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Formação da classe trabalhadora em tempos de pandemia e crise do capital: a agenda dos aparelhos privados de hegemonia

Formation of the working class in times of pandemic and capital crisis: the agenda of private hegemonic apparatus

Formación de la clase trabajadora en tiempos de pandemia y crisis del capital: la agenda de aparatos privados de hegemonía

Resumo

Trata-se de pesquisa teórica realizada com base em documentos oficiais produzidos entre 2015 e 2020, por organismos multilaterais e organizações da sociedade civil, bem como notícias veiculadas na internet que tratam de temas relacionados à educação, especialmente no período da pandemia do novo coronavírus. Verifica-se o apelo ao uso das tecnologias e educação em Educação a Distância, combinado com discursos que ressaltam as competências socioemocionais e formação de professores sob a ótica da flexibilidade e centralidade no aluno como protagonista de suas próprias escolhas diante do aumento das desigualdades sociais e novos requerimentos do mercado de trabalho. Utilizou-se como método de análise o materialismo histórico, sob o qual a relação trabalho e educação e as políticas educacionais daí decorrentes são apreendidas como expressão da ordem do capital. No atual momento histórico, o capital em crise determina as novas condições e necessidades de formação para a classe trabalhadora, materializadas pela ação dos aparelhos privados de hegemonia e intelectuais coletivos do capital, esses examinados à luz das contribuições de Gramsci.

Palavras-chave
educação e pandemia; organismos multilaterais; crise do capital

Abstract

This is a theoretical research based on official documents produced between 2015 and 2020 by multilateral organizations and civil society organizations, as well as news published on the Internet that deal with issues related to education, especially during the period of the new coronavirus pandemic. There is a call for the use of technologies and education in Distance Learning, combined with speeches that highlight socio-emotional competences and teacher training from the perspective of flexibility and centrality in the student as the protagonist of their own choices in light of increasing social inequalities and new requirements from the labor market. Historical materialism was used as the method of analysis, under which the relationship between work and education and the resulting educational policies are apprehended as an expression of the order of capital. In the current historical moment, capital in crisis determines the new training conditions and needs for the working class, materialized by the action of the private hegemonic apparatus and collective intellectuals of capital, these examined in the light of Gramsci's contributions.

Keywords
education and pandemic; multilateral organizations; capital crisis

Resumen

Se trata de una investigación teórica basada en documentos oficiales producidos entre 2015 y 2020, por organismos multilaterales y organizaciones de la sociedad civil, así como noticias divulgadas en la internet que abordan temas relacionados a la educación, especialmente en el periodo de pandemia del nuevo coronavirus. Lo que se verifica es una apelación al uso de las tecnologías y la educación en Educación a Distancia, asociada a discursos que resaltan las competencias socioemocionales y la formación de profesores bajo la ótica de la flexibilidad y centralidad en el alumno como protagonista de sus propias elecciones ante el aumento de las desigualdades sociales y las nuevas exigencias del mercado de trabajo. Se utilizó como método de análisis el materialismo histórico, bajo el cual la relación trabajo y educación y las políticas educativas resultantes desde ahí se perciben como expresión del orden del capital. En el momento histórico actual, el capital en crisis determina las nuevas condiciones y necesidades de formación de la clase trabajadora, materializadas por la acción de los aparatos privados de hegemonía y de los intelectuales colectivos del capital, examinados a la luz de los aportes de Gramsci.

Palabras clave
educación y pandemia; organismos multilaterales; crisis del capital

Introdução

Incidir na educação escolar da classe trabalhadora é fundamental para a manutenção da lógica do capital, pois a educação é também produção de consciência. Por meio da educação, a burguesia constrói, continuamente, as condições de inculcar suas ideias e perpetuar sua ideologia, de modo a falsear a realidade e naturalizar a subalternidade. Desse modo, a burguesia mantém sua hegemonia e dificulta que a classe trabalhadora realize uma avaliação crítica da sua participação e atuação histórica no mundo com vistas à transformação social.

Neste artigo, pretende-se analisar as formas pelas quais organismos multilaterais (OMs) e organizações da sociedade civil – ambos aqui entendidos, respectivamente, sob as lentes de Gramsci, como intelectuais coletivos e aparelhos privados de hegemonia (APHs) – criam as condições favoráveis para que a relação trabalho-educação na contemporaneidade, materializada em políticas educacionais, responda aos interesses do capital no contexto de crise de acumulação capitalista, agravada com a pandemia do novo coronavírus. Por esse caminho, intenciona-se apreender os interesses por detrás da tutela da educação pública, particularmente da educação básica, por parte das diferentes frações da burguesia brasileira e internacional no âmbito do Estado integral.

A proposição acima enunciada, de antemão, já indica a necessidade de esclarecimento e, em decorrência, expõe a perspectiva teórico-metodológica que orienta a análise. Isto é, qualquer abordagem sobre o tema das políticas educacionais concebidas e implementadas na sociedade capitalista, que tenha como pressuposto o alcance de sua natureza, ou melhor, o seu ‘ser’, e não meramente sua caracterização em termos descritivos, exige, em primeiro plano, sua vinculação à ordem burguesa, posto que não existe a política educacional per se, tampouco o Estado per se. Ou seja, nos termos de Engels (2002)ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do estado. São Paulo: Centauro, 2002., é preciso compreender a natureza do Estado burguês como o Estado do capital, como a expressão do antagonismo de classes. Nesse sentido, sua existência justifica-se pelo capital. Em consequência, analisar as políticas educacionais e sua estreita vinculação à ordem do capital requer desfazer a quimera ideológica da suposta divisão dicotômica. Nessa polaridade, estaria, de um lado, o Estado neutro, que depende da eleição dos governantes ‘certos’ para assegurar determinada feição, e, de outro, a sociedade civil que, se bem organizada – leia-se organizações da sociedade civil e tutti quanti –, cumpriria seu papel na garantia do exercício da cidadania.

Gramsci (Fresu, 2020FRESU, Gianni. Antonio Gramsci, o homem filósofo: uma biografia intelectual. Tradução de Rita Matos Coitinho. São Paulo: Boitempo, 2020.), seguindo a tradição marxista da análise da sociedade capitalista, dedica sua vida a compreender o sistema de dominação do Estado moderno burguês, apontando que o poder estatal, além de estar presente em seus aparelhos repressivos e coercitivos, revela-se mediante a sociedade civil. Seu interesse estava propriamente em apreender este nível de complexidade, evidenciando as novas formas de expressão do Estado e da sociedade civil e, por conseguinte, da construção e manutenção da hegemonia, entendida como forma de dominação pela classe dominante. Como um pensador que sempre se pautou pela dialética, Estado e sociedade têm conceitos distintos, porém, estão organicamente unidos: “[…] isso significa que por Estado deve-se entender, além do aparelho de governo, também o aparelho privado de hegemonia ou sociedade civil” (Gramsci, 2014GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. v. 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014., p. 258). É assim que Gramsci formula o conceito de Estado integral ou ampliado, que comporta em si, de forma orgânica, tanto a sociedade política (Estado restrito) quanto a sociedade civil (espaço de luta de classes em que atuam os APHs). Nas palavras de Gramsci (2014GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. v. 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014., p. 257):

[…] ninguém é desorganizado e sem partido, desde que se entendam organização e partido num sentido amplo, e não formal. Nesta multiplicidade de sociedades particulares, de caráter duplo — natural e contratual ou voluntário —, uma ou mais prevalecem relativamente ou absolutamente, constituindo o aparelho hegemônico de um grupo social sobre o resto da população (ou sociedade civil), base do Estado compreendido estritamente como aparelho governamental-coercivo.

Isso significa afirmar que o poder do Estado como um órgão de dominação de classe se dá não apenas no âmbito da sociedade política, mas medularmente nos espaços da sociedade civil nos quais estão presentes os APHs e seus intelectuais orgânicos. Contudo, é preciso ressaltar que o intelectual, na perspectiva gramsciana, é todo aquele que desempenha uma função organizadora na sociedade a serviço de uma determinada classe. Os intelectuais podem ser também de tipo coletivo, na medida em que suas produções são realizadas de forma profissionalizada e elaboradas de modo inteiramente coletivo.

Diante do exposto, como procedimento metodológico, foram analisados documentos oficiais e notícias veiculadas na internet, produzidos por intelectuais coletivos, representados pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Organization for Economic Cooperation and Development (OECD), Banco Mundial (BM) e diversos APHs, tendo como recorte temporal o período de 2015 a 20201 1 O artigo corresponde aos achados de uma pesquisa documental ‘guarda-chuva’, em andamento coordenada pelo autor principal, com a participação dos demais autores do presente artigo, cuja temática refere-se à atuação da FIESC na educação por meio do ‘Movimento Santa Catarina pela Educação’, criado pela própria entidade em 2012 e outros APHs com interferência na educação. Não há conflito de interesses e em razão de sua natureza está dispensada de apreciação pelo Comitê de Ética. A pesquisa contou com bolsistas de iniciação científica durante dois anos. Não tem financiamento. .

Convém registrar que a atualização dos projetos do capital para a formação da juventude trabalhadora, na presente quadratura histórica, dá-se sob a direção da Unesco, que, em 1990, lançou a Declaração Mundial sobre Educação para Todos2 2 A declaração foi resultado da Conferência Mundial de Educação Para Todos, realizada em 1990, em Jomtien, na Tailândia, organizada por Unesco, Unicef, PNUD e BM, tendo como copatrocinadores o Banco Interamericano de Desenvolvimento, Banco Asiático de Desenvolvimento, USAID, entre outros (Barão, 1999). em Jomtien. Este compromisso foi atualizado em 2000, na Cúpula Mundial de Educação, em Dakar, Senegal, e também no Fórum Mundial de Educação de 2015, em Incheon, Coreia do Sul, com a Declaração de Incheon para a Educação 2030: nova visão para a educação para os próximos 15 anos3 3 A Unesco, junto com o Unicef, o BM, o UNFPA, o PNUD, a ONU Mulheres e o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), organizou o Fórum Mundial de Educação 2015, em Incheon, na Coreia do Sul, entre 19 e 22 de maio de 2015. Houve mais de 1.600 participantes de 160 países, incluindo mais de 120 ministros, chefes e membros de delegações, líderes de agências e funcionários de organizações multilaterais e bilaterais, além de representantes da sociedade civil, da profissão docente, do movimento jovem e do setor privado, que adotaram a Declaração de Incheon para a Educação 2030, que estabelece uma nova visão para a educação para os próximos 15 anos. (Unesco et al., 2016, p. 7). . Nesta ocasião, foram estabelecidos objetivos e metas para a educação mundial de 2016 até 2030. O denominado “Marco de Ação da Agenda Educação 2030 para a implementação do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável” visa “[…] assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover ‘oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos’” (Unesco et al., 2016UNESCO et al. Declaração de Incheon e marco de ação para a implementação do objetivo de desenvolvimento sustentável 4: assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos. Educação 2030. Brasília, 2016. Disponível em: https://inee.org/system/files/resources/245656por.pdf. Acesso em: 11 nov. 2020.
https://inee.org/system/files/resources/...
, p. 4, grifo nosso).

Passados 30 anos de Jomtien, os slogans presentes na retórica dos intelectuais coletivos do capital foram ligeiramente sendo modificados – ‘Educação para Todos’, ‘Educação ao longo da vida’, ‘Aprendizagem para todos’ – até chegar ao atual ‘Aprendizagem ao longo da vida para todos’, que parece condensar as experiências passadas e os interesses inerentes da coalização de diferentes OMs. Ao analisar os principais documentos dos OMs para as políticas educacionais, é possível constatar que alguns elementos permanecem ao longo das décadas: ‘competências e habilidades para o trabalho e avanço tecnológico’; ‘novos perfis e qualificação profissional’; ‘educação como promotora do desenvolvimento econômico e social’; ‘desqualificação da escola pública e de docentes’. E, paralelamente, há um receituário sobre como equacionar todas essas demandas. Interessa-nos, portanto, interrogar sobre os elementos novos que compõem o projeto do capital, mediado pela atuação dos seus intelectuais coletivos e APHs, compreendendo que a dimensão política desse projeto – expressa em retóricas, recomendações, formulações de políticas, estudos e relatórios, ações, entre outros – precisa ser examinada na relação intrínseca com a crise de acumulação capitalista.

Na tentativa de responder e problematizar as questões aqui levantadas, o artigo em tela está estruturado, além desta introdução, em três partes.

Na primeira, apresentam-se os principais argumentos proferidos por alguns dos mais influentes intelectuais coletivos − Unesco, Organização das Nações Unidas (ONU), BM, OECD −, em grande medida subscritos por APHs, sobre a necessidade de mudanças na educação diante da transformação do mercado de trabalho. Analisa-se o quanto o tema das tecnologias, educação a distância, ensino remoto e competências socioemocionais constituem novos nichos mercadológicos a serem aprofundados no contexto da crise sanitária mundial da pandemia de Covid-19.

Na segunda parte, retomam-se os argumentos propalados por esses intelectuais coletivos e APHs, na tentativa de construir uma compreensão da formação da classe trabalhadora, articulando-a com as crises cíclicas do capital e sua agenda para a educação.

Por fim, são feitas algumas considerações com o fito de estimular o debate.

Tecnologias, educação a distância e competências socioemocionais para ‘turma 2030’: a ‘entrega’ de um currículo empobrecido e um negócio lucrativo

A Educação 2030 deve ser vista hoje dentro do contexto mais amplo de desenvolvimento. Os sistemas educacionais precisam ser relevantes e responder prontamente a mercados de trabalho que mudam com rapidez, assim como a avanços tecnológicos, […] desemprego global crescente, persistência da pobreza, aumento das desigualdades e ameaças crescentes à paz e à segurança. (Unesco et al., 2016UNESCO et al. Declaração de Incheon e marco de ação para a implementação do objetivo de desenvolvimento sustentável 4: assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos. Educação 2030. Brasília, 2016. Disponível em: https://inee.org/system/files/resources/245656por.pdf. Acesso em: 11 nov. 2020.
https://inee.org/system/files/resources/...
, p. 26)

A narrativa compartilhada pelos intelectuais coletivos do capital está ancorada na tese de que a formação escolar não atende às constantes mudanças no mercado de trabalho. De acordo com a epígrafe, a escola que formará a turma 2030 terá gigantescas responsabilidades. Sabe-se que a teoria do capital humano4 4 Elaborada por Theodore William Schultz (1902-1998), visava descobrir o fator que pudesse explicar as variações do desenvolvimento e subdesenvolvimento entre os países. e a pedagogia das competências5 5 Termo trabalhado pela pesquisadora Marise Nogueira Ramos para caracterizar como a noção de competências tem ordenado as relações educativas. Esta formulação é discutida em seu livro A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação?, lançado em 2001 pela editora Cortez. (Ramos, 2001RAMOS, Marise N. A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação? São Paulo: Cortez, 2001.) têm norteado a política burguesa dirigida à educação pública, com o intuito de forjar a sociabilidade das novas gerações diante da promessa de sucesso, melhores condições de vida e empregabilidade por meio da educação formal. Porém, a crise sanitária provocada pela pandemia do novo coronavírus, no corrente ano, recrudesceu o discurso presente nas orientações do capital para a educação básica.

Em março de 2020, por exemplo, organizou-se a Coalização global da Educação, liderada pela Unesco (2020a)UNESCO. Coalizão global da educação. 2020a. Disponível em: https://pt.unesco.org/covid19/educationresponse/globalcoalition. Acesso em: 4 set. 2020.
https://pt.unesco.org/covid19/educationr...
e em parceria com as grandes corporações que dominam a tecnologia de armazenamento de dados como a Microsoft, Weidong, Google, Facebook, Zoom, entre outras. Segundo a Unesco (2020bUNESCO. A Unesco reúne organizações internacionais, sociedade civil e parceiros do setor privado em uma ampla coalizão para garantir a #AprendizagemNuncaPara. Mar. 2020b. Disponível em: https://pt.unesco.org/news/unesco-reune-organizacoes-internacionais-sociedade-civil-e-parceiros-do-setor-privado-em-uma. Acesso em: 5 set. 2020.
https://pt.unesco.org/news/unesco-reune-...
, on line), a coalização “[…] reúne organizações internacionais, sociedade civil e parceiros do setor privado em uma ampla coalizão para garantir a #AprendizagemNuncaPara”. E, na avaliação do secretário-geral da ONU, António Guterres, “[…] o mundo deve ‘redesenhar’ a educação em meio à pandemia” (Instituto Brasileiro de Incentivo ao Desenvolvimento Sustentável, 2020INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Desemprego. 2020. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/28700-desemprego-avanca-em-11-estados-no-2-trimestre-amapa-e-para-tem-queda. Acesso em: 9 set. 2020.
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/ag...
, on line, grifo do autor).

Na publicação The changing nature of work (The World Bank, 2019THE WORLD BANK. The changing nature of work. World Development Report 2019. Washington, DC: The World Bank, 2019. Disponível em: http://documents1.worldbank.org/curated/en/816281518818814423/pdf/2019-WDR-Report.pdf. Acesso em: 21 dez. 2020.
http://documents1.worldbank.org/curated/...
), o BM discorre sobre a necessidade de formação de capital humano diante das mudanças em curso no que se refere à tecnologia e ao mercado de trabalho. Para isso, propõe estabelecer um índice internacional de medição e comparação sobre educação e saúde entre os países que deve ser medido

[…] em termos da quantidade de capital humano que uma criança nascida em 2018 pode esperar atingir ao final do ensino médio, levando em consideração os riscos de deficiências nas áreas de saúde e educação prevalecentes no país de origem da criança naquele mesmo ano. (The World Bank, 2019THE WORLD BANK. The changing nature of work. World Development Report 2019. Washington, DC: The World Bank, 2019. Disponível em: http://documents1.worldbank.org/curated/en/816281518818814423/pdf/2019-WDR-Report.pdf. Acesso em: 21 dez. 2020.
http://documents1.worldbank.org/curated/...
, p. 12, tradução nossa)

Na mesma publicação, o BM informa que o retorno para a educação é alto na medida em que a tecnologia teria o efeito de operar mudanças em pessoas com níveis mais elevados de “[…] capital humano que se adaptam mais rapidamente à mudança tecnológica. Na verdade, o sucesso futuro de um trabalhador depende de trabalhar com máquinas, não as temer” (The World Bank, 2019THE WORLD BANK. The changing nature of work. World Development Report 2019. Washington, DC: The World Bank, 2019. Disponível em: http://documents1.worldbank.org/curated/en/816281518818814423/pdf/2019-WDR-Report.pdf. Acesso em: 21 dez. 2020.
http://documents1.worldbank.org/curated/...
, p. 50, tradução nossa).

O capital humano, defendido por intelectuais orgânicos do capital, vem sendo fortemente pautado como demanda de desenvolvimento de competências digitais necessárias ao mercado de trabalho automatizado. Conforme a Unesco et al. (2016UNESCO et al. Declaração de Incheon e marco de ação para a implementação do objetivo de desenvolvimento sustentável 4: assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos. Educação 2030. Brasília, 2016. Disponível em: https://inee.org/system/files/resources/245656por.pdf. Acesso em: 11 nov. 2020.
https://inee.org/system/files/resources/...
, p. 26), as

[…] tecnologias de informação e comunicação (TIC) devem ser aproveitadas para fortalecer os sistemas de educação, a disseminação do conhecimento, o acesso à informação, a aprendizagem de qualidade e eficaz e a prestação mais eficiente de serviços.

No documento Bússola para aprendizagem 2030, a OECD avalia que há uma corrida entre tecnologia e educação. Por esse motivo, profissionais da educação devem se manter “[…] a par das mudanças tecnológicas e outras mudanças sociais e econômicas”, e “reconhecer no que os computadores são bons e no que eles não são” (OECD, 2019OECD (Organization for Economic Cooperation and Development). OECD future of education and skills 2030: OECD learning compass 2030: a series of concept notes. 2019. 146 p. Disponível em: http://www.oecd.org/education/2030-project/teaching-and-learning/learning/learning-compass-2030/OECD_Learning_Compass_2030_Concept_Note_Series.pdf. Acesso em: 21 dez. 2020.
http://www.oecd.org/education/2030-proje...
, p. 7, tradução nossa). No tópico “Criando um ‘novo normal’ na educação: um modelo do século 21?”, a OECD (2019OECD (Organization for Economic Cooperation and Development). OECD future of education and skills 2030: OECD learning compass 2030: a series of concept notes. 2019. 146 p. Disponível em: http://www.oecd.org/education/2030-project/teaching-and-learning/learning/learning-compass-2030/OECD_Learning_Compass_2030_Concept_Note_Series.pdf. Acesso em: 21 dez. 2020.
http://www.oecd.org/education/2030-proje...
, p. 12, grifo do autor, tradução nossa) ressalta “[…] algumas características inovadoras dos sistemas educacionais que estão apenas emergindo, mas que podem se tornar o ‘novo normal’ nos sistemas educacionais de amanhã”. Advoga que a alfabetização e o conhecimento de matemática serão ainda essenciais em 2030, mas que alguns fundamentos cognitivos precisam ser atualizados.

A ‘alfabetização digital’ depende das mesmas habilidades fundamentais da alfabetização ‘tradicional’; mas a alfabetização digital é aplicada em contextos digitais e se baseia em novas ferramentas e competências digitais. Com a explosão de dados e o advento do ‘big data’, todas as crianças precisarão ser alfabetizadas em dados. A ‘literacia em dados’ é a capacidade de obter informações significativas a partir dos dados […]. (OECD, 2019OECD (Organization for Economic Cooperation and Development). OECD future of education and skills 2030: OECD learning compass 2030: a series of concept notes. 2019. 146 p. Disponível em: http://www.oecd.org/education/2030-project/teaching-and-learning/learning/learning-compass-2030/OECD_Learning_Compass_2030_Concept_Note_Series.pdf. Acesso em: 21 dez. 2020.
http://www.oecd.org/education/2030-proje...
, p. 47-48, grifos nossos, tradução nossa).

Constantemente atuando na esteira da educação para o trabalho, seus intelectuais estabelecem uma conexão imediata entre as supostas transformações necessárias à escola e ao currículo e as mudanças no mundo do trabalho. Já o BM (2018) dedica-se a discutir e questionar “A tecnologia está mudando o mundo do trabalho: o que isso significa para aprendizagem?”

Como a tecnologia afeta diferentes trabalhadores de maneiras diferentes, ‘aqueles que emergem do sistema educacional com habilidades tecnológicas’ são mais propensos a ser capazes de entrar nessas profissões (alta qualificação, alto pagamento) que estão ganhando com a tecnologia. (The World Bank, 2018THE WORLD BANK. Learning to realize the education's promisse. World Development Report 2018. Washington, DC: The World Bank, 2018. Disponível em: https://openknowledge.worldbank.org/bitstream/handle/10986/28340/9781464810961.pdf. Acesso em: 21 dez. 2020.
https://openknowledge.worldbank.org/bits...
, p. 164, grifo nosso, tradução nossa)

E a Microsoft (2018)MICROSOFT. A sala de aula de 2030 e o aprendizado para a vida: a tecnologia indispensável. Relatório resumido. 2018. Disponível em: https://info.microsoft.com/rs/157-GQE-382/images/PT-BR-CNTNT-Whitepaper-Education-Class-of-2030-report.pdf . Acesso em: 22 dez. 2020.
https://info.microsoft.com/rs/157-GQE-38...
, empresa transnacional norte-americana que atua no ramo da fabricação e de venda de softwares de computador, produtos eletrônicos e computadoes, portanto, com grande interesse nesse mercado, reforça o coro destacando que “a forma de interação, socialização e trabalho está mudando muito rápido. Quando os estudantes, que hoje estão no jardim de infância, se formarem em 2030, tudo estará muito diferente de qualquer outra geração anterior” (Microsoft, 2018MICROSOFT. A sala de aula de 2030 e o aprendizado para a vida: a tecnologia indispensável. Relatório resumido. 2018. Disponível em: https://info.microsoft.com/rs/157-GQE-382/images/PT-BR-CNTNT-Whitepaper-Education-Class-of-2030-report.pdf . Acesso em: 22 dez. 2020.
https://info.microsoft.com/rs/157-GQE-38...
, p. 3). E acrescenta que: “A tecnologia já desempenha um papel essencial na promoção de habilidades socioemocionais e na aprendizagem personalizada, e esperamos que essa tendência aumente” (Microsoft, 2018MICROSOFT. A sala de aula de 2030 e o aprendizado para a vida: a tecnologia indispensável. Relatório resumido. 2018. Disponível em: https://info.microsoft.com/rs/157-GQE-382/images/PT-BR-CNTNT-Whitepaper-Education-Class-of-2030-report.pdf . Acesso em: 22 dez. 2020.
https://info.microsoft.com/rs/157-GQE-38...
, p. 24).

O destaque conferido às competências socioemocionais e tecnológicas presentes nos documentos analisados aponta o desejo empresarial de determinar o tipo de trabalhador a ser adaptado às exigências dos atuais padrões de reprodução e acumulação do capital. Diante de competências e habilidades tão redutoras e estreitas da formação humana, a recomendação de tecnologias educacionais, como a EaD para a educação básica, surge como um verdadeiro Cavalo de Troia: a apologia do capital sobre a imensa potencialidade desses dispositivos escamoteia sua ofensiva ideológica e mercadológica.

Dois termos coadunam-se e apontam para uma educação mediada pela tecnologia. Um é o termo student agency, oriundo da OECD (2019)OECD (Organization for Economic Cooperation and Development). OECD future of education and skills 2030: OECD learning compass 2030: a series of concept notes. 2019. 146 p. Disponível em: http://www.oecd.org/education/2030-project/teaching-and-learning/learning/learning-compass-2030/OECD_Learning_Compass_2030_Concept_Note_Series.pdf. Acesso em: 21 dez. 2020.
http://www.oecd.org/education/2030-proje...
, que discorre sobre ter foco no aluno, isto é, ser agente de si mesmo, ter papel ativo na sua formação; uma estratégia para responsabilizar o estudante por sua aprendizagem e individualizar o processo num indicativo daquilo que ocorre quando se educa pela mediação tecnológica – learned how to learn. O outro refere-se ao que a Microsoft denomina de ‘Netflix de currículos’, que também direciona para o foco no aluno, com aprendizagem personalizada de modo streaming. Segundo a Microsoft (2018MICROSOFT. A sala de aula de 2030 e o aprendizado para a vida: a tecnologia indispensável. Relatório resumido. 2018. Disponível em: https://info.microsoft.com/rs/157-GQE-382/images/PT-BR-CNTNT-Whitepaper-Education-Class-of-2030-report.pdf . Acesso em: 22 dez. 2020.
https://info.microsoft.com/rs/157-GQE-38...
, p. 22, grifo nosso),

Com os avanços no processamento do idioma natural e aprendizagem por máquina, ‘o conteúdo escolar pode ser modificado de forma rápida e barata’, permitindo um gerenciamento altamente personalizado e direcionado para adaptar às necessidades individuais do estudante. Os especialistas estão chamando esta ideia de ‘Netflix de currículos’, permitindo que professores encontrem conteúdo mediante pedido e que atenda aos padrões e seja relevante para os estudantes como pessoas.

Na mesma linha, o BM, ao discorrer sobre a crise da aprendizagem, compreende que é necessário certificar-se de que as ‘novas tecnologias da informação e comunicação’ “[…] sejam realmente implementáveis nos sistemas atuais. Intervenções que incorporam tecnologia da informação e comunicação têm alguns dos maiores impactos na aprendizagem” (The World Bank, 2018THE WORLD BANK. Learning to realize the education's promisse. World Development Report 2018. Washington, DC: The World Bank, 2018. Disponível em: https://openknowledge.worldbank.org/bitstream/handle/10986/28340/9781464810961.pdf. Acesso em: 21 dez. 2020.
https://openknowledge.worldbank.org/bits...
, p. 23, tradução nossa).

Essa retórica acentua-se e tais ideias encontram as condições ideais e objetivas para se expandir com o advento da pandemia. A Unesco, em conjunto com a Unicef e a International Telecommunication Union − Agência ligada à ONU, especializada no tema das tecnologias de informação e comunicação − produziu um relatório intitulado The Digital Transformation of Education: connecting schools, empowering learners, publicado em setembro de 2020. Afirmam que “[…] a educação está em estado global de emergência” (Broadband Commission for Sustainable Development, 2020BROADBAND COMMISSION FOR SUSTAINABLE DEVELOPMENT. The digital transformation of education: connecting schools, empowering learners. Genebra: Broadband Commission for Sustainable Develpoment, 2020. 138 p. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000374309.locale=en. Acesso em: 21 dez. 2020.
https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf...
, p. 6, tradução nossa). Segundo a publicação,

[…] a pandemia mostrou aos governos a necessidade de trabalhar mais de perto com o desenvolvimento de parceiros para remover barreiras tecnológicas e reduzir custos de conectividade, bem como a necessidade de investir em infraestrutura digital e alfabetização digital, especialmente para populações marginalizadas (Broadband Commission for Sustainable Development, 2020BROADBAND COMMISSION FOR SUSTAINABLE DEVELOPMENT. The digital transformation of education: connecting schools, empowering learners. Genebra: Broadband Commission for Sustainable Develpoment, 2020. 138 p. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000374309.locale=en. Acesso em: 21 dez. 2020.
https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf...
, p. X, tradução nossa).

Conforme o BM, em publicação intitulada Políticas educacionais na pandemia da Covid-19: o que o Brasil pode aprender com o resto do mundo (2020), a educação a distância depende “[…] da infraestrutura e familiaridade dos professores com as ferramentas tecnológicas […]”. Na mesma obra, há a afirmação de que “[…] os professores possuem pouca familiaridade com o uso da internet em sala de aula”. (World Bank Group Education, 2020WORLD BANK GROUP EDUCATION. Políticas educacionais na pandemia da Covid-19: o que o Brasil pode aprender com o resto do mundo? Abr. 2020. Disponível em: http://pubdocs.worldbank.org/en/413781585870205922/pdf/POLITICAS-EDUCACIONAIS-NA-PANDEMIA-DA-COVID-19-O-QUE-O-BRASIL-PODE-APRENDER-COM-O-RESTO-DO-MUNDO.pdf. Acesso em: 21 dez. 2020.
http://pubdocs.worldbank.org/en/41378158...
, p. 2). Para o BM, é crucial “[…] avaliar quais práticas do ensino a distância podem ser mantidas, se beneficiando da estrutura posta em funcionamento durante a pandemia”. (World Bank Group Education, 2020WORLD BANK GROUP EDUCATION. Políticas educacionais na pandemia da Covid-19: o que o Brasil pode aprender com o resto do mundo? Abr. 2020. Disponível em: http://pubdocs.worldbank.org/en/413781585870205922/pdf/POLITICAS-EDUCACIONAIS-NA-PANDEMIA-DA-COVID-19-O-QUE-O-BRASIL-PODE-APRENDER-COM-O-RESTO-DO-MUNDO.pdf. Acesso em: 21 dez. 2020.
http://pubdocs.worldbank.org/en/41378158...
, p. 4). Não restam dúvidas de que a pandemia está sendo usada para fazer avançar a aplicação das tecnologias de comunicação e informação de forma indiscriminada, que agora se apresenta como fato incontornável e irrefutável.

O Todos Pela Educação (TPE) e diversas entidades associativas empresariais, dentre as quais se destaca a Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (FIESC)6 6 A Federação das Indústrias de Santa Catarina, a exemplo de outras federações das indústrias atuantes nos demais estados, constitui-se como um importante APH na relação com o governo do Estado de Santa Catarina, interferindo e elaborando, por diversas frentes, a pauta das políticas públicas, seja na economia seja na educação. Observa-se que os encaminhamentos das políticas educacionais em Santa Catarina, no âmbito do governo do Estado, estão, em grande medida, alinhados às proposições da FIESC. , aqui identificados como APHs, conforme já aludido, atuaram fortemente na pandemia. Nesse período, vêm prescrevendo fórmulas sobre como a escola pública deveria atuar nesse contexto, como conduzir aulas remotas em plataformas virtuais e toda a apologia em torno das tecnologias de comunicação para fins educacionais. Em nota técnica emitida em abril, o TPE afirma que faz distinção entre “[…] ‘Educação a Distância (EaD)’ – modalidade de ensino que pressupõe uma organização e lógica próprias – e o termo ‘ensino remoto’ – que enfatiza a natureza mitigadora da ação” (Todos pela Educação, 2020TODOS PELA EDUCAÇÃO. Nota técnica: ensino a distância na educação básica frente a pandemia da Covid-19. Abr. 2020. Disponível em: https://www.todospelaeducacao.org.br/_uploads/_posts/425.pdf?1730332266=. Acesso em: 10 nov. 2020.
https://www.todospelaeducacao.org.br/_up...
, p. 15, grifo do autor). O movimento TPE tem sido um importante difusor dos receituários dos OMs, em consonância com frações da burguesia local, e desempenhou um papel ativo junto aos órgãos educacionais durante a pandemia.

Por seu turno, a FIESC, em total cumplicidade com o TPE, vem construindo e definindo, em estreita articulação com o governo de Santa Catarina, o caminho a ser trilhado pela educação pública no estado. A expressiva fala do então secretário de Estado da Educação de Santa Catarina, Eduardo Deschamps, em evento promovido pela FIESC, é categórica: “A educação é pública, mas não precisa ser exclusivamente governamental”. (FIESC, 2016aFIESC (Federação das Indústrias de Santa Catarina). Ensino médio integral pode converter educação em produtividade. out. 2016a. Disponível em: https://fiesc.com.br/pt-br/imprensa/ensino-medio-integral-pode-converter-educacao-em-produtividade. Acesso em: 21 dez. 2020.
https://fiesc.com.br/pt-br/imprensa/ensi...
, on line). Assim, o secretário demonstra, de forma contundente, a união orgânica entre o aparelho privado de hegemonia e o Estado. Em outra publicação da entidade, esta ideia fica ainda mais explícita:

O desenvolvimento de competências socioemocionais […] e o Plano Nacional de Educação nortearam as discussões da reunião do Conselho de Governança do Movimento Santa Catarina pela Educação [Movimento criado pela FIESC]. […] “A iniciativa tem sido um sucesso”, avaliou o presidente da Federação das Indústrias de Santa Catarina (FIESC), Glauco José Côrte. […] O projeto que desenvolve as chamadas habilidades não-cognitivas – criatividade, colaboração, foco, pensamento crítico, por exemplo – é desenvolvido em 50 escolas públicas de Chapecó e região […]. No total, 2,5 mil alunos são beneficiados pela ação que tem parceria da FIESC com o Instituto Ayrton Senna, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ‘e as secretarias municipal e estadual de Educação’. (FIESC, 2016bFIESC (Federação das Indústrias de Santa Catarina). Professores estimulam criatividade e pensamento crítico em sala de aula. Jul. 2016b. Disponível em: https://fiesc.com.br/pt-br/imprensa/professores-estimulam-criatividade-e-pensamento-critico-em-sala-de-aula. Acesso em: 21 dez. 2020.
https://fiesc.com.br/pt-br/imprensa/prof...
, on line, grifo nosso)

Em julho de 2020, a FIESC lança o Programa Travessia (FIESC, 2020FIESC (Federação das Indústrias de Santa Catarina). Movimento Santa Catarina pela Educação entra em nova fase. Ago. 2020. Disponível em: https://fiesc.com.br/pt-br/imprensa/movimento-santa-catarina-pela-educacao-entra-em-nova-fase. Acesso em: 21 dez. 2020.
https://fiesc.com.br/pt-br/imprensa/movi...
), com o propósito de oferecer um plano estratégico e tático para enfrentar a crise do chamado período pós-pandêmico do novo coronavírus. A iniciativa conta com a participação oficial do Poder Executivo, representado, na ocasião do lançamento, por diversos secretários de Estado de Santa Catarina. No campo da educação, o Movimento Santa Catarina Pela Educação, criado pela FIESC, redefine sua estratégia prioritária de atuação em 2020, ao priorizar o oferecimento de qualificação para profissionais demitidos, visando à sua inclusão no mercado de trabalho. Segundo o diretor de educação e tecnologia da FIESC, Fabrizio Machado Pereira, o Movimento tem importância porque, em razão da pandemia, “[…] e de olho no período pós-pandemia, vamos nos concentrar em uma agenda pragmática com foco nas empresas e no trabalhador, com educação voltada ao mundo do trabalho, para a reinvenção da economia” (FIESC, 2020FIESC (Federação das Indústrias de Santa Catarina). Movimento Santa Catarina pela Educação entra em nova fase. Ago. 2020. Disponível em: https://fiesc.com.br/pt-br/imprensa/movimento-santa-catarina-pela-educacao-entra-em-nova-fase. Acesso em: 21 dez. 2020.
https://fiesc.com.br/pt-br/imprensa/movi...
, on line).

Tanto a educação profissional quanto a educação básica pública há muito vêm sendo assediadas na qualidade de espaço em potencial de mercantilização e de privatização. E, na pandemia, essas transações comerciais foram configuradas como ‘janelas de oportunidades’, conforme o bilionário Jorge Paulo Lemann (Guimarães, 2020GUIMARÃES, Fernanda. Para Lemann, crise por pandemia de coronavírus traz oportunidade. Uol, São Paulo, 17 abr. 2020. Seção Economia. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2020/04/17/para-lemann-crise-traz-oportunidade.htm. Acesso em: 15 set. 2020.
https://economia.uol.com.br/noticias/est...
), empresário que, mesmo antes da disseminação do novo coronavírus, vem fazendo lobby para a massificação da EaD na rede pública. Para tal intento, Lemann vem se articulando com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, com o Conselho Nacional de Secretários de Educação e com o Ministério da Educação.

A Fundação Lemann tem trabalhado para fazer a experiência, em larga escala, do uso de suas plataformas digitais de ensino na educação pública. Segundo website da fundação, “[…] a proposta principal é ter dados gratuitos para acessar conteúdos de educação, aproveitando recursos de plataformas já utilizadas pela população, como WhatsApp, YouTube e Facebook” (Fundação Lemann, 2020FUNDAÇÃO LEMANN. Ferramentas e ações para fortalecer a aprendizagem remota: Fundação Lemann participa de grupo de trabalho para reduzir danos à aprendizagem e viabilizar o acesso gratuito a recursos educacionais de qualidade Imagem de uma seta para baixo. Mar. 2020. Disponível em: https://fundacaolemann.org.br/noticias/ferramentas-e-acoes-para-fortalecer-a-aprendizagem-remota. Acesso em: 22 jun. 2020.
https://fundacaolemann.org.br/noticias/f...
, on line).

O direcionamento para uma formação patronal manifesta-se também no Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB), APH criado em 2016, que se define como uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, que oferece sustentação às redes “[…] públicas de ensino básico a realizar uma transformação sistêmica nos processos de aprendizagem, gerando mais qualidade para a educação, por meio do uso eficaz das tecnologias digitais” (CIEB, 2020CIEB. 2020. Disponível em: https://cieb.net.br/#o-que-fazemos. Acesso em: 15 set. 2020.
https://cieb.net.br/#o-que-fazemos...
, on line). O CIEB apresenta inúmeros produtos e ferramentas que se alinham com as diretrizes apontadas pelos documentos analisados, tais como:

Itinerário formativo em cultura digital para o ensino médio, Evidências sobre tecnologias educacionais – orientação para políticas públicas baseadas em pesquisas, Currículo de referência em tecnologia e computação: ferramenta para construção de currículo da educação infantil ao ensino fundamental e outros7 7 Atualmente, segundo o CIEB, das 449 startups de tecnologia educacional, mapeadas e em atuação no país, 70,6% apresentam soluções para o ensino básico (infantil, fundamental e médio). Inúmeras reportagens informam de modo tendencioso sobre o mercado potencialmente lucrativo que se vislumbra com a tecnologia educacional que, se, antes da pandemia, consistia num horizonte inevitável, agora encontra as condições propícias para sua implantação. As startups, chamadas edtechs, apresentam-se como soluções, segundo as reportagens de portais: “[…] Covid-19 e o isolamento social impulsionam as startups de educação. As edtechs estão despertando a atenção por explorarem e criarem ferramentas tecnológicas voltadas para um mundo irreversivelmente digital” (Marini, 2020, on line). (CIEB, 2020CIEB. 2020. Disponível em: https://cieb.net.br/#o-que-fazemos. Acesso em: 15 set. 2020.
https://cieb.net.br/#o-que-fazemos...
, on line).

O que podemos projetar para a educação e suas tecnologias após a pandemia? Para o capital, a perspectiva é abocanhar recursos públicos na educação básica, conforme descrito a seguir por Motta, Leher e Gawryszewski (2018MOTTA, Vânia C.; LEHER, Roberto; GAWRYSZEWSKI, Bruno. A pedagogia do capital e o sentido das resistências da classe trabalhadora. Ser social, Brasília, v. 20, n. 43, p. 310-328, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.26512/ser_social.v20i43.18862. Acesso em: 12 nov. 2020.
https://doi.org/10.26512/ser_social.v20i...
, p. 319):

Na educação, a mercantil-filantropia adentra ferozmente aos fundos públicos por meio de parcerias, consórcios e mercantilização de suas mercadorias. Capitalizado o ensino superior, agora, o radar dos investidores e das grandes corporações do ramo educativo volta-se para o Ensino Médio, a exemplo dos grupos Kroton, SEB e Ser Educacional. É o capital que opera a matriz curricular, a forma de avaliação e estrutura, e, cada vez mais, o cotidiano escolar.

A atuação do capital privado, que se concentrava no ensino superior, vem avançando significativamente para a educação básica, cuja tecnologia parece ser o carro-chefe. A mercantilização, que transforma o direito à educação em mercadoria, e a financeirização, formação de oligopólios educacionais pela ampliação e fusões de capital privado que negociam suas ‘fábricas de ensinar’ na bolsa de valores, se intensificam com os conglomerados educacionais. Desse modo, abrem caminho para a venda de tecnologias educacionais para as redes públicas de ensino. É algo de corriqueira perversidade, pois expressa a prática de drenar o fundo público para o capital privado, controlando a formação da classe trabalhadora e retirando-lhe direitos essenciais. O que estamos assistindo é um “[…] controle ideológico do sistema educacional pelas corporações empresariais para colocá-lo a serviço de interesses de mercado, estreitando as finalidades educativas” (Freitas, 2012FREITAS, Luiz. C. Os reformadores empresariais da educação: da desmoralização do magistério à destruição do sistema público de educação. Educação e Sociedade, Campinas, v. 33, n. 119, p. 379-404, jun. 2012. DOI:10.1590/S0101-73302012000200004.
https://doi.org/10.1590/S0101-7330201200...
, p. 387). Nas palavras de Mészáros (2008MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2008., p. 16),

Talvez nada exemplifique melhor o universo instaurado pelo neoliberalismo, em que ‘tudo se vende, tudo se compra’, ‘tudo tem preço’, do que a mercantilização da educação. Uma sociedade que impede a emancipação só pode transformar os espaços educacionais em shopping centers, funcionais à sua lógica do consumo e do lucro.

O projeto educacional apresentado investe deliberadamente contra a classe trabalhadora. Diante disso, é necessário e urgene desmistificar as boas intencionalidades do patronato e denunciar o caráter explorador, opressivo e predatório da intervenção empresarial na educação pública. Nesse sentido, ressalta-se que os trabalhadores da educação vêm sofrendo um processo de adoecimento provocado por sistemáticas cobranças por resultados inalcançáveis. Em um período pandêmico, como o que estamos passando, com drásticas consequências para a saúde da população, esses profissionais têm sua condição agravada pelas tarefas de dominar ambientes virtuais e ferramentas tecnológicas com potencialidade de vigiar e controlar os próprios docentes, tornando-os meros apêndices do chamado ensino remoto.

Não bastasse isso, soluções de toda ordem são exigidas e cobradas dos docentes, desde aulas mais criativas e estratégias de inclusão de alunos com distintas carências e diversas demandas, sejam elas materiais sejam emocionais. Ou seja, descaradamente, são instados a se “‘reinventarem’, lançando mão de ‘criatividade’, ‘inventividade’ e ‘jogo de cintura’ para minimizar as consequências sofridas no seu trabalho”. (Menezes, Martilis, Mendes, 2021MENEZES, Maria G.; MARTILIS, Luiz F. S.; MENDES, Virzangela P. S. Os impactos do ensino remoto para a saúde do trabalhador docente em tempos de pandemia. Universidade e Sociedade, Rio de Janeiro, ano XXXI, n. 67, p. 50-61, jan. 2021. Disponível em: https://www.andes.org.br/sites/universidade_e_sociedade. Acesso em: 25 fev. 2021.
https://www.andes.org.br/sites/universid...
, p. 55, grifos no original). Estas receitas e orientações repetidas ao passo que lhes é retirada a autonomia no processo pedagógico.

Considerações emergenciais: a leitura dos documentos na relação capital-trabalho e educação

Uma situação paradoxal avulta na crise sanitária provocada pela pandemia do novo coronavírus: enquanto milhares de trabalhadores sofrem com o aumento exponencial do desemprego, que conta com 12,8 milhões de desempregados no 2° trimestre de 2020 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2020INSTITUTO BRASILEIRO DE INCENTIVO AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (IBIDS). ONU: mundo deve ‘redesenhar’ a educação em meio à pandemia. 5 ago. 2020. Disponível em: http://www.ibids.org.br/reflexoes/educacao/onu-mundo-deve-redesenhar-a-educacao-em-meio-a-pandemia/. Acesso em: 4 set. 2020.
http://www.ibids.org.br/reflexoes/educac...
), incluindo trabalhadores da educação (Andrighetto, 2020ANDRIGHETTO, Fábio. Mais de 1.800 professores universitários foram demitidos em meio à pandemia em SP. Catraca Livre, São Paulo, 28 ago. 2020. Seção Educação. Disponível em: https://catracalivre.com.br/educacao/mais-de-1-800-professores-universitarios-foram-demitidos-em-meio-a-pandemia/. Acesso em: 17 set. 2020.
https://catracalivre.com.br/educacao/mai...
), empresas de tecnologia e bilionários aumentam seu patrimônio. De acordo com reportagem publicada pela revista Exame no dia 30 de julho de 2020, “Apple, Amazon, Facebook e Google superam as expectativas e já valem US$ 5 trilhões de dólares” (Vitorio e Cury, 2020VITORIO, Tamires; CURY, Maria E. Apple, Amazon, Facebook e Google superam expectativas e já valem US$ 5 tri. Exame, São Paulo, 30 jul. 2020. Seção Tecnologia. Disponível em: https://exame.com/tecnologia/apple-amazon-facebook-e-google-superam-expectativas-e-ja-valem-us-5-tri/. Acesso em: 5 set. 2020.
https://exame.com/tecnologia/apple-amazo...
, on line). Já na América Latina, o relatório Quem Paga a Conta? – Taxar a Riqueza para Enfrentar a Crise da Covid-19 na América Latina e Caribe, lançado pela Oxfam em 27 de julho de 2020, demonstra que “[…] os bilionários desta parte do mundo ficaram imunes à crise econômica provocada pelo Coronavírus numa das regiões mais desiguais do planeta” (Oxfam, 2020OXFAM BRASIL. Bilionários da América Latina aumentaram fortuna em US$ 48,2 bilhões durante a pandemia. 2020. Disponível em: https://www.oxfam.org.br/noticias/bilionarios-da-america-latina-e-do-caribe-aumentaram-fortuna-em-us-482-bilhoes-durante-a-pandemia-enquanto-maioria-da-populacao-perdeu-emprego-e-renda/. Acesso em: 15 ago. 2020.
https://www.oxfam.org.br/noticias/bilion...
, on line). Também asseguram que “Bilionários da América Latina aumentaram fortuna em US$ 48,2 bilhões durante a pandemia” (Oxfam, 2020OXFAM BRASIL. Bilionários da América Latina aumentaram fortuna em US$ 48,2 bilhões durante a pandemia. 2020. Disponível em: https://www.oxfam.org.br/noticias/bilionarios-da-america-latina-e-do-caribe-aumentaram-fortuna-em-us-482-bilhoes-durante-a-pandemia-enquanto-maioria-da-populacao-perdeu-emprego-e-renda/. Acesso em: 15 ago. 2020.
https://www.oxfam.org.br/noticias/bilion...
, on line).

A questão que se coloca é compreender esses dados fugindo de argumentos vaticinados em uníssono pelas entidades empresariais acima referidas, que reduzem o problema a uma mera questão de má distribuição de renda, para a qual uma ‘justa’ reforma tributária, combinada com uma educação atinente aos avanços tecnológicos e atenta às competências socioemocionais, teria o condão de resolver. Desvendar essa cilada exige um método de análise capaz de alcançar a raiz dos fenômenos aparentes, e é no legado de Marx que estão esses fundamentos.

Importante aqui destacar que trabalho é, para Marx, a categoria fundante do ser social, pois é pelo trabalho que o homem transforma a natureza para atender a necessidades; ao fazê-lo, transforma a si e à própria natureza, resultando em um processo de criação perene “[…] de novas possibilidades e necessidades históricas, tanto sociais como individuais, tanto objetivas quanto subjetivas” (Lessa, 2007LESSA, Sérgio. Trabalho e proletariado no capitalismo contemporâneo. São Paulo: Cortez, 2007., p. 142). Acontece que, sob o modo de produção capitalista, a produção da existência dá-se pela divisão social do trabalho e pela propriedade privada dos meios de produção, na qual a força de trabalho é reduzida a mera mercadoria. O que interessa ao capital não é o trabalho como valor de uso para atender a necessidades humanas, ainda que dele não possa prescindir, mas o trabalho como valor de troca, para assim garantir as necessidades do capital em seguir seu curso de acumulação por meio da extração da mais-valia (o excedente de trabalho apropriado pelos proprietários dos meios de produção). Ao trabalhador resta o quinhão cada vez mais insuficiente − até mesmo para se reproduzir como força de trabalho.

Quando Marx empreende a análise do capital, buscando compreender seu movimento, suas contradições e suas leis gerais, conclui, conforme observa Iasi (2017IASI, Mauro. Política, Estado e ideologia na trama conjuntural. São Paulo: ICP, 2017., p. 64), “[…] que o capital não se moveria conforme espera a profecia liberal, ou seja, em uma espiral virtuosa de produção, empregos, salários, consumo e novo ciclo de produtividade do trabalho”. Isso porque é próprio da natureza do capital ter problemas em razão de suas crises de acumulação. Do mesmo modo, “Trata-se de uma lei que estabelece uma correlação fatal entre a acumulação do capital e a acumulação da miséria”. (Marx, 1965 apud Iasi, 2017IASI, Mauro. Política, Estado e ideologia na trama conjuntural. São Paulo: ICP, 2017., p. 64).

Portanto, a polarização entre pobreza e riqueza é apenas a aparência das determinações que estão na base da lógica de funcionamento do capital que, por seu turno, estão vinculadas ao desenvolvimento da crise capitalista. Como pontua Carcanholo (2010CARCANHOLO, Marcelo D. Crise econômica atual e seus impactos para a organização da classe trabalhadora. Aurora, Marília, v. 6, n. 4, p. 1-10, ago. 2010. DOI: 10.36311/1982-8004.2010.v3n2.1226.
https://doi.org/10.36311/1982-8004.2010....
, p. 01), a acumulação de capital leva as contradições do capitalismo a um nível em “[…] que as crises são a forma que esse mesmo modo de produção encontra para, ao mesmo tempo, manifestar o momento de irrupção dessas contradições e o restabelecimento da unidade entre a produção e a apropriação do valor”. Nas palavras do próprio Marx (2008MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro Terceiro, o processo global de produção capitalista. v. 4. Tradução de Reginaldo Sant’Anna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008., p. 327), as crises “[…] não são mais do que soluções momentâneas e violentas das contradições existentes, erupções bruscas que restauram transitoriamente o equilíbrio desfeito”.

Na formulação de Marx, o desequilíbrio se dá pela desproporcionalidade entre a ampliação do trabalho morto e a compulsória diminuição do trabalho vivo. Isso ocorre porque o capital vive na concorrência entre capitalistas e a cada novo ciclo de acumulação os investimentos devem garantir aumento na produtividade do trabalho mediante o desenvolvimento de tecnologias. Acontece que o valor é determinado pela quantidade de trabalho humano abstrato e, portanto, somente pode ser obtido pelo consumo da força de trabalho. Então, tem-se uma situação de instabilidade exatamente por haver um maior incremento em capital constante, como máquinas e matérias-primas, em detrimento do investimento em capital variável, isto é, a força de trabalho, provocando a queda tendencial da taxa de lucro (Marx, 2011MARX, Karl. A lei geral da acumulação capitalista. In: MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. 25. ed. São Paulo: Civilização Brasileira, 2011. v. 2, livro II, p. 713-824.) e a consequente retomada do ciclo valendo-se de dispositivos que atenuem o efeito.

É por esse motivo que, para combater a pretensa subordinação do trabalho à tecnologia, é necessário resgatar o trabalho como categoria determinante na organização da sociedade burguesa, a despeito de todo negacionismo do capital sobre o trabalho vivo como fonte de riqueza pari passu ao enaltecimento fetichista das tecnologias.

Alguns elementos essenciais dessa natureza cíclica da crise do capital, e suas manifestações atuais, podem ser mais bem entendidos no seguinte excerto de Carcanholo (2010CARCANHOLO, Marcelo D. Crise econômica atual e seus impactos para a organização da classe trabalhadora. Aurora, Marília, v. 6, n. 4, p. 1-10, ago. 2010. DOI: 10.36311/1982-8004.2010.v3n2.1226.
https://doi.org/10.36311/1982-8004.2010....
, p. 9):

O que caracteriza uma crise no capitalismo […] é que uma massa de valor-capital se valoriza excessivamente com relação à possibilidade de manutenção das taxas de lucro que imperam até aquele momento. Assim, o papel “saneador” da crise é justamente desvalorizar essa pletora de capitais superacumulados […]. Na crise atual por que passa o capitalismo, o capital sobreacumulado se concentrava na forma de capital fictício, títulos financeiros (direitos sobre apropriação futura de valor), sem correspondência maior com a massa real de valor produzido pelo capital produtivo. Assim, a reversão cíclica – para que uma nova fase sustentável de acumulação de capital fosse possível – deveria levar a essa desvalorização, o que, na prática, redundaria em quebra maciça de bancos, fundos de investimento, fundos de pensão, etc. Antes que isso se alastrasse, os governos da grande maioria dos países se anteciparam para criar condições de monetizar (dar maior liquidez) para esse capital fictício […] Como se fez isso? Basicamente com a expansão da dívida pública […].

A crescente degradação das condições de vida da população mundial, em larguíssima medida, indica a devastadora avidez do capital na recuperação de suas taxas de lucro à custa da exploração da classe trabalhadora; desse modo, a cada nova crise do capital, são implementadas políticas mais regressivas aos trabalhadores. Marx (2008)MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro Terceiro, o processo global de produção capitalista. v. 4. Tradução de Reginaldo Sant’Anna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. denominou de ‘contratendências’ as ações por parte do capital para se recuperar ou para minimizar a queda tendencial da taxa de lucro, materializadas em seis dimensões: intensificação da exploração do trabalho; redução dos salários; baixa de preços do capital constante; constituição de uma superpopulação relativa; ampliação do mercado externo e aumento do capital em ações.

Na particularidade histórica brasileira, as contratendências são obscenas e vigorosamente executadas e ganharam inequívoca severidade após o golpe parlamentar-jurídico-midiático de 2016, no qual frações intraburguesas disputaram a direção e domínio desse processo tanto nos aparelhos de Estado restrito quanto nos APHs. Exemplos dessas políticas podem ser exaustivamente comprovados nas contrarreformas mais recentes (Granemann, 2020GRANEMANN, Sara. Quando o capital vai às compras: direitos sociais, privatizações e a acumulação capitalista. Revista Linhas, Florianópolis, v. 21, n. 46, p. 50-71, maio/ago. 2020. DOI: 10.5965/1984723821462020050.
https://doi.org/10.5965/1984723821462020...
).

Desta problematização, depreendem-se três pontos. O primeiro considerar que a composição de uma força de trabalho compatível aos diferentes padrões de acumulação capitalista seja uma imposição do capital, não uma prerrogativa da escola (Silva, 2019SILVA, Mariléia M. O capital e a fonte da juventude. In: MARCASSA, Luciana P.; CONDE, Soraya F.; DALMAGRO, Sandra L. (org.). Juventude pobre e escolarização: trabalho, cultura e perspectivas de futuro nos territórios do Maciço do Morro da Cruz - Florianópolis. Florianópolis: Editoria em Debate, 2019. p. 11-20. Disponível em: http://editoriaemdebate.ufsc.br/catalogo/wp-content/uploads/LUCIANA-MORRO-DA-CRUZ-E-BOOK.pdf. Acesso em: 21 dez. 2020.
http://editoriaemdebate.ufsc.br/catalogo...
). Nesse sentido, “Apreender os dilemas atuais da escola em geral e, em particular, os colocados para o trabalhador que estuda, implica, rigorosamente, apropriar-se da natureza das determinações do capital” (Silva, 2019SILVA, Mariléia M. O capital e a fonte da juventude. In: MARCASSA, Luciana P.; CONDE, Soraya F.; DALMAGRO, Sandra L. (org.). Juventude pobre e escolarização: trabalho, cultura e perspectivas de futuro nos territórios do Maciço do Morro da Cruz - Florianópolis. Florianópolis: Editoria em Debate, 2019. p. 11-20. Disponível em: http://editoriaemdebate.ufsc.br/catalogo/wp-content/uploads/LUCIANA-MORRO-DA-CRUZ-E-BOOK.pdf. Acesso em: 21 dez. 2020.
http://editoriaemdebate.ufsc.br/catalogo...
, p. 13). Como nos lembra a autora, é preciso interrogar “[…] qual a forma/forja mais apropriada, em momentos de crise, para formar/disciplinar o trabalhador sob o ponto de vista do capital?” (Silva, 2019SILVA, Mariléia M. O capital e a fonte da juventude. In: MARCASSA, Luciana P.; CONDE, Soraya F.; DALMAGRO, Sandra L. (org.). Juventude pobre e escolarização: trabalho, cultura e perspectivas de futuro nos territórios do Maciço do Morro da Cruz - Florianópolis. Florianópolis: Editoria em Debate, 2019. p. 11-20. Disponível em: http://editoriaemdebate.ufsc.br/catalogo/wp-content/uploads/LUCIANA-MORRO-DA-CRUZ-E-BOOK.pdf. Acesso em: 21 dez. 2020.
http://editoriaemdebate.ufsc.br/catalogo...
, p. 14). Sua resposta, apoiada em Fontes (2010)FONTES. Virgínia. O Brasil e o capital-imperialismo: teoria e história. Rio de Janeiro: Fiocruz/UFRJ Editora, 2010. (Pensamento Crítico, 15)., enfatiza a disponibilização, em uma escala sem precedente, de um contingente elevado de trabalhadores destituídos de quaisquer meios de subsistência, e com maior dependência em relação ao mercado. Na potente síntese, Fontes (2017FONTES. Virgínia. Capitalismo em tempos de uberização: do emprego ao trabalho. Marx e o Marxismo: Revista do NIEP, Rio de Janeiro, v. 5, n. 8, p. 46-67, jan./jun. 2017. Disponível em: http://www.niepmarx.blog.br/revistadoniep/index.php/MM/article/view/220. Acesso em: 10 out. 2020.
http://www.niepmarx.blog.br/revistadonie...
, p. 49) esclarece:

Os Estados capitalistas realizaram um duplo movimento: reduziram sua intervenção na reprodução da força de trabalho empregada, ampliando a contenção da massa crescente de trabalhadores desempregados, preparando-os para a subordinação direta ao capital. Isso envolve assumir, de maneira mais incisiva, processos educativos elaborados pelo patronato, como o empreendedorismo e, sobretudo, apoiar resolutamente o empresariado no disciplinamento de uma força de trabalho para a qual o desemprego tornou-se condição normal (e não apenas mais uma ameaça disciplinadora). […] Um segundo aspecto é a redução dos recursos disponíveis para o Estado, de um lado pela redução de suas fontes de recursos, sejam aquelas ligadas ao assalariamento, seja pela evasão fiscal empresarial sob múltiplos formatos; de outro, pelo aumento do apetite inexorável do capital captando recursos públicos para sua expansão internacional e/ou em momentos de crise.

O segundo ponto nos remete ao fato de que os documentos produzidos pelos APHs e intelectuais coletivos do capital, abordados neste texto, dirigidos à formação das crianças, jovens e adultos da escola pública e do ensino profissional, não podem ser lidos descolados da inter-relação com a forma como é produzida a existência na sociedade capitalista, conforme já aludido. Caso isso ocorra, haverá o risco de cancelamento da categoria ‘trabalho’ como fundante do ser social e, em seu lugar, se assumir a categoria ‘política’ ou ‘relações de poder’ de maneira autonomizada, desprovida da materialidade que pode constituir uma ou outra. As ditas razões políticas e ideológicas que guiam os documentos sobre políticas educacionais expressam intencionalidades construídas para e pela classe dominante, mas isso se explica porque essa é a classe que detém os meios de produção materiais. Conforme Marx e Engels em A ideologia alemã (2007MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo editorial, 2007., p. 47, grifos no original):

As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes; isto é, a classe que é a força ‘material’ dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força ‘espiritual’ dominante […] as ideias dominantes não são nada mais do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, […] portanto, são a expressão das relações que fazem de uma classe a classe dominante, são as ideias de sua dominação. Os indivíduos que compõem a classe dominante possuem, entre outras coisas, também consciência e, por isso, pensam; na medida em que dominam como classe e determinam todo o âmbito de uma época histórica, é evidente que eles o fazem em toda a sua extensão, portanto, […] que eles dominam como pensadores, como produtores de ideias, que regulam a produção e distribuição das ideias do seu tempo; e, por conseguinte, que suas ideias são as ideias dominantes da época.

Dois aspectos desdobram-se desse ponto. O primeiro refere-se à conjuntura de intensificação e diversificação das formas de expropriação do trabalho humano, a qual resulta na necessidade de maior controle e apassivamento da classe trabalhadora. Daí o engodo sobre o poder das habilidades e competências socioemocionais paralidar com as consequências nefastas do acirramento das contradições sociais, como a precarização do trabalho, o desemprego massivo e a falta de expectativa da juventude no prometido futuro. Tais consequências conjugam-se com implicações na saúde mental de forma dramática, resultante da pandemia do novo coronavírus associada à crise do capital.

O segundo aspecto diz respeito ao fechamento das escolas, em razão da crise sanitária em todo o mundo. Tal medida intensificou as discussões, contrárias e favoráveis, sobre o uso do ensino remoto ou EaD, colocando no debate sua pertinência e sua abrangência, expondo fragilidades de acesso aos recursos tecnológicos e de infraestrutura pelas camadas mais pauperizadas da classe trabalhadora. Os ideólogos do capital rapidamente se apressaram no exercício da usual rapinagem burguesa, apresentando serviços e produtos disponíveis para a venda às escolas públicas, além de intensificarem a reverência às tecnologias e às competências socioemocionais, isto é, uma sociabilidade que atenda, oportunamente, à agenda capitalista pragmatista, utilitária, e com trabalhadores ‘resilientes’, passivos, adaptáveis às constantes mudanças.

O terceiro ponto é que o interesse do capital, mediado por seus intelectuais coletivos e APHs em seu conjunto, ainda que permeado de contradições e disputas internas, vem acirrando sua advocacia para o desenvolvimento de uma formação da força de trabalho que se dê ‘para’ a tecnologia e ‘pela’ tecnologia, tomada como um imperativo absoluto e sobreposto à própria existência. É possível identificar, na análise dos documentos, o binômio tecnologia e educação no sentido de ‘uma educação que prepare para um mercado de trabalho guiado pela tecnologia e uma educação orientada pela própria tecnologia’. Essa ideologia, no sentido de Marx, cuja ideologia sempre pressupõe uma relação de dominação, oculta, inverte e naturaliza a realidade na medida em que atua no senso comum, construindo concepções de que a tecnologia irá substituir postos de trabalho e, portanto, precisa estar presente na escola, não apenas como conteúdo, mas também como método. Ademais, emerge como um lucrativo negócio para o capital, que precisa recompor suas taxas de lucro diante das suas sucessivas e inerentes crises.

Considerações finais

As considerações apresentadas no presente artigo, analisadas sob o método do materialismo histórico fundado por Marx e apropriado por Gramsci, convergem para uma compreensão crucial e cristalina, qual seja: a educação como elemento fundamental na preparação da mercadoria força de trabalho em um contexto de crise do capital majorada com a pandemia do novo coronavírus. O que está em jogo é a crescente necessidade do capital em assegurar os mais altos níveis de produtividade que compensem, ainda que minimamente, a queda tendencial da taxa de lucro, o que, por sua vez, exige do Estado, nos termos de Gramsci, a renovação da construção de hegemonia, seja no sentido de direção seja na perspectiva do domínio. Sob esse ângulo, a causa da crise do capital não está na condição pandêmica, embora essa o agrave em determinados aspectos, mas na natureza cíclica das crises, própria do processo de acumulação capitalista. Do mesmo modo, a emergência de políticas educacionais guiadas por ‘soluções tecnológicas’ e ‘conselhos de autoajuda’, fundadas na pseudociência das competências socioemocionais e outras querelas, não está na necessidade temporária do distanciamento social em razão da pandemia do novo coronavírus. As referidas políticas educacionais focam na disputa inerente pelo processo de formação da classe trabalhadora, tanto no que se refere ao amoldamento da consciência e formação técnica para o trabalho quanto no que diz respeito ao acesso e uso do fundo público, destinado à educação, em proveito do capital privado.

Por essa razão, os documentos produzidos pelos intelectuais coletivos do capital e avalizados pelos APHs, com desdobramentos em políticas educacionais, vão na direção de elaborar uma concepção de educação, como se esta fosse redentora das desigualdades sociais. Portanto, na leitura a contrapelo desses documentos, fica evidente que a classe que possui os meios de produção materiais possui também os meios de difundir sua ideologia, como já ressaltado. Desse modo, a configuração e a conformação do binômio ‘trabalho e educação’ não estão acima dos interesses de classe, mas se estabelecem na relação capital-trabalho, que deve ser entendida como de interesses antagônicos irreconciliáveis entre quem detém os meios de produção e quem produz a riqueza socialmente necessária.

Para finalizar, destaca-se a necessidade de atentar para o fato de que os interesses da classe trabalhadora não convergem com os interesses de entidades associativas empresariais com ou sem fins lucrativos nem estão alinhados ipsis litteris aos OMs. Destes, somente pode se esperar a construção de uma sociabilidade para o apassivamento diante das fissuras sociais cada vez mais evidentes, próprias da ordem burguesa, tal como a necessidade de naturalizar o adoecimento e óbitos pela Covid-19 como uma fatalidade. Por isso, quem deve pautar a educação da classe trabalhadora é a própria classe.

  • 1
    O artigo corresponde aos achados de uma pesquisa documental ‘guarda-chuva’, em andamento coordenada pelo autor principal, com a participação dos demais autores do presente artigo, cuja temática refere-se à atuação da FIESC na educação por meio do ‘Movimento Santa Catarina pela Educação’, criado pela própria entidade em 2012 e outros APHs com interferência na educação. Não há conflito de interesses e em razão de sua natureza está dispensada de apreciação pelo Comitê de Ética. A pesquisa contou com bolsistas de iniciação científica durante dois anos. Não tem financiamento.
  • 2
    A declaração foi resultado da Conferência Mundial de Educação Para Todos, realizada em 1990, em Jomtien, na Tailândia, organizada por Unesco, Unicef, PNUD e BM, tendo como copatrocinadores o Banco Interamericano de Desenvolvimento, Banco Asiático de Desenvolvimento, USAID, entre outros (Barão, 1999BARÃO, Gilcilene O. D. Conferência mundial de educação para todos: um novo consenso para a universalização da educação básica. 1999. 253 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, UFRJ, Rio de Janeiro, 1999. Disponível em: http://www.proped.pro.br/teses/teses_pdf/gilcilene_de_oliveira_damasceno_barao-ME.pdf. Acesso em: 7 dez. 2020.
    http://www.proped.pro.br/teses/teses_pdf...
    ).
  • 3
    A Unesco, junto com o Unicef, o BM, o UNFPA, o PNUD, a ONU Mulheres e o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), organizou o Fórum Mundial de Educação 2015, em Incheon, na Coreia do Sul, entre 19 e 22 de maio de 2015. Houve mais de 1.600 participantes de 160 países, incluindo mais de 120 ministros, chefes e membros de delegações, líderes de agências e funcionários de organizações multilaterais e bilaterais, além de representantes da sociedade civil, da profissão docente, do movimento jovem e do setor privado, que adotaram a Declaração de Incheon para a Educação 2030, que estabelece uma nova visão para a educação para os próximos 15 anos. (Unesco et al., 2016UNESCO et al. Declaração de Incheon e marco de ação para a implementação do objetivo de desenvolvimento sustentável 4: assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos. Educação 2030. Brasília, 2016. Disponível em: https://inee.org/system/files/resources/245656por.pdf. Acesso em: 11 nov. 2020.
    https://inee.org/system/files/resources/...
    , p. 7).
  • 4
    Elaborada por Theodore William Schultz (1902-1998), visava descobrir o fator que pudesse explicar as variações do desenvolvimento e subdesenvolvimento entre os países.
  • 5
    Termo trabalhado pela pesquisadora Marise Nogueira Ramos para caracterizar como a noção de competências tem ordenado as relações educativas. Esta formulação é discutida em seu livro A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação?, lançado em 2001 pela editora Cortez.
  • 6
    A Federação das Indústrias de Santa Catarina, a exemplo de outras federações das indústrias atuantes nos demais estados, constitui-se como um importante APH na relação com o governo do Estado de Santa Catarina, interferindo e elaborando, por diversas frentes, a pauta das políticas públicas, seja na economia seja na educação. Observa-se que os encaminhamentos das políticas educacionais em Santa Catarina, no âmbito do governo do Estado, estão, em grande medida, alinhados às proposições da FIESC.
  • 7
    Atualmente, segundo o CIEB, das 449 startups de tecnologia educacional, mapeadas e em atuação no país, 70,6% apresentam soluções para o ensino básico (infantil, fundamental e médio). Inúmeras reportagens informam de modo tendencioso sobre o mercado potencialmente lucrativo que se vislumbra com a tecnologia educacional que, se, antes da pandemia, consistia num horizonte inevitável, agora encontra as condições propícias para sua implantação. As startups, chamadas edtechs, apresentam-se como soluções, segundo as reportagens de portais: “[…] Covid-19 e o isolamento social impulsionam as startups de educação. As edtechs estão despertando a atenção por explorarem e criarem ferramentas tecnológicas voltadas para um mundo irreversivelmente digital” (Marini, 2020MARINI, Eduardo. Covid-19 e o isolamento social impulsionam as startups de educação. Educação, São Paulo, 23 maio 2020. Seção Gestão. Disponível em: https://revistaeducacao.com.br/2020/05/23/edtechs-educacao-covid/. Acesso em: 23 maio 2020.
    https://revistaeducacao.com.br/2020/05/2...
    , on line).
  • Financiamento
    Não se aplica.
  • Aspectos éticos
    Não se aplica.
  • Apresentação prévia
    Não se aplica.

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    25 Jan 2021
  • Aceito
    12 Mar 2021
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