre história das mulheres no recorte brasileiro, é possível consultar A mulher como problema de pesquisa em história, dissertação de mestrado defendida por Branca Zilberleib, em 2022, sob orientação do prof. dr. Miguel Palmeira.
  • 2
    A troca de cartas é um gênero muito explorado na historiografia que procura dar relevo à posição de personagens cujo legado não é meramente acadêmico e pode proporcionar a ocasião de refletir sobre a construção de alianças temáticas, identitárias e teóricas. Um exemplo dessa possibilidade é a obra de Ana Beatriz Mauá Nunes (2021), Latino-americana como eu: as correspondências de Gabriela Mistral e Victoria Ocampo (1926-1956).
  • 3
    As traduções são minhas, e os originais estarão em nota de rodapé. No original: “L’activité académique qui se déploie ainsi represente une entreprise de codification et légitimation autonomes des valeurs culturelles et artistiques”.
  • 4
    Esse ponto foi desenvolvido em minha tese de doutorado, A Argentina na periferia do tempo: a sociologia científica e um mundo novo para os intelectuais (1930-1970) (Tedesco, 2018).
  • 5
    Nesse sentido, conforme Alain Viala, “La codification et l’evolution du goût trouvent dans les salons un terrains de prédilection. Elles s’y réalisent, non par des discussions en forme, mais par des effets de capillarité” (Viala, 1985, p. 133).
  • 6
    Anne-Louise Germaine de Staël-Holstein foi uma intelectual, ensaísta e “mulher de salão” que, junto de Benjamin Constant, protagonizou a cena intelectual francesa da virada do XVII para o XIX. Opositora conhecida de Napoleão Bonaparte, é autora de obras como Da Alemanha.
  • 7
    Sobre o CLES e a SADE, é possível consultar Fiorucci (2001).
  • 8
    Natalia Rosenfeld, em Outsiders together (2000), acompanha a trajetória do casal Woolf, e traz uma perspectiva interessante sobre a posição marginal e central dos personagens.
  • 9
    O artigo de duas páginas situa o peronismo como um “opróbio” de duas faces: uma de índole criminal, repressora, totalitária, outra, “de caráter escénico, hecha de necesidades y fábulas para consumo de patanes” (Borges, 1955, p. 9).
  • 10
    “como Virginia Woolf, Victoria Ocampo se lamenta ‘de la incultura refinada del medio en que había nacido y del cercamiento prejuicioso que rodea a su primera forma’” (Sarlo, 2010, p. 86).
  • 11
    “Supuestamente de ben apretar los dientes: la gran aventura de la curiosidad humana presentada a los niños fue reemplazada por el tema de una vocación que exige un compromiso a en cuerpo y alma. Y es realmente lo que se reprocha a los jóvenes de hoy que ya no aceptan: tolerar los sacrificios que requiere el servicio de la ciencia” (Stengers, 2019, p. 35).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Maio 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    15 Abr 2024
  • Aceito
    04 Jun 2024
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