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Comunicação de más notícias no trabalho médico: um olhar do paciente com prognóstico reservado

Communication of bad news in the medical work: a look at the patient with poor prognosis

Comunicar malas noticias en el trabajo médico: la perspectiva de un paciente con pronóstico reservado

Resumo

O processo de comunicação é central na relação médico-paciente. É fato que para evitar distanásia deve se dispor dos cuidados paliativos como alternativa. Assim, objetivou-se avaliar a qualidade da comunicação de más notícias realizadas por médicos, na perspectiva de pacientes em processo de finitude, comparando seus índices entre aqueles em cuidados paliativos e em distanásia. Realizou-se uma pesquisa quantitativa, com amostra não probabilística, formada por 234 pacientes com câncer em processo de finitude, oriundos de cinco unidades hospitalares do Ceará, que responderam a dois questionários - um biodemográfico e outro de avaliação da comunicação, analisados por meio de estatística descritiva e bivariada. Os resultados demonstraram a importância da relação médico-paciente. Enquanto os pacientes em distanásia expressaram terem sido melhor preparados para o estabelecimento de uma adequada comunicação, os que estavam em cuidados paliativos relataram uma experiência menos negativa em relação à ‘comunicação de más notícias’ - fruto de um adequado preparo do médico paliativista, bem como da participação efetiva da família na decisão terapêutica. Conclui-se que as etapas de preparação para a comunicação, transmissão da informação, acolhimento e fechamento devem estar baseadas na identificação do conteúdo prévio dos pacientes sobre a doença e suas expectativas de informação.

Palavras-chave:
comunicação médico-paciente; cuidados paliativos; oncologia; morte

Abstract

The communication process is central to the doctor-patient relationship. It is a fact that to avoid dysthanasia, palliative care must be available as an alternative. Thus, the objective was to evaluate the quality of bad news communication performed by physicians from the perspective of patients in the process of finitude, comparing their rates between those in palliative care and those in dysthanasia. A quantitative research was carried out, with a non-probabilistic sample, made up of 234 cancer patients in the process of dying, coming from five hospital units in the state of Ceará, Brazil, who answered two questionnaires-one biodemographic and the other assessing communication, analyzed by means of descriptive and bivariate statistics. The results demonstrated the importance of the doctor-patient relationship. While dysthanasia patients expressed that they were better prepared for establishing adequate communication, those in palliative care reported a less negative experience regarding “communicating bad news”-the result of adequate preparation by the palliative care physician as well as effective family participation in the therapeutic decision. It is concluded that the steps of preparation for communication, transmission of information, reception and closure should be based on identifying the patients’ prior content about the disease and their expectations of information.

Keywords:
doctor-patient communication; palliative care; oncology; death

Resumen

El proceso de comunicación es central en la relación médico-paciente. Es un hecho que, para evitar la distanasia, los cuidados paliativos deben estar disponibles como alternativa. Así, el objetivo fue evaluar la calidad de la comunicación de malas noticias realizada por médicos, desde la perspectiva de pacientes en proceso de finitud, comparando sus índices entre aquellos en cuidados paliativos y en distanasia. Se realizó una investigación cuantitativa, con una muestra no probabilística, formada por 234 pacientes con cáncer en proceso de finitud, provenientes de cinco unidades hospitalarias de Ceará, Brasil, que respondieron dos cuestionarios - uno biodemográfico y otro para evaluar la comunicación, analizados a través de estadísticas descriptivas y bivariadas. Los resultados demostraron la importancia de la relación médico-paciente. Mientras los pacientes en distanasia expresaron haber estado mejor preparados para el establecimiento de una comunicación adecuada, los de cuidados paliativos relataron una experiencia menos negativa en relación a la ‘comunicación de malas noticias’ - resultado de la adecuada preparación del médico de cuidados paliativos, así como de la participación efectiva de la familia en la decisión terapéutica. Se concluye que las etapas de preparación para la comunicación, transmisión de la información, recepción y cierre deben basarse en la identificación del contenido previo de los pacientes sobre la enfermedad y sus expectativas de información.

Palabras clave:
comunicación médico-paciente; cuidados paliativos; oncología; muerte

Introdução

Muitas mudanças têm ocorrido nos últimos anos na assistência à saúde. A medicina se desenvolveu e cresceu como ciência (Caprara e Rodrigues, 2004 CAPRARA, Andrea; RODRIGUES, Josiane . A relação assimétrica médico-paciente: repensando o vínculo terapêutico. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p.139-146, 2004. Doi: 10.1590/S1413-81232004000100014. Acesso em: 18 abr. 2018.
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), com o intuito de aumentar a expectativa de vida das pessoas e melhorar a qualidade de vida de pacientes com doenças crônicas (Costa, Caldato e Furlaneto, 2019 COSTA, Tanise N. M.; CALDATO, Milena C. F.; FURLANETO, Ismari P. Percepção de formandos de medicina sobre a terminalidade da vida. Revista Bioética , Brasília, DF, v. 27, n. 4, p. 661-673, 2019. Doi: 10.1590/1983-80422019274349. Acesso em: 30 jul. 2018.
https://doi.org/10.1590/1983-80422019274...
). Também houve um crescimento significativo nas áreas da imunologia, farmacologia, genética e bioquímica (Caprara e Rodrigues, 2004 CAPRARA, Andrea; RODRIGUES, Josiane . A relação assimétrica médico-paciente: repensando o vínculo terapêutico. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p.139-146, 2004. Doi: 10.1590/S1413-81232004000100014. Acesso em: 18 abr. 2018.
https://doi.org/10.1590/S1413-8123200400...
), transparecendo uma forte evolução das tecnologias duras (equipamentos e materiais complexos desenvolvidos pelo homem para o trabalho em saúde) (Merhy, 2014MERHY, Emerson E. Saúde: a cartografia do trabalho vivo. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 2014.).

Em contrapartida, o uso das biotecnologias, unido à cobrança de alta demanda de atendimentos, contribuiu para uma diminuição do contato físico, do tempo de consultas e do olhar sobre o sujeito adoecido em sua integralidade, para além de sua doença e exames realizados (Donabedian, 1978DONABEDIAN, Avedis. The quality of medical care. Science, New York, N.Y., v. 200, n. 4.344, p. 856-864, 1978. Doi: 10.1126/science.417400. Acesso em: 18 ago. 2018.
https://doi.org/10.1126/science.417400...
). Tais transformações reforçaram o imperialismo do modelo biomédico, centrado na doença e na cura, gerando um decréscimo do interesse do médico pela experiência e subjetividade do paciente (Caprara e Rodrigues, 2004 CAPRARA, Andrea; RODRIGUES, Josiane . A relação assimétrica médico-paciente: repensando o vínculo terapêutico. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p.139-146, 2004. Doi: 10.1590/S1413-81232004000100014. Acesso em: 18 abr. 2018.
https://doi.org/10.1590/S1413-8123200400...
).

A comunicação entre médicos e pacientes foi profundamente afetada (Souza et al. 2020SOUZA, Yanne V. et al. Percepção de pacientes sobre sua relação com médicos. Revista Bioética , Brasília, DF, v. 28, n. 2, p. 332-343, 2020. Doi: 10.1590/1983-80422020282395. Acesso em: 23 jun. 2018.
https://doi.org/10.1590/1983-80422020282...
). Sob a égide do poder biomédico, o médico assumiu o lugar de detentor do saber (Pazinatto, 2019PAZINATTO, Márcia M. A relação médico-paciente na perspectiva da Recomendação CFM 1/2016. Revista Bioética , Brasília, DF, v. 27, n. 2, p. 234-243, 2019. Doi: 10.1590/1983-80422019272305. Acesso em: 20 jun. 2018.
https://doi.org/10.1590/1983-80422019272...
; Slavova-Azmanova, 2019SLAVOVA-AZMANOVA, Neli. How communication between cancer patients and their specialists affect the quality and cost of cancer care. Supportive care in cancer: official journal of the Multinational Association of Supportive Care in Cancer, v. 27, n. 12, p. 4.575-4.585, 2019. Doi: 10.1007/s00520-019-04761-w. Acesso em: 12 abr. 2018.
https://doi.org/10.1007/s00520-019-04761...
; Sombra Neto et al., 2017SOMBRA NETO, Luis L. et al. Habilidade de comunicação da má notícia: o estudante de medicina está preparado? Revista Brasileira de Educação Médica , Brasília, DF, v. 41, n. 2, p. 260-268, 2017. Doi: 10.1590/1981-52712015v41n2rb20160063. Acesso em: 10 abr. 2018.
https://doi.org/10.1590/1981-52712015v41...
). Passou a ser aquele que indica o melhor tratamento, que sabe o que é bom e o que é ruim para o paciente e que conhece a doença mais que o próprio sujeito que a experiencia. Nessa dinâmica, muitas vezes os pacientes ficaram limitados em sua liberdade e autonomia, subordinando-se ao conhecimento e prescrições médicas, geralmente sem questionar (Probst et al., 2018PROBST, Marc A. et al. Shared Decision-Making as the Future of Emergency Cardiology. Canadian Journal of Cardiology, v. 34, n. 2, p. 117-124, 2018. Doi: 10.1016/j.cjca.2017.09.014. Acesso em: 10 ago. 2018.
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).

Entre diversos contextos do cotidiano de assistência à saúde, essa prática se revela em sua faceta mais cruel no cenário do processo de morte de pacientes com prognóstico reservado, sem possibilidade de cura (Souza et al. 2020SOUZA, Yanne V. et al. Percepção de pacientes sobre sua relação com médicos. Revista Bioética , Brasília, DF, v. 28, n. 2, p. 332-343, 2020. Doi: 10.1590/1983-80422020282395. Acesso em: 23 jun. 2018.
https://doi.org/10.1590/1983-80422020282...
; Bastos, Andrade e Andrade, 2017 BASTOS, Luiz O. A.; ANDRADE, Elizabeth N.; ANDRADE, Edson O . Relação médico-paciente na oncologia: estudo a partir da perspectiva do paciente. Revista Bioética, Brasília, DF, v. 25, n. 3, p. 563-576, 2017. Doi: 10.1590/1983-80422017253213, Acesso em: 12 maio 2018.
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), mediante o exercício constante e quase inquestionável da distanásia. Esta prática, marcada pela obstinação terapêutica ou futilidade médica, por meio da qual são investidos procedimentos e exames invasivos que objetivam prolongar a vida de um paciente sem possibilidade de cura, resulta apenas no prolongamento do processo de morrer, e não no da vida, desencadeando sofrimento desnecessário para o paciente e familiares e menor dignidade de vida (Costa, Caldato e Furlaneto, 2019 COSTA, Tanise N. M.; CALDATO, Milena C. F.; FURLANETO, Ismari P. Percepção de formandos de medicina sobre a terminalidade da vida. Revista Bioética , Brasília, DF, v. 27, n. 4, p. 661-673, 2019. Doi: 10.1590/1983-80422019274349. Acesso em: 30 jul. 2018.
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).

Essa prática comum nos hospitais brasileiros é reforçada por uma cultura social de rejeição da morte e pelo desejo dos profissionais de saúde, pacientes e seus familiares de lutarem incansavelmente contra a finitude (Kovács, 2005KOVÁCS, Maria J. Educação para a morte. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, DF, v. 25, n. 3, p. 484-497, 2005. Doi: 10.1590/S1414-98932005000300012. Acesso em: 20 set. 2018.
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). O médico também é vítima dessa representação social da morte, que demarca sua formação voltada para a cura a todo custo e o ensina que a morte é um fracasso. Ele é vítima de uma lógica de trabalho que o conduz a silenciar o sujeito adoecido e perder o diálogo sobre as possibilidades terapêuticas para pacientes em processo de morte. É levado a fazer promessas de cura que não pode cumprir, interferindo negativamente no modo como esse indivíduo irá morrer (Arruda et al., 2019ARRUDA, Larissa M. et al. Variables that influence the medical decision regarding Advance Directives and their impact on end-of-life care. Einstein, São Paulo, v. 18, p. eRW4852, 2019. Doi: 10.31744/einstein_journal/2020RW4852. Acesso em: 15 abr. 2018.
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) e podendo gerar ainda mais sofrimento pela não conformação com a morte (Cassel, 1982 CASSEL, Eric J. The nature of suffering and the goals of medicine. New England Journal of Medicine, v. 306, n. 11, p. 639-645, 1982. Doi: 10.1056/NEJM198203183061104. Acesso em: 18 mar. 2018.
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).

Diante dos entraves, limitações e desassistência, muitas vezes geradas pelo modelo biomédico, as práticas de cuidado em saúde começaram a ser revistas. Com base no modelo biopsicossocial, o sujeito adoecido passou a ser compreendido em sua totalidade e singularidade (Cassel, 1982 CASSEL, Eric J. The nature of suffering and the goals of medicine. New England Journal of Medicine, v. 306, n. 11, p. 639-645, 1982. Doi: 10.1056/NEJM198203183061104. Acesso em: 18 mar. 2018.
https://doi.org/10.1056/NEJM198203183061...
; Campos, Silva e Silva, 2019CAMPOS, Vanessa F.; SILVA, Jhonata M.; SILVA, Josimário J. Comunicação em cuidados paliativos: equipe, paciente e família. Revista Bioética , Brasília, DF, v. 27, n. 4, p. 711-718, 2019. Doi: 10.1590/1983-80422019274354. Acesso em: 10 abr. 2018.
https://doi.org/10.1590/1983-80422019274...
; Saunders, 1996SAUNDERS, Cicely D. Into the valley of the shadow of death: a personal therapeutic journey. British Medical Journal (BMJ), v. 313, n. 7.072, p. 1.599-1.601, 1996. ), com análise de todos os processos que podem vir a acontecer com ele, em sua dor total - física, psíquica, social e espiritual (Saunders, 1990 SAUNDERS, Cicely D. Hospice and palliative care: an interdisciplinary approach. London: Edward Arnold, 1990.). Há também o respeito à sua subjetividade, autonomia e liberdade (Bastos, Andrade e Andrade, 2017 BASTOS, Luiz O. A.; ANDRADE, Elizabeth N.; ANDRADE, Edson O . Relação médico-paciente na oncologia: estudo a partir da perspectiva do paciente. Revista Bioética, Brasília, DF, v. 25, n. 3, p. 563-576, 2017. Doi: 10.1590/1983-80422017253213, Acesso em: 12 maio 2018.
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).

Para a assistência de pacientes com risco de morte, os cuidados paliativos surgem como abordagem que melhora a sua qualidade de vida e a de suas famílias. Previne e alivia o sofrimento por meio da identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e outros problemas, sejam físicos, psicossociais ou espirituais. É aplicável ainda no início do curso da doença, desde o seu diagnóstico, em conjunto com outras terapias curativas e irão se sobrepor a essas apenas com o avançar do adoecimento, quando e se o paciente não tiver mais prognóstico de cura e os procedimentos não tiverem mais esse objetivo, mas sim a redução dos sintomas ou a melhoria da qualidade de vida (Organização Mundial da Saúde, 2020ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Palliative care: fact sheets [online]. Genebra: OMS, 2020. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/palliative-care. Acesso em: 4 out. 2021
https://www.who.int/news-room/fact-sheet...
).

Especialmente em caso de pacientes que possuem um prognóstico reservado, torna-se fundamental o olhar integral sobre ele e sua inclusão e participação nos processos de cuidado. Para tal, o médico tem a responsabilidade de informar ao paciente sobre sua condição, diagnóstico, prognóstico e terapêutica indicada (Pazinatto, 2019PAZINATTO, Márcia M. A relação médico-paciente na perspectiva da Recomendação CFM 1/2016. Revista Bioética , Brasília, DF, v. 27, n. 2, p. 234-243, 2019. Doi: 10.1590/1983-80422019272305. Acesso em: 20 jun. 2018.
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). Essa forma de lidar com o sujeito influencia diretamente o relacionamento e a comunicação entre médico e paciente (Souza et al. 2020SOUZA, Yanne V. et al. Percepção de pacientes sobre sua relação com médicos. Revista Bioética , Brasília, DF, v. 28, n. 2, p. 332-343, 2020. Doi: 10.1590/1983-80422020282395. Acesso em: 23 jun. 2018.
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), repercutindo sobre o acolhimento, adesão ao tratamento e satisfação com o atendimento (Sombra Neto et al., 2017SOMBRA NETO, Luis L. et al. Habilidade de comunicação da má notícia: o estudante de medicina está preparado? Revista Brasileira de Educação Médica , Brasília, DF, v. 41, n. 2, p. 260-268, 2017. Doi: 10.1590/1981-52712015v41n2rb20160063. Acesso em: 10 abr. 2018.
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; Amorim et al., 2021AMORIM, Caroline B. et al. Communication of difficult news in basic attention/Comunicação de notícias difíceis na atenção básica. Revista de Pesquisa: Cuidado é Fundamental [online], Rio de Janeiro, v. 13, p. 34-40, 2021. Doi: 10.9789/2175-5361.rpcfo.v13.7138. Acesso em: 10 abr. 2018.
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; Freiberger, Carvalho e Bonamigo, 2019FREIBERGER, Miguel H.; CARVALHO, Diego; BONAMIGO, Elcio L. Comunicação de más notícias a pacientes na perspectiva de estudantes de medicina. Revista Bioética , Brasília, DF, v. 27, n. 2, p. 318-325, 2019. Doi: 10.1590/1983-80422019272316. Acesso em: 18 abr. 2018.
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).

Essas premissas são ainda mais importantes na ação de médicos que irão realizar a comunicação de más notícias para pacientes com prognóstico reservado (Freiberge, Carvalho e Bonamigo, 2019FREIBERGER, Miguel H.; CARVALHO, Diego; BONAMIGO, Elcio L. Comunicação de más notícias a pacientes na perspectiva de estudantes de medicina. Revista Bioética , Brasília, DF, v. 27, n. 2, p. 318-325, 2019. Doi: 10.1590/1983-80422019272316. Acesso em: 18 abr. 2018.
https://doi.org/10.1590/1983-80422019272...
). Ambos, o médico (por ser o profissional eticamente responsável por fornecer e esclarecer o diagnóstico ou prognóstico) e o paciente (por ser o maior interessado) são protagonistas de um ato que ocorre em poucos minutos, mas que pode modificar a vida dos dois, não apenas nos aspectos biológicos, mas, também, nos sociais, espirituais e psicológicos.

Essa não é uma tarefa fácil nem para os pacientes nem para os médicos (Lima, Maia e Nascimento, 2019 LIMA, Keyssiane M. A.; MAIA, Anice H. N.; NASCIMENTO, Isabel R. C. Comunicação de más notícias em cuidados paliativos na oncopediatria. Revista Bioética , Brasília, DF, v. 27, n. 4, p. 719-727, 2019. Doi: 10.1590/1983-80422019274355. Acesso em: 16 abr. 2018.
https://doi.org/10.1590/1983-80422019274...
). Isso porque os profissionais da saúde aprendem nos bancos da academia a salvar vidas (Borges e Santos, 2014 BORGES, Maira M.; SANTOS, Randolfo J . A comunicação na transição para os cuidados paliativos: artigo de revisão. Revista Brasileira de Educação Médica, Brasília, DF, v. 38, n. 2, p. 275-282, 2014. Doi: 10.1590/S0100-55022014000200015. Acesso em: 25 ago. 2018.
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). Em regra, é frágil a sua capacitação para lidar com o outro na relação médico-paciente, especialmente em contextos de cuidados paliativos, nos quais predominam, em geral, as situações de perdas de saúde, vitalidade, esperança e morte (Caprara e Rodrigues, 2004 CAPRARA, Andrea; RODRIGUES, Josiane . A relação assimétrica médico-paciente: repensando o vínculo terapêutico. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p.139-146, 2004. Doi: 10.1590/S1413-81232004000100014. Acesso em: 18 abr. 2018.
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).

A falta de preparo do médico mediante o sofrimento emocional do paciente pode desembocar em falsas promessas de cura, em uma transmissão de informação brusca para o paciente ou em mentiras piedosas, prejudicando toda a relação terapêutica e não clarificando o diagnóstico e prognóstico da enfermidade (Cruz e Riera, 2016 CRUZ, Carolina O.; RIERA, Rachel. Comunicando más notícias: o protocolo SPIKES. Diagnóstico & Tratamento, São Paulo, v. 21, n. 3, p. 106-108, 2016. Disponível em: https://docs.bvsalud.org/biblioref/2016/08/1365/rdt_v21n3_106-108.pdf. Acesso em: 4 out. 2021.
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).

Portanto, a atuação médica nesse contexto deve respeitar o sujeito em sua totalidade. É necessário que o profissional faça a comunicação ao paciente com honestidade, empatia, escutando-o, acolhendo-o e conferindo um modo mais humanizado no relacionamento da díade médico-paciente. Essa forma de se relacionar certamente passa por uma formação acadêmica que objetiva a aderência de habilidades para o cuidado com o paciente, principalmente na comunicação de más notícias a indivíduos com prognóstico reservado (Sombra Neto et al., 2017SOMBRA NETO, Luis L. et al. Habilidade de comunicação da má notícia: o estudante de medicina está preparado? Revista Brasileira de Educação Médica , Brasília, DF, v. 41, n. 2, p. 260-268, 2017. Doi: 10.1590/1981-52712015v41n2rb20160063. Acesso em: 10 abr. 2018.
https://doi.org/10.1590/1981-52712015v41...
; Amorim et al., 2021AMORIM, Caroline B. et al. Communication of difficult news in basic attention/Comunicação de notícias difíceis na atenção básica. Revista de Pesquisa: Cuidado é Fundamental [online], Rio de Janeiro, v. 13, p. 34-40, 2021. Doi: 10.9789/2175-5361.rpcfo.v13.7138. Acesso em: 10 abr. 2018.
https://doi.org/10.9789/2175-5361.rpcfo....
). Trata-se de uma competência que exige conhecimento e atitude para o saber ser, saber fazer e saber agir. Demanda empatia, sensibilidade, paciência e escuta ativa. Invoca também experiência, habilidades técnicas e formação específica sobre os protocolos.

Para mitigar problemas na comunicação de más notícias, foram desenvolvidos alguns modelos e algumas estratégias para subsidiar os profissionais nesse processo, como os protocolos PACIENTE (Pereira et al., 2017 PEREIRA, Carolina R. et al. The P-A-C-I-E-N-T-E protocol: an instrument for breaking bad news adapted to the Brazilian medical reality. Revista da Associação Médica Brasileira, São Paulo, v. 63, n. 1, p. 43-49, 2017. Doi: 10.1590/1806-9282.63.01.43. Acesso em: 17 abr. 2018.
https://doi.org/10.1590/1806-9282.63.01....
), VALUE e SPIKES (Espinoza-Suárez, Zapata del Mar e Mejía Pérez, 2017ESPINOZA-SUÁREZ, Nataly R.; ZAPATA DEL MAR, Carla M.; MEJÍA PÉREZ, Lina A. Conspiración de silencio: una barrera en la comunicación médico, paciente y familia. Revista de Neuro-Psiquiatría, Lima (Peru), v. 80, n. 2, p. 125-136, 30 jun. 2017. Disponível em: https://revistas.upch.edu.pe/index.php/RNP/article/view/3105. Acesso em: 4 out. 2021
https://revistas.upch.edu.pe/index.php/R...
), este último o mais conhecido (Cruz e Riera, 2016 CRUZ, Carolina O.; RIERA, Rachel. Comunicando más notícias: o protocolo SPIKES. Diagnóstico & Tratamento, São Paulo, v. 21, n. 3, p. 106-108, 2016. Disponível em: https://docs.bvsalud.org/biblioref/2016/08/1365/rdt_v21n3_106-108.pdf. Acesso em: 4 out. 2021.
https://docs.bvsalud.org/biblioref/2016/...
). O protocolo SPIKES está estruturado em seis etapas que seguem o acrônimo: S - Setting up - é o momento de preparar-se para o encontro, por meio da escolha de ambiente adequado e análise do diagnóstico e histórico do paciente; P - Perception - é o momento de perceber o paciente, buscando saber até que ponto ele sabe sobre o seu diagnóstico; I - Invitation - realiza o convite para o diálogo, buscando saber até que ponto o paciente quer saber, para assim ser respeitado seu limite; K - Knowledge - é o momento de transmitir a informação de forma clara e acessível ao ouvinte, evitando o uso de jargões ou termos técnicos; E - Emotions - é o espaço para o ouvinte expressar as emoções, no qual o médico deve escutar e perceber a comunicação não verbal expressa por ele; e S - Strategy and Summary - é a etapa final na qual são feitos o resumo e a organização das estratégias (Cruz e Riera, 2016 CRUZ, Carolina O.; RIERA, Rachel. Comunicando más notícias: o protocolo SPIKES. Diagnóstico & Tratamento, São Paulo, v. 21, n. 3, p. 106-108, 2016. Disponível em: https://docs.bvsalud.org/biblioref/2016/08/1365/rdt_v21n3_106-108.pdf. Acesso em: 4 out. 2021.
https://docs.bvsalud.org/biblioref/2016/...
).

O SPIKES é, portanto, um protocolo bem estruturado que auxilia na comunicação de más notícias, mas não substitui a habilidade e a empatia do profissional. Estudos mostram que ele é conhecido por profissionais de saúde, mas pouco usado no cotidiano de atendimento, repercutindo em deficiências na comunicação com pacientes (Cruz e Riera, 2016 CRUZ, Carolina O.; RIERA, Rachel. Comunicando más notícias: o protocolo SPIKES. Diagnóstico & Tratamento, São Paulo, v. 21, n. 3, p. 106-108, 2016. Disponível em: https://docs.bvsalud.org/biblioref/2016/08/1365/rdt_v21n3_106-108.pdf. Acesso em: 4 out. 2021.
https://docs.bvsalud.org/biblioref/2016/...
). Em contrapartida, seu uso tem eficácia retratada em diversas pesquisas sobre comunicação de más notícias (Souza et al. 2020SOUZA, Yanne V. et al. Percepção de pacientes sobre sua relação com médicos. Revista Bioética , Brasília, DF, v. 28, n. 2, p. 332-343, 2020. Doi: 10.1590/1983-80422020282395. Acesso em: 23 jun. 2018.
https://doi.org/10.1590/1983-80422020282...
).

Nesse contexto, estudos que investiguem e avaliem a qualidade da comunicação entre médicos e pacientes têm sido recebidos de maneira muito positiva pela área acadêmica e profissional e pela sociedade em geral. Há urgência de apreender e melhorar as formas de lidar com o sujeito adoecido, especialmente com aqueles que estão em processo de morte, pois, na impossibilidade de curar, é possível cuidar. E, nesse percurso, a comunicação sobre a finitude do paciente é a primeira etapa que pode influenciar todo o processo de aceitação de sua condição e qualidade da experiência no último estágio de vida. Trata-se de um público difícil de acessar em pesquisas, limitando as publicações na área, mas que necessita ser contemplado em estudos que amplifiquem a sua voz, com cuidado ético e moral. Seus resultados podem incentivar o uso de tecnologias leves simples e de baixo custo, como a comunicação eficaz, que podem potencializar e ampliar as possibilidades de cuidado, por meio de procedimentos eficazes, respaldados em dados científicos. Diante dessa demanda, o presente estudo objetivou avaliar a qualidade da comunicação de más notícias na relação médico-paciente sob a perspectiva de pacientes em processo de finitude e comparar seus índices entre pacientes em cuidados paliativos e em distanásia. Com base na literatura e nas experiências profissionais na área, considerou-se como hipótese para o desenvolvimento deste estudo que os pacientes em cuidados paliativos avaliam melhor a comunicação com seus médicos do que aqueles que estão em distanásia.

Método

Lócus da pesquisa e amostra

Trata-se de uma pesquisa de levantamento e de abordagem quantitativa. Foi realizada em cinco hospitais cearenses que atendem pessoas com câncer, em 2019. Contou-se com uma amostra não probabilística composta por 234 pacientes com câncer em processo de finitude, divididos em dois grupos: 117 em cuidados paliativos (Grupo 1) e 117 em distanásia (Grupo 2) (ver Tabela 1). A decisão por limitar a pacientes com câncer deveu-se à necessidade de evitar que o tipo de patologia funcionasse como uma terceira variável que enviesasse os dados, e também ao fato de o câncer ser a segunda maior causa de morte no país e a de maior investimento dos cuidados paliativos.

Como critérios de inclusão, foram considerados: Grupo 1 - pacientes adultos com prognóstico reservado declarado em prontuário e acompanhados pelo serviço de cuidados paliativos (em internação hospitalar ou acompanhamento domiciliar); Grupo 2 - pacientes adultos que tinham prognóstico reservado ‒ com doença avançada, metástase e cujo tratamento não surtia mais efeito curativo (características de pacientes indicados para cuidados paliativos exclusivos), porém ainda não paliados, ainda submetidos a tratamentos com intenção curativa, em distanásia, internados no hospital.

A média de idade dos participantes era de 60,42 anos (DP =14,76), variando entre 19 e 92 anos. Havia uma prevalência de pacientes do sexo feminino (f = 131; 56,00%); casados (f = 129; 55,10%); que não concluíram o primeiro grau do ensino fundamental (f = 76; 32,50%) e de religião católica (f = 167; 40,00%). Em geral, também, existiu uma predominância de pacientes que não possuíam vínculo empregatício (f = 184; 78,60%), possuíam rede de apoio (f = 220; 94,00%), e não tinham atividade de lazer (f = 162; 69,20%).

Instrumentos

Para avaliação da comunicação de más notícias, foi elaborado o “Questionário de Avaliação da Comunicação de Más Notícias por Médicos a Pacientes em processo de Morte”, composto por 19 itens, estruturados segundo o questionário de Dias (2015DIAS, Gabriela T. Comunicação de más notícias no departamento de emergência: uma análise comparativa entre as percepções de médicos residentes, pacientes e familiares. 58 f. 2015. Dissertação (Mestrado em Educação e Saúde) - Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. Doi: 10.11606/D.5.2016.tde-24022016-115126. Acesso em: 10 abr. 2018.
https://doi.org/10.11606/D.5.2016.tde-24...
) e o protocolo SPIKES (Cruz e Riera, 2016 CRUZ, Carolina O.; RIERA, Rachel. Comunicando más notícias: o protocolo SPIKES. Diagnóstico & Tratamento, São Paulo, v. 21, n. 3, p. 106-108, 2016. Disponível em: https://docs.bvsalud.org/biblioref/2016/08/1365/rdt_v21n3_106-108.pdf. Acesso em: 4 out. 2021.
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). Entre os temas, foram abordados: tempo de visita do médico; atenção do médico durante a visita; assiduidade do médico; estabelecimento de comunicação entre médico e o paciente; qualidade de comunicação médico-paciente durante as visitas; sentimento do paciente com a atenção dos médicos; pontualidade dos médicos; e comunicação unidirecional ou bidirecional. Para responder a esse questionário, os pacientes tiveram como parâmetro um evento de comunicação de más notícias (o diagnóstico de câncer - para pacientes em distanásia; o prognóstico reservado e entrada em cuidados paliativos exclusivos - para pacientes em cuidados paliativos). Além disso, foi aplicado um questionário sociodemográfico para descrição da amostra.

Procedimentos de coleta de dados

A coleta dos dados foi realizada em cinco hospitais públicos cearenses, por pesquisadores que são profissionais de saúde com ou sem vínculo de trabalho nos lócus de pesquisa. Antes do início da coleta dos dados da pesquisa, eles fizeram uma seleção dos pacientes que se adequavam aos critérios de inclusão, com especial cuidado aos critérios clínicos de divisão dos dois grupos amostrais, por meio de análise dos seus prontuários e coletando informações complementares com os profissionais da equipe interdisciplinar de cuidado que acompanhavam os pacientes. Em seguida, visitaram os pacientes nos hospitais (enfermarias e setor de quimioterapia) ou em domicílio, para convite de participação na pesquisa e aplicação dos instrumentos. Nesses encontros únicos, com duração média de 60 minutos, em forma de diálogo, e respeitando o momento, o desejo e a limitação física dos pacientes, foram coletadas as informações, em formato de entrevista, na qual a leitura e preenchimento dos questionários foram feitos pelos pesquisadores.

Ressalta-se que os pacientes do grupo 1 responderam às questões do questionário baseados na comunicação com os seus médicos, ou seja, os médicos responsáveis pelos cuidados paliativos. Enquanto os pacientes do grupo 2 responderam segundo as suas experiências com os médicos da equipe de oncologia da abordagem curativa. Portanto, os dois grupos tomaram como referencial as experiências com profissionais distintos.

Procedimentos de análise de dados

Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva e comparação amostral com auxílio do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 25, em três etapas. Primeiro, foi traçado o perfil da amostra, por meio de estatística descritiva (frequência, porcentagem e medidas de tendência central e dispersão). Em seguida, para apresentação dos resultados gerais de avaliação da qualidade da comunicação médico-paciente, foi verificada a quantidade de respostas positivas de cada item do instrumento, por meio de estatística descritiva. Para interpretação, foram considerados como ‘avaliação positiva’ os itens com mais de 50% de aprovação pelos participantes, e ‘avaliação negativa’ os com menos de 50% de aprovação.

Na sequência, foram realizadas comparações da quantidade de pessoas que avaliaram positivamente cada item do instrumento em função do tipo de cuidado - paliativo x distanásia, por meio do teste Qui-Quadrado. Assim, pôde-se verificar se havia diferença estatisticamente significativa na quantidade de pacientes de cada grupo que avaliava positivamente a comunicação com seu médico.

Resultados

Avaliação da comunicação médico-paciente

Foram avaliadas as seis etapas da comunicação de más notícias propostas pelo acrônimo do protocolo SPIKES. A preparação para o encontro (Etapa 1), composto pelas questões de 1 a 5, abordou sobre o lugar onde a comunicação de más notícias foi realizada, a apresentação do médico, a oportunidade de ter familiar presente e a oferta de apoio do médico. Verificou-se que a maioria dos pacientes avaliou este momento positivamente nos quatro primeiros itens, contudo a questão 5, que afere o apoio recebido pelo médico após a comunicação de más notícias, foi avaliada negativamente pela maioria dos participantes, fazendo-se importante refletir sobre a importância dos cuidados que se deve ter sobre esse aspecto (Tabela 1).

Tabela 1
Etapa 1. Preparando o encontro.

Os dados mencionados na Etapa 2 dizem respeito ao momento em que o médico deve buscar entender se o paciente sabe sobre seu diagnóstico. Este foi avaliado negativamente, mostrando que a maioria dos pacientes (f = 120; 51,30%) relatou que o médico não perguntou sobre a doença ao paciente antes de comunicar a má notícia (Tabela 2).

Na Etapa 3, constatou-se que a maioria dos participantes (f = 145; 62,00%) relatou que os médicos, antes de dar a notícia, não perguntaram se eles queriam saber sobre seus exames, diagnósticos e tratamentos (Tabela 2).

Tabela 2
Etapas 2 e 3. Compreender o que o paciente sabe sobre o diagnóstico e investigando se o paciente quer saber sobre seu diagnóstico.

Os resultados da Etapa 4 mostraram que os participantes avaliaram positivamente todos os itens sobre a transmissão de informação (Tabela 3). Afirmaram que as notícias são dadas de forma clara e compreensiva.

Tabela 3
Etapa 4. A notícia - transmitindo a informação.

A Etapa 5 apreendeu se foi dada a oportunidade para que os pacientes expressassem as suas emoções após a comunicação de más notícias. Foi avaliado positivamente em todos os itens (Tabela 4).

Em geral, na Etapa 6, o momento destinado a resumir e traçar estratégias no processo do paciente foi avaliado positivamente. A maioria dos participantes avaliou de forma positiva a postura do médico no momento de resumir as informações repassadas, bem como o espaço oferecido para retirar as dúvidas (Tabela 4).

Tabela 4
Etapa 5 e 6. Expressões dos pacientes e resumindo para o paciente.

A avaliação do grau de satisfação dos pacientes sobre como os médicos conduzem o processo de comunicar a má notícia foi visto, em sua maioria, de forma positiva (f = 110; 47,00%) (Tabela 5).

Tabela 5
Grau de satisfação com a comunicação de más notícias.

Ao final, foi possível ainda realizar comparações dos índices de avaliações sobre a comunicação de más notícias para verificar se há diferença entre grupos amostrais de diferentes abordagens terapêuticas - pacientes em cuidados paliativos e em distanásia. Os resultados mostraram diferença estatisticamente significativa em 11 itens avaliados (Tabela 6). Na avaliação da Etapa 1 - Preparação para o encontro ‒, quatro itens (itens 1, 3, 4 e 5) obtiveram diferença estatisticamente significativa, constatando-se que os pacientes em distanásia avaliaram que os seus médicos da equipe de cuidados curativos tiveram um maior cuidado com a escolha do lugar a ser realizada a comunicação, sua apresentação e oferta de apoio, enquanto os pacientes de cuidados paliativos julgaram que seus médicos paliativistas tiveram maior cuidado com a presença de familiares e acompanhantes durante a comunicação (Tabela 6).

Sobre a Etapa 2, constatou-se que os pacientes em distanásia julgaram que seus médicos buscam compreender mais o conteúdo prévio que o paciente possui sobre a doença (item 6). Verificou-se, contudo, a inexistência de diferença significativa na Etapa 3, na qual o médico investiga o quanto o paciente quer saber antes de realizar a comunicação (Tabela 6).

Na Etapa 4 ‒ Transmitindo a informação ‒, os pacientes de cuidados paliativos avaliaram melhor seus médicos em três itens (itens 9, 10 e 12). Observaram maior cuidado em evitar usar expressões que assustam, em verificar se os pacientes estão entendendo a informação e mostrando que ainda há cuidado a ser ofertado. Na Etapa 5 ‒ Expressões dos pacientes ‒, os médicos de cuidados curativos foram mais bem avaliados no respeito ao tempo para expressão de sentimentos (item 14), e os médicos de cuidados paliativos foram considerados mais participativos na decisão terapêutica com a família (item 16). Por fim, na Etapa 6 ‒ Resumindo para o paciente ‒, os médicos de cuidados paliativos foram mais bem avaliados no fechamento da comunicação para retirada de dúvidas (item 18) (Tabela 6).

Tabela 6
Comparação das avaliações da comunicação de más notícias por abordagem terapêutica.

Discussão

Na relação médico-paciente é fundamental que exista uma boa comunicação entre os sujeitos envolvidos (Souza et al. 2020SOUZA, Yanne V. et al. Percepção de pacientes sobre sua relação com médicos. Revista Bioética , Brasília, DF, v. 28, n. 2, p. 332-343, 2020. Doi: 10.1590/1983-80422020282395. Acesso em: 23 jun. 2018.
https://doi.org/10.1590/1983-80422020282...
; Bastos, Andrade e Andrade, 2017 BASTOS, Luiz O. A.; ANDRADE, Elizabeth N.; ANDRADE, Edson O . Relação médico-paciente na oncologia: estudo a partir da perspectiva do paciente. Revista Bioética, Brasília, DF, v. 25, n. 3, p. 563-576, 2017. Doi: 10.1590/1983-80422017253213, Acesso em: 12 maio 2018.
https://doi.org/10.1590/1983-80422017253...
). Quando se trata de uma doença com prognóstico reservado que implica uma comunicação de processo de morte, a situação fica mais complexa e delicada (Freiberger, Carvalho e Bonamigo, 2019FREIBERGER, Miguel H.; CARVALHO, Diego; BONAMIGO, Elcio L. Comunicação de más notícias a pacientes na perspectiva de estudantes de medicina. Revista Bioética , Brasília, DF, v. 27, n. 2, p. 318-325, 2019. Doi: 10.1590/1983-80422019272316. Acesso em: 18 abr. 2018.
https://doi.org/10.1590/1983-80422019272...
). Por isso, essa não é uma tarefa fácil para o profissional da saúde executar (Campos, Silva e Silva, 2019CAMPOS, Vanessa F.; SILVA, Jhonata M.; SILVA, Josimário J. Comunicação em cuidados paliativos: equipe, paciente e família. Revista Bioética , Brasília, DF, v. 27, n. 4, p. 711-718, 2019. Doi: 10.1590/1983-80422019274354. Acesso em: 10 abr. 2018.
https://doi.org/10.1590/1983-80422019274...
), mas, se ele tiver habilidade, formação adequada e usar protocolos que indicam como lidar com essas situações, essa tarefa pode ser feita de forma eficaz (Souza et al. 2020SOUZA, Yanne V. et al. Percepção de pacientes sobre sua relação com médicos. Revista Bioética , Brasília, DF, v. 28, n. 2, p. 332-343, 2020. Doi: 10.1590/1983-80422020282395. Acesso em: 23 jun. 2018.
https://doi.org/10.1590/1983-80422020282...
).

Em consonância com as habilidades necessárias para essa tarefa, a maioria dos participantes da pesquisa sinalizou uma avaliação positiva do processo de comunicação de más notícias por seus médicos. Numa análise com base no protocolo SPIKES (Cruz e Riera, 2016 CRUZ, Carolina O.; RIERA, Rachel. Comunicando más notícias: o protocolo SPIKES. Diagnóstico & Tratamento, São Paulo, v. 21, n. 3, p. 106-108, 2016. Disponível em: https://docs.bvsalud.org/biblioref/2016/08/1365/rdt_v21n3_106-108.pdf. Acesso em: 4 out. 2021.
https://docs.bvsalud.org/biblioref/2016/...
), a Etapa 1, de preparação para o encontro, no qual o profissional deve conferir ao enfermo acolhimento, privacidade, apoio, cuidado e empatia (Sombra Neto et al., 2017SOMBRA NETO, Luis L. et al. Habilidade de comunicação da má notícia: o estudante de medicina está preparado? Revista Brasileira de Educação Médica , Brasília, DF, v. 41, n. 2, p. 260-268, 2017. Doi: 10.1590/1981-52712015v41n2rb20160063. Acesso em: 10 abr. 2018.
https://doi.org/10.1590/1981-52712015v41...
), foi avaliada positivamente. Contudo, a maioria dos participantes avaliou de forma negativa um item, por não receberem apoio dos médicos antes da comunicação.

A Etapa 2, que busca identificar o conteúdo prévio que pacientes têm sobre a doença, e a Etapa 3, que explora o quanto ele quer saber, tiveram avaliação negativa, compreendendo que os médicos analisados pelos pacientes executaram a tarefa de comunicar sem o cuidado com o que o paciente já sabia ou o que ele queria saber. Em contrapartida, a literatura sinaliza que, para evitar uma comunicação abrupta, é necessário que o médico perceba o paciente antes da comunicação (Bastos, Andrade e Andrade, 2017 BASTOS, Luiz O. A.; ANDRADE, Elizabeth N.; ANDRADE, Edson O . Relação médico-paciente na oncologia: estudo a partir da perspectiva do paciente. Revista Bioética, Brasília, DF, v. 25, n. 3, p. 563-576, 2017. Doi: 10.1590/1983-80422017253213, Acesso em: 12 maio 2018.
https://doi.org/10.1590/1983-80422017253...
) e pergunte se ele quer receber aquela notícia naquele momento e até que ponto ele quer saber, deixando-o livre e respeitando-o em sua subjetivação (Cruz e Riera, 2016 CRUZ, Carolina O.; RIERA, Rachel. Comunicando más notícias: o protocolo SPIKES. Diagnóstico & Tratamento, São Paulo, v. 21, n. 3, p. 106-108, 2016. Disponível em: https://docs.bvsalud.org/biblioref/2016/08/1365/rdt_v21n3_106-108.pdf. Acesso em: 4 out. 2021.
https://docs.bvsalud.org/biblioref/2016/...
).

Apesar desses passos anteriores não serem bem avaliados, a maioria dos participantes julgou que os médicos da pesquisa conseguiram transmitir bem a má notícia aos pacientes, na Etapa 4, atendendo aos quesitos esperados para transmissão de informação, que deve ser sincera, objetiva, empática, detalhada e com uso adequado de palavras (Freiberger, Carvalho e Bonamigo, 2019FREIBERGER, Miguel H.; CARVALHO, Diego; BONAMIGO, Elcio L. Comunicação de más notícias a pacientes na perspectiva de estudantes de medicina. Revista Bioética , Brasília, DF, v. 27, n. 2, p. 318-325, 2019. Doi: 10.1590/1983-80422019272316. Acesso em: 18 abr. 2018.
https://doi.org/10.1590/1983-80422019272...
; Cruz e Riera, 2016 CRUZ, Carolina O.; RIERA, Rachel. Comunicando más notícias: o protocolo SPIKES. Diagnóstico & Tratamento, São Paulo, v. 21, n. 3, p. 106-108, 2016. Disponível em: https://docs.bvsalud.org/biblioref/2016/08/1365/rdt_v21n3_106-108.pdf. Acesso em: 4 out. 2021.
https://docs.bvsalud.org/biblioref/2016/...
).

Comunicar as notícias implica também receber do paciente as expressões de sentimentos que ele possa apresentar após a informação ter sido dada. Com essa premissa, na Etapa 5, foi avaliado se o médico soube acolher o paciente nesse momento crucial, em que muitos enfermos experienciam incertezas, angústias, questionamentos e dificuldade de aceitarem a realidade (Bastos, Andrade e Andrade, 2017 BASTOS, Luiz O. A.; ANDRADE, Elizabeth N.; ANDRADE, Edson O . Relação médico-paciente na oncologia: estudo a partir da perspectiva do paciente. Revista Bioética, Brasília, DF, v. 25, n. 3, p. 563-576, 2017. Doi: 10.1590/1983-80422017253213, Acesso em: 12 maio 2018.
https://doi.org/10.1590/1983-80422017253...
; Campos, Silva e Silva, 2019CAMPOS, Vanessa F.; SILVA, Jhonata M.; SILVA, Josimário J. Comunicação em cuidados paliativos: equipe, paciente e família. Revista Bioética , Brasília, DF, v. 27, n. 4, p. 711-718, 2019. Doi: 10.1590/1983-80422019274354. Acesso em: 10 abr. 2018.
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). Apesar de ser um dos momentos mais desafiantes para os indivíduos adoecidos e para os médicos que precisam lidar com as consequências de informar a má notícia, os participantes se sentiram bem acolhidos nesse momento.

Ao final da comunicação, na Etapa 6, o profissional deve resumir para o paciente todas as informações, autorizando a pessoa a fazer perguntas e deixando claro o plano ou o tratamento que poderá ser prescrito mediante o diagnóstico informado (Cruz e Riera, 2016 CRUZ, Carolina O.; RIERA, Rachel. Comunicando más notícias: o protocolo SPIKES. Diagnóstico & Tratamento, São Paulo, v. 21, n. 3, p. 106-108, 2016. Disponível em: https://docs.bvsalud.org/biblioref/2016/08/1365/rdt_v21n3_106-108.pdf. Acesso em: 4 out. 2021.
https://docs.bvsalud.org/biblioref/2016/...
). As respostas da pesquisa indicam que os médicos concluíram bem esse processo, confirmando que os pacientes não estão sozinhos nessa nova jornada de suas vidas. Por fim, a maioria dos participantes avaliou positivamente o grau de satisfação com a comunicação de más notícias feita por seus respectivos médicos.

Ao compararmos as respostas dos pacientes em cuidados paliativos com os que estavam em distanásia, observam-se diferenças estatisticamente significativas na maioria dos itens avaliados. Nos itens que abordam a Etapa 1 do protocolo de SPIKES, observou-se que os pacientes em distanásia consideraram que seus médicos da equipe curativa apresentaram maior cuidado com o lugar que iria ocorrer a comunicação, com a sua apresentação e oferta de apoio ao paciente. Além disso, na Etapa 2, os pacientes em distanásia julgaram melhor o interesse de seus médicos em avaliar o que o paciente sabia previamente de sua própria enfermidade. Esses dados indicam que os médicos desse modelo de cuidado tiveram um maior zelo por preparar o ambiente e o paciente, para que a comunicação não fosse recebida de forma abrupta, fator importante para o vínculo médico-paciente (Bastos, Andrade e Andrade, 2017 BASTOS, Luiz O. A.; ANDRADE, Elizabeth N.; ANDRADE, Edson O . Relação médico-paciente na oncologia: estudo a partir da perspectiva do paciente. Revista Bioética, Brasília, DF, v. 25, n. 3, p. 563-576, 2017. Doi: 10.1590/1983-80422017253213, Acesso em: 12 maio 2018.
https://doi.org/10.1590/1983-80422017253...
) que influencia na aceitação do diagnóstico e prognóstico, e na adesão ao tratamento (Campos, Silva e Silva, 2019CAMPOS, Vanessa F.; SILVA, Jhonata M.; SILVA, Josimário J. Comunicação em cuidados paliativos: equipe, paciente e família. Revista Bioética , Brasília, DF, v. 27, n. 4, p. 711-718, 2019. Doi: 10.1590/1983-80422019274354. Acesso em: 10 abr. 2018.
https://doi.org/10.1590/1983-80422019274...
). Já os pacientes em cuidados paliativos avaliaram, na Etapa 1, que os seus médicos se preocuparam mais com o acompanhamento da família durante a comunicação da má notícia, indicando a importância que esses profissionais dão ao apoio social oferecido pelos familiares e sua inclusão no processo terapêutico (Bastos, Andrade e Andrade, 2017 BASTOS, Luiz O. A.; ANDRADE, Elizabeth N.; ANDRADE, Edson O . Relação médico-paciente na oncologia: estudo a partir da perspectiva do paciente. Revista Bioética, Brasília, DF, v. 25, n. 3, p. 563-576, 2017. Doi: 10.1590/1983-80422017253213, Acesso em: 12 maio 2018.
https://doi.org/10.1590/1983-80422017253...
). A Etapa 3, que investiga o quanto o paciente quer saber, não apresentou diferença significativa entre as duas modalidades de cuidado.

Na Etapa 4, que se refere à transmissão da informação aos pacientes, os médicos dos cuidados paliativos foram mais bem avaliados. Seus pacientes julgaram que eles foram mais cautelosos ao usarem expressões que assustam, em perceber se o paciente está compreendendo a situação e em apresentar formas de cuidado que ainda poderiam ser empregadas para tais pacientes, mesmo com um prognóstico reservado. O processo de comunicação de más notícias como um todo exige empatia, compaixão, cuidado e delicadeza (Borges e Santos, 2014 BORGES, Maira M.; SANTOS, Randolfo J . A comunicação na transição para os cuidados paliativos: artigo de revisão. Revista Brasileira de Educação Médica, Brasília, DF, v. 38, n. 2, p. 275-282, 2014. Doi: 10.1590/S0100-55022014000200015. Acesso em: 25 ago. 2018.
https://doi.org/10.1590/S0100-5502201400...
). Essa etapa do protocolo requer especificamente uma abordagem mais assertiva (Lima, Maia e Nascimento, 2019 LIMA, Keyssiane M. A.; MAIA, Anice H. N.; NASCIMENTO, Isabel R. C. Comunicação de más notícias em cuidados paliativos na oncopediatria. Revista Bioética , Brasília, DF, v. 27, n. 4, p. 719-727, 2019. Doi: 10.1590/1983-80422019274355. Acesso em: 16 abr. 2018.
https://doi.org/10.1590/1983-80422019274...
) e se torna uma das partes mais importantes por ser a finalidade primeira da atuação.

Já ao final do processo de comunicação, os pacientes em distanásia sentiram que tiveram mais oportunidade de expor seus sentimentos (Etapa 5), apesar de os pacientes em cuidados paliativos terem seus médicos mais participativos na decisão terapêutica com a família (Etapa 5) e apresentarem mais disponibilidade para responder perguntas no fechamento (Etapa 6).

Essa diferença das duas formas de cuidado, no geral, mostra uma possível resistência dos médicos responsáveis pelos pacientes em distanásia de se envolverem com eles de forma mais intensa. Isso se expressa nos resultados quando o médico se apresenta, oferece apoio e respeita a expressão dos sentimentos de seus pacientes, mas não propicia um cuidado maior ao transmitir adequadamente a má notícia, não abrir espaço para trocas entre médico e paciente e ao não envolver a família nesse cuidado.

Mediante esses dados, reflete-se que a comunicação de má notícia não diz respeito apenas a informar o paciente sobre a sua condição e esperar que suas emoções sejam abrandadas, pois a mensagem dita se entrelaça ao sentimento expressado. Portanto, a comunicação é um encontro, uma troca entre os sujeitos que valorizam, prioritariamente, o paciente em seu processo de saúde e doença (Lima, Maia e Nascimento, 2019 LIMA, Keyssiane M. A.; MAIA, Anice H. N.; NASCIMENTO, Isabel R. C. Comunicação de más notícias em cuidados paliativos na oncopediatria. Revista Bioética , Brasília, DF, v. 27, n. 4, p. 719-727, 2019. Doi: 10.1590/1983-80422019274355. Acesso em: 16 abr. 2018.
https://doi.org/10.1590/1983-80422019274...
). Nessa troca, cumprir com o papel ético do médico em comunicar é respeitar o direito e a autonomia do doente, contribuindo para a satisfação e adesão ao tratamento indicado pelos profissionais (Campos, Silva e Silva, 2019CAMPOS, Vanessa F.; SILVA, Jhonata M.; SILVA, Josimário J. Comunicação em cuidados paliativos: equipe, paciente e família. Revista Bioética , Brasília, DF, v. 27, n. 4, p. 711-718, 2019. Doi: 10.1590/1983-80422019274354. Acesso em: 10 abr. 2018.
https://doi.org/10.1590/1983-80422019274...
; Lima, Maia e Nascimento, 2019 LIMA, Keyssiane M. A.; MAIA, Anice H. N.; NASCIMENTO, Isabel R. C. Comunicação de más notícias em cuidados paliativos na oncopediatria. Revista Bioética , Brasília, DF, v. 27, n. 4, p. 719-727, 2019. Doi: 10.1590/1983-80422019274355. Acesso em: 16 abr. 2018.
https://doi.org/10.1590/1983-80422019274...
).

Considerações finais

Na relação médico-paciente, a comunicação de más notícias é um processo difícil e doloroso para ambas as partes, exigindo dos profissionais habilidades técnicas, as quais, geralmente, são desafiadoras. O presente estudo constatou que os participantes avaliaram, de modo geral, positivamente a comunicação da má notícia que receberam, aprovando a preparação para a comunicação, a transmissão da informação, o acolhimento aos sentimentos e o fechamento do processo. Contudo, sinalizaram a necessidade de os médicos terem um maior cuidado com a identificação do conteúdo prévio que os pacientes detinham sobre a doença e suas expectativas de informação.

Porém, ao se analisar a comparação das avaliações entre as duas modalidades de cuidado, constata-se que, por um lado, os médicos dos pacientes em distanásia souberam prepará-los melhor para a comunicação e deixar que eles expressassem seus sentimentos ao final. Por outro lado, os médicos dos cuidados paliativos foram melhores ao comunicar a má notícia em si e no fechamento, estando atentos às perguntas realizadas pelo paciente e na participação da família na decisão terapêutica, mostrando um envolvimento maior desses médicos na comunicação de más notícias.

Embora os resultados sejam consistentes teoricamente e representem uma significativa contribuição para a discussão sobre a comunicação de más notícias, a presente pesquisa possui limitações na amostra, que contemplou apenas duas cidades do Ceará. Não contou, portanto, com a participação de pessoas de outros estados e, por isso, não é representativa da população brasileira. Contudo, a pesquisa apresenta um avanço ao tratar de um tema sob uma perspectiva diferente - a comunicação de más notícias baseada na avaliação de sujeitos em processo de morte - e ao coletar dados na região Nordeste do Brasil, visto que a maioria das pesquisas na área de cuidados paliativos é desenvolvida no sul do país.

A pesquisa apresentada contribuiu para gerar discussão a respeito da comunicação entre médicos e pacientes no processo de morte. Sugere-se a realização de novas pesquisas, de modo a ampliar a voz de outros atores sociais envolvidos no processo (familiares dos pacientes, médicos e outras categorias profissionais) e em outros contextos de doenças. Por isso, este estudo não se encerra em suas respostas, mas abre novas perguntas. É também um convite para que pesquisadores investiguem mais sobre o tema, subsidiando a melhoria da assistência ao paciente em processo de morte, desde a comunicação médico-paciente.

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  • Financiamento

    O estudo contou com auxílio da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Diretoria Científica e Tecnológica, por meio do Edital n. 01/2017, FUNCAP/CNPq/PPSUS-MS/SESA, de acordo com o processo n. 3943136/2017.
  • Aspectos éticos

    O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Fortaleza, sob o parecer n. 2.428.047. A pesquisa foi desenvolvida em concordância com os padrões éticos, respeitadas as resoluções n. 466/12, n. 510/16 e n. 580/18, do Conselho Nacional de Saúde, e com o devido consentimento livre e esclarecido dos participantes.
  • Apresentação prévia

    Esse artigo é resultante de dissertação de mestrado, intitulada A comunicação de más notícias e a relação médico-paciente oncológico em cuidados paliativos, de autoria de Maria Rannielly de Araújo Lima Magalhães, defendida no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade de Fortaleza em 2019.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Out 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    25 Out 2021
  • Aceito
    27 Jul 2022
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