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“Um atentado à liberdade de pensamento”: censura e teatro na segunda fase do Conservatório Dramático Brasileiro (1871-1897)

"An attack on freedom of thought": censorship and theater in the second phase of the Brazilian Drama Conservatory (1871-1897

Resumo:

O objetivo deste artigo é oferecer uma contribuição à história da segunda fase do Conservatório Dramático Brasileiro (Rio de Janeiro), cuja documentação oficial é desconhecida. Procurando suprir essa lacuna, concentramos as pesquisas em jornais, legislações e relatórios ministeriais. A partir desse movimento, foi possível traçar um quadro que, embora fragmentado e descontínuo, apresenta uma visão aproximada do funcionamento dessa instituição entre 1871 e 1897 e das tensões e conflitos nos quais se envolveu.

Palavras-chave:
Conservatório Dramático Brasileiro; censura teatral; Rio de Janeiro.

Abstract:

This article intends to offer a contribution to the history of the second phase of the Brazilian Dramatic Conservatory (Rio de Janeiro), whose official documentation is unknown. Looking fill this gap, it used sources such as newspapers, laws and ministerial reports. From this movement was possible to draw a picture that, although fragmented and discontinuous, gives a rough overview of the functioning of between 1871 and 1897 and the tensions and conflicts in which it is involved.

Keywords:
Brazilian Dramatic Conservatory; theatrical censorship; Rio de Janeiro.

As palavras que servem de título a este artigo foram encontradas em uma nota anônima publicada no jornal O Paiz do dia 23 de julho de 1897. Nela, parabenizava-se o presidente Prudente de Moraes pela assinatura do decreto que extinguia o segundo Conservatório Dramático Brasileiro (CDB), uma instituição que, segundo a nota, fora mantida sem “razão de ser no regime adaptado pela Constituição de 24 de fevereiro”, pois não passava de “um atentado à liberdade de pensamento”.2 2 O Paiz, ano 13, n. 4527, p. 2, 24 fev. 1897. Nos dias subsequentes, os leitores dos jornais cariocas tiveram acesso a outras notas e matérias similares, nas quais, para além das congratulações, não faltaram ácidas críticas a uma instituição recorrentemente mencionada como anacrônica, inoperante e completamente dispensável.

A reativação do CDB ocorreu em 1871, oito anos após o fechamento do primeiro Conservatório, que foi criado em 1843 por iniciativa de alguns homens de letras3 3 A expressão “homens de letras” era utilizada para indivíduos que faziam parte de uma elite letrada. e projetado para ter um número ilimitado de sócios efetivos e correspondentes. A associação tinha como objetivos promover estudos dramáticos e melhorar a cena brasileira; criar um jornal para divulgar seus trabalhos e uma escola de declamação e arte dramática para atores; realizar a crítica literária e linguística das composições em português que lhe fossem remetidas; e elaborar uma lei sobre propriedade literária para ser submetida à avaliação do governo.4 4 Artigos Orgânicos do CDB (doravante AO). Biblioteca Nacional (BNRJ), Divisão de Manuscritos, 1843, p. 1-4. Número de chamada: I-8, 25, 002. Os sócios efetivos residiam no Rio de Janeiro, e os correspondentes, nas províncias ou fora do país.

O CDB era dirigido por um presidente, um vice-presidente e dois secretários eleitos pelos sócios efetivos, os quais também escolhiam anualmente 18 nomes para o Conselho de Direção, ao qual cabia nomear novos associados e definir as comissões de censura.

Embora a natureza literária da sociedade fosse afirmada como seu principal propósito, a leitura de seus artigos orgânicos permite perceber que as intenções de seus membros eram mais amplas, tanto que um deles dizia que, caso fosse do interesse do governo imperial, o CDB colocava-se à disposição para exercer a censura prévia e a inspeção moral das peças, cabendo ao governo requerer o que lhe “pareça acertado para o seu mais cabal desempenho”.5 5 BNRJ, Manuscritos, I-8, 25, 002, AO, artigo 12, p. 4.

Tal pretensão foi contemplada no mesmo ano 1843, quando foi atribuída ao CDB a censura prévia para o teatro de São Pedro de Alcântara, posteriormente estendida aos demais teatros da Corte. As regras da censura, oficialmente definidas em 1845, determinaram que não podiam aparecer em cena “assuntos nem expressões menos conformes com o decoro, os costumes e as atenções que em todas as ocasiões devem guardar, maiormente naquela em que a Imperial Família honrar com sua presença o espetáculo”.6 6 Decreto no 425, de 19 de julho de 1845 In: BNRJ, Manuscritos, I-8, 25, 002.

Ao ser reconhecido como órgão oficial da censura do império, o CDB passou a integrar um conjunto mais amplo de instituições ligadas à cultura, tais como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e a Academia de Belas Artes, os quais, centralizados na figura de Pedro II, buscavam colocar em prática um projeto mais amplo de definição de uma identidade nacional e se transformaram em espaço de atuação e afirmação dos homens de letras como “produtores culturais engajados nas lutas do seu tempo” (Souza, 2002SOUZA, José Galante de. O teatro no Brasil. Rio de Janeiro: INL, 1960., p. 143).

O tempo mostraria, porém, que, ao aceitar essa incumbência, o CDB colocou-se diante daquele que foi um dos maiores impasses com que teve que lidar, isto é, o de ambicionar a censura estética, mas contemplar a censura moral e política. A prioridade dada a esta última foi decisiva para o afastamento de seus objetivos iniciais e uma das maiores fontes de conflitos entre ele e a polícia, uma vez que ambos dividiam a tarefa da censura prévia, embora a polícia já a exercesse desde 1829.7 7 Decisão no 123. Império. 21 de julho de 1829 In: Coleção das decisões do império do Brasil de 1829. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1877, p. 109. Com entrada em cena do Conservatório, a polícia não teve seus poderes diminuídos; ao contrário, continuou sendo a instância máxima de decisão sobre o destino das peças, podendo vetá-las caso considerasse que elas colocariam em risco a ordem pública, a moral e os poderes constituídos.8 8 Decreto no 425. 19 de julho de 1845 In: BNRJ, Manuscritos, I-8, 25, 002.

Mas não apenas com a polícia o Conservatório teve problemas. Diretores e empresários de teatro, autores, atores e até mesmo alguns de seus associados envolveram-se em inúmeros episódios polêmicos que contribuíram para minar sua credibilidade. Entre os sócios, talvez um dos maiores motivos de tensões tenha sido a inexistência de consenso em relação ao trabalho censório que realizavam e como entendiam o que faziam. Diante disso, não faltaram associados que consideravam o CDB um “tribunal de inquisição” cerceador da arte dramática, ao passo que outros defendiam a prioridade da censura moral e política, por reputá-la pressuposto para a concretização de uma idealizada dramaturgia nacional que se pretendia formadora de corações e mentes a partir de determinados ideais de civilidade e progresso (Souza, 2002SOUZA, José Galante de. O teatro no Brasil. Rio de Janeiro: INL, 1960.).

Além disso, a falta de apoio do governo imperial ao CDB, perceptível na pequena verba concedida para seu funcionamento, que sequer cobria o aluguel de uma sede própria, bem como a gratuidade dos serviços prestados pelos censores, por muitos deles reclamada, vieram somar-se aos demais problemas, concorrendo para o descrédito e o fechamento da associação em 1864.

A documentação relativa à primeira fase de funcionamento do Conservatório encontra-se depositada na Divisão de Manuscritos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e já vem sendo utilizada há algum tempo em trabalhos que têm contribuído para elucidar o funcionamento da censura teatral no século XIX (Souza, 1960SOUZA, José Galante de. O teatro no Brasil. Rio de Janeiro: INL, 1960.; Souza, 2002SOUZA, José Galante de. O teatro no Brasil. Rio de Janeiro: INL, 1960.; Silva, 2006SILVA, Lucilene Nunes da. O Conservatório Dramático Brasileiro e os ideais de moralidade e civilidade no século XIX. Tese (Doutorado em Letras), IL, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2006.).

A documentação da segunda fase do CDB é, no entanto, desconhecida, a despeito dos esforços despendidos por vários pesquisadores para localizá-la. Neste artigo, procurou-se suprir parcialmente essa lacuna, utilizando-se como fontes jornais, legislações e relatórios ministeriais no período que abrange de 1871 a 1897, tomando como ponto de partida uma questão: se e de que forma o segundo CDB enfrentou o desafio de conciliar censura política e de costumes e análise literária. Para atingirmos esse objetivo, partimos do pressuposto de que objetos de natureza cultural devem ser entendidos no interior das trocas, conflitos e tensões sociais que os permeiam, sendo esse um caminho que oferece possibilidades tanto para vislumbrar nos processos culturais bem mais do que uma gama de práticas diversificadas quanto para relativizar perspectivas naturalizadas que desconsideram que a história se produz no interior das relações de dominação (Thompson, 1998THOMPSON, E. P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional.São Paulo: Companhia das Letras , 1998, p. 17).

Um “novo” Conservatório Dramático Brasileiro

O segundo CDB foi criado pelo Decreto no 4.666, de 4 de janeiro de 1871. No relatório do Ministério do Império do ano anterior, o ministro João Alfredo Correia de Oliveira diria que um conservatório era importante para o progresso e a civilização da sociedade, e que por isso decidiu reativar a instituição, revestindo-a de “atribuições precisas” para realizar dois fins: evitar que subissem à cena peças que contivessem “ofensa à moral, à religião e à decência”, e privilegiar a censura literária, visando “a regeneração e progresso da literatura e da arte dramática entre nós”.9 9 Relatório dos negócios do império do ano de 1870. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1871. p. 25 (doravante RNI). Mais uma vez, como se pode perceber, voltava à cena a questão espinhosa da conciliação entre censura moral e política com crítica literária.

No que diz respeito às “atribuições precisas”, às quais se remetia o ministro, foram de fato realizadas algumas mudanças estruturais na instituição, visando a contemplá-las. Diferentemente do anterior, o novo CDB surgiu por decreto governamental, diretamente submetido ao ministro do Império e, com o advento da República, ao ministro do Interior, aos quais cabia escolher e nomear os cinco membros que o compunham, que recebiam vencimentos pelos serviços prestados. Da primeira gestão participaram João Cardoso de Menezes e Souza (barão de Paranapiacaba), como presidente; Vitorino de Barros, como secretário; e Antônio Félix Martins, Joaquim Manuel de Macedo e Machado de Assis, como vogais, todos egressos do primeiro Conservatório.

Os vogais deveriam estar presentes em todas as encenações nos teatros subvencionados; ter entrada franca em todos os teatros em dias de espetáculos ou ensaios; e realizar a crítica literária de todas as peças, bem como examinar as que fossem representadas nos teatros não subvencionados quanto a moralidade, religião e decência dos costumes. Deliberou-se, ainda, que suas decisões não seriam mantidas em sigilo, como ocorreu como o antigo Conservatório, podendo ser publicadas nos periódicos da Corte, devidamente acompanhadas das assinaturas dos responsáveis.10 10 Decreto no 4.666, de 4 de janeiro de 1871. In: Coleção das leis do império do Brasil. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1871. v. 1, p. 9.

No que se refere à polícia, o decreto de 1871 atribuiu-lhe mais uma vez a prerrogativa de negar o visto às peças licenciadas pelo CDB caso entendesse que de suas representações resultariam “desastre ou perigo para o público, ou para alguma pessoa em particular”.11 11 Decreto no 4.666, de 4 de janeiro de 1871. In: Coleção das leis do império do Brasil. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1871. v. 1, p. 9.

A despeito de todas as mudanças implementadas para dotar o novo Conservatório de mecanismos que eliminassem os focos de tensão que incidiram sobre o primeiro, sua existência parece ter sido tão atribulada quanto a deste. Para isso, contribuíram vários fatores, entre eles certo descaso do próprio governo que reativou a instituição.

Sinais desse desinteresse aparecem, por exemplo, no relatório do Ministério do Império do ano 1881, no qual foi mencionado que uma proposta submetida à apreciação do ministro em 1871 ainda esperava por avaliação 10 anos depois,12 12 RNI de 1881. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1882. p. 78. bem como que um projeto de lei apresentado por dois vogais em 1873, contendo os regulamentos da instituição, ainda pendia “da primeira discussão”.13 13 Ibid., p. 119.

Em fevereiro de 1876, a Revista Ilustrada publicou uma nota cujo autor anônimo afirmava que ouvira do presidente do CDB que nada podia fazer pelo teatro, pois, “às suas repetidas e incessantes reclamações, responde o governo com o silêncio”.14 14 Revista Illustrada, ano 1, n. 27, p. 3, 15 jul. 1876.

Mais outro indicativo do pouco apreço do governo é que, assim como ocorreu com o primeiro CDB, o segundo não dispôs de sede própria para execução de seus trabalhos, que, em algumas gestões, foram executados nos gabinetes particulares de trabalho de seus membros.15 15 O Paiz, ano 4, n. 847, p. 1, 30 jan. 1887.

No período que abrange de 1871 a 1897, são raras as referências à quantidade de peças censuradas nos relatórios ministeriais, as quais, quando aparecem, muitas vezes apresentam informações pouco confiáveis, como nos relatórios dos anos 1881 e 1885. No de 1881, registrou-se que desde a fundação do CDB foram censuradas 4 mil peças, algumas “licenciadas com profundas alterações”.16 16 RNI de 1881. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1882. p. 119. Já o relatório do ano 1885 informava que 2.715 haviam sido submetidas à censura nesse mesmo período.17 17 RNI de 1885. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1888. p. 71.

São de Arthur Azevedo as informações mais detalhadas sobre a quantidade de peças censuradas às quais tivemos acesso, assim mesmo apenas para o ano 1896. Em uma crônica escrita no dia 7 de janeiro de 1897, ele diria que tinham subido ao palco, no ano anterior, 1.076 espetáculos, entre representações teatrais, concertos, prestidigitações e funções acrobáticas. Arthur Azevedo observou ainda que foram encenadas mais obras estrangeiras do que nacionais, e que os gêneros dramáticos mais contemplados foram as zarzuelas, operetas e revistas de ano, todas do chamado teatro “alegre”, “ligeiro” ou musicado, para utilizarmos expressões da época (Neves e Levin, 2009NEVES, Larissa de Oliveira; LEVIN, Orna (Org.). O theatro: crônicas de Arthur Azevedo. Campinas: Unicamp, 2009., p. 6, encarte CD).

Também parecem ter concorrido para a trajetória pouco feliz do novo CDB certas imagens e avaliações construídas em torno do antigo, para as quais as ações de diferentes sujeitos envolvidos com as artes cênicas concorreram para reavivar e consolidar. Logo que entrou em funcionamento, o jornal A Vida Fluminense declarou, em uma nota publicada em janeiro de 1871, ser um dos que foram pegos de surpresa com a notícia da reativação da instituição. De acordo com a nota, a notícia estourou como “uma bomba”, levando muitos a “caírem de costas, aturdidos pelo descomunal estrépito ou asfixiados pela sua fumaça”, ao passo que outros “ficaram, pelo menos durante alguns instantes, sem consciência em cuja proximidade passa a faísca elétrica”.18 18 A Vida Fluminense, ano 4, n. 159, p. 430, 14 jan. 1871.

O jornal A Reforma abriu combate contra o Conservatório em uma série de editoriais, nos quais emergiram questões que colocavam em dúvida sua utilidade, assim como relembravam a imagem de “tribunal de inquisição” ao “mundo das ideias”, a ele associada desde 1843.19 19 A Reforma, ano 3, n. 19, p. 1, 25 jan. 1871. Em um desses editoriais, argumentou-se que a reativação do CDB fora fruto da fraqueza do gabinete do visconde de São Vicente, que ressuscitara uma instituição controladora da liberdade de pensamento e de “estéril atividade”, por temer a opinião pública e o curso natural dos acontecimentos.20 20 Ibid.

A menção a São Vicente, presente nessa nota, associava implicitamente a reativação à do visconde na proposta de um projeto gradual de emancipação dos escravos que levou ao texto final da lei de 28 de setembro de 1871 e contou com a resistência dos conselheiros ligados ao Partido Conservador, os quais buscaram adiar discussões e medidas relativas ao assunto (Chalhoub, 2003CHALHOUB, Sidney. Machado de Assis historiador. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 90). Em março de 1871, São Vicente foi substituído por José da Silva Paranhos, em um momento em que parecia estar claro que as chances de “costurar uma maioria favorável à reforma na Câmara dos Deputados seriam pequenas” (Chalhoub, 2003CHALHOUB, Sidney. Machado de Assis historiador. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 97). Em janeiro, porém, tal “costura” já deveria ser percebida como inviável, o que torna compreensível que aparecesse em um jornal, que era porta-voz do Partido Liberal, a associação de “fraqueza” de São Vicente à ideia de obstrução do “curso natural dos acontecimentos” e temor da opinião pública.

O índice de rejeição ao Conservatório tornou-se mais visível com o passar do tempo, e grande parte dele se deveu à forma como os censores fundamentaram seus julgamentos prioritariamente em critérios políticos, morais e religiosos, quando não em relações pessoais.21 21 O Globo, ano 5, n. 63, p. 2, 2 mar. 1875.

Desde fins dos anos 1860, as questões relativas à emancipação gradual da escravidão ocuparam os debates parlamentares e levaram a um conjunto de mudanças históricas que foram decisivas para a crise do paternalismo (Chalhoub, 2003CHALHOUB, Sidney. Machado de Assis historiador. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 41). Se, nos anos 1850, José de Alencar foi criticado por alguns contemporâneos por tematizar a escravidão em sua comédia O demônio familiar (Souza, 2003SOUZA, Silvia Cristina Martins de. O palco como tribuna: uma interpretação de O demônio familiar de José de Alencar. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2003.), a partir dos anos 1870 a escravidão e a liberdade dos cativos tornaram-se assuntos que dividiram e inflamaram opiniões.

Dessa forma, quando em 1876 a peça A cabana do pai Tomás foi encenada, alguns espectadores reclamaram da inconveniência de sua representação em um país onde a escravidão não fora abolida. A Revista Ilustrada fez questão de apontar aquilo que denominou incoerência da censura, além de simultaneamente insinuar que a peça fora liberada porque os vogais não quiseram aborrecer o empresário do teatro de São Pedro, com quem mantinham relações de amizade, concluindo que melhor seria se tivessem recorrido “ao expediente do conservatorista Machado de Assis: licenciasse a peça deixando a responsabilidade da representação para a polícia {…}”.22 22 Revista Illustrada, ano 1, n. 27, p. 3, 15 jul. 1876.

A crítica contida na nota da Revista Ilustrada é sugestiva, pois, ao mesmo que apontava para conflitos de jurisdição entre os dois órgãos responsáveis pela censura, insinuava que as atitudes de certos censores estavam informadas pelas relações pessoais, o que, em ambos os casos, indicava ausência de critérios unívocos a respaldar as decisões dos vogais, sobretudo quando o assunto dizia respeito a questões polêmicas. E tanto essa observação parecia procedente que os mesmos censores que aprovaram A cabana do pai Tomás negaram licença à peça abolicionista O escravocrata, escrita por Arthur Azevedo em parceria com Urbano Duarte, em 1882, sem que aos autores ficassem sabendo o motivo do veto (Azevedo, 1884, p. 1).

O periódico A Vida Fluminense observou que a falta de parâmetros comuns, claros e coerentes que respaldassem o trabalho dos censores contribuía para protagonizar situações ambíguas, como uma relatada na seção “Teatradas”, assinada por certo “GR”. Segundo este, o CDB acabara de dar uma prova de sua incoerência ao proibir a continuação da representação da peça Joulie parfumeuse, baseando seu veto em uma das cenas do segundo ato, que classificou de imoral, mas que, surpreendentemente, “agora consente que se continue a representar {…} com a condição de que as tais cenas não sejam representadas no escuro, e sim com todo o gás aceso. Isto parece mentira, mas é verdade”.23 23 A Vida Fluminense, ano 7, n. 408, p. 340, 23 out. 1875; grifos do original.

A falta de padronização nos critérios censórios foi assunto também criticado na Gazeta de Notícias, em 1877, em um folhetim escrito em forma de carta ao Conservatório, assinado por certo “Nemo”, em que este desaprovava a liberação da peça Entre a fênix e o cassino. Segundo ele, a peça era uma composição “alegre” que primava pela imoralidade ao pintar a prostituição com cores carregadas. Diante dessa constatação, “Nemo” cobrava explicações ao Conservatório, órgão que, em sua visão, era responsável por defender o “caráter são da sociedade”, mas que liberara a peça, embora dois anos antes negasse licença à representação de Os lazaristas: “Sim, meu caro Sr. Conservatório, o fim destas linhas toscas é saber se V.S. é aquele mesmo que condenou Os Lazaristas, que mandou incomodar a polícia e incomodar assaz o povo {…}.”24 24 Gazeta de Notícias, ano 3, n. 112, p. 1, 25 abr. 1877.

Utilizando-se da expressão “teatro alegre”, que, na ocasião, significava uma dramaturgia vista como “degradada”, posto que supostamente descompromissada com a educação e o aprimoramento artístico das audiências e apenas voltada para o divertimento e os lucros financeiros que empresários e autores dela poderiam auferir, “Nemo” apontava aquilo que considerava incoerências de uma censura que algumas vezes mostrava-se extremamente rigorosa e em outras ocasiões assumia uma atitude complacente, em nada compatível com a autoimagem de guardiã da moralidade pública que forjara para si.25 25 Ibid.

Em certos casos, chegou-se a colocar em dúvida se os originais enviados à censura eram realmente lidos, e argumentou-se que ler as peças, sobretudo as estrangeiras, era essencial, por haver “palavras de bom curso em línguas estrangeiras, mas de significação ambígua ou mesmo obscena, quando ouvidas por um outro povo”.26 26 O Paiz, ano 8, n. 3662, p. 2, 11 maio 1892. Para outros, o cuidado ao ler as peças evitaria episódios como um ironicamente relatado por Oscar Pederneiras envolvendo a comédia O fato proibido. A obra teria ido à censura várias vezes e em todas teve licença negada. No entanto, diria Pederneiras, bastou o autor adaptar-lhe

Uns versos, a que se adaptou por sua vez a música, crismou tudo isso com um título que até parece epigrama ao conservatório dramático… e o placet não se fez esperar

Impagável, este celebérrimo conservatório! Faz coisas de uma pilhéria adorável.

Por que proibiu a representação da comédia? Porque imoral, dizia, a austera corporação. No entanto, mudado o título, deixou de entrever essa moralidade e suspendeu a interdição.

Há de convir que tudo isso é de um cômico irresistível!27 27 O Paiz, ano 7, n. 3395, p. 2, 17 ago. 1891.

As críticas ao novo Conservatório recaíram também sobre a forma como era feita a substituição dos vogais, a exemplo da matéria denominada “Esse membro que entre…”, assinada por certo “Boum”. Para ele, o Conservatório era uma instituição pitoresca, presidida pelo “Sr. Cardoso de Menezes, vulgo João Censura; os outros são apenas comparsas daquele {…}. Ora o Sr. Cardoso de Menezes existe e é o presidente eterno… portanto o Conservatório não precisa de mais ninguém {…}”.28 28 O Binóculo, ano 2, n. 2, p. 7, 18 mar. 1882; grifo do original. Em função disso, a matéria era concluída com a afirmação de que a substituição de qualquer vogal era algo desnecessário, uma vez que, ao fim e ao cabo, quem realmente mandava na instituição era seu presidente.

Por meio das palavras de “Boum”, toma-se conhecimento que, 11 anos após reaberto, o Conservatório continuava sendo dirigido pelo mesmo presidente, que exercia suas funções de forma personalista e centralizada, a ponto de os vogais serem apenas coadjuvantes de seu trabalho. Tal observação nos leva a sugerir que essa centralização pode ter sido mais um elemento que contribuiu para a falta de coesão interna do grupo, incidindo, por extensão, sobre a falta de consenso nos critérios censórios.

A aversão de certos vogais à expansão do teatro musicado foi outro motivo de críticas recorrentes ao CDB. A noção de tablado revestido do papel de canal de iniciação, escola de costumes, termômetro da civilização e outras expressões similares foi bastante partilhada nos meios letrados alinhados à estética teatral realista, introduzida em palcos brasileiros nos anos 1850.

De acordo com o realismo teatral, cópia e lição eram os dois requisitos básicos aos quais os dramaturgos deveriam obedecer, pois se acreditava ser na sociedade que eles deveriam buscar os exemplos que recambiariam em forma de lição a ser exibida no palco, a qual seria introjetada pelas plateias. Preso de tal maneira a uma noção de arte vinculada à de “missão” pedagógica, não surpreende que o realismo tenha se transformado em teatro de tese, produzindo textos muito retóricos e personagens que estavam longe de ser vistas como cópias da realidade, o que provavelmente foi um dos motivos de seu fracasso (Souza, 2002SOUZA, José Galante de. O teatro no Brasil. Rio de Janeiro: INL, 1960., p. 71)29 29 De acordo com Souza (2002), embora a decadência do realismo teatral não possa ser atribuída unicamente à emergência do teatro musicado, este foi um dos elementos de peso para seu declínio. Ver também Mencarelli (2003).

A partir dos anos 1870, o teatro realista sofreu efetiva concorrência do teatro musicado. Diferentemente daquele, este voltava-se para questões do cotidiano das pessoas comuns e investia na espetacularidade cênica, na performance dos atores e na música com o objetivo de atingir o público heterogêneo das cidades. Tais elementos ofereceram as bases necessárias para a emergência de uma dramaturgia que incorporava uma ampla gama de “vozes e visões, proporcionando um diálogo mais amplo com o público heterogêneo, do que o discurso homogêneo e pretensamente edificante das peças realistas, pautado por um único ponto de vista” (Mencarelli, 2003MENCARELLI, Fernando A. A voz e a partitura: teatro musical, indústria e diversidade cultural no Rio de Janeiro (1868-1898). Tese (Mestrado em História Social) - IFCH, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003., p. 6-7).

Nos anos 1880, o teatro musicado já “reinava” nos palcos brasileiros, embora vivenciasse uma situação ambígua, pois, ao mesmo tempo que era aplaudido pelas plateias, os homens de letras o condenavam por considerá-lo um obstáculo à concretização de uma “verdadeira” arte dramática, que se pretendia “nacional”. Munidos de tais convicções, aqueles homens de letras travaram uma intensa batalha contra o teatro musicado, procurando estancar sua propagação e desqualificar seu sucesso, e a censura se transformou em um de seus campos de atuação.

Em 1881, a ópera cômica La mascotte, escrita em francês, sofreu vários cortes da censura. De acordo com a Revista Ilustrada, o presidente do CDB tinha visto uma “indecência” na palavra “vinaigre” e substituiu-a por “flacon du sel”. No dia da estreia, ocorrida no teatro Imperial Pedro II, o ator responsável pela fala proferiu-a na íntegra, sendo ovacionado pelas audiências. Na impossibilidade de “vingar-se da plateia”, Cardoso de Menezes multou o empresário, suspendeu o artista e proibiu a peça. Diante de tais atitudes, o autor anônimo da nota concluiu, de forma irônica, que o CDB restaurava as “boas normas da literatura e da arte dramática do teatro brasileiro fazendo uma questão de tempero! Não podendo melhorar o gosto literário, o Sr. João Cardoso contenta-se piorando o gosto culinário”.30 30 Revista Ilustrada, ano 6, n. 256, p. 7, 4 jun. 1881. Em julho daquele mesmo ano, porém, uma tradução de Eduardo Garrido da Mascotte estreou no teatro Fênix Dramática. A Revista Ilustrada parabenizou a montagem e a tradução, mas fez questão de relembrar o episódio ocorrido no Imperial Pedro II, os cortes sofridos pelo original francês e a “ridícula proibição” da peça.31 31 Revista Illustrada, ano 6, n. 257, p. 3, 23 jul. 1881.

No ano 1893, quando oito revistas de ano deram entrada na censura, a reação dos vogais foi sublinhada no Jornal do Brasil, que disse: “O fato tem causado graves perturbações no Conservatório Dramático, que já bateu os pés enraivecido. Felizmente não se ouve o barulho pelo tamanho dos batentes.”32 32 Jornal do Brasil, ano 5, n. 8, p. 2, 8 jan. 1893.

Houve pelo menos uma ocasião em que o confronto entre Conservatório e imprensa assumiu maiores proporções. Isso se deu em 1875 e teve como estopim a encenação de Os lazaristas, do jornalista português Antônio Ennes. A peça, no entanto, não era uma obra “ligeira”, mas um drama, o que nos leva a procurar entender os motivos de sua interdição.

Havendo estreado em abril de 1875 no teatro Ginásio de Lisboa, Os lazaristas desencadeou polêmicas em Portugal por privilegiar uma temática anticlerical e por se assemelhar a um panfleto a favor do Partido Liberal português.

Atendendo a uma solicitação de Saldanha Marinho, Antônio Ennes autorizou a representação no Rio de Janeiro, onde o original foi submetido à censura em 21 de junho de 1875, em pleno calor da chamada Questão Religiosa. Os vogais que o analisaram emitiram pareceres diversos, ainda que em alguns pontos convergissem. Machado de Assis considerou que, além de necessitar de reparos na linguagem, a peça apresentava um tema explosivo, o qual, em função do aspecto político do momento, poderia “ocasionar agitações públicas e desse ponto a polícia deveria cuidar e tomar as providências, já que transcendia à alçada do Conservatório”.33 33 O Mosquito, ano VII, n. 314, p. 4, 18 set. 1875. Taunay definiu o texto como um panfleto religioso e político que poderia influenciar ideologicamente as audiências, “a ponto de corromper a ordem”.34 34 Ibid. Félix Martins mostrou-se favorável à aprovação da licença, embora tenha considerado a necessidade de adequação da linguagem em algumas passagens.35 35 Ibid. Por fim, Vitorino de Barros argumentou que a peça levava o público à realidade do presente e que isso era uma das funções prioritárias do teatro. Além disso, defendeu a ideia de que ao autor sempre estava liberada a expressão de opiniões e ideias.36 36 Ibid. Diante de tais pareceres, a decisão coube a Cardoso de Menezes, o qual, de acordo com o jornal O Mosquito, utilizando-se das prerrogativas de “um rei, em ponto pequeno, do sistema absoluto”, negou a licença.37 37 Ibid.

A reprovação logo repercutiu na imprensa. O jornal liberal O Mosquito mencionou que o drama fora guilhotinado pela censura “antes que pudesse receber os aplausos populares”;38 38 Ibid. a Gazeta de Notícias, outra folha liberal, considerou que a interdição era uma forma de silenciar “a voz da consciência livre e desoprimida, que é o supremo tribunal de nossas ações”,39 39 Gazeta de Notícias, ano I, n. 76, p. 2, 16 out. 1875. ao passo que o jornal católico O Apóstolo parabenizou a posição do presidente do Conservatório ao agir em defesa “da causa do catolicismo”.40 40 O Apóstolo, ano X, n. 163, p. 1, 30 out. 1875.

Em setembro do mesmo ano, Os lazaristas foi aprovada pelo Conservatório da Bahia com pareceres bastante elogiosos, ainda que sua representação tenha sido suspensa de última hora, porque a polícia interditou o teatro São João, atendendo a solicitações do vigário da diocese da Bahia (Souza, 2002SOUZA, José Galante de. O teatro no Brasil. Rio de Janeiro: INL, 1960., p. 203). Em Pernambuco, também foi cogitada sua representação, mas a ideia foi abortada pelo presidente da província em atenção ao pedido do clero local (Monteiro, 2006MONTEIRO, Vanessa Cristina. A querela anticlerical no palco e na imprensa: Os lazaristas. Dissertação (Mestrado em Teoria e História Literária) - IEL, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006., p. 76).

A notícia da aprovação pelos censores da Bahia insuflou ainda mais os ânimos na imprensa periódica carioca, que não poupou comparações entre os dois Conservatórios, sublinhando que o da Bahia, embora pertencesse a uma comarca de reputada “carolice nacional”, tinha censores autônomos, que se atreviam a “dizer que o que é bom, é bom, e quem não gostar coma menos”.41 41 O Mosquito, ano VII, n. 314, p. 4, 18 set. 1875. Na imprensa ilustrada, o CDB e os vogais foram ridicularizados, a ponto de no jornal O Mosquito serem publicadas algumas quadrinhas, em que Cardoso de Menezes foi pela primeira vez denominado “João Censura”, apelido que carregou ao longo de toda a sua gestão. As tais quadrinhas eram as seguintes:

João Censura, João Censura, Tens o crédito abalado! Estão te chegando à figura, João Censura, João, coitado! Estás sendo, estranha aventura, João Censura, censurado! Coitado de João Censura! Coitado do João, coitado!42 42 O Mosquito, ano VII, n. 321, p. 5, 6 nov. 1875.

Embora proibida no Rio de Janeiro, a peça foi ensaiada, e sua encenação, programada e anunciada pelos jornais para o dia 12 de outubro. No dia previsto para a estreia, porém, o teatro de São Luís foi cercado pela polícia. Como algumas pessoas reagiram com pedras à interferência da polícia, esta avançou com truculência sobre o povo a ponto de o tenente comandante ter disparado três tiros de revólver sobre os manifestantes (Souza, 2002SOUZA, José Galante de. O teatro no Brasil. Rio de Janeiro: INL, 1960., p. 207).

Mas dois fatos chamam atenção em torno desse incidente. O primeiro que, a despeito da proibição da peça, os leitores da Gazeta de Notícias tiveram acesso ao texto integral, que começou a ser publicado em folhetins quatro dias após o incidente com a polícia.43 43 Gazeta de Notícias, ano I, n. 76, p. 1, 16 out. 1875. E o segundo que, em 1886, Os lazaristas finalmente conseguiu permissão para ser encenada. Na ocasião, o jornal O Apóstolo, mantendo sua posição anterior, publicou uma nota recriminando a liberação. Em O Paiz, João José dos Reis Júnior, proprietário da folha, respondeu argumentando que o drama não poderia ser tão monstruoso quanto O Apóstolo alegava, pois fora licenciado pelo sr. deputado A. F. Viana, atual presidente do CDB, um homem “ilustre” e, tal como o ex-presidente, “temente a Deus e ortodoxo”.44 44 O Paiz, ano 3, n. 231, p. 1, 21 ago. 1886.

O que se pode perceber das leituras dos jornais e que vimos procurando mostrar é que as críticas à forma como a censura se centrava nas questões relativas a política, moral e religião, deixando em segundo plano a análise literária, avolumaram-se com o passar do tempo. Com isso, o CDB tornou-se alvo preferencial de ridicularização de alguns periódicos, os quais contribuíram para a perda progressiva de sua respeitabilidade. Exemplar dessa situação foi a ocasião em que um parecer da Junta de Higiene foi criticado na imprensa por ser considerado inexpressivo, e alguém no jornal O Paiz sugeriu ao ministro do Império que, quando necessitasse de pareceres dessa natureza, os solicitasse “à sapataria Cathiard ou ao Conservatório Dramático”.45 45 O Paiz, ano 1, n. 11, p. 3, 11 out. 1883. Quando em 1885 circulou pelos jornais do Rio de Janeiro a notícia da apreensão, sem ordem nem manifesto, de alguns ursos e macacos pela alfândega da Corte, houve quem ironicamente afirmasse não existir “competência superior” à do Conservatório “para decidir semelhante pleito”.46 46 O Paiz, ano 2, n. 32, p. 1, 3 fev. 1885.

Com os dramaturgos, as relações da censura não foram menos conturbadas, e delas podemos citar alguns exemplos. Nos anos 1880, Augusto Fábregas, que além de dramaturgo era jornalista do periódico O Paiz, fez uma adaptação para o teatro de um romance de Eça de Queirós, à qual deu um título homônimo ao do romance: O crime do padre Amaro. A peça foi rejeitada quatro vezes pela censura sem que ele soubesse o motivo das sucessivas negativas.47 47 O Paiz, ano 6, n. 2014, 17 abr. 1890. Em 1890, finalmente, ela teve licença aprovada,48 48 O Paiz, ano 6, n. 2028, p. 2, 27 abr. 1890. e apenas nesse momento Fábregas ficou sabendo que a causa das negativas anteriores foram questões de propriedade literária supostamente reclamadas por Eça de Queirós. Diante disso, o autor anônimo de uma nota publicada em O Paiz (quem sabe o próprio Fábregas!) insinuou que os motivos deveriam seroutros, pois a questão da propriedade literária era nova e a primeira vez que era levantada depois do tratado firmado entre Brasil e Portugal sobre direitos de proteção aos autores e suas obras, “embora idênticas hajam aparecido, sem que contudo se tenha algum julgado no direito de defender os interesses prejudicados dos escritores portugueses”.49 49 O Paiz, ano 6, n. 2015, p. 1, 14 abr. 1890. Em 9 de setembro de 1889, foi firmado um acordo entre Brasil e Portugal para a proteção das obras literárias e artísticas (Bessone, 2011, p. 3). Em 1884, quando saiu a primeira edição de O crime do padre Amaro, Augusto Fábregas fez constar nos anúncios dos jornais que o texto era o mesmo proibido pelo CDB, aproveitando-se do veto da censura para chamar a atenção dos leitores para sua obra.

Quando a revista de ano O Boato, do mesmo Fábregas, teve licença negada em 1886, alguém no jornal O Paiz disse que a “reunião secreta e extraordinária” realizada para decidir sobre o destino da peça “serviu apenas de reclame à revista que ainda está em ensaios”,50 50 O Paiz, ano 3, n. 348, p. 2, 16 dez. 1886. o que sugere a existência de prevenção da censura em relação a certos autores e, simultaneamente, que o trabalho dos vogais acabava por dar visibilidade a eles e suas obras, caminhando na contramão dos propósitos da censura.

Arthur Azevedo também teve problemas com o CDB. Logo no início do novo regime, todo um quadro de sua revista de ano República foi cortado porque fazia referência à Guarda Nacional. Como ele não conseguiu impedir a mutilação do texto, publicou-o na íntegra em um jornal, em forma de folhetim (Ruiz, 1988RUIZ, Roberto. O teatro de revista no Brasil: das origens à Primeira Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Inacen, 1988., p. 37-38).

Em 1882, como já mencionado, a peça O escravocrata, escrita por ele e Urbano Duarte, teve licença negada para representação. No pródromo incluído à primeira edição, datada de 1884, os autores disseram não querer “mal ao Conservatório; reconhecemos o seu direito, e curvamos a cabeça”, mas lamentavam que a peça tivesse sido proibida sem que sequer uma nota declarasse os motivos da interdição, o que os levava a concluir que essa atitude deveria significar “ofensa à moral, visto como só nesse terreno legisla e prepondera a opinião literária daquela instituição. Resolvemos então publicá-lo, a fim de que o público julgue e pronuncie” (Azevedo, 1884AZEVEDO, Arthur. O escravocrata. 1884. Disponível em: http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/_documents/0006-00794 html,edição>.
http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/...
, p. 1). Vê-se, com isso, que os autores não esconderam o mal-estar que o CDB lhes provocara, tanto que concluíram seu pródromo transferindo para os leitores a prerrogativa de se pronunciarem sobre o valor artístico da obra, em uma clara demonstração de pouco apreço pelo trabalho da censura.

Os empresários teatrais também recorrentemente reclamaram das ações dos vogais, sobretudo porque estavam obrigados, por decreto governamental, a cederem camarotes para que estes acompanhassem os espetáculos que passavam pelo crivo da censura. As reclamações mais comuns foram que os camarotes ficavam na maior parte das vezes vazios, pois os vogais não apareciam nos teatros para assistir às encenações, ou que neles tomavam assento pessoas alheias à censura, o que, em ambos os casos, revertia-se em prejuízo financeiro para as companhias teatrais, na visão dos empresários.

No ano 1886, quando se cogitou pela primeira vez a necessidade de extinção do CDB, houve quem dissesse que a decisão era acertada, pois com isso os empresários ficariam livres “do camarote para a mesa censória, onde tantas poltronas eram adicionadas para os mesários supranuméricos”.51 51 O Paiz, ano 3, n. 126, p. 1, 8 maio 1886.

Sobre uma récita ocorrida em janeiro de 1885, no Recreio Dramático, comentou-se no jornal O Paiz que os camarotes do CDB estavam ocupados por duas “damas”, elegantemente vestidas, insinuando serem elas prostitutas.52 52 O Paiz, ano 2, n. 24, p. 2, 25 jan. 1885.

Em 1883, Ataliba de Comensoro, então presidente da instituição, foi ridicularizado na Revista Ilustrada pelo uso abusivo que fazia das regalias decorrentes de sua função. De acordo com o periódico, não era só na temporada lírica que Comensoro se dizia membro do CDB, mas também em espetáculos que sequer eram submetidos à censura. Nas apresentações do mágico Hermann, por exemplo, e de acordo com esse jornal “vai ele exercendo suas funções… de filante de camarote. Oh! Cara dura”.53 53 Revista Illustrada, ano 8, n. 358, p. 7, 21 out. 1883. Espetáculos como os do mágico Hermann não passavam pela análise da censura.

Em 1897, a situação ainda permanecia a mesma, e no jornal Cidade do Rio reclamou-se que o camarote do Conservatório era cedido a amigos do presidente; “caso contrário, achava-se sempre vazio. Não há necessidade de mais do que uma cadeira para ele, e esta mesma, a maior parte das vezes, estará vazia”.54 54 Cidade do Rio, ano 2, n. 40, p. 1, 9 fev. 1897.

Apesar de também bastante fragmentadas, as notícias que se têm das relações entre censura e polícia nos levam a supor que as tensões anteriores não foram eliminadas com o aparecimento do novo Conservatório. Parecem ter sido raros os momentos em que as duas instituições chegaram a um consenso, o que, quando acontecia, chamava a atenção dos contemporâneos, como ocorreu no ano 1886. Quando começou a ser anunciada a revista de ano O Carioca, alguém assinando com o pseudônimo “O Binóculo” observou: “Afinal, a polícia e o Conservatório acomodaram-se, com certas exigências de modificações e cortes, que, ao que parece, estiveram eminentes. Tudo se arranjou em paz, com o que folgamos.”55 55 Revista Illustrada, ano 2, n. 446, p. 2, 31 dez. 1886.

Em fevereiro de 1897, o drama Os cáftens, de Lopes Cardoso, foi vetado pelo CDB em função do título. Representado em São Paulo, acabou sendo liberado no Rio pelo segundo delegado auxiliar, que, não se limitando a conceder-lhe o visto, fez os mais largos elogios à moralidade da peça.56 56 O Paiz, ano 13, n. 4538, p. 2, 7 mar. 1897.

Independentemente dos confrontos, certo é que a polícia continuou a ter mais peso e poder que o Conservatório, tanto que em uma nota anônima publicada em uma edição da Revista Ilustrada, em 1883, foi cobrado de Cardoso de Menezes uma atitude compatível com o cargo que exercia e com seu título de barão. Na visão do autor da nota, a polícia era a real e superior instância censória, pois

O chefe de polícia pode, no sei betunsto, proibir a representação de peças autorizadas embora pelo Conservatório dramático.

Pode mais ainda: pode corrigir, pode alterar, piorar qualquer peça.

No drama, que acaba de subir à cena do São Luiz, o ilustre Bellarmino, com uma finura que me escapa, entendeu dever mudar o título O Nihilista em Vingança de um nihilista.

Dias antes, porém, mais severo, aboliu o nosso homem, em globo, a comédia o Russinho, aprovada entretanto pelo Conservatório dramático.

O chefe de polícia é pois o censor supremo. As decisões do Conservatório dramático nada valem. {…}

Para um barão por serviços prestados às letras, o Sr. de Paranapiacaba não representa nisso, confessemos, papel muito invejável.57 57 Revista Illustrada, ano 8, n. 349, p. 2, 26 jun. 1886. Russinho ficou conhecido por passar notas falsas no Rio de Janeiro. Foi preso em 5 de agosto de 1885.

A existência de duas instâncias conflitantes de censura foi também questionada em 1892, quando o delegado auxiliar, dr. Carlos Costa, convidou os quatro mais importantes jornais da capital federal a apresentarem sugestões visando ao melhoramento moral dos teatros da cidade. Entre as sugestões apresentadas uma foi consensual: a abolição da censura policial, uma vez que esta, na visão irônica dos consultados, cabia, na prática, ao Conservatório.58 58 Jornal do Brasil, ano 2, n. 61, p. 1, 1o mar. 1892.

Todo esse clima de insatisfação contribuiu para que em diferentes momentos fossem postas em dúvida as vantagens que poderiam ser auferidas da existência da censura teatral, sobretudo após o advento da República. Em 1890, a Gazeta de Notícias manifestou seu descontentamento com o CDB, uma instituição que, segundo a folha, não coadunava com “os princípios modernos” e cuja existência não podia ser justificada por “nenhum ato bom, meritório e digno de elogio”.59 59 Gazeta de Notícias, ano 16, n. 207, p. 1, 28 jul. 1890.

No ano seguinte, uma matéria tratando do mesmo assunto foi publicada no jornal O Paiz. Nela se dizia que havia algum tempo esse periódico apontara para a necessidade de reformar-se o CDB, embora o autor anônimo da matéria afirmasse preferir a supressão do órgão, argumentando que:

Entre nós, sobretudo, a censura deve ser abolida, porque é exercida por dois órgãos de autoridade, o Conservatório Dramático e a polícia. Um seria de demasiado, quanto mais dois!

Peças que aquele autoriza, esta proíbe, e vice-versa, e pelos mesmos motivos.

Suprima-se a censura. Que seja permitido representar quaisquer peças, como é permitido publicar quaisquer livros e imprimir quaisquer jornais sem prévia censura {…}.

Constitua-se o próprio público o fiscal da limpeza dos seus divertimentos {…}.60 60 O Paiz, ano 7, n. 3331, p. 2, 9 jun. 1891.

Em maio de 1886, como já dito, pela primeira vez veio à tona a notícia de que o governo pretendia extinguir o Conservatório, o que, segundo matéria publicada em O Paiz, já era algo decidido:

O Governo Imperial vai suprimir o Conservatório Dramático. É uma ideia luminosa, e que grangeará aplausos.

{…} Num país onde o Estado não tem teatro normal, onde não subvenciona companhias, nem sustenta escolas de declamação {…} figurou-se-nos sempre antes um tropeço do que estímulo esse Conservatório Dramático, destinado a salvar a moralidade e o bom gosto.

Ou a censura atingiria a concepção literária, julgando do fundo e da forma das peças teatrais, ou limitar-se-ia a examinar os ataques à religião, aos costumes, e às autoridades constituídas.

No primeiro caso fora uma iniquidade obrigar teatros, que não vivem dos favores do estado, a privarem de umas tantas produções apreciadas pelo público {…} Semelhante veto somente é justo quando os teatros são do Estado {…}.

No segundo caso, já a Polícia, tendo a seu cargo fiscalizar os espetáculos e fazer o exame das peças nas partes relativas à ofensa moral e às leis, o exame do Conservatório seria uma superfetação, verdadeiro bis in idem {…}.

A Polícia que leia as peças; guarde os seus juízos literários, e apenas se ocupe com as questões de decência e bons costumes, que ela é doutora de borla e capelo.61 61 O Paiz, ano 3, n. 126, p. 1, 8 maio 1886.

Criticando o conflito de jurisdições instaurado pelo governo, mas, sobretudo, a postura assumida pelo CDB, que se afastara de seus objetivos, o autor da nota procurava convencer os leitores da inutilidade de uma instituição que, em sua visão, em nada contribuía para o desenvolvimento do teatro no Brasil.

Quando, em 1892, foi indicado Medeiros de Albuquerque para presidente efetivo do Conservatório, depois de dois anos que ele fora presidido interinamente por Taunay, reprovou-se a decisão do governo de reorganizar o órgão, quando era esperado seu fechamento. A notícia não foi bem recebida e ensejou a publicação de um longo artigo no Jornal do Brasil, que reproduzimos parcialmente a seguir:

O conservatório dramático anda atualmente muito vexado, o que não é de admirar em instituição tão caipora.

Enchia os dias, como todos sabem, meio vivo, meio morto…

{…} Um dia o Sr. Fernando Lobo endireitou este infeliz, dando-lhe um presidente e vários membros {…}.

S. Ex. reduzia o conservatório dramático a bacorinho engordando-o, para então passar-lhe a faca {…}.

O Sr. Fernando Lobo deve aproveitar a ocasião e nomear estes devotados cidadãos membros do conservatório enquanto não perdem o desejo. Depois será difícil preencher os claros, sem recorrer a recrutamento.62 62 Jornal do Brasil, ano 2, n. 224, p. 1, 12 ago. 1892.

Instituição antiquada, que definhava a olhos vistos, embora o ministro do Interior tivesse resolvido remar contra a corrente e prolongar sua existência, engordando o “bacorinho”, para provavelmente sacrificá-lo com mais prazer, essa a visão passada pela matéria.

Em O Paiz, as reprovações não foram menores, tanto que uma matéria nele mencionava:

Depois de dois anos funcionando acéfalo, por ato de ontem foi reorganizado o Conservatório Dramático.

Essa reorganização deu-se com o Sr. Medeiros de Albuquerque para presidente, para vogais os Srs. Fausto Cardoso e Lúcio de Mendonça e secretário o Sr. José Dias Delgado Júnior.

Temos, pois, presidente, secretário e dois vogais, que naturalmente farão número legal complementando-se com o Dr. Ataliba de Comensoro, que desde alguns anos, quase completamente só, desempenhou as funções do Conservatório.

Devemos crer, entretanto, que o Dr. Ataliba de Comensoro não se submeterá a essa recomposição injusta e escandalosa, que é, logicamente, a extinção do conservatório, como se prova com o seguinte aviso, com que o ministro do interior, acompanhou o ato de nomeação do presidente.

Ao Sr. Medeiros e Albuquerque é que se dirige o ministro neste trecho:

“{…} nomeio-vos nesta data presidente do mesmo Conservatório e completo no mesmo tempo o seu pessoal, para que sejam as suas deliberações tomadas legalmente, por maioria de votos, até que se possa resolver sobre a consideração, que também me fizestes, da conveniência de extinguir-se essa instituição”.63 63 O Paiz, ano 3, n. 3714, p. 2, 2 jul. 1892; grifo do original.

As observações presentes nessa citação remetem a dois pontos importantes. O primeiro deles, a insistência do governo republicano em protelar a existência da censura teatral, o que nos leva ao segundo ponto: as gestões do CDB. Ao longo de seus 26 anos de funcionamento, o segundo Conservatório teve cinco presidentes permanentes e um interino, conforme indicado no quadro a seguir:

A gestão de Cardoso de Menezes foi bastante problemática, sobretudo por seu perfil personalista, do qual o apelido “João Censura” é a síntese mais acabada.

Apesar de curta, a gestão de Antônio Ferreira Vianna não foi mais tranquila; ao contrário, ao longo dela, o CDB foi recorrentemente exposto a críticas que acentuavam o lado risível e anedótico da instituição e dos vogais.

A gestão interina de Taunay, na qual quem efetivamente presidiu o órgão foi o vogal Ataliba de Comensoro, só veio agravar esse quadro. Nela, Comensoro “reinou” sozinho e habitou-se a fazer do CDB uma extensão de sua vontade,64 64 Jornal do Brasil, ano 5, n. 83, p. 2, 24 maio 1893. Ibid. o que nos leva a supor que ele não apenas era contrário à dissolução da instituição como esperava ser indicado para a presidência com a saída de Taunay. Como isso não ocorreu, é possível que tenha contribuído para transformar a gestão de Medeiros e Albuquerque, favorável à extinção do CDB, em um verdadeiro martírio, tanto que este pediu exoneração dois meses após a nomeação.65 65 Jornal do Brasil, ano 2, n. 207, p. 1, 24 jul. 1892.

Nomeado para a presidência, Comensoro imprimiu à sua administração uma feição autoritária e doméstica, a ponto de a Gazeta de Notícias mencionar que era em seu consultório médico, localizado à rua da Quitanda, que funcionava a censura teatral, pois o presidente sozinho encarnava “todo o conservatório dramático”.66 66 Gazeta de Notícias, ano 10, n. 4293, p. 2, 9 maio 1894.

O apreço pelas relações pessoais também foi uma marca de sua gestão. Em outubro de 1889, certo dr. Silva Nunes teve sua comédia A doutora aprovada pelo CDB, mas cortada pela censura da polícia. Diante da atitude da polícia, Comensoro não teve dúvidas: chamou Silva Nunes e juntos relataram o episódio ao ministro do Império, o Barão de Loreto, em uma audiência fechada, em que o barão entregou “a peça de novo ao Sr. Dr. Ataliba para que, de acordo com o autor, fizesse as alterações que julgasse necessárias, sem deixar-se prender pelas desarrazoadas vontades da polícia”.67 67 O Paiz, ano 6, n. 1843, p. 2, 24 out. 1889.

Com a morte repentina de Comensoro, esperou-se mais uma vez que o Conservatório fosse dissolvido. Contrariando todas as expectativas, o ministro do Interior indicou Fausto Cardoso para a presidência, que, ao que tudo indica, teve um perfil policialesco e moralista, a ponto de a Gazeta de Notícias dizer que não estranharia que em algum momento ele aparecesse de manhã “a dar buscas em casas de jogo”.68 68 Gazeta de Notícias, ano 13, n. 4533, p. 2, 7 mar. 1897.

Dois anos após sua nomeação, iniciou-se uma campanha pela extinção do CDB. No jornal Dom Quixote, um autor anônimo diria que a Constituição de 24 de fevereiro de 1891 garantia em um de seus artigos que “em qualquer assunto é livre a manifestação do pensamento pela imprensa ou pela tribuna sem dependência de censura, respondendo cada um pelos atos que cometer {…}”. Diante dessa disposição constitucional, argumentava ele, “a lei que instituiu o Conservatório Dramático foi, portanto, derrogada e, neste caso só por condenável abuso a censura prévia tem sido exercida pelos membros do dito Conservatório”.69 69 Don Quixote, ano 1, n. 11, p. 6, 6 abr. 1895.

Na Câmara, a ideia também encontrou adeptos. Em 1891, o deputado pela capital federal Thomaz Delfino apresentou um projeto no qual propunha a abolição da “censura prévia das obras teatrais e consequentemente do conservatório dramático”.70 70 O Paiz, ano 7, n. 3391, p. 2, 9 ago. 1891. No ano seguinte, o deputado Fonseca Hermes utilizou-se da tribuna para perguntar se ainda estava em vigor a constituição da república, “porquanto não compreende como extinta a censura prévia dos trabalhos literários do gênero dramático, venha de novo criar-se o conservatório dramático”.71 71 O Paiz, ano 8, n. 3717, p. 1, 5 jul. 1892.

Em janeiro de 1897, foi noticiado que o “Dr. Bernardino de Campos, ministro do interior”, pretendia acabar com o CDB,72 72 O Paiz, ano 2, n. 11, p. 1, 11 jan. 1897. e, cinco meses depois, foi apresentado para assinatura do presidente da república, pelo sr. Amaro Cavalcanti, o decreto que o dissolvia,73 73 O Paiz, ano 10, n. 4637, p. 1, 14 jun. 1897. o qual, no entanto, ficou nas mãos do presidente por alguns dias para que ele estudasse melhor a questão.74 74 Jornal do Brasil, ano 7, n. 194, p. 1, 13 jul. 1897.

Em 23 de julho de 1897, finalmente, o Decreto no 2.557 declarou o CDB extinto, decisão que foi amplamente saudada pela imprensa. Em um dos periódicos cariocas, os leitores puderam ler a seguinte nota:

A velha instituição da monarquia, sem razão de ser no regime adaptado pela Constituição de 24 de fevereiro, foi ontem extinta por decreto do poder executivo.

Nestas colunas enfrentamos várias vezes esse assunto, condenando não só o Conservatório dramático como um atentado à liberdade de pensamento, mas também as suas regalias nos teatros, dispondo em todos eles de um camarote que muitas vezes era ocupado por pessoas não aceitas em boas rodas.75 75 O Paiz, ano 13, n. 4676, p. 2, 23 jul. 1897.

Além de ser considerado um atentado à liberdade de pensamento, instaurada pela república, e uma instituição na contramão da “modernidade”, mais condizente com o “atraso” da monarquia, o CDB era também condenado pelo excesso de regalias que dera a seus vogais.

Em uma crônica publicada no dia 29 de julho de 1897, no jornal A Notícia, Arthur Azevedo também sublinhou a ineficácia do Conservatório e declarou:

Estamos livres, ao que parece, da censura literária que numa comédia me substituiu a palavra cueiros pela palavra fachas, porque a palavra cueiros tinha uma sílaba irreverente; mas se algum futuro chefe de polícia um dia resolver, pelo seu livre alvedrio, suprimir injustamente noutra comédia, minha ou de quem quer que seja, não uma palavra mas a peça inteira, será o caso de cantar: C’n’était pas la peine… como na Madame Angot. (apud Neves e Levin, 2009NEVES, Larissa de Oliveira; LEVIN, Orna (Org.). O theatro: crônicas de Arthur Azevedo. Campinas: Unicamp, 2009., p. 103-104; grifos do original)

Vindas desse literato, tais reprovações são compreensíveis, pois ele foi um dos dramaturgos mais afetados pela censura. Nessa mesma crônica, Arthur Azevedo deixou registrada uma apreensão: “Resta saber se o Conservatório vai ser substituído pela polícia: o decreto nesse ponto não me parece suficientemente claro {…}” (apud Neves e Levin, 2009NEVES, Larissa de Oliveira; LEVIN, Orna (Org.). O theatro: crônicas de Arthur Azevedo. Campinas: Unicamp, 2009., p. 103).

Os pressentimentos de Arthur Azevedo se concretizariam com a entrada em vigor do Decreto no 2.558, que complementava o de no 2.557, pois, enquanto o segundo extinguia o Conservatório, o primeiro regulava a inspeção dos teatros e demais casas de espetáculos da capital federal. O Decreto no 2.558 justificou a dissolução argumentando que a experiência mostrara “suficientemente a inutilidade do Conservatório {…} o qual nenhuma influência tem conseguido exercer sobre o teatro nacional e a literatura e arte dramáticas”, e em outros três artigos atribuiu à polícia toda responsabilidade pela censura.76 76 Decreto no 2.558, de 21 de julho de 1897. In: Coleção das leis do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1897. v. 1, p. 569.

O decreto de 1897 foi modificado por três outros (de 1907, 1920 e 1924), e em todos eles procurou-se detalhar os critérios para que a censura fosse exercida pela polícia, notadamente no de 1924, que criou a figura do censor como funcionário dentro dos quadros policiais.77 77 Decreto no 16.590, de 10 de setembro de 1924. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1920-1929/decreto-16590-10-setembro-1924-509350-norma-pe.html>. Acesso em: 4 set. 2015.

Considerações finais

A despeito das limitações impostas pelas fontes às quais tivemos acesso, existem elementos suficientes para elaborarmos algumas considerações que podem servir como ponto de partida para futuras pesquisas.

Em primeiro lugar, e ainda que as fontes analisadas apontem para divergências sobre a ideia da utilidade ou não da censura entre os contemporâneos, é digno de nota que, com o passar do tempo, a associação da censura à noção de inconstitucionalidade, bem como ao “atraso” da monarquia, tem se tornado um argumento cada vez mais utilizado para justificar a extinção do CDB e, simultaneamente, apontar as incoerências de um governo republicano que, apesar de apresentar-se como novo, resistia a adotar a modernidade da qual se fazia propugnador.

Em segundo lugar, que a polícia sempre teve mais poder do que o CDB em suas duas fases de existência. Sua atuação não se limitava a aprovar ou denegar a licença final à peça. Seus representantes fiscalizavam diariamente os teatros, podendo desde multar as companhias, empresários ou atores que cometessem faltas mais leves até suspender a encenação a qualquer momento e, em alguns casos, usar da força para impedir que os espetáculos acontecessem.

Em terceiro lugar, parece ser possível sugerir que a situação vivenciada pelo “novo” Conservatório foi mais parecida com a do primeiro do que se pode imaginar à primeira vista. Nele, velhas práticas se fortaleceram e acabaram por reforçar imagens anteriormente construídas. Chama atenção, por exemplo, a forma como o segundo CDB, assim como o primeiro, encontrou resistências por parte de polícia, autores, empresários e imprensa. Neste último caso, parece sintomático que o segundo Conservatório tenha sido mais atacado pelos jornais, pois nele atuavam muitos dos homens de letras que foram censurados pelos censores, a exemplo de Augusto Fábregas e Arthur Azevedo. Em suas mãos, a imprensa se transformou em instrumento de combate a uma instituição por eles considerada um atentado à liberdade de pensamento.

Por fim, mas não em último lugar, algumas considerações devem ser elaboradas sobre o teatro e a imprensa, os meios de comunicação mais significativos do século XIX. Diferentemente do que aconteceu com a imprensa, cuja censura foi abolida parcialmente nos anos 1820 (Morel, 2008MOREL, Marco. Primórdios da imprensa no Brasil. In: MARTINS, Ana Luísa; DE LUCA, Tânia Regina (Org.). História da imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008.), o teatro passou a ser alvo de medidas coercitivas mais efetivas justamente a partir dessa mesma década. Em parte, essa situação se explica por se tratar de uma sociedade com baixo nível de letramento, o que dificultava o acesso à informação por meio da leitura de livros e jornais, embora a prática da leitura coletiva suprisse parcialmente essa lacuna. O teatro, ao contrário, não apenas oferecia a possibilidade de propagação ampliada de ideias, bem como a de as audiências associarem com rapidez o que viam e ouviam nos tablados a acontecimentos polêmicos do cotidiano, e também de manifestarem-se em relação a eles de maneira contundente no decorrer das encenações. Em função desse caráter de imediatismo e coletividade, a cena teatral foi considerada um elemento de subversão e se transformou no alvo preferencial da censura ao longo de todo o século XIX.

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  • THOMPSON, E. P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicionalSão Paulo: Companhia das Letras , 1998
  • 2
    O Paiz, ano 13, n. 4527, p. 2, 24 fev. 1897.
  • 3
    A expressão “homens de letras” era utilizada para indivíduos que faziam parte de uma elite letrada.
  • 4
    Artigos Orgânicos do CDB (doravante AO). Biblioteca Nacional (BNRJ), Divisão de Manuscritos, 1843, p. 1-4. Número de chamada: I-8, 25, 002. Os sócios efetivos residiam no Rio de Janeiro, e os correspondentes, nas províncias ou fora do país.
  • 5
    BNRJ, Manuscritos, I-8, 25, 002, AO, artigo 12, p. 4.
  • 6
    Decreto no 425, de 19 de julho de 1845 In: BNRJ, Manuscritos, I-8, 25, 002.
  • 7
    Decisão no 123. Império. 21 de julho de 1829 In: Coleção das decisões do império do Brasil de 1829. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1877, p. 109.
  • 8
    Decreto no 425. 19 de julho de 1845 In: BNRJ, Manuscritos, I-8, 25, 002.
  • 9
    Relatório dos negócios do império do ano de 1870. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1871. p. 25 (doravante RNI).
  • 10
    Decreto no 4.666, de 4 de janeiro de 1871. In: Coleção das leis do império do Brasil. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1871. v. 1, p. 9.
  • 11
    Decreto no 4.666, de 4 de janeiro de 1871. In: Coleção das leis do império do Brasil. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1871. v. 1, p. 9.
  • 12
    RNI de 1881. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1882. p. 78.
  • 13
    Ibid., p. 119.
  • 14
    Revista Illustrada, ano 1, n. 27, p. 3, 15 jul. 1876.
  • 15
    O Paiz, ano 4, n. 847, p. 1, 30 jan. 1887.
  • 16
    RNI de 1881. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1882. p. 119.
  • 17
    RNI de 1885. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1888. p. 71.
  • 18
    A Vida Fluminense, ano 4, n. 159, p. 430, 14 jan. 1871.
  • 19
    A Reforma, ano 3, n. 19, p. 1, 25 jan. 1871.
  • 20
    Ibid.
  • 21
    O Globo, ano 5, n. 63, p. 2, 2 mar. 1875.
  • 22
    Revista Illustrada, ano 1, n. 27, p. 3, 15 jul. 1876.
  • 23
    A Vida Fluminense, ano 7, n. 408, p. 340, 23 out. 1875; grifos do original.
  • 24
    Gazeta de Notícias, ano 3, n. 112, p. 1, 25 abr. 1877.
  • 25
    Ibid.
  • 26
    O Paiz, ano 8, n. 3662, p. 2, 11 maio 1892.
  • 27
    O Paiz, ano 7, n. 3395, p. 2, 17 ago. 1891.
  • 28
    O Binóculo, ano 2, n. 2, p. 7, 18 mar. 1882; grifo do original.
  • 29
    De acordo com Souza (2002), embora a decadência do realismo teatral não possa ser atribuída unicamente à emergência do teatro musicado, este foi um dos elementos de peso para seu declínio. Ver também Mencarelli (2003).
  • 30
    Revista Ilustrada, ano 6, n. 256, p. 7, 4 jun. 1881.
  • 31
    Revista Illustrada, ano 6, n. 257, p. 3, 23 jul. 1881.
  • 32
    Jornal do Brasil, ano 5, n. 8, p. 2, 8 jan. 1893.
  • 33
    O Mosquito, ano VII, n. 314, p. 4, 18 set. 1875.
  • 34
    Ibid.
  • 35
    Ibid.
  • 36
    Ibid.
  • 37
    Ibid.
  • 38
    Ibid.
  • 39
    Gazeta de Notícias, ano I, n. 76, p. 2, 16 out. 1875.
  • 40
    O Apóstolo, ano X, n. 163, p. 1, 30 out. 1875.
  • 41
    O Mosquito, ano VII, n. 314, p. 4, 18 set. 1875.
  • 42
    O Mosquito, ano VII, n. 321, p. 5, 6 nov. 1875.
  • 43
    Gazeta de Notícias, ano I, n. 76, p. 1, 16 out. 1875.
  • 44
    O Paiz, ano 3, n. 231, p. 1, 21 ago. 1886.
  • 45
    O Paiz, ano 1, n. 11, p. 3, 11 out. 1883.
  • 46
    O Paiz, ano 2, n. 32, p. 1, 3 fev. 1885.
  • 47
    O Paiz, ano 6, n. 2014, 17 abr. 1890.
  • 48
    O Paiz, ano 6, n. 2028, p. 2, 27 abr. 1890.
  • 49
    O Paiz, ano 6, n. 2015, p. 1, 14 abr. 1890. Em 9 de setembro de 1889, foi firmado um acordo entre Brasil e Portugal para a proteção das obras literárias e artísticas (Bessone, 2011, p. 3).
  • 50
    O Paiz, ano 3, n. 348, p. 2, 16 dez. 1886.
  • 51
    O Paiz, ano 3, n. 126, p. 1, 8 maio 1886.
  • 52
    O Paiz, ano 2, n. 24, p. 2, 25 jan. 1885.
  • 53
    Revista Illustrada, ano 8, n. 358, p. 7, 21 out. 1883. Espetáculos como os do mágico Hermann não passavam pela análise da censura.
  • 54
    Cidade do Rio, ano 2, n. 40, p. 1, 9 fev. 1897.
  • 55
    Revista Illustrada, ano 2, n. 446, p. 2, 31 dez. 1886.
  • 56
    O Paiz, ano 13, n. 4538, p. 2, 7 mar. 1897.
  • 57
    Revista Illustrada, ano 8, n. 349, p. 2, 26 jun. 1886. Russinho ficou conhecido por passar notas falsas no Rio de Janeiro. Foi preso em 5 de agosto de 1885.
  • 58
    Jornal do Brasil, ano 2, n. 61, p. 1, 1o mar. 1892.
  • 59
    Gazeta de Notícias, ano 16, n. 207, p. 1, 28 jul. 1890.
  • 60
    O Paiz, ano 7, n. 3331, p. 2, 9 jun. 1891.
  • 61
    O Paiz, ano 3, n. 126, p. 1, 8 maio 1886.
  • 62
    Jornal do Brasil, ano 2, n. 224, p. 1, 12 ago. 1892.
  • 63
    O Paiz, ano 3, n. 3714, p. 2, 2 jul. 1892; grifo do original.
  • 64
    Jornal do Brasil, ano 5, n. 83, p. 2, 24 maio 1893. Ibid.
  • 65
    Jornal do Brasil, ano 2, n. 207, p. 1, 24 jul. 1892.
  • 66
    Gazeta de Notícias, ano 10, n. 4293, p. 2, 9 maio 1894.
  • 67
    O Paiz, ano 6, n. 1843, p. 2, 24 out. 1889.
  • 68
    Gazeta de Notícias, ano 13, n. 4533, p. 2, 7 mar. 1897.
  • 69
    Don Quixote, ano 1, n. 11, p. 6, 6 abr. 1895.
  • 70
    O Paiz, ano 7, n. 3391, p. 2, 9 ago. 1891.
  • 71
    O Paiz, ano 8, n. 3717, p. 1, 5 jul. 1892.
  • 72
    O Paiz, ano 2, n. 11, p. 1, 11 jan. 1897.
  • 73
    O Paiz, ano 10, n. 4637, p. 1, 14 jun. 1897.
  • 74
    Jornal do Brasil, ano 7, n. 194, p. 1, 13 jul. 1897.
  • 75
    O Paiz, ano 13, n. 4676, p. 2, 23 jul. 1897.
  • 76
    Decreto no 2.558, de 21 de julho de 1897. In: Coleção das leis do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1897. v. 1, p. 569.
  • 77
    Decreto no 16.590, de 10 de setembro de 1924. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1920-1929/decreto-16590-10-setembro-1924-509350-norma-pe.html>. Acesso em: 4 set. 2015.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    13 Set 2015
  • Aceito
    30 Abr 2016
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