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A mesma independência: a atuação pública de um unitário pernambucano (1822-1823)

Resumos

Neste artigo, é analisada a atuação pública do Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama na imprensa periódica entre 1822 e 1823. Os escritos jornalísticos de Frei Miguel procuraram construir o ideário de que, desfeita a unidade do Reino de Portugal e Brasil, a soberania passaria a uma nova unidade política, o Brasil. Conhecido nas províncias do norte como projeto do Rio de Janeiro, esse ideário lançou as bases de uma concepção de nação, prevendo poderes provinciais bastante reduzidos se comparados com o período anterior, o da vigência do constitucionalismo vintista.

estado unitário; imprensa; independência


This article analyzes the public performance of the monk Miguel do Sacramento Lopes Gama in the periodic press between 1822 and 1823. The compositions of monk Miguel intended to construct the ideology that - since the unity of the Portuguese-Brazilian kingdom was broken - the sovereignty needed to pass to a new political unit, Brazil. Known in the Northern provinces as Rio de Janeiro's Project, this ideology was the basis of a conception of nation, foreseeing very reduced provincial powers if compared to the previous period - the legality of the "vintista" constitutionalism.

unitarian state; press; independence


En este artículo se analiza la actuación pública del Fraile Miguel do Sacramento Lopes Gama en la prensa periódica entre 1822 y 1823. Los escritos periodísticos del Fraile Miguel intentaron crear las ideas de que, después de ser anulada la unidad del Reino de Portugal y Brasil, la soberanía pasaría a una nueva unidad política, Brasil. Conocidas en las provincias del norte como proyecto de Rio de Janeiro, esas ideas sentaron las bases para un concepto de nación, proporcionando poderes provinciales muy reducidos en comparación con el período anterior, de la validez del constitucionalismo de los años 20.

estado unitario; prensa; independencia


L'activité politique du frère Miguel do Sacramento Lopes Gama dans la presse quotidienne et périodique entre 1822 et 1823 a été analysée dans cette étude. Les travaux journalistiques de frère ont cherché à construire l'idée, car interrompue l'unité du royaume Portugal-Brésil, de la souveraineté comme une nouvelle unité politique: le Brésil. Connu comme le projet de l'état de Rio de Janeiro dans les provinces du nord, ce mode de penser a planté la graine du concept de nation, en prévoyant pouvoirs provinciaux assez limités par rapport à ceux de la période precedente, quand le constitutionnalisme était en vigueur.

état unitaire; presse; indépendance


Evaldo Cabral de Mello publicou, em 2004, a obra A outra Independência:

o federalismo pernambucano de 1817 a 1824. Para ele, o federalismo pernambucano (como também o padre Feijó) pretendia que, desfeita a unidade do Reino de Portugal, Brasil e Algarves, a soberania revertesse às províncias, onde propriamente residia, as quais poderiam negociar um pacto constitucional, e, caso este não lhes conviesse, usar de seu direito a constituírem-se separadamente, sob o sistema que melhor lhes parecesse.1 1 Evaldo Cabral de Mello, A outra Independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, São Paulo, Editora 34, 2004, p. 14 e contracapa.

Neste artigo, é analisada a atuação pública do monge beneditino Miguel do Sacramento Lopes Gama (1793-1852) na imprensa periódica entre 1822 e 1823, monge cuja família materna (os Gama) já exercia papel importante no aparato administrativo colonial do núcleo urbano do Recife.2 2 Biografias de Lopes Gama, em ordem cronológica: Pedro Autran da Mata e Albuquerque. "Biografia do falecido Cônego da Capela Imperial o Padre Miguel do Sacramento Lopes Gama", Diário de Pernambuco, Recife, 30 de abril de 1853; "Uma lágrima sobre o túmulo do nosso amigo Reverendíssimo Padre Miguel do Sacramento Lopes Gama", O Liberal Pernambucano, Recife, 11 de novembro de 1852; Lino do Monte Carmelo Luna, Memória Histórica e Biográfica do Clero Pernambucano, Pernambuco, Typographia de F. C. de Lemos e Silva, 1857, p. 100-102; Francisco Augusto Pereira da Costa, Dicionário biográfico de pernambucanos célebres, Recife, Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 1981, p. 727; Alfredo de Carvalho, "Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama", In: Almanaque de Pernambuco para o ano de 1904, Recife, Imprensa Industrial, 1904, p. VIII. O cerne da análise que se pretende aqui difere bastante da proposição de Evaldo Cabral de Mello. Os escritos jornalísticos de Frei Miguel procuraram construir o ideário de que, desfeita a unidade do Reino de Portugal e Brasil, a soberania passaria a uma nova unidade política, o Brasil. Conhecido nas províncias do norte como projeto do Rio de Janeiro, o ideário lançou as bases desse projeto de nação, o qual previa poderes provinciais bastante reduzidos, se comparados com o período anterior, o da vigência do constitucionalismo vintista.

Assim, Evaldo Cabral de Mello analisou "a outra Independência" em Pernambuco, isto é, o projeto derrotado militarmente em 1824, que primava por um Estado nacional de tipo federalista. Nas páginas que se seguem, entretanto, pretende-se mostrar "a mesma independência", isto é, aquela que projetou o Brasil como uma unidade política autônoma com um centro forte, tanto legislativo quanto executivo. Tendo em vista que eram tempos de indefinições políticas e institucionais e que existiam projetos de futuro divergentes, é imprescindível a análise do que era veiculado no nascente espaço público luso-brasileiro. Esse tipo de análise demonstra que a afirmação do projeto do Rio de Janeiro em Pernambuco não se deu por meio apenas da repressão imperial, mas também contou com a decisiva participação de parte da população local. Em outras palavras, o centro do Império não se constituiu apenas por meio de si próprio. O centro constituiu-se com importantes adesões das partes.3 3 Parte-se aqui de visão oposta à de Ilmar R. Mattos, "Construtores e herdeiros. A trama dos interesses na construção da unidade política", In: Almanack Braziliense, vol. 1, São Paulo, Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, maio de 2005. Mattos elabora a ideia de "expansão para dentro", isto é, de que a consolidação de um império com o centro no Rio de Janeiro teve um sentido definido. Em outras palavras, para o autor, a expansão se deu a partir do centro, irradiando-se para as províncias.

Primeiramente, será feito um breve balanço historiográfico, para demonstrar a novidade da temática aqui enfatizada. Demonstrar-se-á que são raríssimos os estudos verticalizados que privilegiam indivíduos que não se inseriram no ciclo revolucionário pernambucano (1817 e 1824).

Depois, será feita uma narrativa analítica dos principais eventos políticos transcorridos durante o processo de constitucionalização do Reino Unido, com enfoque no caso pernambucano. Demonstrar-se-á que, durante a vigência do vintismo, se estabeleceu em Pernambuco uma experiência de governo autônomo inédita. Nesse período, a província emergia como unidade administrativa com ampla autonomia.

Por fim, será feita a análise da atuação pública de Lopes Gama, objeto central deste artigo. Será averiguado o que o monge beneditino entendia por soberania da nação. Demonstrar-se-á que sua concepção sobre o assunto buscava esvaziar a província como unidade decisória, numa crítica que tinha implicações políticas concretas.

Pode-se periodizar, grosso modo e esquematicamente, o processo de independência em Pernambuco da seguinte forma: junta presidida por Gervásio Pires Ferreira (outubro de 1820 a setembro de 1822); junta dos matutos (setembro de 1822 a dezembro de 1823); junta presidida por Manuel Carvalho Pais de Andrade (dezembro de 1823 a junho de 1824); Confederação do Equador (julho a setembro de 1824).4 4 Evaldo Cabral de Mello, A outra Independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, São Paulo, Editora 34, 2004, p. 14 e contracapa. Além dessa periodização básica que será utilizada, é necessário tomar o cuidado de analisar a província de Pernambuco inserida em uma conjuntura mais ampla: atlântica, ibérica e luso-brasileira. Na medida do possível, tentar-se-á pensar todas essas dimensões correlacionadas.

A principal fonte utilizada nesta análise é o periódico O Conciliador Nacional, escrito por Lopes Gama entre 1822 e 1823 e publicado nas vilas do Recife e em Olinda. Vale ressaltar que a série documental não está completa, de tal modo que, com uma documentação fragmentada, a análise será mais qualitativa do que quantitativa.5 5 Contamos com os números 1, 4, 5, 7 e 8 de 1822; 9, 10, 14, 18, 36 de 1823 (Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano e Biblioteca Nacional). Cf. Mariza Saenz Leme, "Dissidências regionais e articulações nacionais nos projetos de independência: o Conciliador Nacional em Pernambuco", Anais do XXIV Simpósio Nacional de História, São Leopoldo, Unisinos, 2007.

Breves considerações historiográficas

É natural que a historiografia sediada do Rio de Janeiro, vinculada ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), não tenha olhado com bons olhos a Revolução de 1817, o governo de Gervásio e a Confederação do Equador. Varnhagen acusou tanto a junta gervasista quanto os revolucionários de 1824 de separatistas e antinacionais. Mais tarde, Pereira da Silva faria as mesmas acusações.6 6 Francisco Adolfo de Varnhagen, História Geral do Brasil: antes de sua separação e independência de Portugal, Belo Horizonte, Edusp; Itatiaia, 1981 [1854-1857]; Idem, História da independência do Brasil: até o reconhecimento pela antiga metrópole, São Paulo, Melhoramentos, 1962 [1916 - obra póstuma]; João Manuel Pereira da Silva, História da fundação do Império Brazileiro, Rio de Janeiro, Garnier, 1865. Em 1884, Maximiliano Lopes Machado, prefaciando a segunda edição da obra de Francisco Muniz Tavarez,7 7 O padre Francisco Muniz Tavarez (1793-1876) participou da revolução de 1817, sendo depois preso e enviado para a Bahia. Exerceu função atuante de deputado tanto nas Cortes de Lisboa (1821-1822) quanto na Assembleia Constituinte do Brasil (1823), não tendo aderido à Confederação do Equador (1824). Foi um dos fundadores do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP) em 1862. Francisco Augusto Pereira da Costa, Dicionário biográfico de pernambucanos célebres, Recife, Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 1981. História da revolução de Pernambuco em 1817, procurou demonstrar que o livro de Tavarez veio para revelar a verdade que havia sido deturpada por Varnhagen e Pereira da Silva. Estes últimos, segundo Maximiliano, acusaram falsamente os pernambucanos de "ingratos à mão benfazeja que proscrevia o regime colonial e abrira as portas do Brasil a todas as nações amigas".8 8 Francisco Muniz Tavarez, História da revolução de Pernambuco em 1817, Recife, Typographia Industrial, 1884 [1840], p. VII-VIII. Deixando de lado o fato de que a obra do ex-revolucionário de 1817, Muniz Tavarez, é anterior às de Varnhagen e Pereira da Silva, é interessante notar que, no último quartel do século XIX, a preocupação central de um historiador pernambucano era recontar a história da emancipação brasileira, a seu ver, vista exclusivamente sob o ponto de vista do Rio de Janeiro.

O centro do Império não se constituiu apenas por meio de si próprio. O centro constituiu-se com importantes adesões das partes

Tem-se a certeza, contudo, de que a obra de Muniz Tavarez inaugurou, em 1840, uma vertente historiográfica que teria vida fecunda ao longo do século XIX, adentrando ainda com força no século XX. O Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP), fundado em 1862, foi o principal local de produção dessa contramemória à história nacional veiculada pelo IHGB. Essa vertente historiográfica, que aqui se está denominando de "regionalista", jamais questionou a instituição monárquica ou a unidade do Brasil. Aliás, isso nem os próprios revolucionários de 1824 pretendiam questionar a priori. O eixo dessa vertente historiográfica era revalorizar o ciclo revolucionário pernambucano de 1817-1824, dando ênfase à atuação dos indivíduos que compuseram o grupo o qual, como se verá, a historiografia recente vem chamando de "federalista".9 9 Em ordem cronológica: Joaquim Dias Martins, Os mártires pernambucanos, vítimas da liberdade nas duas revoluções ensaidas em 1710 e 1817, Pernambuco, Lemos e Silva, 1853; Antônio Joaquim de Melo, Obras políticas e literárias, de Joaquim do Amor Divino Caneca, 1875 (utilizou-se aqui uma reedição desses textos organizada por Evaldo Cabral de Mello, Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, São Paulo, Editora 34, 2001); Antônio Joaquim de Mello, Biografia de Gervásio Pires Ferreira, Recife, Universidade Federal de Pernambuco/Editora Universitária, 1973 [1895]. A única grande biografia de Antônio Joaquim de Melo que trata de personagem adepto do projeto unitário é: Obras religiosas e profanas do vigário Francisco Ferreira Barreto, Recife, Typographia Mercantil, 1874. Mas, diferentemente das outras biografias, essa enfatiza menos aspectos políticos e mais aspectos literários. Essa obra está, pois, mais próxima da abordagem que o mesmo autor fez em uma coletânea de pequenas biografias: Biografia de alguns poetas, e homens ilustres da província de Pernambuco, Recife, Typographia Universal, 1856.

Essa historiografia "regionalista", gestada no século XIX, influenciou profundamente toda a produção historiográfica subsequente, sobretudo em relação à seleção dos temas e dos períodos a serem enfatizados. Tematicamente, essa historiografia enfatizou a atuação dos "federalistas". Os estudos sobre a junta gervasista e sobre a junta carvalhista proliferaram-se, sendo o governo dos matutos relegado a um segundo plano, como se sua compreensão fosse menos importante para entender a formação do Estado nacional brasileiro.

Ulysses de Carvalho Soares Brandão,10 10 Ulisses de Carvalho Soares Brandão (1869-1932), advogado, historiador e político, também foi membro do IAHGP. vencendo concurso promovido pelo IAHGP, publicou a obra A confederação do Equador (1824-1924). Tratava-se da comemoração do centenário dessa revolução. Interessante notar que ele gastou um quarto de seu livro mostrando os antecedentes remotos os quais, de alguma forma, influenciaram os revolucionários de 1824, com ênfase especial na formação do gênio republicano de Pernambuco, gestado desde a expulsão dos holandeses (1654). Contudo, para tratar do período referente à junta dos matutos, Brandão escreveu apenas um curto capítulo.11 11 Ulysses de Carvalho Soares Brandão, A confederação do Equador (1824-1924), Recife, Governo de Pernambuco, 1924, p. 11-58; 145-153. Amaro Quintas também defende a tese de uma essência republicana na cultura política pernambucana desde os tempos da colonização em A Revolução de 1817, Recife, José Olympio/Fundarpe, 1985 [1939].

Barbosa Lima Sobrinho12 12 Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho (1897-2000), advogado, jornalista, político e escritor, foi deputado federal por Pernambuco em diversas legislaturas entre 1935 e 1964, tendo participado da Constituinte de 1946. Foi governador de Pernambuco entre 1948 e 1951. Deixou uma imensa produção bibliográfica, tendo sido membro da Academia Brasileira de Letras, do IHGB e sócio correspondente do IAHGP. proferiu duas conferências, as quais se transformaram na obra Pernambuco: da independência à Confederação do Equador, de 1979. Embora o título indique que o assunto tratado no livro começa na Independência (1822), chegando até a Confederação do Equador (1824), o autor pula, indiscriminadamente, o período no qual a junta dos matutos (1823) governou. Esse fato talvez reflita a tendência basilar presente na historiografia "regionalista". Essa tendência relega a um segundo plano a atuação política do grupo que os historiadores contemporâneos denominam de "centralistas" ou "unitários".13 13 Barbosa Lima Sobrinho, Pernambuco: da Independência à Confederação do Equador, Recife, Prefeitura da Cidade do Recife/Secretaria de Cultura/Turismo e Esportes/Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1998 [1979]. Para citar um último exemplo dessa historiografia "regionalista", observam-se duas publicações de Costa Porto.14 14 José Antônio da Costa Porto (1909-1984), advogado de formação, tem uma trajetória com semelhanças à de Barbosa Lima Sobrinho, tendo exercido importantes cargos políticos tanto em Pernambuco como no governo federal (foi, por exemplo, constituinte em 1946 e ministro da agricultura entre 1954 e 1955), deixando vasta obra bibliográfica. Foi membro do IAHGP. A primeira intitula-se Os tempos de Gervásio Pires, de 1978, e a segunda, Pequena história da Confederação do Equador, de 1974. A ausência de um livro sobre a junta dos matutos não é casual. Tal lacuna observa-se em razão de uma tendência historiográfica inaugurada no século XIX, a qual influenciou toda uma produção sobre o assunto ao longo do século XX.15 15 Ainda dentro das linhas gerais da historiografia regionalista, ver as obras: Gilberto Vilar de Carvalho, A liderança do clero nas revoluções republicanas (1817-1824), Petrópolis, Vozes, 1979; Teobaldo Machado, As insurreições liberais em Goiana, 1817-1824, Recife, Governo do Estado de Pernambuco/Secretaria de Turismo, Cultura e Esportes/Fundarpe, 1990.

Os autores oitocentistas contestavam as obras dos fundadores da historiografia nacional brasileira, notadamente Varnhagen e Pereira da Silva. Essa contestação parece que teve longa vida, pois, mesmo na já citada obra de Evaldo Cabral de Mello, de 2003, ela parece ter relevância. Esse autor inicia sua obra afirmando que "a fundação do Império do Brasil é ainda hoje uma história contada exclusivamente do ponto de vista do Rio de Janeiro, à época, pelos publicistas que participaram do debate político da Independência, e depois pelos historiadores como Varnhagen, Oliveira Lima, Tobias Monteiro ou Otávio Tarquinio". Evaldo Cabral de Mello, mesmo sendo sócio correspondente do IAHGP, não pode ser considerado um autor "regionalista". Como bem ponderou Luiz Felipe de Alencastro, Mello é capaz de conectar a "metodologia histórica atual à erudição e à tradição regionalista".16 16 Luiz Felipe de Alencastro, "Desagravo de Pernambuco e glória do Brasil: a obra de Evaldo Cabral de Mello", In: Lilia Moritz Schwartz (org.), Leituras críticas sobre Evaldo Cabral de Mello, Belo Horizonte, Editora da UFMG/Fundação Perseu Abramo, 2008, p. 39. Os outros autores que participaram dessa coletânea que analisa a vasta obra de Mello convergem com a opinião de Alencastro. Stuart Schwartz, por sua vez, sublinha que esse diplomata pernambucano forjou sua atuação como historiador em contato com profissionais especializados na Europa, absorvendo o que havia de mais atualizado na metodologia da pesquisa histórica.17 17 Stuart Schwartz, "Sexteto pernambucano: Evaldo Cabral e a formação da consciência colonial e regional no Nordeste", In: Lilia Moritz Schwartz (org.), op. cit. De qualquer forma, algumas influências da historiografia regionalista, tão arraigada em Pernambuco, são perceptíveis no trabalho do historiador/diplomata pernambucano. Não obstante seu enfoque ser conferido ao grupo "federalista", Mello é autor de uma das melhores análises e narrativas sobre a junta dos matutos e sobre o grupo "unitário".

Em relação à historiografia acadêmica que abordou a Independência em Pernambuco, não se fará um balanço geral sobre ela. Incorporar-se-ão algumas de suas reflexões ao longo deste artigo. Cabe notar, contudo, que, embora tenha preocupações muito diferentes da historiografia "regionalista", a academia parece ter absorvido suas preferências temáticas. Além de um artigo de Marcus J. M. de Carvalho,18 18 Marcus J. M. de Carvalho, "Cavalcantis e Cavalgados: a formação das alianças políticas em Pernambuco, 1817-1824", Revista Brasileira de História, vol. 18, n. 36, São Paulo, 1998. não se verifica nenhum estudo que verticalize sua análise na tendência "unitária". 19 19 Os trabalhos que se seguem enfocam suas análises na atuação política de indivíduos vinculados aos "federalistas": Marco Morel, Cipriano Barata na Sentinela da liberdade, Salvador, Academia de Letras da Bahia, 2001; Maria de Lourdes Viana Lyra, "Pátria do cidadão: a concepção de pátria/nação em Frei Caneca", Revista Brasileira de História, vol. 18, n. 36, São Paulo, 1998; Denis Bernardes, O patriotismo constitucional, São Paulo, Hucitec/Fapesp; Recife, UFPE, 2006; Márcia Regina Berbel, "Pátria e patriotas em Pernambuco (1817-1822): nação, identidade e vocabulário político", In: István Jancsó (org.), Brasil: formação do Estado e da nação, São Paulo, Hucitec/Fapesp; Injuí, Unijuí, 2003.

O projeto que aqui se denomina de "unitário" foi se configurando ao longo do exercício da junta que substituiu a gervasista. A junta dos matutos era composta, sobretudo, por senhores de engenhos da zona da mata sul, ao contrário da exclusivamente recifense junta gervasista. Por isso, originou-se a alcunha de matutos.20 20 "Matuto" seria um termo pejorativo, o qual indicava que apenas habitantes citadinos teriam habilidade para governar. Evaldo Cabral de Mello, A outra Independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, São Paulo, Editora 34, 2004, p. 113-115. Trabalhar-se-á com um pressuposto que, apesar de relativamente óbvio, é de importância crucial ressaltar. O projeto "unitário" não existia como uma carta de intenções explícitas no momento em que a junta gervasista foi deposta. Inexistia uma cartilha que regulasse as aspirações dessa tendência política. Suas propostas foram sendo formuladas entre 1822 e 1824. Como bem notou Evaldo Cabral de Mello, "será no decurso do governo dos matutos que a açucarocracia definir-se-á em favor do projeto fluminense".21 21 Idem, Ibidem. p. 113.

A constitucionalização do Reino Unido em Pernambuco: a experiência autonomista (1821-1822)

Em Pernambuco, assim como em outras províncias, o processo de instalação de um autogoverno não se processou de forma pacífica. No dia 6 de maio de 1821, desembarcaram no Recife os ex-revolucionários de 1817, presos na Bahia desde a repressão joanina e agora anistiados pelas Cortes. A maioria, no entanto, preferiu seguir direto para Goiana, vila situada na zona da mata norte, pois Recife e Olinda estavam bem vigiados pelo último capitão general da província, Luís do Rego Barreto. Esse homem, aliás, havia sido um dos chefes da devassa instaurada em 1817, ou seja, era o reencontro entre o algoz e os supliciados. Ademais, se no Rio de Janeiro a Constituição havia sido jurada em 21 de abril, Rego Barreto ainda não havia feito o mesmo em Pernambuco.

Ele fez o juramento apenas a 11 de julho, no meio do turbulento processo de eleições para deputados a serem enviados às Cortes.23 23 Marcus J. M. de Carvalho, "Cavalcantis e Cavalgados: a formação das alianças políticas em Pernambuco, 1817-1824", Revista Brasileira de História, vol. 18, n. 36, São Paulo, 1998, p. 3-4; Evaldo Cabral de Mello, A outra Independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, São Paulo, Editora 34, 2004, p. 65-69; Denis Bernardes, O patriotismo constitucional, São Paulo, Hucitec/Fapesp; Recife, UFPE, 2006, p. 355-399.

No dia 21 de julho, um revolucionário de 1817 tentou, sem sucesso, assassinar Luís do Rego, morrendo afogado na fuga. Era enorme o grau de tensão que havia entre uma parte da população local e as autoridades do Antigo Regime, que sequestraram seus bens, condenaram seus familiares à morte ou à prisão na Bahia. Em 30 de agosto, Luís do Rego Barreto formou uma junta de governo, sendo ele próprio o presidente. Paralelamente, porém, formava-se outra junta na cidade de Goiana, que considerava o procedimento eleitoral estabelecido pelo General Barreto ilegal. Com ambos os lados armados por tropas pardas e negras, a guerra civil era iminente. Olinda e Recife, últimos redutos de Luís do Rego Barreto, estavam cercadas pelas tropas goianistas. Após a chegada do decreto de setembro elaborado pelas Cortes, o qual estabelecia as regras para a formação das juntas de governo e separava a administração civil da militar, subordinando esta última a Lisboa, os dois lados resolveram dialogar. A convenção de Beberibe, ocorrida no dia 5 de outubro de 1821, estabeleceu o armistício e o retorno de Rego Barreto a Portugal. No dia 26 de outubro, formava-se a primeira junta governativa de Pernambuco que experimentaria um modelo de autogoverno provincial nos moldes do constitucionalismo moderno. O presidente da nova junta foi Gervásio Pires Ferreira, comerciante nativo de grosso trato e ex-revolucionário de 1817. Ainda compunham a junta o Padre Laurentino Antônio Moreira (secretário), os três comerciantes e proprietários Bento José da Costa, Felipe Neri Ferreira e Joaquim José de Miranda e, por fim, o Tenente Coronel Antonio José Victoriano Borges da Fonseca e o Cônego Manoel Ignacio de Carvalho. Eram homens do meio urbano, todos radicados no Recife.24 24 Marcus J. M. de Carvalho, op. cit., p. 4-5; Evaldo Cabral de Mello, op. cit., p. 69-74; Denis Bernardes, op. cit., p. 399-400; Antônio Joaquim de Mello, Biografia de Gervásio Pires Ferreira, Recife, Universidade Federal de Pernambuco/Editora Universitária, 1973 [1895], p. 28-42.

Apenas depois do retorno de Luís do Rego Barreto a Portugal, ocorreu a primeira explosão da palavra impressa em Pernambuco. A Oficina do Trem, depois denominada Tipografia Nacional, sendo logo em seguida comprada por particulares e incrementada com materiais trazidos de Portugal, foi a tipografia que se encarregou de dar suporte ao debate público. Lopes Gama participaria desse debate jornalístico apenas a partir de julho de 1822, publicando a primeira fase de O Conciliador Nacional.25 25 Alfredo de Carvalho, Annaes da Imprensa Periódica Pernambucana de 1821 a 1908, Recife, Typographia do Jornal do Recife, 1908, p. 36-37; 59-62; Francisco Augusto Pereira da Costa, "Estabelecimento e desenvolvimento da imprensa em Pernambuco", Revista do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano, n. 39, Recife, Typographia de F. P. Boulitreau, 1891, p. 32-33; Flávio José Gomes Cabral, "'Vozes públicas': as ruas e os embates políticos em Pernambuco na crise do Antigo Regime Português (1820-1821)", Saeculum - Revista de História, vol. 13, João Pessoa, 2005, p. 63-77.

Voltemos, no entanto, a tratar do governo de Gervásio Pires Ferreira. Enumeremos os principais aspectos desse interessante e inédito laboratório político. Essa junta contestou decisões tanto do congresso de Lisboa como da regência de D. Pedro, situada no Rio de Janeiro. De Lisboa, contestou a subordinação da administração militar que as Cortes pretendiam submeter às províncias, por meio da nomeação que o congresso fazia do Governador das Armas. Aliás, semelhante contestação seria levada a cabo em grande parte das províncias do ultramar. O governo de Gervásio expulsou dois batalhões portugueses do solo pernambucano e seus respectivos comandantes, ambos nomeados por Lisboa. É notável que muitas dessas decisões tenham sido tomadas após uma reunião deliberativa denominada Grande Conselho, a qual se tornaria prática recorrente do grupo gervasista em momentos de crise. Do Grande Conselho, participavam os membros da junta, o Governador das Armas, os chefes de todos os corpos militares e oficiais de altas patentes ou representantes de tropas, os magistrados, os presidentes de repartições civis, negociantes importantes e cidadãos conspícuos, com os delegados do Clero e os vigários das três paróquias do Recife. Apesar de ainda persistirem classificações que indiquem uma sociedade corporativa com suas três divisões clássicas - clero, nobreza e povo -, não era essa a essência do Grande Conselho. Tratava-se muito mais de verificar a vontade da província em assuntos considerados cruciais, atitude que pode ser considerada como típica da modernidade política. Por fim, frisemos que Gervásio Pires criou batalhões com gente da terra, notadamente batalhões de pretos e pardos.26 26 Barbosa Lima Sobrinho, Pernambuco: da Independência à Confederação do Equador, Recife, Prefeitura da Cidade do Recife/Secretaria de Cultura, Turismo e Esportes/Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1998 [1979], p. 33; Antonio Joaquim de Mello, Biografia de Gervásio Pires Ferreira, Recife, Universidade Federal de Pernambuco/Editora Universitária, 1973 [1895], p. 43-52; Evaldo Cabral de Mello, A outra Independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, São Paulo, Editora 34, 2004, p. 65-112; Denis Bernardes, O patriotismo constitucional, São Paulo, Hucitec/Fapesp; Recife, UFPE, 2006.

Como bem notou Evaldo Cabral de Mello, "será no decurso do governo dos matutos que a açucarocracia definir-se-á em favor do projeto fluminense"

Em relação às decisões emanadas do Rio, a principal contestação se deu quanto à convocação do Conselho de Procuradores, feita por decreto em 16 de fevereiro de 1822. Tal conselho caminhava na contramão do liberalismo vintista, porque os representantes provinciais enviados ao Rio comporiam órgão consultivo, e não representativo, além de os ministros terem ali seu assento garantido. A justificativa ideológica para a criação desse conselho era fortalecer a união entre as províncias do reino do Brasil, criando um centro em torno do príncipe regente em solo fluminense. Aumentava-se, no entanto, cada vez mais, a desconfiança em relação às práticas políticas emanadas do Rio - práticas políticas arcaicas, no limite despóticas, acreditavam alguns coevos. De Lisboa, pensavam essas pessoas, irradiava um liberalismo mais arrojado.27 27 Barbosa Lima Sobrinho, Pernambuco: da Independência à Confederação do Equador, Prefeitura da Cidade do Recife/Secretaria de Cultura, Turismo e Esportes/Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1998 [1979], p. 39; Antonio Joaquim de Mello, Biografia de Gervásio Pires Ferreira, Recife, Universidade Federal de Pernambuco/Editora Universitária, 1973 [1895], p. 65-77; Marcus J. M. Carvalho, "Cavalcantis e Cavalgados: a formação das alianças políticas em Pernambuco, 1817-1824", Revista Brasileira de História, vol. 18, n. 36, São Paulo, 1998, p. 2; Denis Bernardes, O patriotismo constitucional, São Paulo, Hucitec/Fapesp; Recife, UFPE, 2006, p. 499-610; Evaldo Cabral de Mello, A outra Independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, São Paulo, Editora 34, 2004, p. 83-84; Segarrega, n. 13, 13 de julho de 1822. Até a junta governativa de Minas Gerais contestou a criação do Conselho de Procuradores. A diferença é que a proximidade dessa província com a Corte, as redes comerciais e de interesse estabelecidas entre mineiros e fluminenses e a própria presença física do regente - ao lado de tropas, diga-se de passagem -, em sua célebre viagem à região mineradora, facilitaram a adesão de Minas ao projeto pedrino.28 28 Cecília Helena Salles de Oliveira, Astúcia liberal, São Paulo, Universidade São Francisco, 1999, p. 61-106; Wlamir Silva, Liberais e o povo: a construção da hegemonia liberal-moderna na Província de Minas Gerais (1830-1834), São Paulo, Hucitec, 2009, p. 73-103; Iara Lis Carvalho e Souza, Pátria coroada: o Brasil como corpo político autônomo (1780-1830), São Paulo, Editora da Unesp, 1999, p. 237-256. Em Pernambuco, essa adesão se estabeleceria, como se verá, de forma mais conflituosa.

Segundo Marcus J. M. de Carvalho, para a tendência "federalista", cujas raízes estavam no governo de Gervásio, "tanto fazia a sede do reino ser no Rio como em Lisboa - ou até nos dois lugares - desde que fosse mantida a autonomia provincial, conquistada com a Revolução do Porto".29 29 Marcus J. M. de Carvalho, op. cit., p. 5. Denis Bernardes, autor do estudo mais verticalizado sobre a junta gervasista, afirmou que as bases de seu programa de governo estavam "no projeto de controle das rendas locais, em uma nova política fiscal, na reorganização de todas as repartições públicas mediante, também, a realização de concursos públicos para o preenchimento dos cargos, na publicação da receita e despesa, no controle sobre a força armada, na ampliação da educação fundamental e na criação de uma academia (universidade)".30 30 Denis Bernardes,"'Pernambuco e o Império': sem Constituição soberana não há união", In: István Jancsó (org.), Brasil: formação do Estado e da nação, São Paulo, Hucitec/Fapesp; Injuí, Unijuí, 2003, p. 240. Em suma, ambos os autores concordam que a ampla autonomia provincial foi uma das pedras de toque do governo de Gervásio.

A junta de Gervásio foi derrubada por repetidos motins, todos liderados por emissários do Rio de Janeiro. O primeiro desses emissários, Antônio de Meneses Drumond, havia chegado ao Recife em fevereiro de 1822. Era diretamente vinculado ao ministério comandado por Bonifácio. Sua missão: promover a adesão da junta gervasista ao príncipe regente, que, a partir do Fico, afrontava diretamente as Cortes.31 31 Denis Bernardes, op. cit., p. 613. Evaldo Cabral de Mello, op. cit., p. 88-90. Aliciando tropas locais, Drumond promoveu, em 1º de junho de 1822, uma tentativa de fazer com que o governo provincial reconhecesse o "Príncipe Real como regente e Poder Executivo independente [...] e sem restrição". Segundo a ata em que se registrou o acontecido, os líderes da reivindicação "iam seguidos de alguns moços de casaca, de alguns moços militares e de muitas gentes de cor e descalças". Gervásio, ao chegar atrasado à sala de sessões, protestou, afirmando que "aquilo era verdadeiramente um motim e não um ato regular do povo; que aquele congresso era composto de mui poucas pessoas para poderem representar o povo, e ainda mesmo o da Vila, quanto mais o da Província".32 32 Apud Antônio Joaquim de Mello, Biografia de Gervásio Pires Ferreira, Recife, Universidade Federal de Pernambuco/Editora Universitária, 1973 [1895], p. 78-86. Ao fim e ao cabo, Gervásio foi obrigado a assinar o requerimento para não causar uma comoção militar. A primeira experiência de autogoverno pernambucano estava com seus dias contados. Em breve, chegaria ao fim essa experiência administrativa que Denis Bernardes definiu como um mandato legitimado "por um processo eleitoral definido institucionalmente segundo os padrões políticos referenciados à constitucionalização do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve".33 33 Denis Bernardes, O patriotismo constitucional, São Paulo, Hucitec/Fapesp; Recife, UFPE, 2006, p. 610.

A soberania da nação segundo Lopes Gama - oposição à concepção federalista (julho de 1822)

Pernambucano formado em Coimbra, já havia ocupado o cargo de juiz de fora do Maranhão (1808-1812) e de ouvidor de Sabará, Minas Gerais (1815-1818). Com o agravante de ser pernambucano, as autoridades joaninas desconfiaram que ele tivesse vínculos com os revolucionários de 1817 e o deportaram para Lisboa. Às margens do Tejo, foi corregedor do crime. Com a revolução de 1820, ficou livre para voltar a atuar politicamente.35 35 Francisco Augusto Pereira da Costa, Dicionário biográfico de pernambucanos célebres, Recife, Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 1981 [1882], p. 212-222. Já no Rio, aliou-se a setores da Câmara do Rio de Janeiro, notadamente o grupo maçônico liderado por Gonçalves Ledo. Bernardo José da Gama foi uma das pessoas que assinou o requerimento por uma Constituinte brasileira.36 36 Renato Lopes Leite, Republicanos e libertários, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2000, p. 97-159; Cecília Helena Salles de Oliveira, A astúcia Liberal, Bragança Paulista, EdUSF, p. 197-255. Antes do grupo maçônico de Gonçalves Ledo ser reprimido e expatriado por Bonifácio, o que ocorreu a 2 de novembro de 1822, o futuro Visconde de Goiana já havia feito valer sua influência política na Corte, pois havia sido nomeado presidente do Tribunal da Relação de Pernambuco. Tratava-se de uma nova instituição criada pelo ministério bonifacista para afirmar sua política de enfrentamento com as Cortes na questão da existência de tribunais superiores no Brasil. Chegou ao Recife, ao que parece, no dia 2 de julho. Ao seu lado, estavam as tropas Pernambucanas envolvidas na Revolução de 1817, as quais haviam sido deportadas para atuar na Guerra da Cisplatina. Qual era a missão de Bernardo José da Gama? Conseguir adesão de Pernambuco à convocação da Constituinte brasileira.37 37 Denis Bernardes, O patriotismo constitucional, São Paulo, Hucitec/Fapesp; Recife, UFPE, 2006, p. 613-614; Evaldo Cabral de Mello, A outra Independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, São Paulo, Editora 34, 2004, p. 97-99.

Segundo a ata em que se registrou o acontecido, os líderes da reivindicação "iam seguidos de alguns moços de casaca, de alguns moços militares e de muitas gentes de cor e descalças"

A trajetória individual de Bernardo José da Gama reflete a complexidade do período. Vinculado à maçonaria fluminense liderada por Gonçalves Ledo, ele sobreviveu à repressão feita por Bonifácio porque já estava em Pernambuco. Eleito deputado constituinte em 1823, presenciou o exílio do poderoso Andrada. Após a dissolução da Constituinte, foi agraciado com o título de Visconde. É necessário ter em mente, pois, que projetos chegavam do Rio de Janeiro de diversas frentes, não de uma única facção. Desembarcavam emissários enviados por Bonifácio, mas também desembarcavam emissários enviados pela câmara do Rio. Grupos rivais, portanto. Os maçons queriam o voto direto como regra nas eleições que escolheriam os novos deputados. Venceu a proposta de Bonifácio, que regulamentava a eleição indireta, em dois graus.38 38 No momento em que chegou a Pernambuco, Bernardo José da Gama representava a efêmera aliança entre a câmara do Rio de Janeiro/maçonaria (grupo liderado por Ledo) com o ministério bonifacista. Renato Lopes Leite, op. cit., p. 97-159; Cecília Helena Salles de Oliveira, op. cit., p. 233-271. O trabalho mais completo sobre a participação da maçonaria na Independência é de Alexandre Mansur Barata, Maçonaria, sociabilidade ilustrada & independência do Brasil, 1790-1822, Juiz de Fora, Editora da UFJF; São Paulo, Annablume, 2006.

Voltando a tratar da convocação da Constituinte, nota-se que ela não era dirigida ao governo provincial. Tratava-se de uma convocação oriunda da câmara do Rio de Janeiro dirigida às diversas câmaras municipais. Dessa forma, a câmara do Rio de Janeiro (a Corte não era uma força política monolítica à época39 39 Resenhando a obra de Evaldo Cabral de Mello (A outra Independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, São Paulo, Editora 34, 2004), Andréia Slemian faz a seguinte crítica: "o historiador pernambucano tende a enxergar o Rio de Janeiro como força política monolítica e homogênea", p. 129-132. ) passava por cima do governo provincial como órgão de representação da vontade dos povos, aspecto que muito irritou os membros da junta de Gervásio, como fica explícito em ata do dia 5 de julho. Os membros da junta queixavam-se que a convocação de uma Constituinte brasileira era assunto demasiado sério, posto que tal convocação tirava a procuração que os deputados, em Lisboa, tinham como representantes da nação. Acreditavam que assunto de tamanha seriedade deveria ser decidido pela vontade dos povos. Que "nada se fizesse sem se ouvirem todos os povos da província", clamava Joaquim José de Miranda, um dos membros da junta, "depois de terem os Compromissários elegido os seus eleitores de paróquia, para que juntos na Catedral de Olinda manifestem a sua vontade".40 40 Apud Antônio Joaquim de Mello, Biografia de Gervásio Pires Ferreira, Recife, Universidade Federal de Pernambuco/Editora Universitária, 1973 [1895], p. 108. A ata do dia 5 de julho completa entre as páginas 106-111.

Sublinhemos três aspectos centrais em relação à ata dos trabalhos da junta gervasista de 5 de julho. Em primeiro lugar, os membros do governo entendiam que a vontade dos povos era corporificada na província, verificada de acordo com o processo eleitoral. Em segundo lugar, a junta procurava relegar essas duas importantes decisões - a eleição de procuradores para o conselho de Estado e a de deputados para uma Constituinte - à decisão do colégio eleitoral. Por fim, frisemos que, na opinião dos membros da junta, convocar um Legislativo no Brasil era acabar com a união do Reino Unido. Eles pensavam que dois Legislativos não poderiam coexistir numa mesma nação. Os "federalistas" pernambucanos externavam, então, uma concepção unitária de centro legislador. A descentralização, nesse enfoque, residiria em questões administrativas e não legislativas.41 41 Idem, Ibidem. p. 111.

Nesse turbulento contexto, Lopes Gama estreou sua profícua carreira de jornalista político. O primeiro exemplar do jornal O Conciliador Nacional saiu à luz no dia 4 de julho de 1822. Lopes Gama ainda não fazia menção à convocação da Constituinte. Apesar de não mencionar a novidade vinda do Rio de Janeiro, é muito provável que Bernardo José da Gama tivesse encomendado a Lopes Gama a abertura de um periódico, para que, quando desembarcasse, tivesse um veículo para expressar suas ideias. Nesse primeiro número d'O Conciliador, já se percebe um nítido alinhamento de Lopes Gama ao ideário trazido por seu primo. Três meses depois, ele já adequaria suas ideias perfeitamente aos interesses desse parente.42 42 Concluiu-se que as ideias de Bernardo José da Gama eram extremamente convergentes com a campanha política de O Conciliador Nacional, analisando-se dois folhetos de sua autoria: Recordações ao governo da província de Pernambuco, por um seu compatriota, Rio de Janeiro, Impressão Nacional, 1822; Memória sobre as principaes cauzas, por que deve o Brasil reassumir os seus direitos, e reunir as suas províncias, Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1822. Visto que o primeiro número de um periódico era uma carta de intenções do redator, analisemos com rigor esse exemplar.

O redator iniciou seu texto com a clássica ideia dos jornais coevos: de que o dever do bom cidadão é dirigir a opinião pública almejando a felicidade social. Em seguida, afirma que as bases da nossa Constituição estão "fundadas em o direito natural, e que bem se podem chamar axiomas políticos". Justifica a exposição desses aforismos "por não serem alguns bem entendidos do vulgo". Cita, por fim, os dois axiomas: 1º) "A Soberania da Nação reside essencialmente em a mesma Nação"; 2º) "Todo Cidadão é livre" [grifos de Lopes Gama]. Em seguida, continua explicando que, nessa edição inicial, fará considerações acerca do primeiro conceito: Soberania da Nação. Sobre a segunda ideia - "todo cidadão é livre" -, Lopes Gama deve ter escrito no segundo número, o qual não resistiu ao tempo.43 43 O Conciliador Nacional, n. 1, 4 de julho de 1822.

O que o monge beneditino entendia por "Soberania da Nação"? Primeiramente, é nítida sua preocupação em inverter a lógica clássica do Antigo Regime, a qual postulava que a soberania residia no monarca. Em se tratando de um jornal que pretendia dirigir a opinião pública e o "vulgo", era preciso anunciar os novos tempos de maneira bem didática e clara. "Não são os Reis que fazem as Nações", escreve ele, "mas sim que o consenso das Nações é que faz os Reis [...] Pode uma Nação sem Rei ser muito bem governada, mas não pode existir Rei nem governar [sic] sem Nação".

Frei Miguel continua sua explanação, enfatizando duas ideias: "1. que se não pode admitir Soberania em uma só Província, enquanto ligada, fazendo parte de uma Nação, e menos em uma Cidade, Vila, &c". Ele justifica essa advertência "porque homens há que se persuadem de boa fé, que a Soberania Nacional existe por exemplo na Província da Beira: outros, que no Povo de Lisboa, outros em Pernambuco, e alguns finalmente até no lugarejo de Itambé &c. &c". Dessa forma, Lopes Gama dava um recado direto ao nascente federalismo pernambucano que procurava afirmar a ampla autonomia provincial. Em uma época em que os campos políticos ainda não estavam bem definidos, ele buscava esvaziar a província como centro decisório de poder. Lopes Gama deixa isso bem explicitado em sua segunda ressalva: "2. Que depois de reunidos os Deputados em Cortes só do Congresso devem emanar as leis civis, e criminais, as formas, por que devem ser governadas as Províncias, o número, qualidades dos empregados públicos &c. &c".44 44 Idem, Ibidem.

No dia 6 de julho, a câmara de Olinda manifestou sua opinião sobre o assunto. Esta não desconhecia a "necessidade da convocação de uma Assembleia Representativa e Legislativa no Brasil para melhormente e com conhecimento de causa se tratar dos negócios e interesses do Brasil". Mas

como este negócio é da província, à província é que compete decidir; portanto, este Senado é de parecer que V. Excs. quanto antes se dignem convocar uma Assembleia Geral Constituinte desta província, composta por todas as Câmaras da província por si, ou por seus Procuradores aquelas que não puderem comparecer.45 45 Apud Antônio Joaquim de Mello, Biografia de Gervásio Pires Ferreira, Recife, Universidade Federal de Pernambuco/Editora Universitária, 1973 [1895], p. 112. Cf. também Evaldo Cabral de Mello, A outra Independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, São Paulo, Editora 34, 2004, p. 98.

Os vereadores olindenses representavam, pois, o autonomismo provincial levado às últimas consequências. Eles compunham, então, um setor do gervasismo que veiculava propostas extremas. Talvez essa ideia, aventada na Câmara de Olinda, de convocar uma Constituinte provincial tenha levado Evaldo Cabral de Mello a formular sua hipótese de que o federalismo pernambucano postulava que "desfeita a unidade do Reino de Portugal, Brasil e Algarves, a soberania revertesse às províncias, onde propriamente residia".46 46 Idem, Ibidem. p. 14 e contracapa.

Além da recusa em receber tropas lusas, a junta gervasista apoiou o Fico e questionou a ideia de se retirarem os tribunais superiores do Brasil, ou seja, afrontou as Cortes

Percebe-se, dessa forma, a complexidade dos enunciados políticos. Como já se observou anteriormente, a junta gervasista questionava a Constituinte brasileira criticando a ideia de Legislativos concomitantes dentro de uma mesma nação. A câmara olindense, por sua vez, defendia uma Constituinte pernambucana, alternativa que apresentava a mesma contradição já explicitada, mas favorecia o estabelecimento de um governo provincial autônomo. As propostas políticas surgiam, assim, ao sabor dos acontecimentos. A solução de uma Constituinte provincial jamais teria sido cogitada quando o grupo autonomista tinha uma boa relação com as Cortes de Lisboa. Os gervasistas não enxergavam problema em Pernambuco ser uma unidade administrativa dentro da nação portuguesa, desde que gozassem de ampla autonomia. A convocação de uma Constituinte provincial só foi conjecturada no momento em que as relações da junta com o congresso lisbonense se degradaram. Além da recusa em receber tropas lusas, a junta gervasista apoiou o Fico e questionou a ideia de se retirarem os tribunais superiores do Brasil, ou seja, afrontou as Cortes. Segundo Denis Bernardes, apesar dos vários desentendimentos ocorridos, essa junta se sustentava institucionalmente nas Cortes.

Dessa forma, ao enfraquecer sua relação com elas, a junta abriu espaço para a ação dos emissários fluminenses.47 47 Denis Bernardes, O patriotismo constitucional, São Paulo, Hucitec/Fapesp; Recife, UFPE, 2006, p. 612-613.

Evaldo Cabral de Mello defendeu que um dos eixos do federalismo pernambucano era o entendimento de que, na crise do Reino Unido, a soberania passasse a residir na província (com, no limite, uma Constituinte provincial). Esse ideário, contudo, parece que perdeu espaço para outro que se construiu gradativamente: a soberania residiria em uma nova nação, o Brasil, a qual teria um centro definido, o Rio de Janeiro.

Um motim, em 3 de agosto de 1822, acabou por selar a adesão de Pernambuco à Constituinte brasileira.48 48 Evaldo Cabral de Mello, A outra Independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, São Paulo, Editora 34, 2004, p. 102-103; Antônio Joaquim de Mello, Biografia de Gervásio Pires Ferreira, Recife, Universidade Federal de Pernambuco/Editora Universitária, 1973 [1895], p. 119-129. A junta gervasista foi deposta em 16 de setembro de 1822, mediante mais um motim articulado por agentes vindos da Corte fluminense com ajuda de parte da elite local. Lopes Gama foi um desses agentes da elite local que ajudou, por meio da palavra imprensa, a divulgar a projeto de um Estado brasileiro unitário.49 49 Cf. O Conciliador Nacional, n. 4, 4 de setembro de 1822. Ao contrário da junta gervasista, exclusivamente recifense, a junta governativa que apoiou esse projeto, a junta dos matutos, era, com exceção de Paula Gomes e José Mariano (secretário), composta por grandes proprietários rurais: Manuel Inácio Bezerra de Melo, João Nepomuceno Carneiro da Cunha e Francisco de Paula Gomes dos Santos (zona da mata norte); o presidente Afonso de Albuquerque Maranhão, Francisco Pais Barreto e Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque (zona da mata sul).50 50 Evaldo Cabral de Mello, op. cit., p. 113.

A agonia do Reino Unido e a formulação do Brasil como nação - a visão de Lopes Gama (julho de 1822 a outubro de 1823)

O título do periódico aqui analisado é O Conciliador Nacional. Não há dúvida de que Lopes Gama pretendia, a priori, conciliar a nação portuguesa. Primeiramente, ele defendeu a união da nação por meio de dois reinos unidos, cada qual com um executivo próprio. Em seguida, a união desses reinos se estabeleceria por meio de dois Legislativos separados.51 Ao bem da verdade, durante o segundo semestre de 1822, esses projetos de união vigoraram muito mais no campo das práticas discursivas do que no campo institucional. Como bem observou Antonio Carlos de Andrada nas Cortes, em 20 de julho, em um tom de imenso realismo político, "o Sul do Brasil quase que desconhece a autoridade do Congresso; para que é legislar para um país que não obedece?".52 Se a união entre Rio e Lisboa parecia fadada ao fracasso, o destino dos territórios entre a Bahia e o Pará, porém, ainda estava indefinido. Pernambuco situa-se bem no meio dessas duas bases lusitanas na América. Dessa forma, percebe-se que o Reino Unido, institucionalmente, era um projeto agonizante. Rio de Janeiro e Lisboa não mais se comunicavam. A indefinição estaria, pois, em outros territórios americanos.

Mesmo que institucionalmente o Reino Unido não mais existisse a partir da convocação da Constituinte brasileira, Lopes Gama pregou a união da grande família portuguesa até dezembro de 1822. Em 4 de julho, defendeu que a permanência do príncipe como poder executivo no Brasil era "o único meio de ter sempre ligada a Grande Família Luso-Brasílica".53 53 O Conciliador Nacional, n. 1, 4 de julho de 1822. Em 4 de setembro, ele indagava: "Por que há de Portugal perder o seu Brasil? Por que há de o Brasil perder seu Portugal? Não será possível sustentar ligada a Grande Família para a felicidade d'ambos os mundos?". Na sequência, postulava: "entre os povos, que querem ser irmãos não se admitem morgados. Haja união: nós a julgamos da mais decidida vantagem: mas haja igualmente recíproca independência".54 54 O Conciliador Nacional, n. 4, 4 de setembro de 1822.

Ainda em 4 de setembro, criticava a atitude das Cortes lisboetas, mas clamava por "União e Integridade Nacional". Esperava que aquele congresso se apercebesse dos erros. Sonhava com um português europeu proferindo um discurso conciliador, nos seguintes termos: "Vossos navios, e os nossos condecorados com o mesmo pavilhão, cubram os mares. [...] Haja no Brasil um Poder Executivo, e este seja [...] o Sereníssimo Príncipe Real: haja uma Assembleia Legislativa, e esta de acordo a nossa trabalhará sobre os meios de nossa mútua independência, e de nossa perpétua União". Seguiu referindo-se aos portugueses como "irmãos". Mostrando uma gama extremamente variada de sentimentos de pertença, indaga: "o que deve fazer Pernambuco? Que deve fazer o Brasil todo?". Prosseguiu falando, por um lado, dos "gloriosos fastos do Brasil" e, por outro, falando dos "heroicos descendentes dos Vieiras, Vidaes, Camarões e Dias". Finalizou, em tom conciliador, afirmando que "nossos irmãos europeus [...] nenhuma culpa têm das sinistras intenções, com que alguns deputados em Portugal, adquirindo partidos, e preponderância no Congresso, tem querido subjugar o Brasil".55 55 Idem, Ibidem.

Há, no discurso de Lopes Gama, três sentimentos de pertencimento. Ele é ao mesmo tempo pernambucano, descendente dos Vieiras, Vidaes, Camarões e Dias; é brasileiro e também faz parte da "Grande Família" portuguesa. Quando se refere à "Grande Família", percebe-se que se trata da família portuguesa, na qual brasileiros e portugueses são irmãos. O Brasil, entretanto, não é mais apenas uma unidade administrativa dentro do mundo português, mas um espaço politicamente definido, que deveria ser regido por um Executivo e um Legislativo próprios. Quando se refere à nação, contudo, percebe-se que esta é a referida "Grande Família". Ele ainda considerava, àquela altura, os deputados em Lisboa representantes da nação. A ideia de Reino Unido, nascida em 1815, sob influência direta da Santa Aliança, parecia ainda ter credibilidade.

Não era, no entanto, o Reino Unido forjado na Corte joanina e no Congresso de Viena. Tratavam-se agora de dois reinos constitucionais, cada qual com um Legislativo e um Executivo próprios. Mesmo estando institucionalmente agonizante, esse arranjo político ainda era veiculado no campo discursivo. O ideário de união ainda repercutia nos espaços públicos.

Em 16 de setembro, Lopes Gama afirmava que "os justos movimentos do Rio de Janeiro, e mais províncias" proclamam a "união" e "só não querem a dependência, e tutoria de Portugal". Pouco depois, escreve:

Não cessaremos sobretudo de recomendar a união, a boa inteligência, e harmonia dos Povos. Esqueçamos desavenças domésticas, sejamos todos amigos, congressemo-nos em uma só vontade, quando se trata de salvar toda família. Gritemos altamente a Portugal, e ao mundo, que queremos a união com os nossos irmãos europeus; o que não queremos são os ferros que nos quer lançar o Congresso: queremos leis permanentes, mas feitas cá por uma Assembleia da nossa confiança: e ultimamente que seja nosso Regente o Senhor Príncipe Real, que ouvindo os nossos clamores jurou ser nosso Perpetuo Defensor, e nós dele.56 56 O Conciliador Nacional, n. 5, 16 de setembro de 1822.

Em 19 de novembro, após a chegada da notícia do grito do Ipiranga no Recife, Lopes Gama explicava o que entendia por "independência". Deixava claro que eram mentirosos os boatos de que independência significava república. Falsos rumores, segundo ele, circulavam afirmando que o laço verde com a inscrição "independência ou morte" era o fim do trono, da igreja, das missas etc. O laço verde seria, segundo essas fofocas, "invenção dos Pedreiros livres, que querem renovar a cena de 817 [sic]". Se o príncipe regente criou esse laço, indagava Frei Miguel, como ele poderia significar a república? "Independência do Congresso de Lisboa [...] amando seus irmãos da Europa", clamava o monge beneditino. Em seguida, dizia que os brasileiros "só não querem viver sob o jugo da velha metrópole". Por fim, afirmava:

Queremos sim a - independência - de meia dúzia de facciosos, que arrogando a si todos os poderes, conhecidos na sociedade, tem preso e coacto o Nosso sempre Amado Rei o Senhor D. João VI [...] Queremos enfim, a - independência - de nossos negócios, pertensões [sic], e requerimentos, para nos não vermos na dura necessidade de atravessar duas mil léguas do Atlântico.57 57 O Conciliador Nacional, n. 8, 19 de novembro de 1822.

Onde residia, então, a união da Grande Família portuguesa para Lopes Gama? Se os Legislativos eram independentes e os Judiciários e Executivos também, onde residia essa união? Institucionalmente, Lopes Gama não formulou nenhum tipo de arranjo para estabelecer essa união, mas continuou pregando-a. O único vínculo explicitado no trecho citado é o dinástico: "nosso sempre amado Rei o Senhor D. João VI".

Como Lopes Gama não formulou propostas concretas de união, é necessário averiguar quando desaparece a defesa da ideia de reino unido de seus escritos. Quando ele deixa de utilizar palavras como "Grande Família", "irmãos" e "união"? Essas expressões deixam de aparecer em seus escritos após a aclamação do imperador, feita no Recife no dia 8 de dezembro de 1822. Acredita-se aqui que o desparecimento das referidas palavras após essa data é sintomático.

Onde residia, então, a união da Grande Família portuguesa para Lopes Gama? Se os Legislativos eram independentes e os Judiciários e Executivos também, onde residia essa união?

O jornal O Conciliador Nacional relatou detalhadamente a cerimônia de aclamação: "embandeiraram-se todas as Fortalezas, e Embarcações, e deram uma salva Real de 101 tiros". Às 8 horas da manhã, as tropas de primeira e segunda linha começaram a marchar e se postaram no campo do erário. No local, era "inumerável o adjunto de Cidadãos de todas as classes". "Acabado que fosse o beija mão", todos "puseram-se a caminho para os Paços do Conselho". "A sala estava magnificamente adornada, e debaixo de um riquíssimo docel [sic], o Retrato do Nosso Querido, e Imortal Imperador". Após a missa, com pregação de Frei Caneca, ocorreu um Te Deum, no qual Lopes Gama orou "mostrando as justas razões da nossa Independência, e a necessidade da Aclamação do SENHOR D. PEDRO I IMPERADOR CONSTITUCIONAL, E PERPETUO DEFENSOR DO BRASIL [...] Nas três noites sucessivas houve iluminação geral, sendo notável que as luminárias se estendessem aos subúrbios do Recife". Nessas três noites, também houve teatro, "sendo grandíssimo o concurso de todas as classes de Cidadãos".58 58 O Conciliador Nacional, n. 9, 23 de janeiro de 1823 (texto original com maiúsculas).

Já foi visto que, para Lopes Gama, a soberania residia na nação. Ao aclamar o Imperador, a nação lhe delegava parte dessa soberania originária. A outra parte da soberania era delegada à Assembleia Constituinte. Aliás, essa fórmula seria consagrada no artigo 11 da Constituição de 1824: "os Representantes da Nação brasileira são o Imperador, e a Assembleia". Se houve um momento de inflexão no discurso de Lopes Gama, no sentido de conferir ao Brasil o status de nação, essa inflexão se processou após a aclamação.

Essa inflexão no discurso de Lopes Gama corrobora os estudos de Iara Lis Carvalho e Souza, que buscou verificar "quais as redes de poder, discursivas, festivas, cotidianas que erigem a noção de Brasil, enquanto corpo político autônomo". Para ela, essas redes forjaram "sua primeira soberania enfeixada no primeiro imperador do país". Crucial na construção dessa concepção de soberania foi a "noção de contrato-imperador-festa". Por fim, a autora frisa que "nessa construção da figura do soberano, vem à tona toda uma rede de relações capitaneadas pelas câmaras no Brasil".59 59 Iara Lis Carvalho e Souza, Pátria coroada: o Brasil como corpo político autônomo (1780-1830), São Paulo, Editora da Unesp, 1999, p. 17. Em Pernambuco, a câmara do Recife foi a primeira a promover a aclamação do Imperador. Esta se mostrou campo fértil para incubação dos projetos vindos do Rio de Janeiro. Ainda não estavam definidos quais eram os mecanismos que verificariam a vontade da nação (nem tampouco de qual nação estavam tratando). Observou-se, anteriormente, que a junta gervasista acreditava que os eleitores de todas as câmaras da província deveriam se reunir na capital para manifestar a vontade dos povos, quando isso fosse necessário. Entretanto, a partir da convocação da Constituinte, outro mecanismo parece ter prevalecido em Pernambuco. A consulta direta às câmaras tornou-se a forma pela qual o centro, o Rio de Janeiro, comunicar-se-ia com as partes. Essa via de comunicação foi estabelecida, sobretudo, quando a liderança provincial era hostil às ordens oriundas da Corte.

A partir da aclamação, pois, O Conciliador Nacional não mais pretendia se conciliar com a nação portuguesa, seu objetivo inicial. Uma nova nação, o Brasil, já era definitivamente visualizada por Lopes Gama depois de o imperador ter sido aclamado no Recife. Em 31 de maio de 1823, noticiando efusivamente a instalação da Constituinte brasileira, Lopes Gama escrevia, dirigindo-se aos deputados: "Ilustres Representantes de um Povo, que jurou ser livre, amados Concidadãos, que ora reunidos nesse Sagrado recinto representais a Soberania Brasiliense". Na sequência, afirmava que nos "Constituintes reside coletiva, e essencialmente a Soberania da Nação". Por fim, elogiava o juramento que os deputados foram obrigados a fazer na abertura da primeira sessão. Elogiava, especialmente, o trecho que obrigava os deputados a não "admitir com alguma Nação, qualquer outro laço de união, ou federação".60 60 O conciliador Nacional, n. 18, 31 de maio de 1823.

Em outubro de 1823, quando "federalistas" e "unitários" quase chegavam às vias de fato, Lopes Gama elaborou uma reflexão sobre o termo "guerra civil". Ele estava muito preocupado com as comoções populares na província, pois estavam sendo semeadas "intrigas entre os Brasilienses, a fim de verem, se nos desunem". Lopes Gama distingue dois tipos de guerra civil: 1º) anarquia total, todos contra todos; 2º) entre dois partidos. Após citar vários exemplos de guerra civil ao longo da história, concluiu: "de qualquer fonte que nasça a guerra civil (diz Mr. Gondon) ela é sempre funesta ao Povo que a faz".61 61 O Conciliador Nacional, n. 36, 4 de outubro de 1823.

Em suma, Lopes Gama pregava que a nação não deveria jamais dividir-se. Dever-se-ia estabelecer um consenso nacional em torno da Constituinte e do imperador.62 62 Adam Przeworski estabelece o consenso como característica basilar do sistema representativo ocidental em "Consensus and Conflict in Western Thought on Representative Government", Revised paper prepared for the 2006 Beijing Forum, 2006, p. 25. Qualquer divisão no seio da nação era funesta. Dentro do arranjo de Reino Unido (Portugal e Brasil), Lopes Gama se mostrou um contumaz crítico do grupo que Valentim Alexandre denominou de "integracionista". Trata-se de um grupo de deputados portugueses nas Cortes de Lisboa que enxergava uma nação portuguesa una, indivisível, com apenas um centro de poder, Lisboa.63 63 Valentim Alexandre, Os sentidos do Império: questão nacional e questão colonial na crise do Antigo Regime português, Porto, Edições Afrontamento, 1993. Márcia Berbel afirmou que os "integracionistas" externavam "a necessidade da total centralização: Executivo (reis e ministros), Legislativo (as Cortes) e Judiciário (as instâncias máximas para os julgamentos)".64 64 Márcia Regina Berbel,"A Constituição espanhola no mundo luso-americano (1820-23)", Revista de Índias, v. LXVIII, 2008, p. 239. Qualquer proposta que vislumbrasse divisões políticas no seio dessa nação una seria mal vista e tachada, pejorativamente, de federalista.

Durante 1822, Lopes Gama, apoiando o projeto do Rio de Janeiro, fez duras críticas aos "integracionistas". Contudo, a partir de 1823, em se tratando da nação brasileira, seu discurso remetia a conceitos nitidamente integracionistas: um centro (o Rio) e uma nação (o Brasil).

***

Se é inegável que a construção de um Estado nacional unitário contou com a decisiva formulação e articulação política de grupos instalados no Rio de Janeiro, é inegável também que esse projeto só pode se tornar vitorioso com a decisiva participação de atores políticos provinciais. Frei Miguel foi um político provincial, com atuação estritamente provincial, que ajudou a compor uma grande rede de articulação em nível nacional capaz de lançar as bases do Estado brasileiro unitário. Tema ainda pouco investigado, notadamente em relação a Pernambuco, a atuação da elite provincial na construção do projeto unitário carece de nova pesquisas.

Em relação a Frei Miguel, nos subsequentes e dramáticos desenlaces que a implantação do projeto unitário teve em Pernambuco - notadamente, a dissolução da Constituinte, a outorga da Constituição e a Confederação do Equador -, ele novamente teria atuação fundamental. Lopes Gama, depois da derrota dos confederados, foi encarregado por Lima e Silva (o responsável pela repressão), em 2 de outubro de 1824, de controlar o aparato tipográfico da província.65 65 Registro de Provisões 17/2 (provisões, portarias, editais e bandos) - Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano (APEJE). Ver o seguinte panfleto, publicado em 1825 pela tipografia controlada por Lopes Gama, tendo sido a autoria do panfleto atribuída a ele próprio: Reinaldo Xavier Carneiro Pessoa (org.), Diálogo entre um Corcunda, um Constitucional e um Federativo do Equador: um raro e curioso documento, São Paulo, 1975. Tornou-se, pois, o responsável pelo fechamento da imprensa livre após a derrota militar da Confederação do Equador. Como primeiro diretor do Liceu Pernambucano, cargo assumido em 1825, ordenou que "nenhum rapaz será matriculado nas aulas de Retórica, e Filosofia, [...] se não apresentar ao Diretor dos Estudos certidão de ter jurado a Constituição do Império".66 66 Instrução Pública, vol. I, p. 10 (verso) - APEJE. Cf. também Olívio Montenegro, Memórias do ginásio pernambucano, Recife, Imprensa Oficial, 1943, p. 9-10. Ao lado de condenações à morte, prisões e sequestros de bens, era preciso conquistar corações e mentes em prol do projeto unitário, trabalho que Lopes Gama exerceu diligentemente.

  • 1
    Evaldo Cabral de Mello, A outra Independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, São Paulo, Editora 34, 2004, p. 14 e contracapa.
  • 2
    Biografias de Lopes Gama, em ordem cronológica: Pedro Autran da Mata e Albuquerque. "Biografia do falecido Cônego da Capela Imperial o Padre Miguel do Sacramento Lopes Gama", Diário de Pernambuco, Recife, 30 de abril de 1853; "Uma lágrima sobre o túmulo do nosso amigo Reverendíssimo Padre Miguel do Sacramento Lopes Gama", O Liberal Pernambucano, Recife, 11 de novembro de 1852; Lino do Monte Carmelo Luna, Memória Histórica e Biográfica do Clero Pernambucano, Pernambuco, Typographia de F. C. de Lemos e Silva, 1857, p. 100-102; Francisco Augusto Pereira da Costa, Dicionário biográfico de pernambucanos célebres, Recife, Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 1981, p. 727; Alfredo de Carvalho, "Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama", In: Almanaque de Pernambuco para o ano de 1904, Recife, Imprensa Industrial, 1904, p. VIII.
  • 3
    Parte-se aqui de visão oposta à de Ilmar R. Mattos, "Construtores e herdeiros. A trama dos interesses na construção da unidade política", In: Almanack Braziliense, vol. 1, São Paulo, Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, maio de 2005. Mattos elabora a ideia de "expansão para dentro", isto é, de que a consolidação de um império com o centro no Rio de Janeiro teve um sentido definido. Em outras palavras, para o autor, a expansão se deu a partir do centro, irradiando-se para as províncias.
  • 4
    Evaldo Cabral de Mello, A outra Independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, São Paulo, Editora 34, 2004, p. 14 e contracapa.
  • 5
    Contamos com os números 1, 4, 5, 7 e 8 de 1822; 9, 10, 14, 18, 36 de 1823 (Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano e Biblioteca Nacional). Cf. Mariza Saenz Leme, "Dissidências regionais e articulações nacionais nos projetos de independência: o Conciliador Nacional em Pernambuco", Anais do XXIV Simpósio Nacional de História, São Leopoldo, Unisinos, 2007.
  • 6
    Francisco Adolfo de Varnhagen, História Geral do Brasil: antes de sua separação e independência de Portugal, Belo Horizonte, Edusp; Itatiaia, 1981 [1854-1857]; Idem, História da independência do Brasil: até o reconhecimento pela antiga metrópole, São Paulo, Melhoramentos, 1962 [1916 - obra póstuma]; João Manuel Pereira da Silva, História da fundação do Império Brazileiro, Rio de Janeiro, Garnier, 1865.
  • 7
    O padre Francisco Muniz Tavarez (1793-1876) participou da revolução de 1817, sendo depois preso e enviado para a Bahia. Exerceu função atuante de deputado tanto nas Cortes de Lisboa (1821-1822) quanto na Assembleia Constituinte do Brasil (1823), não tendo aderido à Confederação do Equador (1824). Foi um dos fundadores do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP) em 1862. Francisco Augusto Pereira da Costa, Dicionário biográfico de pernambucanos célebres, Recife, Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 1981.
  • 8
    Francisco Muniz Tavarez, História da revolução de Pernambuco em 1817, Recife, Typographia Industrial, 1884 [1840], p. VII-VIII.
  • 9
    Em ordem cronológica: Joaquim Dias Martins, Os mártires pernambucanos, vítimas da liberdade nas duas revoluções ensaidas em 1710 e 1817, Pernambuco, Lemos e Silva, 1853; Antônio Joaquim de Melo, Obras políticas e literárias, de Joaquim do Amor Divino Caneca, 1875 (utilizou-se aqui uma reedição desses textos organizada por Evaldo Cabral de Mello, Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, São Paulo, Editora 34, 2001); Antônio Joaquim de Mello, Biografia de Gervásio Pires Ferreira, Recife, Universidade Federal de Pernambuco/Editora Universitária, 1973 [1895]. A única grande biografia de Antônio Joaquim de Melo que trata de personagem adepto do projeto unitário é: Obras religiosas e profanas do vigário Francisco Ferreira Barreto, Recife, Typographia Mercantil, 1874. Mas, diferentemente das outras biografias, essa enfatiza menos aspectos políticos e mais aspectos literários. Essa obra está, pois, mais próxima da abordagem que o mesmo autor fez em uma coletânea de pequenas biografias: Biografia de alguns poetas, e homens ilustres da província de Pernambuco, Recife, Typographia Universal, 1856.
  • 10
    Ulisses de Carvalho Soares Brandão (1869-1932), advogado, historiador e político, também foi membro do IAHGP.
  • 11
    Ulysses de Carvalho Soares Brandão, A confederação do Equador (1824-1924), Recife, Governo de Pernambuco, 1924, p. 11-58; 145-153. Amaro Quintas também defende a tese de uma essência republicana na cultura política pernambucana desde os tempos da colonização em A Revolução de 1817, Recife, José Olympio/Fundarpe, 1985 [1939].
  • 12
    Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho (1897-2000), advogado, jornalista, político e escritor, foi deputado federal por Pernambuco em diversas legislaturas entre 1935 e 1964, tendo participado da Constituinte de 1946. Foi governador de Pernambuco entre 1948 e 1951. Deixou uma imensa produção bibliográfica, tendo sido membro da Academia Brasileira de Letras, do IHGB e sócio correspondente do IAHGP.
  • 13
    Barbosa Lima Sobrinho, Pernambuco: da Independência à Confederação do Equador, Recife, Prefeitura da Cidade do Recife/Secretaria de Cultura/Turismo e Esportes/Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1998 [1979].
  • 14
    José Antônio da Costa Porto (1909-1984), advogado de formação, tem uma trajetória com semelhanças à de Barbosa Lima Sobrinho, tendo exercido importantes cargos políticos tanto em Pernambuco como no governo federal (foi, por exemplo, constituinte em 1946 e ministro da agricultura entre 1954 e 1955), deixando vasta obra bibliográfica. Foi membro do IAHGP.
  • 15
    Ainda dentro das linhas gerais da historiografia regionalista, ver as obras: Gilberto Vilar de Carvalho, A liderança do clero nas revoluções republicanas (1817-1824), Petrópolis, Vozes, 1979; Teobaldo Machado, As insurreições liberais em Goiana, 1817-1824, Recife, Governo do Estado de Pernambuco/Secretaria de Turismo, Cultura e Esportes/Fundarpe, 1990.
  • 16
    Luiz Felipe de Alencastro, "Desagravo de Pernambuco e glória do Brasil: a obra de Evaldo Cabral de Mello", In: Lilia Moritz Schwartz (org.), Leituras críticas sobre Evaldo Cabral de Mello, Belo Horizonte, Editora da UFMG/Fundação Perseu Abramo, 2008, p. 39. Os outros autores que participaram dessa coletânea que analisa a vasta obra de Mello convergem com a opinião de Alencastro.
  • 17
    Stuart Schwartz, "Sexteto pernambucano: Evaldo Cabral e a formação da consciência colonial e regional no Nordeste", In: Lilia Moritz Schwartz (org.), op. cit.
  • 18
    Marcus J. M. de Carvalho, "Cavalcantis e Cavalgados: a formação das alianças políticas em Pernambuco, 1817-1824", Revista Brasileira de História, vol. 18, n. 36, São Paulo, 1998.
  • 19
    Os trabalhos que se seguem enfocam suas análises na atuação política de indivíduos vinculados aos "federalistas": Marco Morel, Cipriano Barata na Sentinela da liberdade, Salvador, Academia de Letras da Bahia, 2001; Maria de Lourdes Viana Lyra, "Pátria do cidadão: a concepção de pátria/nação em Frei Caneca", Revista Brasileira de História, vol. 18, n. 36, São Paulo, 1998; Denis Bernardes, O patriotismo constitucional, São Paulo, Hucitec/Fapesp; Recife, UFPE, 2006; Márcia Regina Berbel, "Pátria e patriotas em Pernambuco (1817-1822): nação, identidade e vocabulário político", In: István Jancsó (org.), Brasil: formação do Estado e da nação, São Paulo, Hucitec/Fapesp; Injuí, Unijuí, 2003.
  • 20
    "Matuto" seria um termo pejorativo, o qual indicava que apenas habitantes citadinos teriam habilidade para governar. Evaldo Cabral de Mello, A outra Independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, São Paulo, Editora 34, 2004, p. 113-115.
  • 21
    Idem, Ibidem. p. 113.
  • 22
    Valentim Alexandre, Os sentidos do império: questão nacional e questão colonial na crise do Antigo Regime português, Porto, Edições Afrontamento, 1993; Márcia Regina Berbel, "A constituição espanhola no mundo luso-americano (1820-23)", Revista de Índias, v. LXVIII, 2008. Uma reflexão sobre a apropriação das experiências políticas do Rio da Prata em Pernambuco na época da Independência foi feita por Luís Geraldo Silva, "'Pernambucanos, sois portugueses': natureza e modelos políticos das revoluções de 1817 e 1824", In: Almanack Braziliense, n. 1, São Paulo, Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, maio de 2005.
  • 23
    Marcus J. M. de Carvalho, "Cavalcantis e Cavalgados: a formação das alianças políticas em Pernambuco, 1817-1824", Revista Brasileira de História, vol. 18, n. 36, São Paulo, 1998, p. 3-4; Evaldo Cabral de Mello, A outra Independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, São Paulo, Editora 34, 2004, p. 65-69; Denis Bernardes, O patriotismo constitucional, São Paulo, Hucitec/Fapesp; Recife, UFPE, 2006, p. 355-399.
  • 24
    Marcus J. M. de Carvalho, op. cit., p. 4-5; Evaldo Cabral de Mello, op. cit., p. 69-74; Denis Bernardes, op. cit., p. 399-400; Antônio Joaquim de Mello, Biografia de Gervásio Pires Ferreira, Recife, Universidade Federal de Pernambuco/Editora Universitária, 1973 [1895], p. 28-42.
  • 25
    Alfredo de Carvalho, Annaes da Imprensa Periódica Pernambucana de 1821 a 1908, Recife, Typographia do Jornal do Recife, 1908, p. 36-37; 59-62; Francisco Augusto Pereira da Costa, "Estabelecimento e desenvolvimento da imprensa em Pernambuco", Revista do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano, n. 39, Recife, Typographia de F. P. Boulitreau, 1891, p. 32-33; Flávio José Gomes Cabral, "'Vozes públicas': as ruas e os embates políticos em Pernambuco na crise do Antigo Regime Português (1820-1821)", Saeculum - Revista de História, vol. 13, João Pessoa, 2005, p. 63-77.
  • 26
    Barbosa Lima Sobrinho, Pernambuco: da Independência à Confederação do Equador, Recife, Prefeitura da Cidade do Recife/Secretaria de Cultura, Turismo e Esportes/Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1998 [1979], p. 33; Antonio Joaquim de Mello, Biografia de Gervásio Pires Ferreira, Recife, Universidade Federal de Pernambuco/Editora Universitária, 1973 [1895], p. 43-52; Evaldo Cabral de Mello, A outra Independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, São Paulo, Editora 34, 2004, p. 65-112; Denis Bernardes, O patriotismo constitucional, São Paulo, Hucitec/Fapesp; Recife, UFPE, 2006.
  • 27
    Barbosa Lima Sobrinho, Pernambuco: da Independência à Confederação do Equador, Prefeitura da Cidade do Recife/Secretaria de Cultura, Turismo e Esportes/Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1998 [1979], p. 39; Antonio Joaquim de Mello, Biografia de Gervásio Pires Ferreira, Recife, Universidade Federal de Pernambuco/Editora Universitária, 1973 [1895], p. 65-77; Marcus J. M. Carvalho, "Cavalcantis e Cavalgados: a formação das alianças políticas em Pernambuco, 1817-1824", Revista Brasileira de História, vol. 18, n. 36, São Paulo, 1998, p. 2; Denis Bernardes, O patriotismo constitucional, São Paulo, Hucitec/Fapesp; Recife, UFPE, 2006, p. 499-610; Evaldo Cabral de Mello, A outra Independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, São Paulo, Editora 34, 2004, p. 83-84; Segarrega, n. 13, 13 de julho de 1822.
  • 28
    Cecília Helena Salles de Oliveira, Astúcia liberal, São Paulo, Universidade São Francisco, 1999, p. 61-106; Wlamir Silva, Liberais e o povo: a construção da hegemonia liberal-moderna na Província de Minas Gerais (1830-1834), São Paulo, Hucitec, 2009, p. 73-103; Iara Lis Carvalho e Souza, Pátria coroada: o Brasil como corpo político autônomo (1780-1830), São Paulo, Editora da Unesp, 1999, p. 237-256.
  • 29
    Marcus J. M. de Carvalho, op. cit., p. 5.
  • 30
    Denis Bernardes,"'Pernambuco e o Império': sem Constituição soberana não há união", In: István Jancsó (org.), Brasil: formação do Estado e da nação, São Paulo, Hucitec/Fapesp; Injuí, Unijuí, 2003, p. 240.
  • 31
    Denis Bernardes, op. cit., p. 613. Evaldo Cabral de Mello, op. cit., p. 88-90.
  • 32
    Apud Antônio Joaquim de Mello, Biografia de Gervásio Pires Ferreira, Recife, Universidade Federal de Pernambuco/Editora Universitária, 1973 [1895], p. 78-86.
  • 33
    Denis Bernardes, O patriotismo constitucional, São Paulo, Hucitec/Fapesp; Recife, UFPE, 2006, p. 610.
  • 34
    Em 1822, Caetano Maria Lopes Gama encontrava-se na província de Alagoas como ouvidor da comarca de Penedo, tendo sido eleito presidente da junta governativa da mesma província. Em 1823, ainda nas Alagoas, foi eleito deputado constituinte. Sendo muito plausível sua articulação com familiares em Pernambuco, a documentação consultada não permitiu estabelecer de que forma se deu essa conexão. Conferir Sébastien Auguste Sisson, Galeria dos Brasileiros Ilustres, Rio de Janeiro, Litografia de Sébastien Auguste Sisson (editor), 1861; Francisco Augusto Pereira da Costa, Dicionário biográfico de pernambucanos célebres, Recife, Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 1981 [1882].
  • 35
    Francisco Augusto Pereira da Costa, Dicionário biográfico de pernambucanos célebres, Recife, Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 1981 [1882], p. 212-222.
  • 36
    Renato Lopes Leite, Republicanos e libertários, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2000, p. 97-159; Cecília Helena Salles de Oliveira, A astúcia Liberal, Bragança Paulista, EdUSF, p. 197-255.
  • 37
    Denis Bernardes, O patriotismo constitucional, São Paulo, Hucitec/Fapesp; Recife, UFPE, 2006, p. 613-614; Evaldo Cabral de Mello, A outra Independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, São Paulo, Editora 34, 2004, p. 97-99.
  • 38
    No momento em que chegou a Pernambuco, Bernardo José da Gama representava a efêmera aliança entre a câmara do Rio de Janeiro/maçonaria (grupo liderado por Ledo) com o ministério bonifacista. Renato Lopes Leite, op. cit., p. 97-159; Cecília Helena Salles de Oliveira, op. cit., p. 233-271. O trabalho mais completo sobre a participação da maçonaria na Independência é de Alexandre Mansur Barata, Maçonaria, sociabilidade ilustrada & independência do Brasil, 1790-1822, Juiz de Fora, Editora da UFJF; São Paulo, Annablume, 2006.
  • 39
    Resenhando a obra de Evaldo Cabral de Mello (A outra Independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, São Paulo, Editora 34, 2004), Andréia Slemian faz a seguinte crítica: "o historiador pernambucano tende a enxergar o Rio de Janeiro como força política monolítica e homogênea", p. 129-132.
  • 40
    Apud Antônio Joaquim de Mello, Biografia de Gervásio Pires Ferreira, Recife, Universidade Federal de Pernambuco/Editora Universitária, 1973 [1895], p. 108. A ata do dia 5 de julho completa entre as páginas 106-111.
  • 41
    Idem, Ibidem. p. 111.
  • 42
    Concluiu-se que as ideias de Bernardo José da Gama eram extremamente convergentes com a campanha política de O Conciliador Nacional, analisando-se dois folhetos de sua autoria: Recordações ao governo da província de Pernambuco, por um seu compatriota, Rio de Janeiro, Impressão Nacional, 1822; Memória sobre as principaes cauzas, por que deve o Brasil reassumir os seus direitos, e reunir as suas províncias, Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1822.
  • 43
    O Conciliador Nacional, n. 1, 4 de julho de 1822.
  • 44
    Idem, Ibidem.
  • 45
    Apud Antônio Joaquim de Mello, Biografia de Gervásio Pires Ferreira, Recife, Universidade Federal de Pernambuco/Editora Universitária, 1973 [1895], p. 112. Cf. também Evaldo Cabral de Mello, A outra Independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, São Paulo, Editora 34, 2004, p. 98.
  • 46
    Idem, Ibidem. p. 14 e contracapa.
  • 47
    Denis Bernardes, O patriotismo constitucional, São Paulo, Hucitec/Fapesp; Recife, UFPE, 2006, p. 612-613.
  • 48
    Evaldo Cabral de Mello, A outra Independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, São Paulo, Editora 34, 2004, p. 102-103; Antônio Joaquim de Mello, Biografia de Gervásio Pires Ferreira, Recife, Universidade Federal de Pernambuco/Editora Universitária, 1973 [1895], p. 119-129.
  • 49
    Cf. O Conciliador Nacional, n. 4, 4 de setembro de 1822.
  • 50
    Evaldo Cabral de Mello, op. cit., p. 113.
  • 51
    Lopes Gama não fez referência à ideia de três legislativos - um brasileiro, um português e um geral -, tal qual formulou Antônio Carlos de Andrada nas Cortes. Para o projeto de Antônio Carlos de Andrada nas Cortes, cf. Márcia Regina Berbel, "A Constituição espanhola no mundo luso-americano (1820-23)", Revista de Índias, v. LXVIII, 2008, p. 243.
  • 52
    Apud Márcia Regina Berbel, A nação como artefato, São Paulo, Hucitec/Fapesp, 1999, p. 184.
  • 53
    O Conciliador Nacional, n. 1, 4 de julho de 1822.
  • 54
    O Conciliador Nacional, n. 4, 4 de setembro de 1822.
  • 55
    Idem, Ibidem.
  • 56
    O Conciliador Nacional, n. 5, 16 de setembro de 1822.
  • 57
    O Conciliador Nacional, n. 8, 19 de novembro de 1822.
  • 58
    O Conciliador Nacional, n. 9, 23 de janeiro de 1823 (texto original com maiúsculas).
  • 59
    Iara Lis Carvalho e Souza, Pátria coroada: o Brasil como corpo político autônomo (1780-1830), São Paulo, Editora da Unesp, 1999, p. 17.
  • 60
    O conciliador Nacional, n. 18, 31 de maio de 1823.
  • 61
    O Conciliador Nacional, n. 36, 4 de outubro de 1823.
  • 62
    Adam Przeworski estabelece o consenso como característica basilar do sistema representativo ocidental em "Consensus and Conflict in Western Thought on Representative Government", Revised paper prepared for the 2006 Beijing Forum, 2006, p. 25.
  • 63
    Valentim Alexandre, Os sentidos do Império: questão nacional e questão colonial na crise do Antigo Regime português, Porto, Edições Afrontamento, 1993.
  • 64
    Márcia Regina Berbel,"A Constituição espanhola no mundo luso-americano (1820-23)", Revista de Índias, v. LXVIII, 2008, p. 239.
  • 65
    Registro de Provisões 17/2 (provisões, portarias, editais e bandos) - Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano (APEJE). Ver o seguinte panfleto, publicado em 1825 pela tipografia controlada por Lopes Gama, tendo sido a autoria do panfleto atribuída a ele próprio: Reinaldo Xavier Carneiro Pessoa (org.), Diálogo entre um Corcunda, um Constitucional e um Federativo do Equador: um raro e curioso documento, São Paulo, 1975.
  • 66
    Instrução Pública, vol. I, p. 10 (verso) - APEJE. Cf. também Olívio Montenegro, Memórias do ginásio pernambucano, Recife, Imprensa Oficial, 1943, p. 9-10.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2014

Histórico

  • Recebido
    09 Jun 2013
  • Aceito
    12 Nov 2013
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