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Comunidade de Práticas da Atenção Básica à Saúde: memória do horizonte de uma gestão coletiva da saúde

Primary Health Care Community of Practice: collective health management horizon memory

Comunidad de Prácticas en Atención Primaria de Salud: memoria del horizonte de una gestión colectiva de salud

Resumo

A pesquisa que originou este artigo teve como objetivo identificar experiências de apoio institucional no âmbito da Atenção Primária à Saúde, para apreender como ocorrem a difusão da proposta, os limites, dificuldades e resultados que ela alcançou em distintos contextos e realidades. O mapeamento foi realizado por meio de pesquisa documental na Comunidade de Práticas da Atenção Básica, resultando na inclusão de 38 relatos de experiência. Os dados corroboram o potencial do apoio institucional para fomentar práticas e arranjos de gestão compartilhada na implementação de políticas e programas de saúde, na promoção de mudanças no processo de trabalho de equipes e na integração intra e interinstitucional. Ele é empregado como recurso para transformar indicativos normativos em relações sociais e dispositivos organizacionais no cotidiano da atenção e da gestão do Sistema Único de Saúde. Os principais desafios identificados referem-se às resistências oriundas de dinâmicas culturais e comunicacionais atinentes a concepções e práticas de gestão influenciadas pelo modelo da administração clássica, além de um conjunto de questões operacionais que incidem negativamente nos resultados alcançados. A sistematização das experiências possibilitou-nos compreender que o apoio institucional demanda habilidades de mediação complexas, que precisam ser melhor compreendidas e instrumentalizadas, principalmente no tocante à participação da comunidade.

Palavras-chave:
Atenção Primária à Saúde; gestão em saúde; organização e administração; democracia

Abstract

The research that originated this article aimed to identify experiences of institutional support within the scope of Primary Health Care, in order to understand how the proposal is disseminated, the limits, difficulties and results it has achieved in different contexts and realities. The mapping was carried out through documentary research in the Primary Care Community of Practice, resulting in the inclusion of 38 experience reports. The data corroborate the potential of institutional support to foster shared management practices and arrangements in the implementation of health policies and programs, in promoting changes in the teamwork process and in intra- and inter-institutional integration. It is used as a resource to transform normative indicators into social relations and organizational devices in the daily care and management of the Brazilian Unified Health System. The main challenges identified refer to resistance arising from cultural and communicational dynamics related to management concepts and practices influenced by the classical administration model, in addition to a set of operational issues that negatively affect the results achieved. The systematization of experiences made it possible for us to understand that institutional support demands complex mediation skills, which need to be better understood and implemented, especially with regard to community participation.

Keywords:
Primary Health Care; health management; organization and administration; democracy

Resumen

La investigación que dio origen a este artículo tuvo como objetivo identificar experiencias de apoyo institucional en el ámbito de la Atención Primaria de Salud, con el fin de comprender cómo se difunde la propuesta, los límites, las dificultades y los resultados alcanzados por esta práctica en diferentes contextos y realidades. El mapeo fue realizado a través de investigación documental en la Comunidad de Prácticas de Atención Primaria, resultando en la inclusión de 38 relatos de experiencia. Los datos corroboran el potencial del apoyo institucional para fomentar prácticas y arreglos de gestión compartida en la implementación de políticas y programas de salud, en la promoción de cambios en el proceso de trabajo en equipo y en la integración intra e interinstitucional. Se utiliza el mapeo como recurso para transformar indicadores normativos en relaciones sociales y dispositivos organizativos en el cotidiano de la atención y gestión del Sistema Único de Salud. Los principales desafíos identificados se refieren a resistencias provenientes de dinámicas culturales y comunicacionales relacionadas con conceptos y prácticas de gestión influenciadas por el modelo de administración clásica, además de un conjunto de cuestiones operacionales que inciden negativamente en los resultados obtenidos. La sistematización de las experiencias nos permitió comprender que el apoyo institucional demanda habilidades de mediación complejas, que necesitan ser mejor comprendidas y instrumentalizadas, especialmente en lo que se refiere a la participación de la comunidad.

Palabra clave:
Atención Primaria de Salud; manejo de la salud; organización y administración; democracia

Apresentação prévia

Esse artigo é resultante da pesquisa Apoio institucional na Atenção Básica em Saúde: estudo sobre democratização e gestão pública.

Introdução

O apoio institucional (AI) é um método de gestão desenvolvido no contexto da reforma sanitária brasileira, com o propósito de fortalecer os valores democráticos que fundamentam o Sistema Único de Saúde (SUS) mediante o fomento a espaços e movimentos institucionais que propiciem gestão compartilhada dos processos organizacionais. Um de seus principais objetivos é aumentar a capacidade de análise e intervenção na realidade pelos sujeitos e grupos inseridos no processo de trabalho (Campos, 2005CAMPOS, Gastão W. S. Um método para análise e cogestão de coletivos: a constituição do sujeito, a produção de valor de uso e a democracia em instituições - o método da roda. 2. ed. São Paulo: Hucitec , 2005.; Oliveira, 2011OLIVEIRA, Gustavo N. Devir apoiador: uma cartografia da função apoio. 2011. 257 f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2011.; Trindade et al., 2019TRINDADE, Letícia L. et al. Tecnologias de gestão na Atenção Primária à Saúde [recurso eletrônico]. Disponível em: Disponível em: https://www.udesc.br/arquivos/ceo/id_cpmenu/1311/Tecnologias_Gestao_Carise_Monica_15868009797589_1311.pdf . Acesso em: 14 fev. 2022. Florianópolis: CCS/UFSC, 2019.
https://www.udesc.br/arquivos/ceo/id_cpm...
). O pressuposto do AI é o reconhecimento de que a gestão se exerce entre sujeitos, mesmo com distintos saberes e recursos de poder (Campos, 2005CAMPOS, Gastão W. S. Um método para análise e cogestão de coletivos: a constituição do sujeito, a produção de valor de uso e a democracia em instituições - o método da roda. 2. ed. São Paulo: Hucitec , 2005.; Oliveira, 2011OLIVEIRA, Gustavo N. Devir apoiador: uma cartografia da função apoio. 2011. 257 f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2011.), pois envolve descentralização do poder decisório e compartilhamento de responsabilidades e atribuições gerenciais (Soares e Raupp, 2009 SOARES, Ricardo S.; RAUPP, Bárbara . Gestão compartilhada: análise e reflexões sobre o processo de implementação em uma unidade de Atenção Primária à Saúde do SUS. Revista de APS, Juiz de Fora, n. 12, p. 436-447, 2009. ; Cardoso, Oliveira e Furlan, 2016 CARDOSO, Janaina R.; OLIVEIRA, Gustavo N.; FURLAN, Paula G. Gestão democrática e práticas de apoio institucional na Atenção Primária à Saúde no Distrito Federal, Brasil. Cadernos de Saúde Pública [on-line], Rio de Janeiro, v. 32, n. 3, e00009315, 2016. DOI: 10.1590/0102-311X00009315. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/bGcsYFwTzhsCMtyshZNwPtK/?lang=pt . Acesso em: 19 out. 2021.
https://www.scielo.br/j/csp/a/bGcsYFwTzh...
).

O componente da mediação desempenha papel central nas intervenções do AI, que se propõe a realizá-la de forma democrática, o que distingue esse referencial teórico metodológico dos saberes hegemônicos no campo da administração (Machado et al., 2018 MACHADO, Sávia S. et al. Apoio institucional na ótica de gestores, apoiadores e trabalhadores: uma aproximação da realidade a partir de diferentes lugares. Interface: Comunicação, Saúde, Educação [on-line], Botucatu, v. 22, n. 66, p. 813-825, 2018. DOI: 10.1590/1807-57622016.0829.
https://doi.org/10.1590/1807-57622016.08...
). O trabalho e o exercício cotidiano de poder em relações e redes institucionais são interpretados como cenários de aprendizado, nos quais o sentido e o significado da ação sobre o mundo podem ser forjados de modo reflexivo, modificando em um mesmo processo agente e contexto. Como esclarecem Guedes, Rosa e Barros (2012GUEDES, Carla R.; ROZA, Monica M. R.; BARROS, Maria E. B. O apoio institucional na política nacional de humanização: uma experiência de transformação das práticas de produção de saúde na rede de Atenção Básica. Cadernos de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 93-101, 2012. Disponível em: Disponível em: http://www.cadernos.iesc.ufrj.br/cadernos/images/csc/2012_1/artigos/CSC_v20n1_93-101.pdf . Acesso em: 19 out. 2021.
http://www.cadernos.iesc.ufrj.br/caderno...
),

o apoio se faz buscando superar a separação entre quem planeja e quem executa, existe para dissolver essa separação, e colocar juntos na mesma arena de decisão gestores, trabalhadores, atores, usuários, para participarem da formulação, execução, avaliação, gestão democrática do serviço. (Guedes, Rosa e Barros, 2012GUEDES, Carla R.; ROZA, Monica M. R.; BARROS, Maria E. B. O apoio institucional na política nacional de humanização: uma experiência de transformação das práticas de produção de saúde na rede de Atenção Básica. Cadernos de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 93-101, 2012. Disponível em: Disponível em: http://www.cadernos.iesc.ufrj.br/cadernos/images/csc/2012_1/artigos/CSC_v20n1_93-101.pdf . Acesso em: 19 out. 2021.
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, p. 100)

As primeiras experiências de AI ocorreram em âmbito municipal, no início da década de 2000. Na gestão federal, o AI ganhou expressão a partir de 2003 com a Política Nacional de Humanização e as ações conduzidas pelo Departamento de Apoio à Descentralização, da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde (DAD/SE/MS) (Pereira Junior e Campos, 2014PEREIRA-JUNIOR, Nilton; CAMPOS, Gastão W. S. O apoio institucional no Sistema Único de Saúde (SUS): os dilemas da integração interfederativa e da cogestão. Interface: Comunicação, Saúde, Educação , Botucatu, n. 18 (supl. 1), p. 895-908, 2014. Disponível em: https://doi.org/10.590/1807-57622013.0424.
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; Pereira Junior, 2013PEREIRA-JUNIOR, Nilton. O apoio institucional no SUS: os dilemas da integração interfederativa e da cogestão. 2013. 130 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) - Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2013.). Em 2011 observamos um novo movimento, no contexto de implantação das redes de saúde prioritárias, ensejado na proposta de um apoio integrado, estratégia que articulava as diferentes secretarias do Ministério da Saúde (MS) por meio do Projeto de Formação e Melhoria da Qualidade das Redes de Saúde - QualiSUS-Rede (Pereira Junior, 2013; Oliveira et. al., 2017OLIVEIRA, Egléubia A. et al. O apoiador local como ator estratégico na implementação do QualiSUS-Rede: engenheiros de conexão? Saúde em Debate [on-line], Rio de Janeiro, v. 41, n. spe., p. 275-289, 2017. DOI: 10.1590/0103-11042017S20. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/MS6kVLr8jCPMGqLDTKYp68f/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 19 out. 2021.
https://www.scielo.br/j/sdeb/a/MS6kVLr8j...
).

No campo da Atenção Básica (AB) em Saúde, programas como o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf), em 2008, e o Programa de Melhoria do Acesso e Qualidade da Atenção Básica (PMAQ), implantado em 2011, promoveram a difusão e ampliação do recurso a essa metodologia de gestão. Em 2012, o AI ganhou relevância com a revisão da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), sendo nela apresentado como atribuição das diferentes instâncias gestoras do SUS. A revisão da política realizada em 2017 manteve tais atribuições e apresentou o apoio como uma estratégia importante para a promoção de maior autonomia, compromisso e democracia nas instituições de saúde (Brasil, 2016BRASIL. Ministério da Saúde. Memorial da IV Mostra Nacional de Experiências em Atenção Básica/Saúde da Família. Brasília: Ministério da Saúde , 2016. ).

Esse breve histórico mostra-nos que a inserção de apoiadores institucionais na implementação de políticas públicas e programas de saúde é uma experiência consolidada. Não obstante, a literatura sobre o tema concentra-se em reflexões teóricas, estudos e relatos de caso, com pouca sistematização das práticas e experiências de seu desenvolvimento, o que constitui uma lacuna na produção científica, dada a necessidade de se avaliarem o alcance e os resultados do método, em especial na Atenção Primária à Saúde (APS).

Nessa perspectiva, o estudo desenvolvido buscou identificar e analisar experiências de apoio institucional no contexto da APS no período de 2011 a 2017, para apreender como têm se dado a difusão dessa proposta, seus limites, dificuldades e resultados alcançados em distintos contextos e realidades, bem como as aprendizagens que oportuniza para consolidação da gestão compartilhada no SUS. Este texto apresenta resultados parciais da pesquisa Apoio institucional na Atenção Básica em Saúde: estudo sobre democratização e gestão pública, financiada pelo Edital Universal do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - 2014.

Pesquisa documental na Comunidade de Práticas da Atenção Básica

A identificação das experiências foi realizada via pesquisa documental na Comunidade de Práticas da Atenção Básica (CDP/AB) (novo.atencaobasica.org.br),1 1 A Comunidade de Práticas da Atenção Básica encontra-se atualmente desativada, com seu sítio eletrônico indisponível. plataforma desenvolvida pelo Ministério da Saúde que buscava apoiar a organização de comunidades virtuais entre os trabalhadores e gestores da AB das três esferas de governo. Atualmente, tal plataforma encontra-se desativada, o que fortalece a relevância do registro e da análise realizada nesta pesquisa como recurso de memória institucional, produção de conhecimento e divulgação de um conjunto amplo e diverso de práticas concretizadas nos diferentes e complexos cenários cotidianos do SUS.

Em 2014 foi realizada a 4ª Mostra Nacional de Experiências em Atenção Básica/Saúde da Família, com expressiva representação de atores e experiências dos sistemas locais de saúde, cuja inscrição ocorreu por meio da CDP/AB. O evento contou com a participação de aproximadamente sete mil pessoas, entre trabalhadores, usuários e gestores, que apresentaram 4.345 relatos de experiência. A participação na mostra incluía curadoria desses relatos, com visando à sua qualificação. Importante destacar que, após esse evento, a CDP/AB também foi utilizada em editais públicos, como o InovaSUS e outras iniciativas, de modo que no período da coleta contava com mais de oito mil relatos cadastrados. Esses aspectos tornaram a CDP/AB fonte oportuna para o objetivo de identificação das experiências de apoio institucional na Atenção Básica, considerados os critérios de presença de experiências dos três níveis de governo, com ampla capilaridade e abrangência nacional.

A busca na CDP/AB ocorreu entre agosto e dezembro de 2017, com os seguintes passos: 1) entrada no site da comunidade de práticas na categoria de relatos; 2) utilização do mecanismo de busca da plataforma, com as palavras-chave “Apoio Institucional”. Por meio desse procedimento foram encontrados 93 relatos, dos quais 38 foram selecionados, em razão do objetivo principal de o relato ser diretamente associado ao apoio institucional na Atenção Primária à Saúde, em qualquer esfera de atenção ou gestão em saúde.

Os relatos selecionados foram organizados em planilha por título da experiência; descrição sintética; data de publicação e local de realização, âmbito (local, municipal, estadual ou nacional); link para acesso; período de realização; atores/grupos apoiadores; atores/grupos apoiados; objetivos da intervenção; resultados; desafios e aprendizagens. Encontram-se citados no artigo pelas letras RE (relato de experiência) mais o código numérico que os classifica, adotado por ordem de identificação na busca efetivada (Quadro 1).

Quadro 1
Experiências de apoio institucional na Atenção Primária à Saúde incluídas na pesquisa

A segunda etapa, relativa à análise do material, foi realizada no software Atlas.ti, por meio de três categorias operacionais: 1) descrição da experiência; 2) efeitos e resultados relacionados à intervenção; 3) desafios relatados. Procedemos então a uma codificação emergente dos conteúdos dessas categorias, que nos possibilitou extrair e organizar os resultados. Tais achados foram perscrutados em sua relação com o referencial teórico metodológico do apoio institucional, em especial a produção de Gastão Wagner Souza Campos sobre o tema. Buscamos apreender de que modos tais experiências concretas incidiram na transformação da racionalidade gerencial hegemônica, conforme discutido pelo autor, considerando seus efeitos na produção de democracia institucional.

Permanência da racionalidade administrativa hegemônica na gestão em saúde

Podemos afirmar que há no campo da Saúde Coletiva certo consenso sobre os limites das práticas gerenciais hegemônicas ante os desafios enfrentados na consolidação do SUS (Campos, 1994CAMPOS, Gastão W. S. Considerações sobre a arte e a ciência da mudança: revolução das coisas e reforma das pessoas. In: CECÍLIO, Luís C. O. (org.). Inventando a mudança na saúde. São Paulo: Hucitec, 1994. p. 29-88., 2006CAMPOS, Gastão W. S. A Saúde Pública e a defesa da vida. 3. ed. São Paulo: Hucitec , 2006.; Ibañez e Vecina Neto, 2007 IBAÑEZ, Nelson; VECINA-NETO, Gonzalo. Modelos de gestão e o SUS. Ciência & Saúde Coletiva [on-line], Rio de Janeiro, v. 12 (supl.), p. 1.831-1.840, 2007. DOI: 10.1590/S1413-81232007000700006. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/8qftxM5GZwvNkVKvnv43kWw/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 19 out. 2021.
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; Paim e Teixeira, 2007PAIM, Jairnilson S.; TEIXEIRA, Carmen F. Configuração institucional e gestão do Sistema Único de Saúde: problemas e desafios. Ciência & Saúde Coletiva [on-line], Rio de Janeiro, v. 12 (supl.), p. 1.819-1.829, 2007. DOI: 10.1590/S1413-81232007000700005. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/LSrY4BhGKSRcFFxvQsYvCMd/?lang=pt . Acesso em: 19 out. 2021.
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; Trevisan, 2007TREVISAN, Leonardo. Das pressões às ousadias: o confronto entre a descentralização tutelada e a gestão em rede no SUS. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 41, n. 2, p. 237-254, 2007. DOI: https://doi.org/10.590/S0034-76122007000200004. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/rap/a/cccQMkbbLjHghYQVnTpLvhF/?lang=pt . Acesso em: 19 out. 2021.
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). Herdeiros do paradigma taylorista/fordista de gestão, em grande parte os modelos de gestão vigentes nas organizações de saúde permanecem tendo como principais características concentração de poder, verticalidade, burocratização e separação entre trabalho intelectual e manual.

A presença da racionalidade gerencial hegemônica revela que a concentração de poder permanece como o grande problema dos arranjos e práticas de gestão em saúde. Trata-se, fundamentalmente, da prerrogativa garantida aos dirigentes de construir o sentido e o significado dos processos, dos objetos e das pessoas nas organizações. O controle se revela como núcleo duro dessas práticas, a partir do qual é produzido um leque de efeitos pedagógicos, assentados, sobretudo, na objetivação do trabalhador (Campos, 2005CAMPOS, Gastão W. S. Um método para análise e cogestão de coletivos: a constituição do sujeito, a produção de valor de uso e a democracia em instituições - o método da roda. 2. ed. São Paulo: Hucitec , 2005.). Concentração de poder, autoridade e obediência são efeitos produtivos das estruturas hierárquicas das instituições de saúde - já que produzidos por essas hierarquias e produtores delas, fenômeno cuja transversalidade é por si só enunciativa, constituindo um padrão de dominação presente em instituições tanto públicas como privadas.

A busca por obediência e docilidade, a compressão de interesses e desejos, em suma, a tentativa de ampliar ao máximo a adaptação semipassiva do trabalhador ao contexto seriam dimensões produtivas essenciais da forma como o trabalho é organizado na racionalidade gerencial hegemônica. Contudo, como diferentes autores sinalizaram, a autonomia é elemento fundamental ao trabalho, não podendo ser de fato suprimida, mas regulada (Dejours, 2004DEJOURS, Christophe. Addendum: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. In: LANCMAN, Selma; SZNELWAR, Laerte I. (orgs.). Christophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004. p. 47-103.; Schwartz e Durrive, 2007 SCHWARTZ, Yves; DURRIVE, Louis (orgs.). Trabalho e ergologia: conversas sobre a atividade humana. Niterói: Eduff, 2007.). A exclusão dos trabalhadores dos âmbitos formais de poder é condição para isso, por forjar o sistema hierárquico que torna viável tais processos de objetivação. Mais do que extrair, os métodos autoritários de gestão impedem ganhos de autonomia, transformando a alienação formal (a não propriedade dos meios de produção) em alienação real (Campos, 2005CAMPOS, Gastão W. S. Um método para análise e cogestão de coletivos: a constituição do sujeito, a produção de valor de uso e a democracia em instituições - o método da roda. 2. ed. São Paulo: Hucitec , 2005.).

No campo da Saúde Coletiva, diferentes autores têm discutido a relação entre poder, subjetividade e gestão, bem como as dimensões comunicacionais necessárias à transformação dos modelos de gestão. A esse respeito, tendo como referência a psicossociologia francesa, Azevedo, Braga Neto e Sá (2002 AZEVEDO, Creuza S.; BRAGA NETO, Francisco C.; SÁ, Marilene C. Indivíduo e a mudança nas organizações de saúde: contribuições da psicossociologia. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, p. 235-247, 2002. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2002000100024. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/kBKthF9NHwK9jNfdLbLyMTB/abstract/?lang=pt . Acesso em: 19 out. 2021.
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) desenvolveram uma interessante análise sobre a fragilidade inerente ao governo dos processos sociais, questionando a perspectiva racionalista que, embora reconheça a complexidade da dinâmica sociopolítica nas interações humanas, limita o problema à dimensão consciente do comportamento humano. Para os autores, é fundamental incluir nesse debate os processos intersubjetivos e inconscientes que intervêm no trabalho gerencial e no trabalho em saúde, o que implica compreender as organizações como sistemas culturais, simbólicos e imaginários. Destacamos também a contribuição de Uribe (2001URIBE, Francisco J. Reflexões sobre a subjetividade na gestão a partir do paradigma da organização que aprende. Ciência & Saúde Coletiva [on-line], Rio de Janeiro, v. 6, n. 1, p. 209-219, 2001. DOI: https://doi.org/10.1590/S1413-81232001000100017. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/KbbMbmD8GKpPvwd7Nnhs6gb/abstract/?lang=pt . Acesso em: 19 out. 2021.
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), que valoriza a temática da cultura e do aprendizado organizacional como socialização de saberes que dependem de processos comunicacionais.

Ao apresentar nesses termos a questão da racionalidade administrativa hegemônica, podemos justificar a importância de analisar o processo de implementação do apoio institucional no contexto da Atenção Primária à Saúde em razão dos objetivos de justiça social que sustentam o ideário do movimento sanitário no contexto brasileiro.

Panorama das experiências de apoio institucional na Atenção Básica

Em relação ao âmbito de gestão das experiências, 12 concerniam a relatos de abrangência estadual, 12 tinham caráter municipal, dez apresentavam características de escopo local e quatro nacionais, nestas sendo incluídas as ações do Executivo federal. A grande quantidade de experiências estaduais revela que o AI tem sido, de fato, acessado como um recurso de construção e intervenção nas relações federativas, como foi característico no movimento de sua adoção na gestão federal (Pereira Junior, 2013). Isso porque, em geral, as experiências de AI nesse âmbito envolvem intensivamente a relação com múltiplos municípios, com atributos de acompanhamento, apoio técnico operacional e mediações em relação à gestão federal.

Nos relatos de âmbito estadual, prepondera a relação direta com municípios (quatro), seguida de intervenções direcionadas a grupos de cidades ou regiões de saúde (três). Encontramos duas experiências de AI relacionadas a outros setores e departamentos das secretarias estaduais de Saúde, uma delas para fomentar a integração da Atenção Primária com o sistema de saúde prisional e outra para subsidiar sua articulação com a vigilância em saúde. Destacam-se, ainda, dois relatos de apoio à implementação de programas estratégicos que não envolviam diretamente outros entes federados - um deles tratando da elaboração de Plano Estadual de AI à Atenção Básica, e outro voltado para o AI no Acolhimento Político-Pedagógico aos Profissionais do Programa Mais Médicos (PMM). Por fim, um relato abordava a experiência da Fundação Estatal de Saúde da Família, do estado da Bahia, que adota o AI como modelo de gestão na relação com os 36 municípios contratualizados na época.

No âmbito municipal, a grande maioria dos relatos (dez) tratava da relação da gestão com as equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF), sendo apenas duas voltadas para regiões administrativas específicas, na cidade de São Paulo. Nesse âmbito sobressaem as experiências relacionadas ao PMAQ (dez), grande parte delas implementada para fomentar a adesão das equipes e apoiar o processo de autoavaliação (sete), das quais apenas duas incluíam equipes sem adesão ao programa, com a perspectiva de ampliar a participação no ciclo seguinte. As restantes aconteceram em decorrência de demandas das próprias equipes, em razão dos resultados avaliativos alcançados no programa. Esses dados ressaltam a relevância que o PMAQ teve na capilarização do método no cenário nacional, em sua relação com a implementação de políticas e programas de saúde.

No tocante às experiências de caráter local (dez), cinco delas foram direcionadas a equipes de ESF, duas das quais com foco em agentes comunitários de saúde, visando trabalhar as relações interpessoais e as ações de promoção da saúde na comunidade. Outras duas envolveram ações interinstitucionais entre universidades, apoiadores municipais e serviços de saúde; e duas derivaram de projetos de pesquisa e extensão de universidades. Nesse grupo encontramos experiência singular, de movimento estudantil na saúde, que buscou utilizar o método como estratégia para formação de outro coletivo estudantil, em município vizinho (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição dos relatos por região e âmbito de gestão

Características das intervenções de apoio institucional na AB

As experiências relatadas apresentaram diretrizes convergentes com o referencial metodológico do apoio institucional. Observamos que o aperfeiçoamento da gestão e da qualidade da Atenção Primária surge como uma das principais preocupações na escolha do método. Os textos analisados nos mostram que esse movimento em grande medida foi ancorado em conhecimentos consolidados no campo da Saúde Coletiva, o que nos permite indicar que o AI desempenha função de mediação que subsidia a aplicação, a articulação e a difusão de tais saberes. Trindade et al. (2019TRINDADE, Letícia L. et al. Tecnologias de gestão na Atenção Primária à Saúde [recurso eletrônico]. Disponível em: Disponível em: https://www.udesc.br/arquivos/ceo/id_cpmenu/1311/Tecnologias_Gestao_Carise_Monica_15868009797589_1311.pdf . Acesso em: 14 fev. 2022. Florianópolis: CCS/UFSC, 2019.
https://www.udesc.br/arquivos/ceo/id_cpm...
, p. 48) destacam esse aspecto, evidenciando o papel dos gestores na condução da metodologia e nos movimentos coletivos, compreendendo que lhes cabem a “mediação, negociação, manejo e aplicação de ferramentas e instrumentos de gestão, como o planejamento, a avaliação e o monitoramento”.

O planejamento em saúde foi utilizado em 17 casos, implicando ações como o diagnóstico de situação de saúde, elaboração de matriz de intervenção e reorganização dos serviços. O emprego de instrumentos de monitoramento, presente em cinco experiências, que não citam diretamente o planejamento, evidencia o caráter indutor do PMAQ, com foco na avaliação. Propiciar a análise de informações de saúde pelas equipes apoiadas foi um objetivo específico apontado por seis casos. Chamou-nos a atenção o fato de que apenas uma experiência contemplou a avaliação de satisfação de usuários dentre os instrumentos utilizados.

A cooperação horizontal entre atores teve papel destacado e foi evocada em propostas voltadas à problematização do processo de trabalho e à troca de experiências. Tal aspecto converge com a principal intencionalidade do método, como enfatizam Machado et al. (2018 MACHADO, Sávia S. et al. Apoio institucional na ótica de gestores, apoiadores e trabalhadores: uma aproximação da realidade a partir de diferentes lugares. Interface: Comunicação, Saúde, Educação [on-line], Botucatu, v. 22, n. 66, p. 813-825, 2018. DOI: 10.1590/1807-57622016.0829.
https://doi.org/10.1590/1807-57622016.08...
, p. 815):

A perspectiva da atuação do AI é de que o apoio deve articular os objetivos institucionais aos saberes e interesses dos usuários e trabalhadores - diferente de várias escolas de gerência que imprimem sua intervenção sobre os trabalhadores, ao não atuarem de forma interativa com eles.

As intervenções realizadas tiveram como característica marcante o fato de se organizarem de forma territorializada, quando empreendidas pelos órgãos responsáveis pela gestão do SUS (13), sendo que em três delas isso foi apresentado formalmente como modelo de gestão na construção das relações interfederativas.

Ainda no âmbito do aperfeiçoamento da gestão e da qualidade da Atenção Primária, a Educação Permanente em Saúde (EPS) foi utilizada como estratégia em 15 casos, alguns dos quais focavam conteúdos e temas que visavam ampliar a percepção e o conceito de saúde dos trabalhadores envolvidos. Esses dados indicam uma forte associação entre AI, planejamento em saúde e EPS nas intervenções, aspecto que demanda maior sistematização do ponto de vista teórico-metodológico e também operacional. Machado et al. (2018 MACHADO, Sávia S. et al. Apoio institucional na ótica de gestores, apoiadores e trabalhadores: uma aproximação da realidade a partir de diferentes lugares. Interface: Comunicação, Saúde, Educação [on-line], Botucatu, v. 22, n. 66, p. 813-825, 2018. DOI: 10.1590/1807-57622016.0829.
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) também reportaram em seu estudo a associação entre AI e EPS como estratégia para mudança dos processos de trabalhos de equipes de ESF.

Apenas um relato ter destacado o propósito de trabalhar a autonomia dos atores sugere-nos que a triangulação dessas referências foi construída com base em racionalidade instrumental, o que contrasta com aspectos estruturantes do AI, fortemente embasados no campo da ação comunicativa (Habermas, 2012 HABERMAS, Jürgen. Teoria do agir comunicativo: racionalidade da ação e racionalização social. São Paulo: Martins Fontes, 2012.). Nessa mesma direção, observamos que o componente da democracia institucional ganhou pouca expressão nos casos analisados, pois apenas sete experiências relataram a construção de espaços coletivos, com foco na gestão compartilhada.

O tema da integração foi abordado em dez relatos, que apresentaram como objetivos a articulação do trabalho interprofissional (um), aspecto caro ao trabalho em equipe na área da saúde (Peduzzi, 2009PEDUZZI, Marina. Trabalho em equipe. In: ESCOLA POLITÉCNICA DE SAÚDE JOAQUIM VENÂNCIO. Dicionário da educação profissional em saúde. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, 2009. p. 271-278.); a integração intraorganizacional (dois); interinstitucional (entre instituições com escopos diferentes de atuação) (dois); entre redes de saúde (cinco) e também intersetorial (três). De forma consoante, a integração almejada, a despeito dos diferentes objetos e objetivos de intervenção, foi buscada por meio de atividades que incidiam na circulação de informações, na articulação de ações e de modos compartilhados de compreensão dos problemas abordados, apontando para um campo de aplicação coerente com os referenciais teóricos do método. Em termos operacionais, as principais atividades de apoio desenvolvidas nas experiências foram reuniões periódicas com os grupos apoiados (12); encontros ou oficinas pontuais (12); visitas (11); e rodas de conversa (seis).

Uma questão fundamental identificada foi o desafio de colocar em prática o planejamento em saúde por meio do AI. Os relatos apontaram que as principais atividades nesse sentido foram: uso de instrumentos de monitoramento (nove), construção coletiva de agendas (cinco) e análise compartilhada de informações de saúde (seis). No que tange à interface com a qualificação dos profissionais, prepondera a abordagem de EPS, feita nas diferentes formas de encontro presencial já citadas, mas também encontramos a alternativa da realização de cursos no âmbito da educação formal (sete).

As atividades até aqui descritas demonstram, de modo geral, que encontramos a predominância de estratégias consolidadas na área de gestão em saúde. Contudo, os resultados também apontaram aspecto interessante, usualmente menos explorado na gestão pública da área, referente à mobilização de vivências como estratégia para trabalhar afetos, afecções e experiências dos sujeitos envolvidos. Essa direção foi concretizada em ambos os polos da relação de apoio, na medida em que a inserção nas atividades do grupo apoiado demonstrou possibilitar ao apoiador aproximar-se da realidade de trabalho em análise. Outras estratégias mapeadas foram: atividades de dramatização (uma), estágio estudantil de vivências no SUS (uma), grupo terapêutico (duas) e atividades de saúde do trabalhador centradas em práticas corporais (duas). Tais estratégias têm em comum a preocupação com o desenvolvimento de habilidades relacionais, compreendidas nos relatos como dimensão fundamental para mudanças nos processos de trabalho.

Efeitos e resultados relacionados à intervenção do AI

O AI foi associado com aumento da adesão a políticas e programas de saúde, particularmente o PMAQ (sete), com obtenção de resultados satisfatórios pelas equipes de ESF apoiadas. Os relatos destacam, sobretudo, que o método é eficaz na valorização e no fortalecimento do trabalho em equipe (dez), na medida em que oportuniza maior visibilidade das práticas profissionais e troca de experiências, a ampliação do diálogo e da reflexão compartilhada. Esses efeitos foram atrelados ao manejo de conflitos e melhoria de relações interpessoais, decorrentes da intervenção. Destaca-se também a percepção de maior integração e aprofundamento de relações de solidariedade e vínculo entre os profissionais de saúde.

De fato, o AI demonstra produzir efeitos tanto no plano das relações quanto na configuração organizacional, como reportado em outros estudos (Cardoso, Oliveira e Furlan, 2016 CARDOSO, Janaina R.; OLIVEIRA, Gustavo N.; FURLAN, Paula G. Gestão democrática e práticas de apoio institucional na Atenção Primária à Saúde no Distrito Federal, Brasil. Cadernos de Saúde Pública [on-line], Rio de Janeiro, v. 32, n. 3, e00009315, 2016. DOI: 10.1590/0102-311X00009315. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/bGcsYFwTzhsCMtyshZNwPtK/?lang=pt . Acesso em: 19 out. 2021.
https://www.scielo.br/j/csp/a/bGcsYFwTzh...
; Guedes, Rosa e Barros, 2012GUEDES, Carla R.; ROZA, Monica M. R.; BARROS, Maria E. B. O apoio institucional na política nacional de humanização: uma experiência de transformação das práticas de produção de saúde na rede de Atenção Básica. Cadernos de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 93-101, 2012. Disponível em: Disponível em: http://www.cadernos.iesc.ufrj.br/cadernos/images/csc/2012_1/artigos/CSC_v20n1_93-101.pdf . Acesso em: 19 out. 2021.
http://www.cadernos.iesc.ufrj.br/caderno...
; Machado et al., 2018 MACHADO, Sávia S. et al. Apoio institucional na ótica de gestores, apoiadores e trabalhadores: uma aproximação da realidade a partir de diferentes lugares. Interface: Comunicação, Saúde, Educação [on-line], Botucatu, v. 22, n. 66, p. 813-825, 2018. DOI: 10.1590/1807-57622016.0829.
https://doi.org/10.1590/1807-57622016.08...
; Reis et al., 2016REIS, Aline P. et al. Apoio institucional para gerenciamento da Atenção Básica: um relato de experiência. Revista Baiana de Saúde Pública, Salvador, v. 40, n. 2, p. 532-542, 2016. DOI: 10.22278/2318-2660.2016.v40.n2.a2112. Disponível em: Disponível em: https://rbsp.sesab.ba.gov.br/index.php/rbsp/article/view/2112 . Acesso em: 19 out. 2021.
https://rbsp.sesab.ba.gov.br/index.php/r...
). Em sete experiências, foi observado que os grupos apoiados desenvolveram maior responsabilização pelo processo de trabalho. Também foram reportadas mudanças concretas em sua organização, as quais incidiram no modelo assistencial, com a ressignificação do cuidado em saúde, em consonância a experiência de AI institucional na APS do estado de Tocantins, relatada por Ribeiro et al. (2020 RIBEIRO, Ana L. T. S. et al. Dispositivos e contribuições da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde e Política Nacional de Humanização: para o fortalecimento dos processos de trabalho de gestores e profissionais da Atenção Primária no Tocantins. Palmas: Secretaria de Estado da Saúde, 2020.). Em um desses casos houve incorporação de ações de promoção da saúde, até então pouco valorizadas e efetivadas. Outros exemplos de mudanças foram: implementação de espaços coletivos e fortalecimento dos colegiados, elaboração de protocolos para organizar o serviço e melhorar o acompanhamento dos usuários, e planejamento compartilhado entre equipes.

O fortalecimento dos vínculos entre trabalhadores demonstra ser fator importante para divisão de tarefas e atribuições, favorecendo a diminuição da sobrecarga, a resolução de conflitos e a revisão dos modos de relação instituídos. Nesse sentido, o recurso ao AI confirma ser fator positivo para a configuração de um modelo de gestão mais horizontal e solidário. Resultados semelhantes foram apontados em outras pesquisas, que evidenciaram a potencialidade do método para proporcionar maior segurança às equipes de ESF em relação à direcionalidade de seu trabalho (Machado et al., 2018 MACHADO, Sávia S. et al. Apoio institucional na ótica de gestores, apoiadores e trabalhadores: uma aproximação da realidade a partir de diferentes lugares. Interface: Comunicação, Saúde, Educação [on-line], Botucatu, v. 22, n. 66, p. 813-825, 2018. DOI: 10.1590/1807-57622016.0829.
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), assim como para viabilizar que o planejamento e a construção normativa da organização do trabalho fossem realizados de forma ascendente e participativa (Reis et al., 2016REIS, Aline P. et al. Apoio institucional para gerenciamento da Atenção Básica: um relato de experiência. Revista Baiana de Saúde Pública, Salvador, v. 40, n. 2, p. 532-542, 2016. DOI: 10.22278/2318-2660.2016.v40.n2.a2112. Disponível em: Disponível em: https://rbsp.sesab.ba.gov.br/index.php/rbsp/article/view/2112 . Acesso em: 19 out. 2021.
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). Contudo, é relevante destacar que apenas em uma experiência a relação de apoio concretizou-se também em interface com a comunidade, como fomento à ação comunitária e a participação na gestão da Atenção Primária, por meio da articulação de um conselho gestor intersetorial.

A ancoragem do AI em conhecimentos e metodologias de avaliação, planejamento e EPS mostrou-se indutora da institucionalização dessas práticas nos serviços de saúde. Os relatos de experiência abordaram avanços concretos, como a análise periódica e sistemática de indicadores e a construção de planos e matrizes de intervenção. Por sua vez, as atividades de caráter formativo desempenharam papel de fomento para novos projetos de EPS, coerentes com os desafios cotidianos do processo de trabalho das equipes da ESF.

Do ponto de vista sistêmico, os autores dos relatos apontaram o aprimoramento da dinâmica, das relações e da comunicação na rede de serviços. O conjunto desses efeitos é associado ao fortalecimento da ESF, mediante maior integração do apoio matricial e da melhoria dos indicadores de acesso e qualidade. Nesse sentido, valorizaram a importância do AI no processo de retomada da proposta de modelo assistencial da ESF. Ainda nessa direção, um conjunto de resultados encontrados remete para a intencionalidade de avançar a integração institucional do SUS, em seus diferentes âmbitos. De forma acentuada, a comunicação e a relação entre equipes da ESF e gestores do nível central municipal demonstraram ser estreitas em razão do AI, como reportado por nove relatos. A integração interna do nível central foi aperfeiçoada em outros dois casos, assim como também observamos a melhoria da comunicação entre serviços da rede de saúde. Esse aspecto converge com os resultados de pesquisa sobre os significados atribuídos pelos trabalhadores ao AI na AB em dois municípios da Bahia (Machado et al., 2018 MACHADO, Sávia S. et al. Apoio institucional na ótica de gestores, apoiadores e trabalhadores: uma aproximação da realidade a partir de diferentes lugares. Interface: Comunicação, Saúde, Educação [on-line], Botucatu, v. 22, n. 66, p. 813-825, 2018. DOI: 10.1590/1807-57622016.0829.
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), na qual os relatos colhidos destacam sua atuação, como:

[...] “ponte”, “mediador”, “pessoa que fica entre a gestão e equipe”, numa relação de maior “acesso”, revelando o quanto a aproximação do Apoiador com a equipe permite um maior conhecimento da realidade, maior acesso à gestão e possibilidade de diálogo e comunicação. (Machado et al., 2018 MACHADO, Sávia S. et al. Apoio institucional na ótica de gestores, apoiadores e trabalhadores: uma aproximação da realidade a partir de diferentes lugares. Interface: Comunicação, Saúde, Educação [on-line], Botucatu, v. 22, n. 66, p. 813-825, 2018. DOI: 10.1590/1807-57622016.0829.
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, p. 815, destaques no original)

Já no plano das relações federativas, o AI realizado no processo de acolhimento aos profissionais do Programa Mais Médicos no estado da Bahia resultou no fortalecimento dos vínculos entre os entes implicados. Entretanto, em um dos relatos constatou-se que, embora a Secretaria Estadual de Saúde tenha cumprido o papel de supervisão e coordenação da implementação da PNAB, não logrou efetivamente incorporar a função apoio. Esse dado aponta para obstáculos e desafios que precisam ser compreendidos, a fim de se avançar na operacionalização do método.

Os efeitos mapeados convergem com outras experiências descritas na literatura, a exemplo do estudo realizado por Cardoso, Oliveira e Furlan (2016 CARDOSO, Janaina R.; OLIVEIRA, Gustavo N.; FURLAN, Paula G. Gestão democrática e práticas de apoio institucional na Atenção Primária à Saúde no Distrito Federal, Brasil. Cadernos de Saúde Pública [on-line], Rio de Janeiro, v. 32, n. 3, e00009315, 2016. DOI: 10.1590/0102-311X00009315. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/bGcsYFwTzhsCMtyshZNwPtK/?lang=pt . Acesso em: 19 out. 2021.
https://www.scielo.br/j/csp/a/bGcsYFwTzh...
) em uma cidade administrativa do Distrito Federal. Os autores concluíram que a implementação do AI gerou:

[…] mudança no cotidiano dos processos de trabalho; humanização e melhoria das relações de trabalho; implantação de colegiados gestores; ativação de redes de coletivos preocupados com a qualificação da assistência e da gestão; mudança do modelo de atenção e de gestão e de seus processos de trabalho sem distanciamento das suas atividades; intervenção nas práticas cotidianas dos serviços da Atenção Primária; perturbação de tendências tecnocráticas autoritárias e apropriação das práticas de gestão pelos trabalhadores. (Cardoso, Oliveira e Furlan, 2016 CARDOSO, Janaina R.; OLIVEIRA, Gustavo N.; FURLAN, Paula G. Gestão democrática e práticas de apoio institucional na Atenção Primária à Saúde no Distrito Federal, Brasil. Cadernos de Saúde Pública [on-line], Rio de Janeiro, v. 32, n. 3, e00009315, 2016. DOI: 10.1590/0102-311X00009315. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/bGcsYFwTzhsCMtyshZNwPtK/?lang=pt . Acesso em: 19 out. 2021.
https://www.scielo.br/j/csp/a/bGcsYFwTzh...
, p. 11)

Desafios identificados

Os textos analisados apresentam um conjunto amplo de desafios em suas ponderações sobre as intervenções realizadas. Parte deles é atinente a problemas operacionais, como o rearranjo de agendas e dificuldades em manter a sistematicidade e a regularidade dos encontros planejados. Mudanças nas equipes que realizam o AI também foram citadas, assim como os limites observados em razão de haver grande número de equipes apoiadas, aspecto mencionado em quatro casos. Reis et al. (2016REIS, Aline P. et al. Apoio institucional para gerenciamento da Atenção Básica: um relato de experiência. Revista Baiana de Saúde Pública, Salvador, v. 40, n. 2, p. 532-542, 2016. DOI: 10.22278/2318-2660.2016.v40.n2.a2112. Disponível em: Disponível em: https://rbsp.sesab.ba.gov.br/index.php/rbsp/article/view/2112 . Acesso em: 19 out. 2021.
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) relatam problemas semelhantes em pesquisa realizada no município de Santo Antônio de Jesus, Bahia:

[...] mesmo com o apoio dos gestores e com o envolvimento dos profissionais das equipes, foram identificadas limitações à participação, relacionadas, principalmente, à sobrecarga de atividades e à descontinuidade da mobilização nos intervalos das atividades presenciais de apoio. (Reis et al., 2016REIS, Aline P. et al. Apoio institucional para gerenciamento da Atenção Básica: um relato de experiência. Revista Baiana de Saúde Pública, Salvador, v. 40, n. 2, p. 532-542, 2016. DOI: 10.22278/2318-2660.2016.v40.n2.a2112. Disponível em: Disponível em: https://rbsp.sesab.ba.gov.br/index.php/rbsp/article/view/2112 . Acesso em: 19 out. 2021.
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, p. 539)

Os autores mencionam ainda aspectos estruturais, como a falta de informatização das unidades para acessar e utilizar informações em saúde, e inadequação de instalações, questões que não foram elencadas nos relatos analisados.

A mobilização do AI para implementação de programas e políticas de saúde em um dos relatos não se sustentou após a conclusão das metas previstas, o que reforça a reflexão sobre o uso instrumental da metodologia. Na experiência de apoio ao acolhimento pedagógico dos médicos intercambistas do PMM, foram mencionados problemas de logística e aporte financeiro, necessários para manutenção de ações consideradas exitosas, ao que se soma a pouca disponibilidade de tempo para planejamento e alinhamento das atividades entre os diferentes momentos do programa. Esses aspectos evidenciam um conjunto de fragilidades encontradas para dar continuidade às experiências bem-sucedidas e para a institucionalização do AI no SUS.

As práticas e a organização do processo de trabalho conformam outro campo de desafios compartilhados por diferentes experiências. A necessidade gerada pelas intervenções de maior integração no trabalho em equipe revelou problemas de colaboração, confiança e diálogo entre os trabalhadores, tornando clara a importância de se desenvolverem ferramentas e pactos para facilitar a comunicação, desafios já reportados em outros estudos sobre o tema (Machado, 2014MACHADO, Luana. O apoio institucional nos processos de trabalho: ferramenta para o fortalecimento da Atenção Primária à Saúde. 2014. 72 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Ensino na Saúde) - Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014.; Falleiro, 2014FALLEIRO, Letícia M. (org.). Experiências de apoio institucional no SUS: da teoria à prática. Porto Alegre: Rede Unida, 2014.). Tal aspecto expõe padrões institucionais de organização do trabalho em saúde que o atualizam como prática desarticulada, burocrática e sem espaços de escuta qualificada de trabalhadores, usuários e comunidades. Um trabalho fragmentado que produz o sentimento de não pertencimento, principalmente quando se revela reduzido ao somatório de ações técnicas, resultante de um conjunto de atribuições, tarefas ou atividades definidas a priori para cada profissão (Paim e Teixeira, 2007PAIM, Jairnilson S.; TEIXEIRA, Carmen F. Configuração institucional e gestão do Sistema Único de Saúde: problemas e desafios. Ciência & Saúde Coletiva [on-line], Rio de Janeiro, v. 12 (supl.), p. 1.819-1.829, 2007. DOI: 10.1590/S1413-81232007000700005. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/LSrY4BhGKSRcFFxvQsYvCMd/?lang=pt . Acesso em: 19 out. 2021.
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). Nesse sentido, foram reportados como desafios a promoção de maior participação, a articulação de ações e saberes e a corresponsabilidade entre os sujeitos.

O AI confronta-se também com concepções e práticas de gestão influenciadas pela racionalidade gerencial hegemônica, marcada por forte hierarquia, na qual sobressai a preocupação com a cobrança e a fiscalização do cumprimento de metas estabelecidas e indicadores. Na Atenção Primária, em especial, tais padrões institucionais reforçam a dissociação entre gestão e atenção e se revelam regidos por temporalidades distintas, dada a intensidade do trabalho vivo e das relações longitudinais que conformam o cuidado em saúde. Tal desencontro gera diferentes formas de tensionamento cotidiano entre uma racionalidade gerencial guiada pela produtividade e uma ética do cuidado orientada por critérios de qualidade da assistência. Machado et al. (2018 MACHADO, Sávia S. et al. Apoio institucional na ótica de gestores, apoiadores e trabalhadores: uma aproximação da realidade a partir de diferentes lugares. Interface: Comunicação, Saúde, Educação [on-line], Botucatu, v. 22, n. 66, p. 813-825, 2018. DOI: 10.1590/1807-57622016.0829.
https://doi.org/10.1590/1807-57622016.08...
, p. 819) evidenciam desafios semelhantes ocasionados pela permanência de práticas de gestão pautadas na “imposição de ordens, culpabilização do trabalhador, diálogo curto (vertical), falta de consenso (pactos entre os sujeitos)”. Além disso, relatam ser frequente uma compreensão restrita do AI, balizada pela noção de supervisão e controle do trabalho das equipes, o que acontece principalmente por parte do segmento de gestores, mas também esteve presente nos discursos de trabalhadores de saúde e mesmo de apoiadores institucionais que participaram do estudo.

Questões atinentes ao modelo de atenção também foram mencionadas, expondo problemas vinculados à integração entre políticas na construção de linhas de cuidado e também dificuldades de promover uma agenda de saúde com foco na Atenção Primária, aspectos já identificados por outros estudos em relação à implementação do AI (Figueiredo, 2012FIGUEIREDO, Mariana D. A construção de práticas ampliadas e compartilhadas em saúde: Apoio Paideia e formação. 2012. 341 f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2012.; Barros e Dimenstein, 2010BARROS, Silvana C. M.; DIMENSTEIN, Magda. O apoio institucional como dispositivo de reordenamento dos processos de trabalho na atenção básica. Estudo e Pesquisas em Psicologia, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 48-67, 2010. Disponível em: Disponível em: http://www.revispsi.uerj.br/v10n1/artigos/pdf/v10n1a05.pdf . Acesso em: 19 out. 2021.
http://www.revispsi.uerj.br/v10n1/artigo...
). No tocante às relações federativas, os desafios se expressam nos obstáculos percebidos para promover uma cultura de gestão compartilhada entre os entes, em oposição à tradição de verticalização e concentração normativa que marca a história das políticas de saúde (Falleiro, 2014FALLEIRO, Letícia M. (org.). Experiências de apoio institucional no SUS: da teoria à prática. Porto Alegre: Rede Unida, 2014.; Guizardi, 2009GUIZARDI, Francini L. Do controle social à gestão participativa: interrogações sobre a participação política no SUS. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 7, n. 1, p. 9-34, jun. 2009. DOI: https://doi.org/10.1590/S1981-77462009000100002. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/p4nKQbqd5qt56sfsbCGfjyz/abstract/?lang=pt . Acesso em: 19 out. 2021.
https://www.scielo.br/j/tes/a/p4nKQbqd5q...
).

O peso desses padrões também pode ser observado nas resistências encontradas às práticas avaliativas, que muitos trabalhadores percebem apenas como exposição de problemas e dificuldades, associada a ações punitivas ou a constrangimentos, como sinalizado por Machado (2014MACHADO, Luana. O apoio institucional nos processos de trabalho: ferramenta para o fortalecimento da Atenção Primária à Saúde. 2014. 72 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Ensino na Saúde) - Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014.) e Machado et al. (2018). Tal cultura administrativa obstaculiza, por vezes, a própria compreensão do AI. Com isso, o papel de mediação desempenhado pelos apoiadores pode ser desconstruído ou enfraquecido pela dificuldade de apreender mudanças no campo relacional, as quais demandam uma temporalidade alongada para serem consubstanciadas.

Diferentes relatos evidenciam desafios relacionados à produção e à manutenção da motivação e da disponibilidade em participar ativamente das intervenções. Destacou-se, em particular, a importância em escutar e trabalhar adequadamente os silêncios e resistências dos grupos, bem com sua ansiedade em relação ao que é possível e factível efetuar ante a complexidade dos problemas identificados, que muitas vezes extrapolam a governabilidade e as possibilidades de ação dos sujeitos. Somam-se a esses aspectos o sentimento de sobrecarga narrado pelos trabalhadores e uma percepção de que essa complexidade apenas pode ser abordada por meio de competências especializadas, de que não dispõem.

O AI trabalha com o desenvolvimento de autonomia dos sujeitos, mas também com a constituição de sujeitos coletivos. Sua atuação nesse plano condiz com a configuração de materialidades relacionais que possibilitem reinventar a divergência como modo de relação democrática. Essa mediação, que usualmente ocorre no contexto de vários conflitos, requisita uma escuta qualificada e um posicionamento ético, construídos na relação com o outro e significada como reconhecimento e pertencimento compartilhados (Machado, 2014MACHADO, Luana. O apoio institucional nos processos de trabalho: ferramenta para o fortalecimento da Atenção Primária à Saúde. 2014. 72 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Ensino na Saúde) - Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014.; Figueiredo, 2012FIGUEIREDO, Mariana D. A construção de práticas ampliadas e compartilhadas em saúde: Apoio Paideia e formação. 2012. 341 f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2012.; Barros e Dimenstein, 2010BARROS, Silvana C. M.; DIMENSTEIN, Magda. O apoio institucional como dispositivo de reordenamento dos processos de trabalho na atenção básica. Estudo e Pesquisas em Psicologia, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 48-67, 2010. Disponível em: Disponível em: http://www.revispsi.uerj.br/v10n1/artigos/pdf/v10n1a05.pdf . Acesso em: 19 out. 2021.
http://www.revispsi.uerj.br/v10n1/artigo...
). Quanto a isso, chama-nos a atenção que, embora grande parte dos relatos envolva um trabalho territorializado, apenas uma experiência tenha proposto e desenvolvido articulação comunitária, com inclusão de usuários em espaços dialógicos. Assim, parece-nos necessário ampliar a reflexão sobre as contribuições do AI para a gestão compartilhada abrangendo as dinâmicas comunicacionais e interculturais produzidas no contexto da Atenção Primária à Saúde (Quadro 2).

Quadro 2
Síntese dos resultados do estudo, por campo temático

Considerações finais

Os resultados sistematizados na pesquisa corroboram o potencial do método de AI para fomentar práticas e arranjos de gestão compartilhada, possibilitando compor intervenções e organizar o processo de trabalho de modo ascendente, em oposição à hierarquização que caracteriza a racionalidade gerencial hegemônica. Eles mostram também que o AI tem sido utilizado em um conjunto diverso de contextos e objetivos, mobilizando diferentes sujeitos, estratégias e atividades, muitas das quais vinculadas à implementação de políticas e programas de saúde. Nesse âmbito, o AI tem sido empregado como uma resposta ao desafio de transformar indicativos normativos em relações sociais e dispositivos organizacionais no cotidiano da atenção e da gestão do SUS. Destaca-se, quanto a isso, sua forte vinculação com saberes e instrumentos do planejamento em saúde, da EPS e da avaliação.

Os principais desafios identificados referem-se às resistências oriundas de dinâmicas culturais e comunicacionais, atinentes a concepções e práticas de gestão influenciadas pelo modelo da administração clássica, que se somam ao modo como o trabalho em saúde e a relação entre atenção e gestão encontram-se institucionalizados. Identificamos, ademais, um conjunto de questões operacionais que incidem negativamente nos resultados alcançados pelo AI.

A sistematização das experiências possibilitou-nos compreender que o AI demanda exercício de mediação complexo, que precisa ser melhor compreendido e instrumentalizado, principalmente no tocante à participação da comunidade. Os relatos demonstram que o processo do AI, necessariamente, circula entre uma relação de maior dependência do suporte do apoiador e a experimentação de movimentos de autonomia nos grupos apoiados, aspecto que nos parece ainda pouco elucidado, quando ponderado na perspectiva da continuidade dos processos e de sua institucionalização como produção de cultura e modos de sociabilidade democráticos.

Referências

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  • 1
    A Comunidade de Práticas da Atenção Básica encontra-se atualmente desativada, com seu sítio eletrônico indisponível.
  • Financiamento

    Edital Universal do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - 2014, processo n. 462438/2014-7.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    20 Out 2021
  • Aceito
    16 Dez 2021
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