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‘Flores da revolução’: notas para uma pedagogia do trabalho em Paulo Freire

‘Flowers of the revolution’: notes for a pedagogy of work in Paulo Freire

‘Flores de la revolución’: notas para una pedagogía del trabajo en Paulo Freire

Resumo

O principal objetivo deste ensaio consiste em problematizar elementos constitutivos de uma pedagogia do trabalho presente nas obras de Paulo Freire, com ênfase na experiência registrada no livro Cartas à Guiné-Bissau. Destarte, uma das ideias que desenvolvo é aquela segundo a qual Paulo Freire, ao tratar do tema da educação de adultos, no decorrer de sua experiência como educador, tratou em última análise de processos de educação de trabalhadores, um patrimônio singular de educação crítica e libertadora da classe trabalhadora. Por meio da análise das cartas guineenses em diálogo com outras obras do próprio Freire e autores do campo do materialismo histórico, observaram-se fundamentos de uma pedagogia do trabalho de natureza revolucionária e caráter anticolonial. Assim, chegou-se a seis temas pedagógicos principais relacionados à categoria trabalho: educação e trabalho produtivo; a escola do trabalho; formação de trabalhadores; educação, produção e saúde; o novo intelectual coletivo; e pedagogia da luta e descolonização das mentalidades. ‘Flores da revolução’ consiste em um texto que celebra o fecundo legado teórico-metodológico freiriano, herdado pelo processo revolucionário de Guiné-Bissau, bem como comemora os cem anos de nascimento de Paulo Freire em 2021.

Palavras-chave:
Paulo Freire; pedagogia do trabalho; socialismo

Abstract

The main objective of this essay is to problematize constitutive elements of a pedagogy of work present in the works of Paulo Freire, with emphasis on the experience recorded in the book Cartas à Guiné-Bissau. Thus, one of the ideas that I develop is that according to which Paulo Freire, when dealing with the subject of adult education, in the course of his experience as an educator, ultimately dealt with the processes of worker education, a unique heritage of critical and liberating education of the working class. Through the analysis of Guinean letters in dialogue with other works by Freire himself and authors in the field of historical materialism, the foundations of a pedagogy of work of a revolutionary nature and anti-colonial character were observed. Thus, we arrived at six main pedagogical themes related to the work category: education and productive work; the school of work; training of workers formation; education, production and health; the new collective intellectual; and pedagogy of struggle and decolonization of mentalities. ‘Flowers of the revolution’ consists of a text that celebrates Freire’s fertile theoretical-methodological legacy, inherited by the revolutionary process of Guinea-Bissau, as well as commemorating the 100th anniversary of Paulo Freire’s birth in 2021.

Keywords:
Paulo Freire; work pedagogy; socialism

Resumen

El principal objectivo de este ensayo consiste en problematizar elementos constitutivos de una pedagogía del trabajo presente en las obras de Paulo Freire, con enfásis en la experiencia registrada en el libro Cartas à Guinea-Bissau. Sin embargo, una de las ideas que desarollo aquí es aquella según la cual Paulo Freire, al tratar del tema de la educación de los adultos, a lo largo de su experiencia como educador, se ocupó, en última análisis, de procesos de educación de trabajadores, un património singular de la educación crítica y libertadora de la clase obrera. A través del análisis de las cartas guineanas, en diálogo con otras obras del propio Freire y autores del campo del materialismo histórico, se observaron fundamentos de una pedagogía del trabajo de naturaleza revolucionaria y caracter anticolonial. De esta forma, se llegó a seis principales temas relacionados a la categoría trabajo: educación y trabajo productivo; la escuela del trabajo; formación de trabajadores; educación, producción y salud; el nuevo intelectual colectivo; y pedagogía de la lucha y descolonización de las mentalidades. ‘Flores de la revolución’ consiste en un texto que celebra el fecundo legado teórico-metodológico de la obra de Freire, heredado por el proceso revolucionario de Guinea-Bissau, así como celebra los cien años de nascimiento de Paulo Freire en 2021.

Palabras clave:
Paulo Freire; pedagogía del trabajo; socialismo

Introdução

E revolução gera flores? ‘Flores da revolução’ consiste na expressão usada pelo líder revolucionário de Guiné-Bissau, Amilcar Cabral, para reportar-se às crianças de escolas localizadas nas zonas recém-libertadas guineenses (Freire, 1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978., p. 24). Simbolicamente, lançamos mão desse termo como referência ao fecundo legado teórico-metodológico freiriano herdado pelo processo revolucionário de Guiné-Bissau, o que inclui elementos constitutivos de uma pedagogia do trabalho. Sem dúvida, Freire, ao assessorar o trabalho de estruturação do sistema de educação naquele país, lançou mão do aporte pedagógico socialista, mas também adotou como referência as experiências de alfabetização de adultos e de formação de trabalhadores no Brasil e em outros países durante o seu exílio político, como no período em que esteve no Chile por ocasião do governo Allende.

Assim, o objetivo deste ensaio consiste em problematizar elementos constitutivos de uma pedagogia do trabalho presente nas obras de Paulo Freire, com ênfase na experiência registrada no livro Cartas à Guiné-Bissau. Na obra, observa-se um patrimônio de expressões, ações e reflexões que estão em convergência com uma pedagogia crítica de natureza marxista (Pistrak, 2018PISTRAK, Moisey M. Fundamentos da escola do trabalho. São Paulo: Expressão Popular , 2018.; Krupskaya, 2017KRUPSKAYA, Nadezhda K. A construção da pedagogia socialista. São Paulo: Expressão Popular , 2017.; Gramsci, 2006GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. v. 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.; Caldart, 2010CALDART, Roseli S. Caminhos para transformação da escola. São Paulo: Expressão Popular, 2010.). O aspecto inédito da pedagogia do trabalho presente nas cartas à Guiné-Bissau consiste em ter sido sistematizada durante o processo de implantação do programa de alfabetização de adultos em um contexto de país africano, de colonização portuguesa, em processo de libertação política e restruturação econômica e social. Portanto, revolução, educação e trabalho estão em íntima conexão nos textos das cartas à Guiné-Bissau. Cabe a observação segundo a qual Bissau se liberta de Portugal no ano de 1973 e Freire é convidado pelo governo revolucionário para implantar o programa de alfabetização naquele país já em 1974.

Trataremos centralmente da experiência de Guiné-Bissau, mas lembremos que Freire contribuiu também com governos revolucionários, e em processo de libertação, de outros países do continente africano e americano (Centro e Sul), tais como: Cabo Verde, Tanzânia e Nicarágua. No período em que esteve em Guiné-Bissau, Freire pertencia ao Departamento de Educação do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) e ao Instituto de Ação Cultural (IDAC), este fundado pelo próprio Paulo Freire em 1970 (Vittoria, 2011VITTORIA, Paolo. Narrando Paulo Freire: por uma pedagogia do diálogo. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2011.). Ele encontrava-se em exílio político da ditadura em curso no Brasil, que se iniciara no fatídico ano de 1964, retornando somente em 1980. O ponto que queremos destacar diz respeito ao fato segundo o qual as sociedades revolucionárias naquele período, tal qual Guiné-Bissau, abriram perspectivas de se implantar um aporte educativo novo, conectado com a ideia de socialismo, igualdade social e descolonização, o que estava em consonância com as convicções de Freire.

No que tange à obra, Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo (Freire, 1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.), livro que foi a principal referência deste ensaio, diferencia-se por sua estrutura original composta por 17 cartas dirigidas ao líder revolucionário Mário Cabral, comissário de Educação e Cultura da República de Bissau, e sua equipe. Sem dúvida, o livro se destaca pelo relato de uma experiência no período de reconstrução nacional, durante e após o movimento revolucionário. Na época, além das visitas, Freire manteve uma comunicação epistolar com o grupo do Comissariado, na qual a primeira carta foi escrita em janeiro de 1975 e a última na primavera de 1976.

Para Freire (1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.), a violência colonialista deixou um legado de problemas e descaso, como o altíssimo índice de analfabetismo de 90%, mas não conseguiu matar a cultura e a história do povo. E mais: das reflexões empreendidas no livro, ganha destaque a assertiva segundo a qual a luta é forjadora da consciência política, ou seja, a luta coletiva tem um caráter pedagógico central. O autor afirma que a contribuição pedagógica autêntica é aquela em cuja prática os que nela se envolvem se ajudam mutuamente, crescendo juntos no esforço comum de conhecer a realidade que buscam transformar. Nas cartas, Freire (1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978., p. 16) escreve: “aprender primeiro para, em seguida, começando a ensinar, continuar a aprender”. Afirma ainda que as relações entre sociedades imperiais e coloniais não podem prescindir da análise das relações de classe, e que “foi aprendendo com eles, com os trabalhadores dos campos e das fábricas, que nos foi possível ensinar também” (Freire, 1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978., p. 16).

A tese central que sustentamos neste ensaio é aquela segundo a qual Freire, ao desenvolver experiências de educação de adultos, desenvolveu ainda, em última análise, um legado singular de educação crítica e libertadora da classe trabalhadora, um patrimônio teórico-metodológico que pode servir de base ao exercício, específico, de uma pedagogia do trabalho. Para Freire, o desenvolvimento das potencialidades críticas e revolucionárias depende também de processos educativos orgânicos e emancipadores (Freire, P., 2012GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. v. 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.).

Em que pese a atual diversidade de formas de trabalho, bem como as diferentes configurações históricas de classe (Antunes, 2009ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2009.), o conceito de classe trabalhadora aqui adotado ancora-se na vertente marxista clássica, a mesma adotada por Paulo Freire (1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978., 2012FREIRE, Paulo. Educação e atualidade brasileira . São Paulo: Cortez , 2012., 2014FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 2014.), segundo a qual a classe trabalhadora é constituída, em sua totalidade, por aqueles que dependem da venda da sua força de trabalho para sobreviver ou retiram o seu sustento material por meio do seu próprio labor (Marx, 2013MARX, Karl. O capital. Livro 1: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo , 2013.). Tal assertiva se consolidou como axioma no conhecido enunciado de Marx: “O trabalho é, assim, uma condição da existência do homem, independente de todas as formas sociais, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre homem e natureza e, portanto, da vida humana” (Marx, 2013MARX, Karl. O capital. Livro 1: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo , 2013., p. 120). Paulo Freire (1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978., 2012FREIRE, Paulo. Educação e atualidade brasileira . São Paulo: Cortez , 2012., 2014FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 2014.) também afirmou a centralidade do tema trabalho e defendia processos formativos específicos de trabalhadores para se qualificarem como sujeitos críticos no mundo da produção. E mais: asseverou que é por meio do trabalho que é possível conhecer e transformar o mundo.

Do ponto de vista da cronologia dos fatos da vida de Paulo Freire, é importante destacar que, antes da experiência de Guiné-Bissau, ele desenvolveu processos de educação de adultos - portanto, de trabalhadores no Brasil e em outros países da América Latina, principalmente no Chile, momento em que escreveu Pedagogia do oprimido (Freire, 2014FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 2014.), sua obra mais conhecida no mundo. Contudo, a experiência com trabalhadores chilenos foi analisada no livro Extensão ou comunicação? (Freire, 1988FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1988.), escrito no período do seu exílio político no ano de 1968. Nele, o autor analisa o trabalho de comunicação entre o técnico agrícola extensionista e o camponês, reafirmando a tese da educação como ação de transformação e do homem como “ser do trabalho” e “ser da práxis, da ação e da reflexão” (Freire, 1988FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1988., p. 28).

No Brasil, no que diz respeito a processos formativos específicos de operários, destaca-se o período em que Freire esteve no Serviço Social da Indústria (Sesi), entre os anos de 1947 e 1957. No livro Educação e atualidade brasileira, publicação da tese de concurso para a cadeira de História e Filosofia da Educação na Escola de Belas-Artes de Pernambuco, escrita em 1959, Paulo Freire (2012FREIRE, Paulo. Educação e atualidade brasileira . São Paulo: Cortez , 2012.) afirma que foram dez anos de intimidade com o operário urbano do Recife e do sul do país. Não obstante, o trabalho dele com os clubes operários no Sesi chama a atenção para um importante aspecto, o “agir educativo” e a formação do “senso de perspectiva histórica” (Freire, P., 2012FREIRE, Paulo. Educação e atualidade brasileira . São Paulo: Cortez , 2012., p. 20), com o aprofundamento da participação dos trabalhadores nos processos decisórios e na gestão democrática do trabalho de modo a se efetivar o exercício do “autogoverno” operário (Freire, P., 2012FREIRE, Paulo. Educação e atualidade brasileira . São Paulo: Cortez , 2012., p. 19). De acordo com Cristina Freire (2012)FREIRE, Cristina H. Depoimento II: convivência com meus pais. In: FREIRE, Paulo. Educação e atualidade brasileira. São Paulo: Cortez , 2012. p. LXXVII-LXXXI., a fase do Sesi “foi o prelúdio do Método Paulo Freire” (Freire, C., 2012, p. LXXIX). Do ponto de vista histórico, vivia-se no Brasil a euforia do nacional-desenvolvimentismo, principalmente no período compreendido entre os anos de 1955 e 1960, do governo Juscelino Kubitschek.

Em que pese a importância das duas obras mencionadas no tocante à contribuição de uma pedagogia do trabalho, ou seja, os livros Extensão ou comunicação? (Freire, 1988FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1988.) e Educação e atualidade brasileira (Freire, P., 2012GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. v. 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.), lançou-se mão das cartas à Guiné-Bissau como centro das análises para a formulação de temas da pedagogia do trabalho, devido a sua originalidade histórica, uma vez que é a primeira experiência de Freire com sociedades em processo de revolução social. Assim, chegou-se a seis temas pedagógicos de análise, como sendo aqueles mais marcantes por critério de aprofundamento do próprio autor e repetição de ideias: educação e trabalho produtivo; a escola do trabalho; formação de trabalhadores; educação, produção e saúde coletiva; o novo intelectual coletivo; pedagogia da luta e descolonização das mentalidades. Todavia, na análise do texto das cartas, desenvolveu-se o diálogo com outras obras do próprio Paulo Freire (1988FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1988., 2012FREIRE, Paulo. Educação e atualidade brasileira . São Paulo: Cortez , 2012., 2014FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 2014., 2015FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 2015.; Freire e Faundez, 2017FREIRE, Paulo; FAUNDEZ, Antonio. Por uma pedagogia da pergunta. São Paulo: Paz e Terra, 2017.; Freire e Macedo, 2021FREIRE, Paulo; MACEDO, Donaldo. Alfabetização: leitura do mundo, leitura da palavra. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 2021.) e ainda autores da tradição do materialismo histórico (Marx, 2004MARX, Karl. Crítica ao programa de Gotha. In: ANTUNES, Ricardo (org.). A dialética do trabalho: escritos de Marx e Engels. São Paulo: Expressão Popular , 2004. p. 125-153., 2013MARX, Karl. O capital. Livro 1: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo , 2013.; Marx e Engels, 1986MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã (Feuerbach). São Paulo: Hucitec, 1986. ; Gramsci, 2006GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. v. 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.; Antunes, 2009ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2009.; Lukács, 2012LUKÁCS, Georg. História e consciência de classe: estudos sobre a dialética marxista. São Paulo: Martins Fontes, 2012.; Caldart, 2010CALDART, Roseli S. Caminhos para transformação da escola. São Paulo: Expressão Popular, 2010.).

Educação e trabalho produtivo

A estruturação de um novo sistema educacional em Guiné-Bissau, ao lado da reorganização do modo de produção, consiste em um dos aspectos centrais a serem propostos por Freire (1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.) para a construção de uma sociedade de trabalhadores, do trabalho livre e socialmente útil. Por certo, a unidade entre trabalho e educação consiste também em um dos principais elementos constitutivos da pedagogia marxista. Trata-se de um amplo repertório teórico-prático, e em Gramsci (2006GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. v. 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.) podemos encontrar as bases dessa relação, principalmente no que se refere à concepção do ‘trabalho como princípio educativo’. Nessa perspectiva, o trabalho é, sabidamente, atividade teórico-prática e o ponto de partida para o desenvolvimento de uma concepção histórica e dialética do mundo. Para Gramsci (2006GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. v. 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.), o próprio trabalho, seu contexto e processo constituem-se como matéria central para aprendizagem e conhecimento do trabalhador, potencializando a crítica e o seu poder de ação.

Esses aspectos também serviram de base à implantação de um novo sistema de educação em Guiné Bissau, durante e após a revolução, e podem ser interpretados como ato político abrangente, já que propõem associar a produção ao sistema regular de ensino e ao projeto global de sociedade a ser concretizado. De acordo com Freire (1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978., p. 19), deve-se conhecer os problemas centrais e a maneira como podem ser confrontados de forma participativa e dialógica: “ver, ouvir, indagar e discutir”. Nessa perspectiva, deve-se ter clareza política na determinação do que produzir, do como, do para que e do para quem produzir. Trata-se de uma transformação radical na forma de apropriação pelos trabalhadores do controle dos processos produtivos que se inicia pela superação da dicotomia entre trabalho manual e trabalho intelectual. Krupskaya (2017KRUPSKAYA, Nadezhda K. A construção da pedagogia socialista. São Paulo: Expressão Popular , 2017.) aponta para a importância da união entre o trabalho intelectual e físico e a necessidade de o trabalhador ser preparado multilateralmente e formado politecnicamente, o que significa a reestruturação da educação pública, contrapondo-se ao projeto hegemônico do capital de se formarem trabalhadores obedientes, acríticos e explorados.

Freire (1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.), em Bissau, refletiu muito sobre aspectos de uma educação de trabalhadores em contexto de revolução social. Chamou a atenção para o ponto alusivo ao fortalecimento dos trabalhadores como grupo e classe de maneira a se aprofundar e ampliar o horizonte de compreensão dos(as) trabalhadores(as) com relação ao processo produtivo e de se constituírem novas relações sociais de produção. Freire (1978)FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. assegurava que não se tratava de desenvolver programas para ‘treinar’ a classe trabalhadora para o uso de destrezas consideradas como necessárias ao aumento da produção, já que tais destrezas na sociedade capitalista são cada vez mais limitadas.

Nessa vertente, o foco principal consiste na superação da forma dominante de trabalho na sociedade capitalista, suas relações e contradições. Segundo Caldart (2010CALDART, Roseli S. Caminhos para transformação da escola. São Paulo: Expressão Popular, 2010.), o trabalho como atividade humana criadora constitui a base da educação comprometida com a construção de uma nova sociedade. Assim, a educação como processo planejado e organizado busca o desenvolvimento ‘omnilateral’ do ser humano. A palavra ‘omnilateralidade’ indica a busca de um processo de formação, entendido como totalidade e potencialização para atuação no mundo. O trabalho emancipado é a condição da emancipação humana, mas não é somente depois de emancipado que o trabalho passa a ser educativo, transformador do ser humano. “A educação acontece na dialética entre a transformação das circunstâncias e a autotransformação que esse processo provoca” (Caldart, 2010CALDART, Roseli S. Caminhos para transformação da escola. São Paulo: Expressão Popular, 2010., p. 65), ou seja, nessa perspectiva o trabalho é, reconhecidamente, práxis humana e social.

Merece atenção a ideia segundo a qual o processo de educação de trabalhadores exige o envolvimento dos próprios trabalhadores para entenderem o seu processo de trabalho e se identificarem e se reconhecerem como classe trabalhadora. Nas palavras de Freire (1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978., p. 21): “Entender o próprio processo de trabalho com o envolvimento crítico dos próprios trabalhadores”. É precisamente na décima primeira carta guineense (Freire, 1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.) que o autor, citando Marx (2013MARX, Karl. O capital. Livro 1: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo , 2013.), chama a atenção para a necessidade capital da análise dos processos de trconverge com os ‘fundamentos da escola abalho concreto na formação de trabalhadores, o que inclui o estudo detalhado da relação entre o modo de produção capitalista, os fatores de produção (meios de produção de um lado, trabalhadores de outro) e as consequências sociais da lógica econômica de mercado.

Parece correto afirmar que, para Freire, o cerne da experiência de Guiné-Bissau é a construção de uma sociedade de trabalhadores na perspectiva do socialismo. Ele afirma que “o socialismo é algo bem distinto de um capitalismo sem capitalistas” (Freire, 1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978., p. 128), ou seja, a produção deve se orientar no sentido do bem-estar coletivo e não do lucro do capitalista, privado ou estatal. Numa perspectiva socialista, o que se deixa de pagar ao trabalhador já não é uma usurpação, mas a quota que ele dá ao desenvolvimento da coletividade, e o que se deve produzir com essa quota não é uma mercadoria que se define por ser vendável, mas o socialmente necessário. Para isso, é preciso que a sociedade que se reconstrói revolucionariamente, ao superar a dicotomia entre trabalho manual e trabalho intelectual e entre teoria e prática, se vá constituindo, toda ela, como uma sociedade de trabalhadores.

Numa sociedade revolucionária, que visa ao socialismo, “quanto mais consciência política tenham os indivíduos enquanto recriadores de uma nova ordem que se vai tornando uma sociedade de trabalhadores, tanto mais criticamente se engajam no esforço produtivo” (Freire, 1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978., p. 129). Nesse sentido, sua consciência política é também fator de produção. Para Lukács (2012LUKÁCS, Georg. História e consciência de classe: estudos sobre a dialética marxista. São Paulo: Martins Fontes, 2012.), a conscientização é decisiva para a transformação social da realidade e das próprias pessoas por meio da “atividade crítica e prática”. Nesse enfoque, o conhecimento é também práxis, e o seu caráter meramente contemplativo deve ser superado. Não existe conhecimento isolado da práxis. De acordo com esse mesmo pensador (Lukács, 2012LUKÁCS, Georg. História e consciência de classe: estudos sobre a dialética marxista. São Paulo: Martins Fontes, 2012.), a conscientização do proletariado, como condição histórica, é decisiva para a transformação do ser e a transformação social da realidade. Assim, um ponto central no processo de formação de trabalhadores, em perspectiva contra-hegemônica, consiste precisamente na “análise do trabalho a partir da compreensão do trabalho concreto que realizam os indivíduos e não a partir da ideia de trabalho” (Freire, 1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978., p. 134). Numa sociedade capitalista, “quanto mais a ciência é incorporada ao processo de trabalho, tanto menos o trabalhador entende o processo; quanto mais a máquina se torna um produto intelectual sofisticado, tanto menos controle sobre ela e compreensão dela tem o trabalhador” (Freire, 1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978., p. 129). Em outras palavras, quanto mais o trabalhador necessita conhecer no sentido de permanecer um ser humano no trabalho, tanto menos conhece.

Ao propor a reflexão crítica sobre a realidade, em ‘convivência’ íntima com ela, Freire (1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.) estimula o surgimento de um novo tipo de escola - a que, em sintonia com o projeto de uma nova sociedade que se procura criar em Guiné-Bissau, não dicotomiza teoria da prática, reflexão de ação, trabalho intelectual de trabalho manual. Destarte, a escola dicotomizante deve ser abolida, onde quer que exista.

A escola do trabalho

Uma escola do trabalho deve estar ligada à produção e à preocupação com a formação política dos educandos. “Uma educação que expressa, de um lado, o clima de solidariedade que a luta provoca, de outro, busca o reencontro com o autêntico passado do povo e o seu futuro” (Freire, 1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978., p. 23). Em termos concretos, trata-se de tornar o trabalho a base integradora do projeto formativo da escola, vinculando conhecimento e produção. Isso implica o desafio específico de se reverem criticamente os processos de formação de trabalhadores e seus elementos constitutivos, o que inclui a crítica às formas de alienação na sociedade capitalista, entre as quais sobressai a organização escolar (Caldart, 2010CALDART, Roseli S. Caminhos para transformação da escola. São Paulo: Expressão Popular, 2010.). Daí pode-se afirmar que a dicotomia entre formação e trabalho constitui-se como forma de alienação nas relações capitalistas.

É digno de nota o relato a respeito da ‘Escola do Campo’, projeto que consistia em deslocar, temporariamente, as escolas urbanas, com seus professores e estudantes, às áreas rurais, de modo que, vivendo em acampamentos, participariam da atividade produtiva, aprendendo com os camponeses e a eles algo ensinando. O intuito principal consistia em combinar trabalho e estudo, de tal maneira que ambos se constituíssem em unidade, na qual o trabalho seria a fonte do processo de conhecimento. Assim, “estuda-se ao trabalhar, instala-se aí, verdadeiramente, a unidade entre prática e teoria” (Freire, 1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978., p. 25).

Por certo, a educação como ato de conhecimento e atividade eminentemente política, centrando-se em temáticas que emergem da realidade concreta dos educandos e associada à produção, deve ser vista como um fator importante no processo de transformação do pensamento do povo. O tempo dedicado à formação, dentro mesmo da jornada de trabalho, deve ser considerado como tempo igualmente dedicado à produção (Freire, 1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.). Para Krupskaya (2017KRUPSKAYA, Nadezhda K. A construção da pedagogia socialista. São Paulo: Expressão Popular , 2017.), a escola do trabalho orienta-se para o trabalho coletivo, auto-organização dos trabalhadores com a garantia plena de liberdade de opinião, direito de livre associação dos professores, eleição de comitês escolares e direito da população de receber educação em sua língua nativa. Segundo a mesma autora, enquanto a organização escolar permanecer fora da esfera de influência da democracia da classe trabalhadora, será uma ferramenta dirigida contra seus interesses. E ela insiste que a escola do trabalho, por meio da efetivação da democracia operária, pode tornar-se ferramenta de transformação social.

Freire (1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.) assegura que o trabalho produtivo, de caráter coletivo, proporciona a educandos e a educadores uma visão distinta sobre o próprio trabalho. A experiência da participação da escola nas comunidades possibilita a compreensão da unicidade entre trabalho e educação. A escola é vista como algo que delas emerge, ou seja, pertence à comunidade local, está com ela e não ‘fora’ ou ‘acima’ dela. De fato, Freire (1978)FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. verificou que o trabalho coletivo contribuiu, visivelmente, para elevar o nível político da população. Num tal projeto, todos se tornam, ao mesmo tempo, educandos e educadores uns dos outros:

O trabalho baseado na ajuda mútua, no tratamento da terra, na semeadura, na colheita, na construção de “palhotas”, nos serviços mínimos necessários à higiene local, deve ser estimulado ao máximo, discutindo-se as vantagens do mesmo sobre as atividades de caráter individualista. (Freire, 1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978., p. 152)

Freire (1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.) assegura que se deve incentivar experiências em comum desde o primeiro ciclo de ensino, de modo a se ativar a solidariedade social e não o individualismo. Os educandos irão criando novas formas de comportamento de acordo com a responsabilidade que devem ter diante da comunidade. Essa concepção de Freire (1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.) converge com os ‘fundamentos da escola do trabalho’ de Pistrak (2018PISTRAK, Moisey M. Fundamentos da escola do trabalho. São Paulo: Expressão Popular , 2018.), segundo os quais deve-se partir de novas finalidades educativas e sociais de caráter revolucionário, rompendo com ideias e métodos da pedagogia burguesa. Nesse aporte educativo, a formação deve conduzir ao reconhecimento dos trabalhadores como membros de um coletivo internacional por meio da luta por uma nova ordem social, na qual não deveria haver divisão de classes. Pistrak (2018)PISTRAK, Moisey M. Fundamentos da escola do trabalho. São Paulo: Expressão Popular , 2018. aponta para um aspecto significativo que deve estar na base da escola do trabalho, qual seja, a conexão entre educação e a atualidade. Assim, a tarefa fundamental da escola seria estudar a atualidade, dominá-la, penetrá-la e criticar o passado, no sentido da luta contra esse passado, mas também de criação e ação para transformação do presente com vistas ao futuro.

O tema da atualidade também foi o fulcro da tese defendida por Paulo Freire (2012FREIRE, Paulo. Educação e atualidade brasileira . São Paulo: Cortez , 2012.) com base em trabalhos desenvolvidos com grupos de operários no Sesi, em um de seus primeiros escritos. Nele, o autor enfatizou o estudo da atualidade tomando por base problemas comuns relacionados à vida operária, seu trabalho, bairro e cidade por meio, principalmente, do diálogo e da participação social, de modo que os operários se tornassem responsáveis pelos rumos da história. A acepção de responsabilidade no autor (Freire, 2012FREIRE, Paulo. Educação e atualidade brasileira . São Paulo: Cortez , 2012.) aparece como um dado existencial que acontece no plano vivencial e político. Trata-se de uma responsabilidade que faz o trabalhador assumir o papel ativo e comprometido com as mudanças sociais.

A questão de fundo na experiência de Bissau não está apenas em substituir um velho programa adequado aos interesses do colonizador por um novo, mas em estabelecer a coerência entre a sociedade que se encontra em processo de reconstrução revolucionária e a educação como um todo que a ela deve servir. Parece correto afirmar que Freire (1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.), por meio dos relatos das cartas guineenses, formulou as bases de uma pedagogia do trabalho que colocava em prática um método de conhecer antagônico ao da educação colonial, em consonância com os preceitos da pedagogia socialista à luz dos interesses da classe trabalhadora.

Formação de trabalhadores: a unidade entre prática e teoria

Freire (1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.) insistia que o método para formação de trabalhadores deveria se basear, em especial, na análise da prática e na unidade dialética entre ensinar e aprender. Ao lado da indispensável formação científica, deve-se desenvolver a solidariedade, a responsabilidade social, o gosto pelo trabalho livre e socialmente necessário, a camaradagem autêntica e não competição e individualismo.

O objetivo real do novo sistema é eliminar o que resta do sistema colonial: criar um novo trabalhador consciente de suas responsabilidades históricas e da sua participação efetiva e criadora nas transformações sociais. Nos termos de Freire (1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.):

Esperamos concretizar este desejo através do conhecimento cada vez mais real das necessidades concretas do país, da definição de nosso projeto de desenvolvimento e do próprio trabalho realizado com as instituições escolares, através de discussões nos órgãos coletivos. Discussões não só quanto a aspectos técnicos, mas também quanto às próprias necessidades da vida. (Freire, 1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978., p. 49)

A unidade entre prática e teoria coloca, assim, a unidade entre a escola, qualquer que seja seu nível, como contexto teórico, e a atividade produtiva, como dimensão do contexto concreto. Um trabalho como esse, fundado sempre na prática de pensar a prática, proporcionaria o surgimento de verdadeiros centros de estudos ou círculos de cultura que, embora girando em torno de um tema central - agricultura e saúde, por exemplo -, desenvolveriam análises globais deles. Tais centros ou círculos iriam se convertendo pouco a pouco, em função mesma de trabalho sistematizador do conhecimento, em permanente processo de aprofundamento, “em futuras unidades universitárias, mas de universidades que nasceriam das classes trabalhadoras e com elas, não sobre elas” (Freire, 1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978., p. 29). Complementarmente, lembremos que Marx (2004MARX, Karl. Crítica ao programa de Gotha. In: ANTUNES, Ricardo (org.). A dialética do trabalho: escritos de Marx e Engels. São Paulo: Expressão Popular , 2004. p. 125-153.), ao formular a “Crítica ao programa de Gotha”, defende, de forma categórica, a ideia de que as escolas, inclusive as do ciclo primário de educação, deveriam estar, invariavelmente, conectadas às escolas técnicas de modo a logo se efetuar a relação teoria-prática.

Observa-se a inversão, claramente intencional, que Freire (1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.) realiza no texto das cartas quanto ao uso da expressão “unidade entre prática e teoria”, e não mais “unidade teoria e prática”. Embora Freire reconheça que se trata de uma relação dialética, interpreta-se a precedência da prática e da análise dos problemas concretos advindos no processo de formação de trabalhadores. Ademais, deve-se ter claro que o sentido de prática-teoria em Freire se estende às ações políticas de caráter ideológico e transformador, ou seja, constitui-se como práxis política e social.

Freire engajou-se em outros processos de implantação das campanhas de alfabetização de adultos e de trabalhadores em outros países no decurso dos processos de libertação colonial, como na Nicarágua, em 1979 (Freire e Macedo, 2021FREIRE, Paulo; MACEDO, Donaldo. Alfabetização: leitura do mundo, leitura da palavra. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 2021.; Freire e Faundez, 2017FREIRE, Paulo; FAUNDEZ, Antonio. Por uma pedagogia da pergunta. São Paulo: Paz e Terra, 2017.). A revolução popular sandinista, como ficou conhecida, possibilitou reflexão sobre o imperativo revolucionário educativo de caráter histórico e democrático. Freire colaborou tanto com o governo revolucionário da Nicarágua quanto com o de Granada, ambos na América Central (Torres, 2007TORRES, Rosa M. Los múltiples Paulos Freire. Revista Interamericana de Educación de Adultos, Pátzcuaro, México, v. 29, p. 119-124, 2007. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/4575/457545100006.pdf . Acesso em: 27 ago. 2021.
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). Ganha destaque na experiência nicaraguense a tese pedagógica de Freire e Macedo (2021)FREIRE, Paulo; MACEDO, Donaldo. Alfabetização: leitura do mundo, leitura da palavra. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 2021. de que as sociedades em processo revolucionário desempenham um papel extraordinário no tocante à leitura crítica do mundo e da realidade e, principalmente, à possibilidade de reinvenção estrutural da educação, em especial da educação de adultos e de trabalhadores. Assim, coloca-se em curso uma simbiose entre a revolução política e social e a revolução educacional e cultural (Freire e Faundez, 2017FREIRE, Paulo; FAUNDEZ, Antonio. Por uma pedagogia da pergunta. São Paulo: Paz e Terra, 2017.). Na transição da antiga sociedade para a nova, (res)significada pela revolução, se trava um combate que é fundamental para a própria caminhada da libertação do povo, pois a busca pela superação da situação opressora é permanente, bem como a luta para se manterem vivos os ideais da revolução (Freire, 2014FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 2014.).

Para Freire e Macedo (2021FREIRE, Paulo; MACEDO, Donaldo. Alfabetização: leitura do mundo, leitura da palavra. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 2021.), existe uma relação orgânica entre alfabetização de adultos trabalhadores e emancipação social, haja vista que o processo de alfabetização conduz a uma série de mecanismos políticos deflagradores que devem ser ativados para a transformação indispensável de uma sociedade cuja realidade injusta destrói e oprime a maior parte do povo. Os autores afirmam ainda que “não há experiência pedagógica que não seja política pela própria natureza” (Freire e Macedo, 2021FREIRE, Paulo; MACEDO, Donaldo. Alfabetização: leitura do mundo, leitura da palavra. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 2021., p. 133). Nesse prisma, a escola jamais se define como uma instituição burocraticamente responsável pela transferência de um saber seleto, tampouco se define como um ‘mercado’ de conhecimento. Com a superação das dicotomias, a escola como “mercado de conhecimento” cede seu lugar à escola como “Centro Democrático” (Freire e Macedo, 2021FREIRE, Paulo; MACEDO, Donaldo. Alfabetização: leitura do mundo, leitura da palavra. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 2021., p. 127).

Um exemplo recorrente usado por Freire na consolidação prática da formação de trabalhadores em conciliação com o sistema coletivo de trabalho em Bissau foi, precisamente, a construção do sistema de cooperativa de produção, em estreita colaboração com o Comissariado de Agricultura e da Saúde (Freire, 1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.). O autor preocupava-se, intensamente, com a formação de trabalhadores para o tratamento da terra, para os trabalhos na agricultura - plantação da cana, de árvores frutíferas, do arroz. A alfabetização de adultos e de trabalhadores, como ação cultural, deve atuar em articulação com as cooperativas de produção, o que inclui a preparação de materiais específicos, como o caderno do alfabetizando, “Primeiro caderno de educação popular” (Freire, 1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978., p. 81), sob a denominação de “Nô Pintcha” (expressão procedente do crioulo guineense, língua nativa). É válido sublinhar o aspecto da participação dos alfabetizandos na organização dos materiais. A grande maioria dos textos resultou de gravações dos debates realizados nos Círculos de Cultura. O trabalho da equipe responsável foi o de editar numa linguagem que não se distanciasse demasiado da dos alfabetizandos.

Vale registrar a influência, inegável, da experiência da revolução cubana e seu ideário no trabalho de Paulo Freire. Embora Freire tenha ido a Cuba, pela primeira vez, somente no início da década de 1980, em visita organizada pelo Ministério da Educação daquele país (Torres, 2007TORRES, Rosa M. Los múltiples Paulos Freire. Revista Interamericana de Educación de Adultos, Pátzcuaro, México, v. 29, p. 119-124, 2007. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/4575/457545100006.pdf . Acesso em: 27 ago. 2021.
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), é possível afirmar que no contexto revolucionário da década de 1950, no ápice da chamada Guerra Fria, Rússia e China, dentre outros países afinados com o igualitarismo socialista, serviam como fontes de inspiração para as esquerdas da América Latina. É precisamente ao longo da Pedagogia do oprimido (Freire, 2014FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 2014.) que se observa o entusiasmo contagiante pelos processos revolucionários daquele momento da história, sobretudo por Cuba e pela guerrilha em curso na Bolívia e a pedagogia que emerge da própria luta (Souza e Mendonça, 2019SOUZA, Katia R.; MENDONÇA, André L. O. A atualidade da ‘pedagogia do oprimido’ nos seus 50 anos: a pedagogia da revolução de Paulo Freire. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 1-12, 2019. DOI: 10.1590/1981-7746-sol00188. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/WTSyGbbmypqL7PWfVDKtYvm/?lang=pt . Acesso em: 1 set. 2021.
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).

Em que pesem as diferenças de contexto político e social entre Brasil e Cuba no período da revolução cubana, é correto afirmar, com Feitosa (2011FEITOSA, Sônia C. S. F. Método Paulo Freire: a reinvenção de um legado. Brasília: Liber Livro Editora, 2011.), que o processo de alfabetização em Cuba, naquele momento da história, serviu de referência ao método Paulo Freire. Em Cuba, a educação efetuava-se como instrumento de consolidação do projeto revolucionário, e seu processo e produtos foram se disseminando para a concepção de materiais de alfabetização em outros países, como no Movimento de Cultura Popular (MCP) liderado por Freire no Nordeste brasileiro, no final dos anos 1950. Feitosa (2011)FEITOSA, Sônia C. S. F. Método Paulo Freire: a reinvenção de um legado. Brasília: Liber Livro Editora, 2011. realçou as semelhanças dos materiais empregados no Brasil e em Cuba. No Brasil, sob a denominação de ‘livro de leituras para adultos’, os cadernos de alfabetização foram projetados por educadores que conheciam a experiência cubana. Representavam a materialização da luta contra o analfabetismo e pela libertação política do povo. Constata-se que a palavra ‘trabalho’ integra o repertório das palavras-chave em ambas as cartilhas como tema gerador e refere-se, textualmente, ao direito dos trabalhadores em ter acesso à educação e à cultura. Dentre os valores socialistas disseminados pelo mundo para a construção de uma nova sociedade, certamente a constituição de uma inteligência coletiva por meio de processos formativos emancipadores da classe trabalhadora figura como um postulado e ponto de destaque nas obras de Paulo Freire (1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978., 2014FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 2014.).

Educação, produção e saúde

Um aspecto importante que sobressai nas cartas guineenses é, precisamente, a relação entre alfabetização, produção e saúde. Essa tríade temática não seria retomada em nenhuma outra obra de Paulo Freire de forma tão direta e reflexiva. Do diálogo mantido entre o autor e o Comissariado de Saúde, destacaram-se alguns aspectos como a política pública a ser desenvolvida junto à população, tendo ênfase a medicina preventiva e a prática de educação sanitária. Freire (1978) FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.chamava a atenção para a importância estratégica dos comitês locais em atividades de educação sanitária, como a promoção de reuniões de estudo em que se discutiam e problematizavam aspectos ‘mágicos’ comumente adotados pela população para a explicação de fatos ligados à saúde. Trata-se de um processo pedagógico que demanda a interface com a ciência e se prolonga em debates de ordem política. Os seminários em torno da educação sanitária deveriam vincular a análise da saúde à compreensão crítica das relações sociais de produção. Em todas as ações, porém, jamais se prescinde da estreita intimidade com os comitês políticos locais (Freire, 1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.). Dessa forma, a experiência existencial da população, como um todo de que a atividade produtiva é uma dimensão central, se constitui como a matriz de todo o ‘quefazer educativo’ de trabalhadores.

Importa considerar que tanto na experiência de Bissau quanto em experiências anteriores, especialmente com trabalhadores do Sesi no Brasil, Freire preconizava formas de educação como ação social e solidariedade comunitária, por meio de reuniões com grupos, nos bairros de residência dos trabalhadores para debate sobre questões locais e problemas comuns, envolvendo moradores, famílias e escolas (Freire, P., 2012GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. v. 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.).

No relato sobre saúde, importa considerar a perspectiva antropológica adotada pela pedagogia freiriana em relação à realidade vivenciada pelas populações locais. Freire (1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.) sugere procedimentos de investigação da realidade ao Comissariado de Saúde e sua equipe, semelhantes à abordagem etnográfica, tais como: anotações (tal qual registros em diário de campo) e o uso de recursos como registros por fotografias, de modo que se sistematizem aspectos da vida em comunidades, como a observação da situação das ruas do bairro, pontos de encontro em que as pessoas conversam, a maneira como as crianças brincam nas ruas; e um sem-número de dados que sirvam de bases ao debate coletivo, como aqueles a serem realizados nos Círculos de Cultura. Convergente com essa acepção, Brandão (2003BRANDÃO, Carlos R. Pergunta a várias mãos: a experiência da pesquisa no trabalho do educador. São Paulo: Cortez, 2003.), parceiro e contemporâneo de Paulo Freire, ressaltou a importância do olhar etnográfico e da imersão dos sujeitos para ouvir histórias, visões de vida e do mundo, e principalmente do diálogo como fundamento de qualquer interação humana educativa.

Desse modo, em lugar de começar com Círculos de Cultura para a alfabetização, começava-se discutindo com grupos de pessoas do bairro aspectos concretos de suas ruas e a possibilidade de, em uma forma de trabalho baseado na ajuda mútua, resolver pequenos problemas locais. Ao se discutir, por exemplo, a viabilidade de se juntarem esforços no sentido de aterrar depressões do terreno em que as águas da chuva se acumulam e se estagnam, possibilitando a proliferação de mosquitos, pode-se debater uma série de ângulos no campo da saúde. E não só isso, mas discutir também a significação do trabalho cooperativo, da colaboração e da unidade para reconstrução nacional (Freire, 1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.). Freire (2014)FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 2014. defendia a ideia de que em lugar da prescrição de comportamentos a serem adotados, atividade hegemônica no âmbito das práticas da saúde, deveria se investir em ações dialógicas formativas com a população.

Vale destacar que Freire (1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.) defendia a ideia de que o debate em torno de problemas sanitários de Bissau conduziria à criação de um subcomitê de medicina preventiva, com o aperfeiçoamento dos ‘curandeiros’ e das ‘comadres’ - doutores populares - que, de forma participativa, em colaboração com o Comissariado de Saúde, poderiam prestar um inestimável serviço à população. Vasconcelos, Vasconcelos e Silva (2015VASCONCELOS, Eymard M.; VASCONCELOS, Marcos O. D.; SILVA, Marísia O. A contribuição da educação popular para a reorientação das práticas e da política de saúde no Brasil. Revista FAEEBA, Salvador, v. 24, p. 89-106, 2015. Disponível em: http://www.edpopsus.epsjv.fiocruz.br/sites/default/files/texto-2-1-artigo-eymard.pdf . Acesso em: 15 set. 2021.
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) destacam a importância de Paulo Freire na sistematização teórica da educação popular como estratégia metodológica de superação do fosso que separa os serviços de saúde dos problemas da vida cotidiana da população. Segundo os autores, parece imutável o desconhecimento de governos e profissionais de saúde a respeito das dinâmicas comunitárias e resistências populares para enfrentamento dos problemas de saúde. Assim, deveria se investir no esforço de compreender os saberes e as ações da população diante dos desafios apresentados para a defesa da saúde.

Na experiência em São Tomé e Príncipe, que segundo Freire foi uma das melhores experiências na África de que participou juntamente com Elsa (sua então companheira e também educadora popular), eles visitaram uma área para apreender o universo vocabular mínimo e para seleção de palavras geradoras por meio dos círculos de cultura locais para alfabetização de adultos e de trabalhadores. Um dos participantes, que trabalhava no Ministério da Saúde como agente popular de saúde, apresentou a palavra geradora ‘saúde’. Durante a dramatização, o diálogo e a problematização em torno da alimentação do povo para chegar à palavra saúde permitiram que o grupo de alfabetizandos expressasse a relação entre ovo-leite e perda de saúde. Chegou-se à crítica segundo a qual a crença no mal que o ovo e o leite podiam causar tinha explicação no interesse do colonizador em preservar os ovos para ele. O colonizado vendia os ovos a preços absolutamente baixos ao colonizador. No fundo, numa educação como essa, o que se pretende é o exercício de uma reflexão crítica, aprofundando-se cada vez mais na maneira espontânea como os seres humanos ‘se movem’ no seu mundo. É tomar a quotidianidade mesma em que se encontram como objeto de sua análise, alcançando assim, pouco a pouco e na continuidade da prática, a razão de ser da própria maneira como estão sendo no mundo (Freire, 1978).

O novo intelectual coletivo

Uma das teses que sobressaem e se repetem nas cartas guineenses consiste na necessidade da formação de novos tipos de trabalhadores e de intelectuais que realizem a unidade entre o trabalho manual e o trabalho intelectual para a consecução da sociedade do trabalho. Essa passagem para uma nova organização estrutural da sociedade não é tarefa fácil, reconhece Freire (1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.). Verificaram-se resistências de estudantes que não se podiam conceber usando suas mãos em trabalhos considerados como subalternos. Não se tratava de impor a todos os estudantes do Liceu de Bissau sua participação no trabalho produtivo, mas de convencê-los do valor formador do trabalho. O que se impunha no momento era a busca da adesão da juventude ao esforço de reinvenção de sua sociedade, para o que a unidade entre trabalho e estudo se faz indispensável. A incorporação desses jovens à população local apresenta a eles o problema de sua ‘morte’ como intelectuais formados à distância da prática produtiva, e à população a aceitação deles como verdadeiros camaradas (Freire, 1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.).

Enquanto a educação colonial tinha como um de seus principais objetivos, ao lado da ‘desafricanização’ dos nacionais, a preparação de quadros subalternos para a administração, após a libertação torna-se importante a formação do homem novo e da mulher nova. “E não é com o que a sociedade em reconstrução herdou do colonizador que ela poderá cumprir esta fundamental tarefa” (Freire, 1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978., p. 125). Para Freire (1978)FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978., a questão referente à capacitação dos educadores militantes é ponto capital. Num tal projeto, os educadores militantes devem participar da atividade produtiva tanto quanto os habitantes da área, o que vale dizer que devem se tornar habitantes da área também.

O tema da formação de intelectuais coletivos é convergente com a acepção de formação de intelectuais orgânicos da classe trabalhadora em Gramsci (2006GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. v. 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.). O ponto que se quer destacar nessa perspectiva consiste na tese de que, diferente de um intelectual em sua forma tradicional, para Gramsci (2006GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. v. 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006., p. 53) o modo de ser do novo intelectual consiste na sua atividade como “persuasor permanente”, com inserção ativa na vida prática, como construtor e organizador para uma nova sociedade. Gramsci propõe que trabalhadores exerçam atividades intelectuais, como especialistas na sua própria atividade de trabalho e como “filósofos” com uma concepção própria de mundo, mas também como agentes políticos e “dirigentes”, trabalhadores aptos a governarem.

Há de se ressaltar aquele que foi símbolo da luta política pela libertação de Bissau e Cabo Verde, o líder político Amílcar Cabral. Freire (1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.) dedicou o livro Cartas à Guiné-Bissau a ele, retratando-o como “educador-educando do seu povo” (Freire, 1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978., p. 7). Para Freire (2017)FREIRE, Paulo; FAUNDEZ, Antonio. Por uma pedagogia da pergunta. São Paulo: Paz e Terra, 2017., Amílcar Cabral foi um pedagogo da revolução, intelectual e ativista que conduziu à emancipação político-social de Bissau por meio da luta pela libertação cotidiana (Vittoria, 2011VITTORIA, Paolo. Narrando Paulo Freire: por uma pedagogia do diálogo. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2011.). Como líder revolucionário, pagou com a própria vida sua militância política. Foi assassinado pelos agentes da colonização em janeiro de 1973, um ano antes da chegada de Freire à África. No entender de Cabral, para se desempenhar um papel na luta pela libertação, é preciso se reconhecer na condição de “trabalhador revolucionário, inteiramente identificado com as aspirações mais profundas do povo a que pertence” (Cabral apud Freire, 2017FREIRE, Paulo; FAUNDEZ, Antonio. Por uma pedagogia da pergunta. São Paulo: Paz e Terra, 2017., p. 128).

Embora Freire (1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.) reconhecesse a necessidade de capacitação rápida de um grande número de trabalhadores como educadores militantes no processo pós-revolucionário, também afirmava de forma categórica a importância da dedicação de tempo à capacitação mais demorada de trabalhadores para que se tornassem educadores e intelectuais coletivos autênticos de seus camaradas.

Nesse ponto, cabe recuperarmos uma antiga questão formulada por Marx e Engels (1986MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã (Feuerbach). São Paulo: Hucitec, 1986. ), mais precisamente na terceira tese sobre Feuerbach, segundo a qual torna-se imperativa a educação do educador para que se efetuem, permanentemente, a práxis revolucionária e a transformação social. Essa tese é mencionada por Freire (1988FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1988.) na experiência de formação de técnicos e camponeses chilenos ante os desafios da reforma agrária naquele país durante o governo Allende. Nessa perspectiva, a educação, para ser libertadora, deve perseguir o aprofundamento da leitura da realidade pela ação de homens e mulheres no mundo “enquanto agem, enquanto trabalham” (Freire, 1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978., p. 76).

Convém lembrar, complementarmente, a expressão “trabalhador social” empregada por Freire (2015FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 2015.) para designar o educador engajado com atribuição de atuar na mudança da estrutura social, aquele que “não teme a liberdade, não prescreve, não manipula” (Freire, 2015FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 2015., p. 61). A práxis social do educador é militante, e a relação educador e educandos é solidária; eles se iluminam mutuamente para busca e afirmação constante pela libertação e emancipação social. Assim, “na medida em que se transforma a educação pode também ser força de transformação” (Freire, 1988FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1988., p. 84).

Pedagogia da luta e descolonização das mentalidades

Salta aos olhos nos relatos das cartas de Bissau o processo pedagógico gerado no processo de luta popular. Trata-se de uma rica narrativa acerca do que a luta ensinou, “do engajamento em que ela implica; da vigilância que ela demanda” para seu êxito (Freire, 1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978., p. 37). Ganham destaque elementos como militância junto ao povo, sobreviver durante a revolução e não somente vencer o inimigo e, principalmente, lutar para a reconstrução nacional.

Por certo, Freire (1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.), ao implantar o programa de alfabetização de adultos em Guiné-Bissau, buscava fortalecer também o vínculo, estreito, entre alfabetização e consciência política das massas populares. Ele assegurava que o analfabetismo existente entre militantes e participantes do processo revolucionário em Bissau era de cunho linguístico e não político. Do ponto de vista político, esses militantes eram altamente “letrados”, ao contrário de muitos letrados, que são politicamente “analfabetos” (Freire, 1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978., p. 167). Ademais, nos relatos das cartas, os acampamentos de luta estão descritos como verdadeiros contextos de debates teóricos.

Cabe registrar que Freire recebeu duras críticas no que diz respeito a uma falta de êxito em consolidar a alfabetização em Guiné-Bissau. Em sua defesa, relatou o debate polêmico que travou junto ao Comissariado de Educação. Ele defendia a ideia de que não deveriam adotar a língua oficial do colonizador, o português, para a alfabetização da população, mas sim o crioulo, língua nativa predominante. Para Freire e Macedo (2021FREIRE, Paulo; MACEDO, Donaldo. Alfabetização: leitura do mundo, leitura da palavra. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 2021., p. 134), seria impossível “reafricanizar” o povo utilizando a língua que o “desafricanizou”. Não obstante, por questões políticas, a língua portuguesa foi adotada por parte do governo revolucionário como forma de unificação e conciliação entre os diferentes grupos linguísticos e étnicos rivais de Bissau. Segundo Freire e Macedo (2021FREIRE, Paulo; MACEDO, Donaldo. Alfabetização: leitura do mundo, leitura da palavra. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 2021.), a descolonização das mentes é muito mais difícil de executar do que a expulsão física do colonizador. Os fatores políticos e ideológicos subjacentes à questão da língua consistem em uma resistência à reafricanização. A língua portuguesa foi um dos modelos impostos pela estrutura colonial durante séculos de opressão. Portanto, para Freire e Macedo (2021FREIRE, Paulo; MACEDO, Donaldo. Alfabetização: leitura do mundo, leitura da palavra. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 2021.), existe uma África para a qual a língua portuguesa foi imposta em detrimento das línguas nacionais.

As discussões em torno da alfabetização de adultos envolviam o debate sobre o sistema educacional como herança colonial. A escola colonial caracteriza-se por ser antidemocrática, divorciada da realidade do país, uma escola de poucos para poucos e contra as grandes maiorias. Era preciso que os estudantes, prioritariamente, resgatassem a sua história, a história da resistência de seu povo ao invasor, a da luta por sua libertação que lhe devolveu o direito de fazer sua história e não a história dos dominadores. “Só os colonizadores têm história, pois que a dos colonizados começa com a chegada ou com a presença ‘civilizatória’ daqueles” (Freire, 1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978., p. 145).

Freire e Faundez (2017FREIRE, Paulo; FAUNDEZ, Antonio. Por uma pedagogia da pergunta. São Paulo: Paz e Terra, 2017., p. 151) salientaram a “ideologia autoritária da ‘branquitude’, segundo a qual quem sabe é o centro, a ‘periferia’ nunca sabe; quem determina é o centro, a periferia é determinada”. Nessa ótica de interpretação, Franz Fanon (2021FANON, Franz. Por uma revolução africana: textos políticos. Rio de Janeiro: Zahar, 2021.), importante referência nas obras de Freire (1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978., 2014FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 2014.), afirma que em sociedades coloniais o panorama social é desestruturado, os valores são desprezados e a cultura das populações autóctones é esmagada pela carga de opressão dos colonizadores.

De acordo com Freire (2015FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 2015., p. 86), a transformação revolucionária das bases materiais da sociedade implica também uma forma de ação cultural: “Ação cultural através da qual se enfrenta, culturalmente, a cultura dominante. Os oprimidos precisam expulsar os opressores não apenas enquanto presença física, mas também enquanto sombras míticas, introjetadas neles”.

Considerações finais

Retornando à pergunta inicial do texto: e revolução gera flores? Interpreta-se que a experiência de Freire em Guiné-Bissau, naquele momento uma sociedade em processo revolucionário, fez florescer o livro Cartas à Guiné-Bissau, que pode servir de base à reestruturação de sistemas educacionais de caráter crítico. Na obra, ganham destaque notas alusivas a uma pedagogia do trabalho convergente com o aporte pedagógico socialista. Ademais, flores são conhecidos símbolos de processos revolucionários, tal qual as flores vermelhas personificaram o processo da revolução bolchevique de 1917 (Branco, 2020BRANCO, Sergio D. Nas flores vermelhas: três estudos sobre a Revolução de Outubro e o cinema. Estudos do Século XX, Coimbra, n. 20, p. 65-82, 2020. DOI: 10.14195/1647-8622_20_3. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/348117150_Nas_Flores_Vermelhas_Tres_Estudos_sobre_a_Revolucao_de_Outubro_e_o_Cinema . Acesso em: 26 ago. 2021.
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) e os cravos em relação à revolução dos cravos em Portugal, no ano de 1974, que teve como um dos objetivos, precisamente, protestar contra a guerra colonial na África, que já estava ganha pelos movimentos guerrilheiros de esquerda daqueles países (Secco, 2004SECCO, Lincoln. Trinta anos da Revolução dos Cravos. Revista Adusp, São Paulo, p. 6-12, 2004. Disponível em: https://www.adusp.org.br/files/revistas/33/r33a01.pdf . Acesso em: 26 ago. 2021.
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).

Verificou-se que Paulo Freire (1978FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978., 1988FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1988., 2012FREIRE, Paulo. Educação e atualidade brasileira . São Paulo: Cortez , 2012.) formulou as bases de uma pedagogia do trabalho que toma corpo na prática anticapitalista e anticolonial e no enfrentamento dos conflitos de classes. Aqui desenvolveu-se uma síntese das notas freirianas do livro Cartas à Guiné-Bissau por meio da análise de seis temas pedagógicos principais: educação e trabalho produtivo; a escola do trabalho; formação de trabalhadores; educação, produção e saúde; o novo intelectual coletivo; e pedagogia da luta e descolonização das mentalidades.

No fim, interpreta-se que todas as experiências de educação de adultos e de trabalhadores levadas a termo por Freire, tanto no Brasil quanto na América do Sul, na América Central e na África, buscavam, como nas suas palavras, “a solidariedade universal da classe trabalhadora” (Freire e Faundez, 2017FREIRE, Paulo; FAUNDEZ, Antonio. Por uma pedagogia da pergunta. São Paulo: Paz e Terra, 2017., p. 180) - a qual, embora esteja longe de ser concretizada, deve ser colocada nas trilhas das lutas cotidianas (necessárias) e dos sonhos possíveis.

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  • Financiamento

    Não se aplica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    17 Out 2021
  • Aceito
    27 Jan 2022
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