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A potência do SUS no enfrentamento à Covid-19: alocação de recursos e ações nos municípios brasileiros

The power of the SUS in the fight against Covid-19: allocation of resources and actions in Brazilian municipalities

La potencia del SUS en la lucha contra Covid-19: asignación de recursos y acciones en los municipios brasileños

Resumo

Neste artigo, objetivou-se analisar a forma como os governos municipais responderam à crise sanitária e quais medidas desenvolveram em termos de diagnóstico da Covid-19 e alocação dos recursos provenientes de fontes federais. Para tanto, informações oriundas de uma pesquisa com 4.061 prefeitos coordenada pela Confederação Nacional dos Municípios foram sistematizadas e comparadas com outras bases de dados oficiais. Conclui-se que, a despeito da falta de instrumentos de coordenação desenvolvidos em âmbito federal, a destinação dos recursos e o desenvolvimento de políticas por parte dos municípios se orientaram pela concentração de serviços de referência regional em municípios de grande e médio portes.

Palavras-chave:
alocação de recursos; política de saúde; Covid-19

Abstract

This article aimed to analyze how municipal governments responded to the health crisis and what measures they developed in terms of diagnosing Covid-19 and allocating resources from Brazil’s federal sources. To this end, information from a survey with 4,061 mayors coordinated by the National Confederation of Municipalities was systematized and compared with other official databases. We concluded that, despite the lack of coordination instruments developed at the federal level, the allocation of resources and the development of policies by the municipalities were guided by the concentration of regional reference services in large and medium-sized municipalities.

Keywords:
resource allocation; health policy; Covid-19

Resumen

El trabajo tiene como objetivo analizar cómo los gobiernos municipales respondieron a la crisis sanitaria, qué medidas desarrollaron en términos de diagnóstico de Covid-19 y cómo asignaron los recursos transferidos desde el gobierno federal de Brasil. Para ello, se sistematizó la información de una encuesta coordinada por la Confederación Nacional de Municipios y se comparó con otras bases de datos oficiales. En cuanto a la conclusión, se argumenta que, a pesar de la falta de instrumentos de coordinación desarrollados a nivel federal, la asignación de recursos y el desarrollo de políticas por parte de los municipios estuvieron orientados por la concentración de los servicios regionales de referencia en los municipios grandes y medianos.

Palabras clave:
asignación de recursos; política de salud; Covid-19

Introdução

No dia 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou estado de emergência global devido à síndrome respiratória aguda grave causada pelo coronavírus (SARS-CoV-2) (Wu et al., 2020WU, Fan et al. A new coronavirus associated with human respiratory disease in China. Nature, v. 579, n. 7.798, p. 265-269, 2020. 10.1038/s41586-020-2008-3 Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41586-020-2008-3 . Acesso em: 23 abr. 2021.
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), e em 11 de março elevou seu estado de contaminação à condição de pandemia global. No Brasil, a implementação das medidas não farmacológicas de combate à crise sanitária ficou a cargo da União, dos estados e dos municípios, que determinaram, por exemplo, o fechamento de atividades não essenciais, a construção de hospitais de campanha e a aquisição de testes e respiradores.

Um tema relevante nesse contexto é o da alocação dos recursos financeiros e insumos estratégicos para o enfrentamento da pandemia, uma vez que o sistema de saúde brasileiro tem gestão e financiamento tripartite, mas o governo federal se absteve de assumir efetivamente a coordenação das ações de enfrentamento (Lui et al., 2021LUI, Lizandro et al. Disparidades e heterogeneidades das medidas adotadas pelos municípios brasileiros no enfrentamento à pandemia de Covid-19. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 19, e00319151, 2021. 10.1590/1981-7746-sol00319 Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/JdjbBW4mBnjDd7kNnQnkwtP/abstract/?lang=pt . Acesso em: 23 abr. 2021.
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; Abrucio et al., 2020ABRUCIO, Fernando L. et al. Combate à COVID-19 sob o federalismo bolsonarista: um caso de descoordenação intergovernamental. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 54, n. 4, p. 663-677, 2020. 10.1590/0034-761220200354 Disponível em: https://www.scielo.br/j/rap/a/bpdbc9zSGCKZK55L3ChjVqJ/abstract/?lang=pt . Acesso em: 19 mar. 2022.
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), o que impôs grandes dificuldades aos estados e, principalmente, aos municípios, que concentram competências de implementação das políticas de saúde.

Entender o papel e o lugar dos municípios na política de saúde demanda considerar as características gerais do arranjo institucional do Sistema Único de Saúde (SUS). Assim, dada a concentração de recursos financeiros, técnicos e informacionais na União, atribuiu-se a esse ente a tarefa de coordenar o planejamento, propor parâmetros e programas nacionais. Aos estados coube a tarefa de coordenação da gestão nas respectivas jurisdições, especialmente no que tange às estratégias de regionalização da saúde, enquanto os munícipios incumbiram-se da implementação das ações e da oferta dos serviços. Nesse caso, reforça-se que o financiamento das ações é uma atribuição compartilhada por todos os entes; contudo, cabe à União papel central nesse processo, dada a concentração das receitas tributárias na esfera federal (Grin, 2014GRIN, Eduardo J. Trajetória e avaliação dos programas federais brasileiros voltados a promover a eficiência administrativa e fiscal dos municípios. Revista de Administração Pública , Rio de Janeiro, v. 48, n. 2, p. 459-480, 2014. 10.1590/0034-76121399 Disponível em: https://www.scielo.br/j/rap/a/B5pZPXNVJG5zKNC6H6m4TSx/abstract/?lang=pt . Acesso em: 19 mar. 2022.
https://www.scielo.br/j/rap/a/B5pZPXNVJG...
; Lui, Schabbach e Nora, 2020LUI, Lizandro; SCHABBACH, Letícia M.; NORA, Carlise R. D. Regionalização da saúde e cooperação federativa no Brasil: o papel dos consórcios intermunicipais. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 25, n. 12, p. 5.065-5.074, 2020. 10.1590/1413-812320202512.03752019 Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/SwygWF8DTW4DsfzK4mdtzkw/?lang=pt . Acesso em: 23 abr. 2021.
https://www.scielo.br/j/csc/a/SwygWF8DTW...
), em que pese o fato de os municípios terem ampliado a participação relativa no financiamento público da saúde, enquanto a União reduziu a sua (Vieira, Piola e Benevides, 2019VIEIRA, Fabiola S.; PIOLA, Sergio F.; BENEVIDES, Rodrigo P. S. Vinculação orçamentária do gasto em saúde no Brasil: resultados e argumentos a seu favor. Brasília: Ipea, 2019. (Texto para Discussão, 2.516) Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/9428 . Acesso em 19 mar. 2022.
http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11...
).

No Brasil, ao longo dos trinta anos de implementação do SUS, um conjunto de inovações no modelo de financiamento das políticas de saúde e na estrutura de arranjos institucionais dos serviços de saúde proporcionou avanços importantes na organização da Atenção Primária e à rede de média e alta complexidades (Giovanella, Franco e Almeida, 2020GIOVANELLA, Ligia; FRANCO, Cassiano M.; ALMEIDA, Patty F. Política nacional de atenção básica: para onde vamos? Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 25, n. 4, p. 1.475-1.482, 2020. 10.1590/1413-81232020254.01842020 Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/TGQXJ7ZtSNT4BtZJgxYdjYG/?lang=pt . Acesso em: 19 mar. 2022.
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; Massuda, 2020MASSUDA, Adriano. Mudanças no financiamento da Atenção Primária à Saúde no sistema de saúde brasileiro: avanço ou retrocesso? Ciência & Saúde Coletiva , v. 25, n. 4, p. 1.181-1.188, 2020. 10.1590/1413-81232020254.01022020 Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/YXgJT56kHyPXDtW4TqVLFMg/?lang=pt . Acesso em: 23 abr. 2021.
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; Pinto e Ximenes, 2018 PINTO, Élida G.; XIMENES, Salomão B. Financiamento dos direitos sociais na Constituição de 1988: do “pacto assimétrico” ao “estado de sítio fiscal”. Educação & Sociedade, São Paulo, v. 39, n. 145, p. 980-1.003, 2018. 10.1590/ES0101-73302018209544 Disponível em: https://www.scielo.br/j/es/a/vz4B7TFqdXFYNxHxRgqzDBd/abstract/?lang=pt . Acesso em: 23 abr. 2021.
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). O movimento de descentralização de recursos federais para municípios, iniciado desde os anos 1990, combinado com iniciativas como a implementação da Estratégia Saúde da Família (ESF), foi decisivo para a expansão da Atenção Primária à Saúde no país e para a estruturação dos demais níveis de atenção (Soares e Ramos, 2020SOARES, César; RAMOS, Marília. Uma avaliação dos efeitos do PMAQ-AB nas internações por condições sensíveis à Atenção Básica. Saúde em Debate, Rio de janeiro, v. 44, n. 126, p. 708-724, 2020. 10.1590/0103-1104202012609 Disponível em: https://www.scielosp.org/pdf/sdeb/2020.v44n126/708-724/en . Acesso em: 23 abr. 2021.
https://www.scielosp.org/pdf/sdeb/2020.v...
). Apesar dos avanços conquistados, o SUS e as políticas de Atenção Primária à Saúde e de Regionalização da Saúde se encontram envoltas em um conjunto de fragilidades estruturais dada a heterogeneidade que marca a federação brasileira, principalmente no que tange às desigualdades regionais, ao subfinanciamento e aos problemas relativos à qualidade dos serviços de saúde prestados (Vieira, Piola e Benevides, 2019VIEIRA, Fabiola S.; PIOLA, Sergio F.; BENEVIDES, Rodrigo P. S. Vinculação orçamentária do gasto em saúde no Brasil: resultados e argumentos a seu favor. Brasília: Ipea, 2019. (Texto para Discussão, 2.516) Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/9428 . Acesso em 19 mar. 2022.
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; Massuda, 2020MASSUDA, Adriano. Mudanças no financiamento da Atenção Primária à Saúde no sistema de saúde brasileiro: avanço ou retrocesso? Ciência & Saúde Coletiva , v. 25, n. 4, p. 1.181-1.188, 2020. 10.1590/1413-81232020254.01022020 Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/YXgJT56kHyPXDtW4TqVLFMg/?lang=pt . Acesso em: 23 abr. 2021.
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; Soares e Ramos, 2020SOARES, César; RAMOS, Marília. Uma avaliação dos efeitos do PMAQ-AB nas internações por condições sensíveis à Atenção Básica. Saúde em Debate, Rio de janeiro, v. 44, n. 126, p. 708-724, 2020. 10.1590/0103-1104202012609 Disponível em: https://www.scielosp.org/pdf/sdeb/2020.v44n126/708-724/en . Acesso em: 23 abr. 2021.
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).

Uma vez que na federação brasileira predominam amplamente os pequenos municípios, dos quais não se espera que ofereçam serviços nos diversos níveis de atenção à saúde - até mesmo em razão de potenciais ineficiências e deseconomias de escala -, a regionalização é percebida como a principal alternativa para buscar a redução das desigualdades no acesso ao SUS (Lui, Schabbach e Nora, 2020LUI, Lizandro; SCHABBACH, Letícia M.; NORA, Carlise R. D. Regionalização da saúde e cooperação federativa no Brasil: o papel dos consórcios intermunicipais. Ciência & Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 25, n. 12, p. 5.065-5.074, 2020. 10.1590/1413-812320202512.03752019 Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/SwygWF8DTW4DsfzK4mdtzkw/?lang=pt . Acesso em: 23 abr. 2021.
https://www.scielo.br/j/csc/a/SwygWF8DTW...
). Os esforços da implementação das estratégias de regionalização remontam à década de 1990, passando por importantes iniciativas coordenadas pelo governo federal nos anos 2000, como a Norma Operacional de Assistência à Saúde (Noas) em 2002 e o Pacto de Gestão na Saúde em 2006, até desaguar no Contrato Organizativo da Ação Pública da Saúde (Coap) em 2011 (Machado, Quaresma e Araújo, 2020MACHADO, José A.; QUARESMA, Guilherme; ARAÚJO, Carmem E. L. Municipal expenditures using own-source revenues and resilience of territorial inequalities in health. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 29, n. 4, e190491, 2020. 10.1590/S0104-12902020190491 Disponível em: https://www.scielosp.org/article/sausoc/2020.v29n4/e190491/ . Acesso em: 23 abr. 2021.
https://www.scielosp.org/article/sausoc/...
). Essas iniciativas visaram construir um arcabouço institucional que orientasse a disposição de recursos e serviços de saúde nos territórios.

Com base na lei n. 13.979, de fevereiro de 2020, que dispôs sobre medidas de emergência para enfrentamento da pandemia, as iniciativas adotadas pelo governo federal relativas ao financiamento das ações de combate à pandemia iniciaram-se em 13 de março de 2020, por meio da medida provisória n. 924, que permitiu o remanejamento dos recursos orçamentários do Ministério da Saúde, e no início do mês de abril foi executada a primeira medida criando o crédito extraordinário. Por meio do decreto legislativo n. 6, de 20 de março de 2020, foi reconhecido estado de calamidade pública para o ano de 2020, e até o mês de outubro desse ano foram publicadas 11 medidas provisórias (MPs), totalizando R$ 44,1 bilhões (Servo et al., 2020SERVO, Luciana M. S. et al. Equipamentos de proteção individual, higienizantes e material de higiene pessoal : preços, regulação e gestão da informação em tempos de coronavírus. Nota Técnica IPEA, n. 63. Brasília: IPEA, 2020 Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/9984 . Acesso em: 12 mar. 2021.
http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11...
).

Em relação à condução do enfrentamento da pandemia, o governo federal, em vez de desenvolver um plano federal e antecipar possíveis problemas, estimulou conflitos institucionais e federativos e principalmente adotou medidas erráticas e descoordenadas (Abrucio et al., 2020ABRUCIO, Fernando L. et al. Combate à COVID-19 sob o federalismo bolsonarista: um caso de descoordenação intergovernamental. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 54, n. 4, p. 663-677, 2020. 10.1590/0034-761220200354 Disponível em: https://www.scielo.br/j/rap/a/bpdbc9zSGCKZK55L3ChjVqJ/abstract/?lang=pt . Acesso em: 19 mar. 2022.
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; Lui et al., 2021LUI, Lizandro et al. Disparidades e heterogeneidades das medidas adotadas pelos municípios brasileiros no enfrentamento à pandemia de Covid-19. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 19, e00319151, 2021. 10.1590/1981-7746-sol00319 Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/JdjbBW4mBnjDd7kNnQnkwtP/abstract/?lang=pt . Acesso em: 23 abr. 2021.
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). Houve ainda demora no repasse dos recursos federais destinados ao combate da pandemia em estados e municípios (Servo et al., 2020SERVO, Luciana M. S. et al. Equipamentos de proteção individual, higienizantes e material de higiene pessoal : preços, regulação e gestão da informação em tempos de coronavírus. Nota Técnica IPEA, n. 63. Brasília: IPEA, 2020 Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/9984 . Acesso em: 12 mar. 2021.
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). No que concerne à execução orçamentária, o principal repasse de recursos do governo federal ocorreu somente na segunda quinzena de maio de 2020, após a saída do segundo ministro da Saúde a ocupar o cargo. Somado a isso, o repasse de recursos foi considerado bastante aquém do esperado e do necessário, a julgar a urgência das demandas relacionadas à crise sanitária (Servo et al., 2020SERVO, Luciana M. S. et al. Equipamentos de proteção individual, higienizantes e material de higiene pessoal : preços, regulação e gestão da informação em tempos de coronavírus. Nota Técnica IPEA, n. 63. Brasília: IPEA, 2020 Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/9984 . Acesso em: 12 mar. 2021.
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).

No final de junho, após quase cem dias de decretação de estado de calamidade pública, de uma dotação orçamentária disponível de R$ 10 bilhões para os governos estaduais e R$ 16,9 bilhões para governos municipais, somente R$ 3,9 bilhões (39,5%) e R$ 5,6 bilhões (33,9%) haviam sido repassados, respectivamente. Foi somente a partir de agosto de 2020 que um volume maior de recursos foi transferido aos estados e municípios (Conselho Nacional de Saúde, 2020CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução n. 652, de 14 de dezembro de 2020. Convoca a 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental (5ª CNSM), cuja etapa nacional será realizada em Brasília, entre os dias 17 e 20 de maio de 2022 Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes-cns/resolucoes-2020 . Acesso em: 10 out. 2021.
http://conselho.saude.gov.br/resolucoes-...
; Fernandes e Pereira, 2020FERNANDES, Gustavo A. A. L.; PEREIRA, Blenda L. S. Os desafios do financiamento do enfrentamento à COVID-19 no SUS dentro do pacto federativo. Revista de Administração Pública , Rio de Janeiro, v. 54, n. 4, p. 595-613, jul. /ago. 2020. 10.1590/0034-761220200290 Disponível em: https://www.scielo.br/j/rap/a/zNs77xnNYYT3xxtTvhTpyVt/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 19 mar. 2022.
https://www.scielo.br/j/rap/a/zNs77xnNYY...
; Servo et al., 2020SERVO, Luciana M. S. et al. Equipamentos de proteção individual, higienizantes e material de higiene pessoal : preços, regulação e gestão da informação em tempos de coronavírus. Nota Técnica IPEA, n. 63. Brasília: IPEA, 2020 Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/9984 . Acesso em: 12 mar. 2021.
http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11...
).

Esses elementos compõem o quadro no qual se ambienta a análise realizada neste artigo. Por um lado, tem-se um sistema de saúde de gestão tripartite, cujos arranjos organizacionais se mostravam altamente institucionalizados no território nacional, a despeito das disparidades regionais, imprimindo lógicas próprias às decisões dos governantes. Por outro lado, há uma crise sanitária que estressa fortemente tal sistema e a prevalência de decisões embasadas na negação da gravidade do problema social e da própria ciência, especialmente por parte do governo federal, o qual tem papel fundamental no financiamento dos serviços.

Diante disso, argumentamos que a racionalidade revelada nas decisões do governo federal de bloquear os mecanismos de contenção do vírus (Calil, 2021CALIL, Gilberto G. A negação da pandemia: reflexões sobre a estratégia bolsonarista. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 140, p. 30-47, 2021. 10.1590/0101-6628.236 Disponível em: https://www.scielo.br/j/sssoc/a/ZPF6DGX5n4xhfJNTypm87qS/abstract/?lang=pt . Acesso em: 23 abr. 2022.
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) encontrou no arranjo institucional do SUS e em seus mecanismos de distribuição de recursos, concentrados em municípios de grande e médio portes que assumem o papel de referências regionais, um elemento organizador - isto é, dado o nível de institucionalização de tal lógica, ao menos no que se refere à alocação de recursos, ela ofereceu uma via de implementação diante de decisões erráticas e hesitantes. Por certo, isso não é suficiente para garantir eficácia e efetividade às ações, diante da falta de coordenação nacional, mas minimiza seus efeitos ao menos no que se refere à alocação de recursos para ações de caráter assistencial.

Nesse quadro, o objetivo deste artigo é contribuir para o aprofundamento do debate referente às medidas de enfrentamento das ações de combate à crise sanitária, analisando a forma como os governos municipais de diferentes portes populacionais responderam à crise sanitária, quais medidas foram adotadas para diagnóstico da Covid-19 e na utilização dos recursos federais.

Estratégia metodológica

Foram empregados dados secundários provenientes de uma pesquisa conduzida pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), de acesso público na internet (Lui, 2021LUI, Lizandro. CNM Data: mendeley data. 2021. v. 1. 10.17632/3fcg7rrgst.1 Disponível em: https://data.mendeley.com/datasets/3fcg7rrgst/1 . Acesso em: 23 abr. 2021.
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). Portanto, não foi necessário submeter o questionário à aprovação em comitês de ética em pesquisa. Importante ressaltar que tal base também foi utilizada em outros estudos que buscaram analisar as ações tomadas pelos entes municipais no enfrentamento da pandemia da Covid-19 (Lui et al., 2021LUI, Lizandro et al. Disparidades e heterogeneidades das medidas adotadas pelos municípios brasileiros no enfrentamento à pandemia de Covid-19. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 19, e00319151, 2021. 10.1590/1981-7746-sol00319 Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/JdjbBW4mBnjDd7kNnQnkwtP/abstract/?lang=pt . Acesso em: 23 abr. 2021.
https://www.scielo.br/j/tes/a/JdjbBW4mBn...
; Santos et al., 2021SANTOS, Andreza A. S. et al. Dataset on SARS-CoV-2 non-pharmaceutical interventions in Brazilian municipalities. Scientific Data, v. 8, n. 1, p. 73, 2021. 10.1038/s41597-021-00859-1 Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41597-021-00859-1 . Acesso em: 23 abr. 2021.
https://www.nature.com/articles/s41597-0...
) devido ao alcance dos dados, o que reforça sua relevância.

A CNM, maior associação municipalista do Brasil, é uma entidade apartidária e sem fins lucrativos que atende prefeitos de diversos municípios e possui grande capilaridade para realização de uma coleta de dados em larga escala. Desse modo, com o fim de identificar as medidas tomadas no enfrentamento da pandemia causada pelo novo coronavírus nos municípios brasileiros, a CNM promoveu uma pesquisa para alcançar as 5.570 municipalidades, de agosto a outubro de 2020 (Confederação Nacional dos Municípios, 2020CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE MUNICÍPIOS (CNM). Pesquisa sobre o novo coronavírus (Covid-19). 2020 Disponível em: https://www.cnm.org.br/biblioteca/exibe/14582 . Acesso em: 19 mar. 2022.
https://www.cnm.org.br/biblioteca/exibe/...
).

Nessa pesquisa, foram entrevistados 4.061 prefeitos (72,3% do total) a respeito do financiamento das políticas de combate à pandemia e das medidas não farmacológicas adotadas. As taxas de resposta variaram por região: Norte: 29,1%; Nordeste: 50,5%; Centro-Oeste: 73,2%; Sudeste: 90,8%; e Sul: 98,1%. Tal diferença pode ser atribuída à infraestrutura municipal e à capacidade da CNM de engajar os municípios a responderem a suas pesquisas (Confederação Nacional dos Municípios, 2020CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE MUNICÍPIOS (CNM). Pesquisa sobre o novo coronavírus (Covid-19). 2020 Disponível em: https://www.cnm.org.br/biblioteca/exibe/14582 . Acesso em: 19 mar. 2022.
https://www.cnm.org.br/biblioteca/exibe/...
). Em que pese a sub-representação dos municípios das regiões Norte e Nordeste, o alcance da base de dados em dimensão nacional permite a identificação de tendências agregadas no plano nacional que dificilmente seriam reformuladas sem a complementação dos inquéritos oriundos dessas duas regiões.

O questionário continha um conjunto de perguntas envolvendo temas como normativas locais, medidas adotadas, recebimento de repasse do governo federal, dentre outras. Para empreender as análises, focamos nos dados concernentes às medidas tomadas no enfrentamento da pandemia de acordo com o porte populacional dos municípios conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2022INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Muni/IBGE: perfil dos municípios brasileiros - pesquisa de informações básicas municipais. Rio de Janeiro: IBGE, 2022.): medidas para diagnosticar pessoas positivas para o novo coronavírus, aporte de recursos do governo federal oferecido aos municípios para controlar sua transmissão e aplicação dos recursos recebidos. As informações coletadas pela CNM se referem a dados e atos de agentes públicos no exercício das suas funções como gestores, portanto, de natureza pública, de modo que não violam os tratados internacionais e a legislação brasileira no que concerne à ética de pesquisa científica.

Além disso, como linha de base para nossa análise considerando o perfil dos municípios segundo o porte populacional, utilizamos dados do Sistema de Informações em Orçamentos Públicos de Saúde (Siops) referentes à formação de receitas e despesas municipais com saúde no ano de 2019 (Brasil, 2019BRASIL. Ministério da Saúde. Siops: Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde - indicadores municipais. Brasília: Ministério da Saúde, 2019 Disponível em: https://bit.ly/2CJ6XD3 . Acesso em: 19 mar. 2022.
https://bit.ly/2CJ6XD3...
), anterior à chegada da pandemia. Nosso objetivo aqui foi discriminar perfis fiscais que caracterizam municípios com diferente porte populacional, de modo a oferecer essa dimensão como critério para interpretação dos dados da Pesquisa CNM.

Elementos para debate

Devido à combinação de exigências para alocação do mínimo de 15% de receitas próprias em saúde (emenda constitucional n. 29/2000) e transferências condicionadas do SUS, o porte populacional dos municípios diz muito sobre a formação de suas receitas e despesas (Tabela 1). Micromunicípios (até 5 mil habitantes) se distinguem por serem, ao mesmo tempo, os que recebem o maior aporte per capita de transferências SUS enquanto alocam os maiores valores per capita de receitas próprias em saúde, do que resulta a maior despesa per capita no setor (Machado, Quaresma e Araújo, 2020MACHADO, José A.; QUARESMA, Guilherme; ARAÚJO, Carmem E. L. Municipal expenditures using own-source revenues and resilience of territorial inequalities in health. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 29, n. 4, e190491, 2020. 10.1590/S0104-12902020190491 Disponível em: https://www.scielosp.org/article/sausoc/2020.v29n4/e190491/ . Acesso em: 23 abr. 2021.
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). Municípios pequenos entre 5 mil e 10 mil habitantes trazem essas características com intensidade bem menor e, comparativamente às demais faixas, ainda apresentam elevados níveis de recebimento de transferências per capita do SUS e de alocação de receitas próprias. Municípios em faixas intermediárias recebem menores valores per capita de transferências SUS e alocam menores valores per capita de receitas próprias, resultando em um patamar inferior de despesas per capita com saúde. Mas municípios acima de 400 mil habitantes retomam níveis mais elevados de despesa per capita com saúde (embora bem abaixo dos micromunicípios), combinando recebimento de maiores valores per capita de transferências SUS e maior alocação de receitas próprias em saúde.

Tabela 1
Perfil fiscal dos municípios brasileiros em saúde por porte populacional. Brasil, 2019.

Essas tendências decorrem da combinação entre o perfil fiscal dos municípios brasileiros e o nível de densidade tecnológica das respectivas redes de atenção. Quanto ao perfil fiscal: menores municípios contam com maior receita per capita disponível, já que a baixa arrecadação própria é compensada com elevados patamares de transferências constitucionais e legais, principalmente do Fundo de Participação dos Municípios (FPM); municípios médios contam com menor receita disponível per capita, já que arrecadam pouco, mas não recebem transferências obrigatórias tão generosas quanto os pequenos; por fim, os grandes municípios retomam maiores níveis de receita disponível per capita, compensando transferências obrigatórias com os maiores patamares de arrecadação própria (Afonso, 2016AFONSO, José R. Federalismo fiscal brasileiro: uma visão atualizada. Caderno Virtual, Brasília, v. 1, n. 34, 2016 Disponível em: https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/cadernovirtual/article/view/2727 . Acesso em: 17 maio 2021.
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; Rezende, 2010REZENDE, Fernando. Federalismo fiscal: em busca de um novo modelo. In: OLIVEIRA, Romualdo P.; SANTANA, Wagner (org.). Educação e federalismo no brasil: combater as desigualdades, garantir a diversidade. Brasília: UNESCO, 2010. p. 71-88.).

Já o nível de densidade tecnológica, em razão dos ganhos de economia de escala e com variações regionais importantes, cresce com o porte populacional dos municípios. Assim, enquanto municípios menores alocam mais proporcionalmente na Atenção Primária, pressionados pelos gastos com pessoal e em especial com os médicos (Machado e Guim, 2017MACHADO, José A.; GUIM, Ana L. Descentralização e igualdade no acesso aos serviços de saúde: o caso do Brasil. Revista do Serviço Público, Brasília, v. 68, n. 1, p. 37-64, 2017 Disponível em: https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/2948/1/RSP%20V.68%20N.1_artigo%20de%2037-64.pdf . Acesso em: 23 abr. 2021.
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), à medida que cresce a população eles passam a assumir papéis mais relevantes como referência regional para atendimentos e a incorporar procedimentos de média e alta complexidades, que também pressionam as despesas com saúde (Machado, Quaresma e Araújo, 2020MACHADO, José A.; QUARESMA, Guilherme; ARAÚJO, Carmem E. L. Municipal expenditures using own-source revenues and resilience of territorial inequalities in health. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 29, n. 4, e190491, 2020. 10.1590/S0104-12902020190491 Disponível em: https://www.scielosp.org/article/sausoc/2020.v29n4/e190491/ . Acesso em: 23 abr. 2021.
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), embora mais incisivamente aqueles procedimentos que incorporam tecnologia na forma de capital fixo. É nesse quadro heterogêneo quanto às capacidades fiscais e técnicas que os municípios brasileiros reagiram à chegada do novo coronavírus.

O segundo conjunto de dados diz respeito às medidas adotadas pelos municípios para diagnóstico da Covid-19. Quanto às iniciativas para diagnóstico (Tabela 2), dos 4.061 municípios respondentes, em média 86,8% informaram ter testado os sintomáticos; 31,8%, os assintomáticos; e 77,6%, os profissionais de grupos prioritários (saúde, segurança e assistência social). Quanto à compra de testes, em média 72,2% adquiriram testes rápidos para testagem local, 74,5% realizaram exames laboratoriais para Covid-19 (PCR) e 30,9% ampliaram a rede local para realização de exames laboratoriais para Covid-19 (PCR).

Tabela 2
Percentual de medidas adotadas pelos municípios (por porte populacional) para diagnosticar pessoas positivas para o novo coronavírus, de acordo com o porte populacional do município. Brasil, 2020.

Como se observa de acordo com o recorte populacional, municípios de menor porte populacional - em especial aqueles com até 5 mil habitantes - implementaram menos medidas relativas à testagem em quase todas as modalidades, embora no caso da aquisição de testes rápidos a distância para as demais faixas seja pequena. Municípios de porte a partir de 20 mil, 50 mil ou 100 mil habitantes realizaram mais modalidades de testagem, com destaque para os municípios de 300 mil a 750 mil habitantes, que apresentaram os melhores resultados para testagens de sintomáticos (91,3%), compra de testes rápidos para testagem local (80,4%), realização de exames laboratoriais (87,0%) e ampliação da rede local para realização de exames laboratoriais para Covid-19 (PCR) (45,7%). A despeito da maior receita disponível para saúde, municípios menores, em especial os micromunicípios, provavelmente enfrentaram mais dificuldades para negociar a aquisição de testes em pequena escala, realizar diretamente os testes ou ampliar os serviços próprios de apoio diagnóstico.

O terceiro conjunto de dados refere-se aos diferentes tipos de apoio financeiro do governo federal: em média, 77,1% receberam recursos financeiros para custeio das ações e dos serviços de saúde; 55,5% obtiveram recursos de emendas parlamentares (individual, bancada, relatoria e comissão); 76,6% receberam auxílio financeiro específico para enfrentamento da Covid-19; 13,4% receberam equipamentos (leito de unidade de terapia intensiva/UTI, respirador mecânico etc.); 23,8% receberam remessa de equipamentos de proteção individual/EPIs (máscara, luva, avental etc.); 49,0% receberam testes rápidos para Covid-19; e 3,0% afirmaram que não receberam nenhum tipo de recursos do governo federal. Na Tabela 3, esses dados são desdobrados de acordo com o porte populacional.

Tabela 3
Percentual de medidas de aporte de recursos do governo federal oferecido aos municípios para controlar a transmissão do novo coronavírus, de acordo com o porte populacional dos municípios. Brasil, 2020.

Na Tabela 3, observa-se que o apoio financeiro do governo federal incidiu mais intensamente sobre os municípios de médio e grande portes, especialmente aqueles com mais de 750 mil habitantes, que exibiram os melhores resultados em todas as categorias. Os municípios com até 20 mil habitantes se distanciaram das faixas mais populosas no recebimento de recursos federais em todas as modalidades, com destaque para aqueles destinados a equipamentos (leito de UTI, respirador mecânico etc.), que não chegaram a uma proporção de 3% em nenhuma faixa. Para os casos de recebimento de remessas de EPIs e de testes rápidos, note-se que municípios com até 750 mil habitantes (5.546 entes locais) não passaram, respectivamente, de 25% e 50%, ao passo que os superiores a essas faixas (24 entes locais) chegaram a 60% e 80%. Se do ponto de vista da rede de serviços - em especial no caso de equipamentos de maior complexidade tecnológica - os maiores níveis de alocação de recursos federais nos municípios de maior porte fazem todo o sentido, combinando economias de escala e referenciamento regional dos serviços, o mesmo não se poderia dizer necessariamente desses últimos dois casos, cujo beneficiamento é difuso.

O quarto conjunto de dados diz respeito à utilização dos recursos transferidos pelo governo federal, apresentada em três blocos: aplicações na rede de saúde; no pagamento de pessoal e prestadores de serviços; além da aquisição de insumos e outros serviços (Tabelas 4, 5 e 6).

Tabela 4
Percentual de medidas de aplicação dos recursos recebidos do governo federal para a Covid-19, na rede assistencial, de acordo com o porte populacional dos municípios. Brasil, 2020.
Tabela 5
Percentual de medidas de aplicação dos recursos recebidos do governo federal (pessoal e prestadores de serviços) para a Covid-19, de acordo com o porte populacional do município. Brasil, 2020.
Tabela 6
Percentual de medidas de aplicação dos recursos recebidos do governo federal (insumos e campanhas) para a Covid-19, de acordo com o porte populacional do município. Brasil, 2020.

Em relação à forma como os municípios alocaram recursos financeiros federais na rede de serviços, em média 28,3% adquiriram equipamentos (respiradores, leitos); 7,8% reformaram unidades básicas de saúde (UBS); 1,60% deles construíram UBS; 11,1% reformaram a unidade hospitalar; 1% dos municípios construíram nova unidade hospitalar; 13,5% investiram na instalação de hospital de campanha; e 45,1% não fizeram investimentos na rede de saúde. Na Tabela 4, esses dados são desdobrados de acordo com o porte populacional.

A distribuição das proporções em municípios por faixa populacional que aplicaram recursos federais para cada tipo é reveladora. Para o caso dos recursos alocados em reformas ou construção de novas UBS, a proporção de municípios foi baixa em todas as faixas populacionais e com pequena variação entre elas, uma vez que se trata de um equipamento que agrega pouca complexidade tecnológica em capital fixo. Já no caso da aquisição de respiradores e abertura de leitos, reforma em unidades hospitalares e abertura de hospitais de campanha, há uma notável diferença entre as proporções que aplicaram recursos federais por faixa populacional, especialmente a partir dos 100 mil habitantes. Também são ilustrativas as proporções dos municípios que não fizeram investimentos na rede de saúde - elas foram muito maiores nos municípios de menor porte (sempre acima de 50% entre aqueles com até 20 mil habitantes) do que nos de maior porte (sempre abaixo de 30% entre aqueles com mais de 100 mil habitantes) - sugerindo o caminho dos investimentos na rede de atenção por parte daqueles que concentram maior densidade tecnológica e serviços de maior vocação regional.

Em relação à forma como os municípios aplicaram recursos federais em despesas com pessoal ou prestadores de serviços, em média 28,1% o fizeram diretamente na folha de pagamentos e 16,7% pagaram encargos sociais da folha. Destaca-se que 12,8% pagaram contratos de prestadores de serviços de saúde em geral e 26,5% pagaram contratos de prestadores de serviços específicos para o enfrentamento da Covid-19. Além disso, 43,6% alocaram recursos em cursos para capacitação de pessoal da saúde para Covid-19, enquanto 303% não realizaram pagamentos de despesas da saúde nessas modalidades com o recurso recebido pelo governo federal. Na Tabela 5, esses dados são desdobrados de acordo com o porte populacional.

Os perfis locativos novamente diferem conforme o porte populacional, de modo que municípios de menor porte canalizaram menos recursos federais para despesas com pessoal e encargos da folha, assim como contrataram menos prestadores de serviços de saúde, inclusive para serviços especificamente destinados à Covid-19. Municípios com até 5 mil habitantes atingiram as menores proporções nestes quesitos: folha de pagamento de pessoal (14,60%), pagamento de encargos da folha de pessoal (9,10%), pagamento de contratos de prestadores de serviços de saúde (14,70%) e de serviços específicos para Covid-19 (17,90%). Municípios de médio porte apresentaram proporções maiores do que os pequenos nesses quesitos e se destacaram na alocação em cursos de capacitação para Covid-19. Municípios de grande porte apresentaram perfil inverso aos pequenos, sendo que aqueles acima de 750 mil habitantes destacaram-se na alocação para pagamento de pessoal (40,00%), encargos da folha (20,00%) e contratos de prestadores de serviços específicos para Covid-19 (80,00%), mas não realizaram cursos e capacitação de pessoal da saúde para Covid-19. A ausência de despesas com tais itens apresentou, coerentemente com esses perfis, proporções maiores entre municípios pequenos, diminuindo entre as faixas intermediárias e chegando ao menor nível entre aqueles com mais de 750 mil habitantes (10,00%). Em conjunto, os dados são coerentes não só com a ideia de que municípios com serviços de maior complexidade tecnológica tenham investido mais na ampliação da capacidade de atendimento como, também, com a de que esta tenha levado à necessidade de mais despesas com pessoal e com serviços complementares.

Por fim, em relação à aplicação dos recursos federais em insumos e campanhas, verifica-se que, em média, 80,05% dos municípios adquiriram material de consumo (combustível, álcool, álcool em gel 70%); 84,47% compraram EPIs (máscaras, avental, luvas); 48,81% adquiriram testes rápidos para Covid-19; e 50,15% formularam campanhas educativas. Em relação aos medicamentos, 35,05% fizeram a aquisição dos medicamentos da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) e 32,65% compraram medicamentos para Covid-19. Apenas 2,88% não utilizaram o recurso para custeio das ações e dos serviços de saúde. Na Tabela 6, esses dados são desdobrados de acordo com o porte populacional.

Municípios de 5 mil habitantes tiveram os piores resultados para as aquisições de medicamentos da Rename (23,8%) e daqueles utilizados para Covid-19 (20,4%), mas, em contrapartida, uma tendência para os menores municípios foi de que esses mais investiram em campanhas educativas (mais de 55% em todas as faixas até 100 mil habitantes). Municípios de maior porte, nesse último caso, alocaram menos recursos em medicamentos e campanhas educativas. Os acima de 750 mil alocaram os menores níveis de recursos na aquisição de testes rápidos para Covid-19 (40,0%) e em campanhas educativas (20,0%), mas se destacaram nas aquisições de material de consumo (combustível, álcool, álcool em gel 70%) (90,0%); EPIs (máscaras, avental, luvas) (90,0%); e medicamentos da Rename (60,0%). No que se refere à alocação de álcool em gel e EPIs, entretanto, as variações de proporções por faixa populacional não foram tão significativas quanto para os demais casos.

A importância do histórico institucional do SUS e as ações de combate à pandemia

O acesso universal aos serviços de saúde é um desafio compartilhado por todos os entes da federação brasileira - União, estados e municípios. Durante a ocorrência da pandemia da Covid-19, esse desafio se tornou ainda maior, demandando respostas coordenadas e rápidas dado o aumento dos casos de infecção e de óbitos. Do ponto de vista da prevenção em saúde, a União, em razão da constante troca de ministros da Saúde e das declarações desencontradas no que concerne às medidas de prevenção e tratamento dos casos, teve um desempenho aquém do esperado e muito distante do que historicamente vinha demonstrando. Quanto à recuperação da saúde, a capacitação das redes de saúde para atendimento aos pacientes já acometidos pela doença em âmbito nacional não foi mais animadora: estados e municípios tiveram que adotar iniciativas próprias para aquisição de equipamentos e insumos, até que com atraso o Ministério da Saúde adotasse iniciativas nesse sentido.

No que se refere à capacidade de respostas dos municípios brasileiros diante da pandemia, é evidente que a capacidade estatal de resposta à crise sanitária passa pela organização dos governos locais, incluindo as dimensões fiscais e técnicas (Grin, 2014GRIN, Eduardo J. Trajetória e avaliação dos programas federais brasileiros voltados a promover a eficiência administrativa e fiscal dos municípios. Revista de Administração Pública , Rio de Janeiro, v. 48, n. 2, p. 459-480, 2014. 10.1590/0034-76121399 Disponível em: https://www.scielo.br/j/rap/a/B5pZPXNVJG5zKNC6H6m4TSx/abstract/?lang=pt . Acesso em: 19 mar. 2022.
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). Nesse contexto, é esperado que os municípios que concentram serviços de maior complexidade tecnológica fossem aqueles que recebessem mais recursos para atendimento aos casos que demandam hospitalização e tratamento intensivo (respiradores, recursos para abertura de leitos etc.). Municípios de grande e médio portes exercem papel estratégico como referência regional, atendendo pacientes oriundos de pequenos municípios. De acordo com a lógica da regionalização do SUS, os maiores centros urbanos acabaram se estruturando para atender não apenas a população do município em que estão situados, mas também a dos demais municípios da região. Em linhas gerais, a lógica de distribuição dos recursos federais destinados ao combate à pandemia se orientou por reforçar as capacidades técnicas dos municípios de maior porte populacional.

Observa-se que os municípios de maior porte populacional foram os que, percentualmente, mais executaram reformas de unidades hospitalares, instalaram hospitais de campanha e adquiriam equipamentos, como respiradores e leitos hospitalares, assim como se destacaram na realização de testes de PCR na rede laboratorial própria; ou seja, reforçaram a rede existente e expandiram a capacidade de operação, produzindo efeitos positivos do ponto de vista regional. Cabe lembrar, entretanto, que as distinções quanto à receita disponível per capita diferem significativamente entre municípios de grande e de médio portes, em desfavor dos primeiros, o que torna essencial o recebimento de recursos federais específicos para a Covid-19 para que possam cumprir seu papel regional. Note-se ainda que municípios de maior porte foram também os que alocaram mais recursos para pagamento de pessoal e encargos da folha de pagamento, além de serviços complementares. A ampliação da capacidade de atendimento em serviços mais complexos requer igualmente a ampliação do uso da força de trabalho qualificada para além das capacidades normalmente utilizadas pelas redes de atenção locais (Nogueira, 1994NOGUEIRA, Roberto P. Perspectivas da qualidade em saúde. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1994. ), o que significa que maior despesa com equipamentos vem casada com maior despesa com pessoal nesses casos.

Por outro lado, note-se que a alocação de recursos em reformas ou construções de mais UBS foi proporcionalmente baixa em municípios de todos os portes populacionais, considerando-se que o atendimento emergencial aos pacientes acometidos da doença não passa por esse nível de atenção, via de regra, ainda que seja possível que em algumas situações possa ter havido necessidade de adaptar tais unidades para separar o atendimento a pacientes com suspeita de acometimento da Covid-19 dos demais.

De modo inverso, municípios de menor porte populacional - notadamente aqueles com maior receita per capita disponível - foram os que, percentualmente, mais responderam positivamente à questão “Não fez investimento na rede de saúde”, uma vez que os agravos de saúde não são tratados em seus territórios, mas enviados aos municípios de referência. Além disso, municípios menores tiveram um desempenho inferior em relação àqueles de maior porte no que se refere à aquisição de testes ou mesmo de medicamentos. Tal fato pode em parte se dever à menor pressão pelo atendimento a pacientes graves, mas também pode estar relacionado às dificuldades de negociar a aquisição desses insumos em pequena escala (Machado e Guim, 2017MACHADO, José A.; GUIM, Ana L. Descentralização e igualdade no acesso aos serviços de saúde: o caso do Brasil. Revista do Serviço Público, Brasília, v. 68, n. 1, p. 37-64, 2017 Disponível em: https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/2948/1/RSP%20V.68%20N.1_artigo%20de%2037-64.pdf . Acesso em: 23 abr. 2021.
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), ainda maior em um contexto de escassez de oferta decorrente da elevada procura.

Chama a atenção o fato de que proporções significativamente maiores de municípios de pequeno e médio portes, até 100 mil habitantes, tenham alocado recursos em campanhas educativas para informar a população sobre prevenção e cuidados com a pandemia. Esse ponto requer maior investigação futura, pois trata-se ao mesmo tempo de uma ação de benefício difuso e geral. É possível que municípios maiores já tivessem utilizado uma estrutura própria de comunicação, não tendo que despender nesse sentido recursos federais recebidos especificamente para a pandemia.

Em relação à transferência de recursos por meio de emendas parlamentares, percebe-se que os municípios com maior porte populacional foram os mais beneficiados. Estudos que analisam as transferências voluntárias da União aos entes subnacionais (Meireles, 2019MEIRELES, Fernando. Partisan alignment and requests for federal transfers in Brazil. Revista de Administração Pública , Rio de Janeiro, v. 53, n. 1, p. 173-194, 2019. 10.1590/0034-761220170282 Disponível em: https://www.scielo.br/j/rap/a/7BH4hdkFhDHbhgVbrJfxZPP/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 23 abr. 2021.
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) sustentam que as emendas executadas por meio de transferências diretas às prefeituras são determinantes para o sucesso eleitoral de deputados e deputadas, não obedecendo a critérios técnicos e orientados pela equidade e descentralização, mas orientados pelas expectativas de parlamentares para obtenção de maior sucesso eleitoral no próximo pleito. Nesse caso, os municípios menores e com colégios eleitorais menos expressivos podem ter sido preteridos em prol dos maiores.

Neste artigo, assumimos, para fins de discussão, o pressuposto de que os municípios de maior porte populacional cumprem papel estratégico nas redes regionais de atendimento à saúde e que, nesse sentido, há uma lógica institucional proveniente das políticas de regionalização da saúde no Brasil. Contudo, não se fez uma investigação para identificar quais cidades cumprem o efetivo papel de referência para a rede de atenção à saúde vis-à-vis quais realizaram as ações descritas pelo estudo da CNM. O que se sugere, contudo, é que a lógica institucional existente no processo de regionalização possa ter orientado as ações de combate à pandemia de Covid-19, apesar das (in)ações do governo federal.

Por fim, a discussão sobre o financiamento das políticas de saúde no Brasil tem alertado para questões como falta de recursos, precarização e subfinanciamento do sistema. Os mecanismos formais existentes no ordenamento jurídico brasileiro de garantia do custeio destinado à implementação das políticas públicas não foram suficientemente fortalecidos nos últimos anos, mas estiveram atrelados aos demais instrumentos de política fiscal, tributária e regras de controle do gasto público (Fernandes e Pereira, 2020FERNANDES, Gustavo A. A. L.; PEREIRA, Blenda L. S. Os desafios do financiamento do enfrentamento à COVID-19 no SUS dentro do pacto federativo. Revista de Administração Pública , Rio de Janeiro, v. 54, n. 4, p. 595-613, jul. /ago. 2020. 10.1590/0034-761220200290 Disponível em: https://www.scielo.br/j/rap/a/zNs77xnNYYT3xxtTvhTpyVt/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 19 mar. 2022.
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; Massuda, 2020MASSUDA, Adriano. Mudanças no financiamento da Atenção Primária à Saúde no sistema de saúde brasileiro: avanço ou retrocesso? Ciência & Saúde Coletiva , v. 25, n. 4, p. 1.181-1.188, 2020. 10.1590/1413-81232020254.01022020 Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/YXgJT56kHyPXDtW4TqVLFMg/?lang=pt . Acesso em: 23 abr. 2021.
https://www.scielo.br/j/csc/a/YXgJT56kHy...
; Pinto e Ximenes, 2018 PINTO, Élida G.; XIMENES, Salomão B. Financiamento dos direitos sociais na Constituição de 1988: do “pacto assimétrico” ao “estado de sítio fiscal”. Educação & Sociedade, São Paulo, v. 39, n. 145, p. 980-1.003, 2018. 10.1590/ES0101-73302018209544 Disponível em: https://www.scielo.br/j/es/a/vz4B7TFqdXFYNxHxRgqzDBd/abstract/?lang=pt . Acesso em: 23 abr. 2021.
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). Sobre esse último ponto, destacam-se os potenciais efeitos da emenda constitucional n. 95/2016, que impôs o teto de gastos, inclusive para a saúde, comprimindo ainda mais o financiamento setorial (Vieira e Benevides, 2016VIEIRA, Fabiola S.; BENEVIDES, Rodrigo P. S. Os impactos do novo regime fiscal para o financiamento do Sistema Único de Saúde e para a efetivação do direito à saúde no Brasil. Nota Técnica, n. 28. Brasília: IPEA, 2016 Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/7270 . Acesso em: 17 maio 2021.
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) e impactando severamente as capacidades futuras dos municípios brasileiros para lidar com os desafios crônicos que serão herdados dessa pandemia, desde o tratamento de sequelas até o passivo gerado no atendimento a outros agravos em decorrência da priorização da pandemia.

Considerações finais

Desde a Constituição Federal de 1988, os municípios assumiram um papel importante no desenvolvimento das políticas públicas. Na área da saúde, historicamente, o Ministério da Saúde deteve papel central como financiador e coordenador do sistema, principalmente no sentido de criar mecanismos institucionais para garantir o acesso integral e equânime aos serviços de saúde às populações, inclusive por meio da formação de redes regionalizadas de atenção aos residentes nos municípios de pequeno porte populacional e que não possuem serviços de média e alta complexidades.

Contudo, o governo federal escolheu não assumir suas competências na gestão da pandemia, a qual, consequentemente, foi marcada por descoordenação, pela contestação das medidas adotadas por estados e municípios e pela carência de políticas baseadas em evidências (as quais foram, igualmente, contestadas). Tal cenário afetou também o financiamento das ações de combate à pandemia, e os governos estaduais e municipais foram os responsáveis por formularem as medidas não farmacológicas de enfrentamento da pandemia e de prestação de assistência às pessoas infectadas. Apesar do atraso e das dificuldades nas relações intergovernamentais, o governo federal transferiu recursos para que estados e, principalmente, municípios reforçassem suas capacidades financeiras para o enfrentamento da pandemia.

O presente estudo, abrangendo base de dados construída pela CNM, permitiu delinear o perfil das medidas adotadas e da alocação de recursos federais transferidos por parte dos municípios brasileiros. Municípios de médio e, principalmente, de grande porte foram os que mais receberam remessas e alocaram recursos em equipamentos de maior complexidade tecnológica, o que pressionou a necessidade de maior alocação com despesas de pessoal no atendimento aos novos serviços. Esse perfil é consistente com a racionalidade estabelecida pelas políticas de regionalização da saúde, nas quais ganha destaque o papel dos municípios de referência na rede de cidades. Municípios de pequeno porte, por sua vez, investiram mais recursos federais, juntamente com os de médio porte, em campanhas educativas. Por outro lado, principalmente no caso dos micromunicípios, houve menores níveis de aquisição de testes e medicamentos. No que se refere à aquisição de material de consumo (álcool em gel, combustível) e EPIs (máscaras, luvas), as proporções de alocação de recursos federais foram elevadas em municípios de todos os portes populacionais.

Por fim, cabe apontar algumas limitações da pesquisa. Ressalta-se que 30% dos municípios brasileiros não atenderam à solicitação da CNM para a coleta dos dados, o que prejudicou a construção do quadro nacional sobre quais medidas os entes municipais tomaram em relação à pandemia e à destinação dos recursos. É fundamental considerar que as capacidades fiscais e técnicas variam enormemente em dimensão espacial, dentro de cada faixa populacional, de modo que seria também importante avaliar o perfil dos municípios localizados nas diferentes macrorregiões do país. Além disso, analisaram-se apenas as medidas tomadas pelos municípios, deixando de fora a análise dos governos estaduais.

Referências

  • Financiamento

    Não houve.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    11 Fev 2022
  • Aceito
    07 Mar 2022
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