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A pandemia de Covid-19 como justificativa para ações discriminatórias: viés racial na seletividade do direito a acompanhante ao parto

The COVID-19 pandemic as a justification for discriminatory actions: racial bias in the selectivity of the right to a companion during childbirth

La pandemia del Covid-19 como justificación de acciones discriminatorias: sesgo racial en la selectividad del derecho a un acompañante en el parto

Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar um subproduto inesperado encontrado na pesquisa de dissertação de mestrado intitulada A cor da violência obstétrica. Chamou a atenção dentre os dados levantados nas entrevistas que 86% das mulheres brancas puderam ter acompanhante de livre escolha em algum momento da internação para o parto. Entre as negras entrevistadas, somente 33% obtiveram autorização para exercer este mesmo direito garantido pela lei nº 11.108 de 2005. A justificativa utilizada pelos serviços de saúde para as mulheres que tiveram o direito a acompanhante negado foi a implementação de protocolos de controle e prevenção em relação à pandemia de Covid-19. Nas maternidades em que estas gestantes se internaram para o parto, não houve proibição irrestrita da presença de acompanhante durante a hospitalização. As instituições analisavam caso a caso. Esta avaliação subjetiva, sem critérios definidos, apresentou um viés racial na seletividade. Essas violações dos direitos das parturientes podem ser caracterizadas como racismo obstétrico.

Palavras-chave:
gestação; racismo; Covid-19

Abstract

This article aims to analyze an unexpected by-product found in the master’s dissertation research entitled The color of obstetric violence. Among the data collected in the interviews, it was noteworthy that 86% of white women could have a companion of their own choice at some point during hospitalization for childbirth. Among the black women interviewed, only 33% were authorized to exercise this same right guaranteed by Law No. 11,108 of 2005. The justification used by the health services for women who were denied the right to a companion was the implementation of control and prevention protocols in regarding the COVID-19 pandemic. In maternity hospitals where these pregnant women were hospitalized for childbirth, there was no unrestricted prohibition on the presence of a companion during hospitalization. Institutions analyzed case by case. This subjective evaluation, without defined criteria, showed a racial bias in selectivity. These violations of the rights of parturient women can be characterized as obstetric racism.

Keywords:
gestation; racism; COVID-19

Resumen

Este artículo tiene como objetivo analizar un subproduto inesperado que se encontró en la investigación de una tesis de maestría titulada El color de la violencia obstétrica. Llamó la atención entre los datos recogidos en las entrevistas que el 86% de las mujeres blancas pudieron tener un acompañante de su elección en algún momento del internamiento para el parto. Entre las mujeres negras entrevistadas, solamente el 33% obtuvieron autorización para ejercer este mismo derecho garantizado por la Ley 11.108 de 2005. La justificativa utilizada por los servicios de salud para las mujeres que tuvieron negado el derecho a un acompañante fue la implementación de protocolos de control y prevención relacionados a la pandemia del Covid-19. En las maternidades donde estas gestantes se internaron para el parto, no hubo una prohibición irrestricta de la presencia de un acompañante durante la hospitalización. Las instituciones analizavan caso por caso. Esta evaluación subjetiva, sin criterios definidos, presentó un sesgo racial en la selectividad. Estas violaciones de los derechos de las parturientas se pueden caracterizar como racismo obstétrico.

Palabras clave:
gestación; racismo; Covid-19

Introdução

Devido ao risco elevado de morbimortalidade, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou as gestantes como grupo de risco para Covid-19. O novo coronavírus, SARS-COV-2, agente etiológico da Covid-19, tem se propagado no mundo inteiro de maneira rápida, vulnerabilizando, dentre outros grupos, as gestantes (Estrela et al., 2021ESTRELA, Fernanda M. et al. Gestantes no contexto da pandemia da Covid-19: reflexões e desafios. Physis: Revista de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, 2020, v. 30, n. 2, e300215. DOI: https://doi.org/10.590/S0103-73312020300215. Disponível em: https://www.scielo.br/j/physis/a/zwPkqzqfcHbRqyZNxzfrg3g/?lang=pt . Acesso em: 21 dez. 2020.
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).

Na maioria dos infectados, os sintomas apresentados são leves, a exemplo de febre e tosse seca; porém, em mulheres na segunda metade da gestação, há outros sintomas que podem aparecer com menor intensidade nas gestantes, como fadiga, dispneia, diarreia, congestão nasal e coriza. Algumas mulheres podem apresentar ainda complicações mais graves, como a síndrome respiratória aguda grave - SARS (Zaigham e Andersson, 2020ZAIGHAM, Mehreen; ANDERSSON, Ola. Maternal and perinatal outcomes with Covid-19: a systematic review of 108 pregnancies. Acta Obstetricia et Gynecologica Scandinavica, v. 99, n. 7, p. 823-829, 2020. DOI: https://doi.org/10.1111/aogs.13867. Disponível em: https://obgyn.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/aogs.13867 . Acesso em: 13 jan. 2021.
https://obgyn.onlinelibrary.wiley.com/do...
).

O Boletim do Observatório Covid-19 revela que o Brasil registrou uma assustadora taxa de letalidade de gestantes e puérperas (mulheres que tiveram filhos há até 45 dias) de 7,2%, ou seja, mais que o dobro da taxa de letalidade do país, que era de 2,8% (Fundação Oswaldo Cruz, 2021FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Boletim Observatório Covid-19. Semanas Epidemiológicas 20 e 21, de 16 a 29 de maio de 2021. Disponível em: https://agencia.fiocruz.br/sites/agencia.fiocruz.br/files/u34/boletim_covid_2021-semanas_20-21-red.pdf . Acesso em: 24 ago. 2021.
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).

Este cenário adverso fez com que algumas maternidades e hospitais, como forma de prevenir Covid-19, adotassem medidas de prevenção no momento do parto. A adoção de medidas não farmacológicas para reduzir a transmissão do vírus Sars-Cov-2, como uso obrigatório de máscara e avental de precaução de contato, protocolos rígidos de lavagem das mãos, uso de álcool gel, distanciamento social e uso de face shield para os profissionais da saúde, é uma ação importante, preconizada pelas instituições para reduzir riscos de contágio.

Entretanto, há controvérsias sobre o impedimento da presença de acompanhantes a gestantes durante a internação para o parto e sobre os critérios subjetivos utilizados por algumas instituições de saúde para definir quais mulheres podem ou não ter acesso a esse direito.

A lei nº 11.108, de 2005 (Brasil, 2005BRASIL. Presidência da República. Secretaria-Geral. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 11.108, de 7 de setembro de 2005. Altera a lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para garantir às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11108.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%2011.108%2C%20DE%207%20DE%20ABRIL%20DE%202005.&text=Altera%20a%20Lei%20n%C2%BA%208.080,Sistema%20%C3%9Anico%20de%20Sa%C3%BAde%20%2D%20SUS. . Acesso em: 10 jan. 2020.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
), garante às parturientes o direito à presença de acompanhante, de sua livre escolha, durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

Art. 19-J. Os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde - SUS, da rede própria ou conveniada, ficam obrigados a permitir a presença, junto à parturiente, de 1 (um) acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato.

§ 1º O acompanhante de que trata ocaput deste artigo será indicado pela parturiente.

§ 2º As ações destinadas a viabilizar o pleno exercício dos direitos de que trata este artigo constarão do regulamento da lei, a ser elaborado pelo órgão competente do Poder Executivo. (Brasil, 2005BRASIL. Presidência da República. Secretaria-Geral. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 11.108, de 7 de setembro de 2005. Altera a lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para garantir às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11108.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%2011.108%2C%20DE%207%20DE%20ABRIL%20DE%202005.&text=Altera%20a%20Lei%20n%C2%BA%208.080,Sistema%20%C3%9Anico%20de%20Sa%C3%BAde%20%2D%20SUS. . Acesso em: 10 jan. 2020.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
)

Lima (2016LIMA, Kelly D. Raça e violência obstétrica no Brasil. 2016. 25f. Monografia (Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva) - Departamento de Saúde Coletiva, Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz, Recife, 2016. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/18547?locale=pt_BR . Acesso em: 22 dez. 2019.
https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict...
) defende que o impedimento de um acompanhante para a mulher durante todo o momento que a parturiente se encontra no internamento para o parto, assim como ações que dificultem, retardem ou impeçam o acesso da mulher aos seus direitos constituídos nos serviços de saúde, pode ser identificado como violência obstétrica.

Segundo Andrade e Aggio (2014ANDRADE, Briena P.; AGGIO, Cristiane M. Violência obstétrica: a dor que cala. In: SIMPÓSIO GÊNERO E POLÍTICAS PÚBLICAS, 3., 2014, Londrina . Anais [...]. Londrina, 2014. p. 1-7. Disponível em: http://www.uel.br/eventos/gpp/pages/arquivos/GT3_Briena%20Padilha%20Andrade.pdf . Acesso em: 6 jan. 2020.
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), o profissional médico, contrariando a Política Nacional de Humanização, atua como se a mulher e seu corpo fossem uma máquina, no qual ele desenvolve sua engenharia. Essa hierarquia do saber médico sobre a parturiente muda o foco da mulher para o procedimento, deixando as gestantes mais vulneráveis à violência obstétrica. A autonomia da mulher é subjugada diante do saber médico que, por vezes, negligência informações e direitos, impedindo-as de ter a presença de acompanhante, de decidir a posição que querem ter seus bebês e até mesmo de expressar suas emoções e sentimentos.

O termo ‘violência obstétrica’ é utilizado no Brasil, e em outros países da América Latina, para definir como violência as práticas ocorridas no pré-natal, parto e pós-parto que ofendam os direitos da gestante, com condutas agressivas e ofensivas (Diniz et al., 2015DINIZ, Simone G. et al. Violência obstétrica como questão para a saúde pública no Brasil: origens, definições, tipologia, impactos sobre a saúde materna, e propostas para sua prevenção. Journal of Human Growth and Development, São Paulo, v. 25, n. 3, p. 377-384, 2015. DOI: http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.106080. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/jhgd/article/view/106080 . Acesso em: 20 dez. 2020.
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). Importante ressaltar que a violência obstétrica não é necessariamente perpetrada pelo profissional médico, podendo ser reproduzida por qualquer profissional da área da saúde envolvido na assistência à mulher no ciclo gravídico-puerperal.

O racismo institucional é entendido como o fracasso das instituições e organizações em prover um serviço profissional e adequado às pessoas em função de sua cor, cultura, origem racial ou étnica. Em qualquer caso, o racismo institucional sempre coloca pessoas de grupos raciais ou étnicos discriminados em situação de desvantagem no acesso a direitos junto ao Estado ou ao amparo de outras instituições e organizações (Programa de Combate ao Racismo Institucional, 2006PROGRAMA DE COMBATE AO RACISMO INSTITUCIONAL (PCRI). Articulação para o Combate ao Racismo Institucional. Identificação e abordagem do racismo institucional. Brasília: PCRI, 2006.).

Nesta pesquisa, apresentaremos dados que demonstram que a proibição de acompanhante pelas instituições de saúde que internam para o parto aconteceu em maior número entre mulheres negras, ou seja, o recorte racial foi definidor na determinação de quem poderia ou não ter garantido seu direito. O rigor dos protocolos de segurança contra a Covid-19 variou de acordo com o tom da pele da mulher atendida pelo serviço de saúde.

A cor da violência obstétrica

O dado apresentado faz parte dos resultados da dissertação de mestrado intitulada A cor da violência obstétrica, que tem por objetivo analisar a determinação da violência obstétrica no SUS, considerando a influência da cor da pele.

Os elementos teóricos da pesquisa tiveram como base o método científico-filosófico do materialismo histórico-dialético, levando em conta as contradições e os conflitos presentes na expressão singular das múltiplas apresentações da realidade no contexto histórico e social no qual o objeto de estudo se realiza.

Na acepção moderna, a dialética significa o modo de pensar as contradições da realidade, o modo de compreender a realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação. A dialética é, pois, um método de interpretação dinâmico e totalizante da realidade, que considera que o conhecimento sobre os fatos não pode ser realizado deixando-se de fora o contexto social, político, econômico etc.

A pesquisa teve caráter exploratório, considerando a parte subjetiva do problema e procurando explorar a temática de modo a fornecer informações para uma investigação mais precisa (Minayo, 2017MINAYO, Maria C. S. Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: consensos e controvérsias. Revista Pesquisa Qualitativa, São Paulo, v. 5, n. 7, p. 1-12, 2017. Disponível em: https://editora.sepq.org.br/rpq/article/view/82/59 . Acesso em: 12 jan. 2020.
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).

Os sujeitos da amostra foram puérperas de até seis semanas, atendidas na Unidade de Saúde Mãe Curitibana da Regional de Saúde Matriz no município de Curitiba, Paraná, escolhidas de maneira aleatória. Foi utilizado o princípio de saturação da amostra. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos do setor de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Paraná, parecer nº 4.055.219, e da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba, parecer nº 4.191.832.

Foram realizadas entrevistas com 18 puérperas de até seis semanas, com a data de parto compreendida entre os meses de julho de 2020 e fevereiro de 2021. A média de idade das entrevistadas foi de 32 anos, variando entre 26 e 46 anos de idade. Na autoidentificação de pertencimento étnicorracial, 44% das mulheres entrevistadas se autodeclararam brancas, 50% negras − sendo 11% pretas e 39% pardas − e 6% indígenas.

Em Curitiba, 19,64% da população se autodeclara preta ou parda segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2012INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo Brasileiro de 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2012. Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br /. Acesso em: 20 set. 2021.
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), no Censo de 2010. Acreditamos que o achado aleatório de 50% de mulheres negras entrevistadas se justifica pelo dado que aponta que 67% da população negra utilizam os serviços do SUS (IBGE, 2012INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo Brasileiro de 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2012. Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br /. Acesso em: 20 set. 2021.
https://censo2010.ibge.gov.br...
).

Foram realizadas entrevistas em profundidade, seguindo um roteiro semiestruturado, com questões abertas que permitiam às mulheres falarem livremente sobre suas experiências com a equipe de saúde no pré-natal, parto e puerpério. Uma das perguntas da entrevista é a que segue: “Foi autorizada a presença de acompanhante de sua escolha durante todo o período de internamento para o parto?”

Chamou a atenção dentre os dados extraídos das entrevistas que 86% das mulheres brancas puderam ter acompanhante em algum momento da internação. Destas, 43% tiveram permissão para a presença do acompanhante somente no parto e 43% durante todo o internamento. Entre as mulheres negras (soma das entrevistadas autodeclaradas pretas e pardas), somente 33% puderam ter acompanhante em algum momento da internação para o parto, com 22% somente no momento do parto e 11% durante todo o internamento.

Dito de outra forma, entre as mulheres negras, 67% não foram autorizadas a ter acompanhante de sua escolha em nenhum momento da internação para o parto. Entre as mulheres brancas, 14% não puderam ter acompanhante em nenhum momento, conforme apresentado no Gráfico 1.

Gráfico 1
Percentual de mulheres que obtiveram autorização de acompanhantes durante o parto e internamento por autodeclaração étnicorracial

Cabe aqui a observação de que a única mulher negra que teve autorização para acompanhante durante todo o internamento era imigrante síria. Ela não falava e nem compreendia a língua portuguesa. Para esta mulher, que na entrevista se autodeclarou parda, a presença do marido foi autorizada pela necessidade de tradutor, visto que ele falava português.

A justificativa utilizada pelos serviços de saúde para as mulheres que tiveram o direito a acompanhante de livre escolha negado foi a implementação de rígidos protocolos de controle e prevenção da transmissão do novo coronavírus.

Vale ressaltar que todas as mulheres entrevistadas estavam cadastradas na mesma unidade básica de saúde para acompanhamento pré-natal e foram encaminhadas a maternidades do SUS de acordo com a territorialidade e o grau de risco do parto. Todas elas tiveram o parto durante a pandemia de Covid-19, porém nenhuma das entrevistadas relatou ter sido contaminada pelo vírus Sars-Cov-2 durante o ciclo gravídico puerperal.

O impacto da ausência de acompanhante

Segundo Paixão et al. (2021PAIXÃO, Gilvânia P. N. et al. A solidão materna diante das novas orientações em tempos de SARS-COV-2: um recorte brasileiro. Revista Gaúcha de Enfermagem, Porto Alegre, v. 42, n. esp, e20200165, 2021. DOI: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2021.20200165. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rgenf/a/DQ546XgcBsqpcrZ7WXMsKGf/?lang=en . Acesso em: 13 jan. 2020.
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), a maternidade durante a pandemia pelo vírus SARS-CoV-2 tornou-se um processo solitário para as mulheres. As novas normas técnicas, principalmente no que tange à importância do distanciamento social, intensificaram nas mulheres o sentimento de solidão e desamparo.

Nas entrevistas, identificamos que a ausência de acompanhante, além do desgaste emocional para as mulheres, aumentou as solicitações das puérperas para a equipe de enfermagem, em especial as que realizaram parto cesáreo.

Umas das entrevistadas no estudo era autodeclarada negra de pele preta, imigrante haitiana, parto cesáreo gemelar no qual um dos bebês estava com apresentação pélvica. Durante o parto, ela evoluiu com hemorragia interna. Apesar da barreira linguística e do internamento prolongado, com necessidade de nova intervenção cirúrgica, a entrevistada M1- Preta teve negado seu direito de presença de acompanhante.

A despeito da justificativa da negativa se basear na necessidade de manter o distanciamento social, o número de leitos por quarto não foi reduzido, conforme relatado pela entrevistada M-9 Branca, que faz parte dos 14% das brancas que não puderam ter acompanhante em nenhum momento da internação.

Não tinha acompanhante por conta da pandemia. Mas como não era o primeiro, sabia o que estava acontecendo com o corpo, tava tranquila [...] o hospital tava lotado e não dava para as enfermeiras darem um bom suporte pra cada uma. Senti falta de suporte da enfermagem até porque estava sem acompanhante. Eu fiquei assustada com cinco em um quarto por causa da pandemia. E atrapalha. É muito bebê chorando, um acorda o outro. E não tem acompanhante pra ajudar. (M-9 Branca)

Segundo Smith-Oka (2015)SMITH-OKA, Vania. Microaggressions and the reproduction of social inequalities in medical encounters in Mexico. Social Science & Medicine, v. 143, 2015, p. 9-16. DOI: https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2015.08.039. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S027795361500915 . Acesso em: 18 dez. 2020.
https://www.sciencedirect.com/science/ar...
e Assis (2018ASSIS, Jussara F. Interseccionalidade, racismo institucional e direitos humanos: compreensões à violência obstétrica. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 133, p. 547-565, 2018. DOI: https://doi.org/10.590/0101-6628.159. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sssoc/a/JfVQpC8kyzshYtTxMVbL5VP/?format=pdf⟨=pt Acesso em: 17 set. 2021.
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), a carga horária de trabalho extenuante, a carência de materiais e a falta de profissionais nos hospitais públicos ocasionam uma equipe de trabalho descontente. Tais fatos justificam, pela sobrecarga de tarefas, as omissões de informação e de cuidados que redundam em uma assistência desumanizada.

Eu tava com dificuldade de andar porque você fez cesárea, , dói, e eu tava com curativo e tudo mais... Eu perguntei pra enfermeira se ela podia ajudar e ela falou que não. Que eu tinha que tomar banho sozinha, fazer tudo sozinha. (M18-Parda)

Para Souza e Gualda (2016SOUZA, Silvana R. R. K.; GUALDA, Dulce Maria R. A experiência da mulher e de seu acompanhante no parto em uma maternidade. Texto & Contexto: Enfermagem, Florianópolis, v. 25, n. 1, e4080014, 2016. DOI: https://doi.org/10.590/0104-0707201600004080014. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tce/a/Sg7K3tTsB4MHLWZm4mH4tTs/?lang=pt . Acesso em: 17 set. 2021.
https://www.scielo.br/j/tce/a/Sg7K3tTsB4...
), a presença de uma pessoa conhecida pela gestante no parto é capaz de amenizar a dor, promover segurança, bem-estar emocional e físico. Considerando, portanto, os efeitos benéficos de um acompanhante de livre escolha para a mulher no ato de parir, as medidas preventivas voltadas contra a transmissibilidade da Covid-19 não deveriam reverberar em experiências negativas na vida da parturiente (Estrela et al., 2021ESTRELA, Fernanda M. et al. Gestantes no contexto da pandemia da Covid-19: reflexões e desafios. Physis: Revista de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, 2020, v. 30, n. 2, e300215. DOI: https://doi.org/10.590/S0103-73312020300215. Disponível em: https://www.scielo.br/j/physis/a/zwPkqzqfcHbRqyZNxzfrg3g/?lang=pt . Acesso em: 21 dez. 2020.
https://www.scielo.br/j/physis/a/zwPkqzq...
).

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou, na nota técnica nº 07/20202, que o acompanhante garantido por legislação específica pode estar presente durante o parto, mesmo que a mulher seja positiva para o Sars-Cov-2, com as seguintes ressalvas: não deve haver revezamentos e o acompanhante deve seguir os protocolos de higiene das mãos; uso de máscara cirúrgica e avental; manter uma distância de pelo menos 1 metro de outras pessoas e sair do quarto, área ou boxe do paciente quando for necessária a realização de procedimentos geradores de aerossol (Brasil, 2021BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Nota técnica GVIMS/GGTES/ANVISA nº 07/20202. Orientações para prevenção e vigilância epidemiológica das infecções por SARS-CoV-2 (COVID-19) dentro dos serviços de saúde. Revisão 3: 23/07/2021. Brasília: Anvisa, 23 jul. 2021. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/servicosdesaude/notas-tecnicas/nota-tecnica-gvims-ggtes-anvisa-no-07-2020#:~:text=Recomenda%C3%A7%C3%B5es%20de%2020prote%C3%A7%C3%A3o%20aos%20trabalhadores,19%20e%20outras%20s%C3%ADdromes%20gripais . Acesso em: 24 set. 2021.
https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centrais...
).

A nota orientativa nº 09/2020, do governo do Paraná, intitulada “Orientações às equipes e profissionais dos pontos de atenção da linha de cuidado maternoinfantil durante a emergência em saúde pública Coronavírus Covid-19”, traz a seguinte redação no que se refere à presença de acompanhante:

Restringir o número de pessoas presentes no parto, porém garantir a presença de acompanhante previsto em Lei (Lei Federal nº 11.108 de 2005). O qual (sic) deverá manter as precauções de contato. Este acompanhante não pode estar no grupo de risco para a Covid -19, deve ser assintomático e deverá manter as precauções de contato. (Governo do Estado do Paraná, 2020GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ. Secretaria de Estado da Saúde. Diretoria de Atenção e Vigilância em Saúde. Orientações às equipes e profissionais dos pontos de atenção da linha de cuidado maternoinfantil durante a emergência em saúde pública. Coronavírus COVID-19. Nota orientativa nº 09/2020. Disponível em: https://www.saude.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/docuento/2021-04/NO_09_LINHA_DE_CUIDADO_MATERNO_INFANTIL_V4.pdf . Acesso em: 20 set. 2021.
https://www.saude.pr.gov.br/sites/defaul...
, p. 9, grifo do autor)

Apesar da nota técnica da Anvisa e da nota orientativa estadual do Paraná, em seu texto, reforçarem a lei nº 11.108 de 2005 (Brasil, 2005BRASIL. Presidência da República. Secretaria-Geral. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 11.108, de 7 de setembro de 2005. Altera a lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para garantir às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11108.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%2011.108%2C%20DE%207%20DE%20ABRIL%20DE%202005.&text=Altera%20a%20Lei%20n%C2%BA%208.080,Sistema%20%C3%9Anico%20de%20Sa%C3%BAde%20%2D%20SUS. . Acesso em: 10 jan. 2020.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
), que garante às parturientes a presença de acompanhante de livre escolha na internação para o parto, houve entre as entrevistadas a proibição desse direito acrescido de uma distinção ainda mais negativa para as mulheres de pele mais escura.

A proibição da presença de acompanhante impactou negativamente na vivência plena dos primeiros momentos das mulheres com seus filhos, visto que se sentiram desassistidas pelos profissionais de saúde sobrecarregados e inseguras para o autocuidado e o cuidado de seu bebê.

Para as mulheres negras, é mais uma experiência de privação de direitos. Mais uma legislação para proteger as mulheres que, na prática cotidiana, atende aquelas que possuem a pele clara. Os motivos para a violação dos direitos das mulheres negras são reinventados. A camuflagem muda conforme a conjuntura. Neste momento, os protocolos de segurança contra o contágio da pandemia de Covid-19 foi a justificativa para ações de segregação por viés racial.

Viés racial implícito

O dado em si, sobre a ausência de acompanhante, não é novidade na literatura. Segundo Leal (2014LEAL, Maria C. (Org.) Pesquisa Nascer no Brasil: Sumário Executivo Temático da Pesquisa. Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2014. Disponível em: http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/informe/site/arquivos/anexos/nascerweb.pdf
http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/i...
), na pesquisa Nascer no Brasil, coordenada pela FiocruzFUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Boletim Observatório Covid-19. Semanas Epidemiológicas 20 e 21, de 16 a 29 de maio de 2021. Disponível em: https://agencia.fiocruz.br/sites/agencia.fiocruz.br/files/u34/boletim_covid_2021-semanas_20-21-red.pdf . Acesso em: 24 ago. 2021.
https://agencia.fiocruz.br/sites/agencia...
, apenas 19% das mulheres tiveram direito a acompanhante durante todo o período de hospitalização. O que surpreende nesta pesquisa é a utilização dos protocolos de segurança contra a Covid-19 como justificativa para práticas discriminatórias na definição de quais mulheres poderiam ter seu direito garantido ou não.

Segundo as entrevistadas, não houve, nas maternidades em que foram internadas para o parto, proibição irrestrita da presença de acompanhante durante a hospitalização. Informaram que as instituições analisavam caso a caso. Sobre este fato, a nota técnica da Anvisa destaca que o documento apresenta as

orientações mínimas que devem ser seguidas por todos os serviços de saúde; no entanto, os profissionais e os serviços de saúde brasileiros podem determinar ações de prevenção e controle mais rigorosas que as definidas por este documento, baseando-se em uma avaliação caso a caso e de acordo com os recursos disponíveis (Brasil, 2021BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Nota técnica GVIMS/GGTES/ANVISA nº 07/20202. Orientações para prevenção e vigilância epidemiológica das infecções por SARS-CoV-2 (COVID-19) dentro dos serviços de saúde. Revisão 3: 23/07/2021. Brasília: Anvisa, 23 jul. 2021. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/servicosdesaude/notas-tecnicas/nota-tecnica-gvims-ggtes-anvisa-no-07-2020#:~:text=Recomenda%C3%A7%C3%B5es%20de%2020prote%C3%A7%C3%A3o%20aos%20trabalhadores,19%20e%20outras%20s%C3%ADdromes%20gripais . Acesso em: 24 set. 2021.
https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centrais...
).

A utilização do termo ‘avaliação caso a caso’ não pode ser entendida como possibilidade para ações de segregação baseada na cor da pele. Ao contrário, visa compreender as excepcionalidades que devem ser manejadas de forma criteriosa. Reduzir direitos da população negra enquanto se mantêm os privilégios da branquitude no sistema de saúde não é medida profilática, é racismo institucional.

Não é aceitável que os serviços de saúde tenham optado, como ação de prevenção e controle ‘mais rigorosa’ no combate à pandemia, por permitir que mulheres brancas possuam 2,5 vezes mais chances do que as mulheres negras de terem garantido o seu direito a presença de acompanhante. Equidade deveria ser o princípio a orientar os serviços de saúde na atenção à população negra e não o conceito de viés racial implícito.

Nos termos de Cruz (2016CRUZ, Isabel C. F. Entendendo o viés racial implícito. Tópicos sobre viés implícito e seu efeito: racismo institucional. 2016. Disponível em: https://prezi.com/ubii0d5bkgfa/entendendo-o-vies-raial-implicito /. Acesso em: 28 ago. 2020.
https://prezi.com/ubii0d5bkgfa/entendend...
), viés racial implícito refere-se a um atalho mental que, por vezes, faz com que haja ações automáticas (intencionais ou não) baseadas nas características fenotípicas. São práticas sugestivas de discriminação e preconceito, resultantes de estereótipos relativos à pessoa negra.

Lopez (2012LOPEZ, Laura C. O conceito de racismo institucional: aplicações no campo da saúde. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v.16, n. 40, p. 121-134, jan./mar. 2012. DOI: https://doi.org/10.1590/S1414-32832012005000004. Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/hxpmJ5PB3XsWkHZNwrHv4Dv/?lang=pt . Acesso em: 15 jan. 2020.
https://www.scielo.br/j/icse/a/hxpmJ5PB3...
) sustenta que o viés racial implícito é o pavimento pelo qual o racismo institucional caminha. Nesse sentido, atua de forma sutil, permitindo desigualdades no acesso aos serviços institucionais, não só na prestação de serviços, mas também na distribuição de benefícios e oportunidades aos variados grupos com base no caráter racial.

O conceito de racismo institucional foi apresentado no relatório publicado em 1999, referente ao inquérito sobre o caso Stephen Lawrence, e definido como o “fracasso das instituições ao não fornecer assistência adequada de forma integral e com equidade às pessoas por sua origem racial ou étnica” (Programa de Combate ao Racismo Institucional, 2006PROGRAMA DE COMBATE AO RACISMO INSTITUCIONAL (PCRI). Articulação para o Combate ao Racismo Institucional. Identificação e abordagem do racismo institucional. Brasília: PCRI, 2006., p. 22).1 1 Esse relatório denuncia a cultura institucional de racismo pela maneira como os agentes lidaram com o caso da morte de Stephen Lawrence, um adolescente negro assassinado em 1999 na região leste de Londres. No documento, são constatadas falhas nos primeiros socorros a Lawrence e irregularidades na investigação.

De acordo com Werneck (2016WERNECK, Jurema. Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 25, n. 3, p. 535-549, 2016. DOI: 10.1590/S0104-129020162610. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/bJdS7R46GV7PB3wV54qW7vm/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 18 nov. 2020.
https://www.scielo.br/j/sausoc/a/bJdS7R4...
), o conceito de racismo institucional guarda relações com o conceito de vulnerabilidade programática, uma vez que

desloca-se da dimensão individual e instaura a dimensão estrutural, correspondendo a formas organizativas, políticas, práticas e normas que resultam em tratamentos e resultados desiguais. É também denominado racismo sistêmico e garante a exclusão seletiva dos grupos racialmente subordinados, atuando como alavanca importante da exclusão diferenciada de diferentes sujeitos nesses grupos. (Werneck, 2016WERNECK, Jurema. Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 25, n. 3, p. 535-549, 2016. DOI: 10.1590/S0104-129020162610. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/bJdS7R46GV7PB3wV54qW7vm/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 18 nov. 2020.
https://www.scielo.br/j/sausoc/a/bJdS7R4...
)

A branquitude atua, segundo Bento (2002)BENTO, Maria A. S. Pactos narcísicos no racismo: branquitude e poder nas organizações empresariais e no poder público. 2002. 169p. Tese (Doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano) - Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002. DOI:10.11606/T.47.2019.tde-18062019-181514.
https://doi.org/10.11606/T.47.2019.tde-1...
, preservando hierarquias raciais com um pacto silencioso entre iguais, que encontra um território particularmente fecundo nas organizações, as quais são essencialmente reprodutoras e conservadoras. Isso ocorre, inclusive, nos serviços de saúde, cujos dados apontam que as chances de mulheres brancas terem seus direitos garantidos são maiores do que as das negras.

Historicamente, os corpos das mulheres negras foram violados e seus direitos sexuais e reprodutivos negligenciados neste país desde que chegaram à força nos porões dos navios negreiros. Foram estupros para procriação forçada de novos escravos, política de miscigenação para embranquecimento da população, esterilização definitiva por laqueadura não consentida, controle de natalidade obrigatório em meninas em situação de abrigamento, maior número das mortes maternas evitáveis, além de serem as maiores vítimas da violência obstétrica.

As mulheres negras formam o grupo mais suscetível às desigualdades nas diversas dimensões da vida social. De maneira particular, este grupo vive uma inserção subalternizada nessa sociedade racista e patriarcal, quando comparadas aos homens e mulheres brancas ou a homens negros.

A interseccionalidade de opressões

Kimberle Crenshaw (2002CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 10, n. 1, p. 171-188, 2002. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/mbTpP4SFXPnJZ397j8fSBQQ/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 10 jan. 2020.
https://www.scielo.br/j/ref/a/mbTpP4SFXP...
) procurou definir com a expressão ‘subordinação interseccional estrutural’ uma gama complexa de circunstâncias em que as políticas se intersectam com as estruturas básicas de desigualdade. O ponto central nessa conceituação é o entendimento de que as formas de opressão não atingem os indivíduos isoladamente.

O conceito de interseccionalidade foi proposto a partir do texto “Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativa ao gênero” (2002), criado no contexto da III Conferência Mundial contra o Racismo, realizada em Durban, África do Sul, no ano de 2001. O objetivo foi sugerir um protocolo provisório para melhor identificar as variadas formas de subordinação que refletem os efeitos interativos das discriminações (Crenshaw, 2002CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 10, n. 1, p. 171-188, 2002. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/mbTpP4SFXPnJZ397j8fSBQQ/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 10 jan. 2020.
https://www.scielo.br/j/ref/a/mbTpP4SFXP...
).

A autora definiu interseccionalidade como

[...] uma conceituação do problema que busca capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da subordinação. Ela trata especificamente da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras. Além disso, a interseccionalidade trata da forma como ações e políticas específicas geram opressões que fluem ao longo de tais eixos, constituindo aspectos dinâmicos ou ativos do desempoderamento. (Crenshaw, 2002CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 10, n. 1, p. 171-188, 2002. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/mbTpP4SFXPnJZ397j8fSBQQ/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 10 jan. 2020.
https://www.scielo.br/j/ref/a/mbTpP4SFXP...
, p. 177)

Vejamos de forma didática os impactos do imbricamento das opressões de raça, gênero e classe na assistência a mulheres negras.

Raça

No estudo em questão, a opressão racial é expressa por prática denominada racismo obstétrico. Este termo é conceituado por Davis (2018DAVIS, Dána-Ain. Obstetric racism: the racial politics of pregnancy, labor, and birthing. Medical Anthropology, v. 38, n. 7, p. 560-573, 2018. DOI: https://doi.org/10.1080/01459740.2018.1549389. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/01459740.2018.1549389 . Acesso em: 5 dez. 2020.
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)

como uma extensão da estratificação racial e está inscrito tanto na estigmatização historicamente construída das mulheres negras como nas lembranças de suas interações com médicos, enfermeiras e outros profissionais médicos durante e após a gestação. [...] O racismo obstétrico emerge especificamente no cuidado obstétrico e coloca as mulheres negras e seus filhos em risco. (Davis, 2018DAVIS, Dána-Ain. Obstetric racism: the racial politics of pregnancy, labor, and birthing. Medical Anthropology, v. 38, n. 7, p. 560-573, 2018. DOI: https://doi.org/10.1080/01459740.2018.1549389. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/01459740.2018.1549389 . Acesso em: 5 dez. 2020.
https://www.tandfonline.com/doi/full/10....
)

O racismo obstétrico chama a atenção para as interações das mulheres negras com profissionais da área da saúde, as quais exibem um poder que intensifica a vulnerabilidade daquelas mulheres.

De acordo com estudo realizado por Carneiro (2017CARNEIRO, Rosamaria. O peso do corpo negro feminino no mercado da saúde: mulheres, profissionais e feministas em suas perspectivas. Mediações: Revista de Ciências Sociais, Londrina, v. 22, n. 2, p. 394-424, 2017. DOI: 10.5433/2176-6665.2016v21n2p218. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/article/view/23609.pdf . Acesso em: 10 jan. 2021
http://www.uel.br/revistas/uel/index.php...
), a maior parte dos profissionais dos serviços de saúde, enfermeiras, técnicos de enfermagem, técnicos administrativos, porteiros, médicos, farmacêuticos e fisioterapeutas afirmavam que nos locais onde atuavam não havia diferenciação pela raça no atendimento: “Aqui não tem diferença, todo mundo é igual. Se fizéssemos diferença, então, sim, seria racismo” (Carneiro, 2017CARNEIRO, Rosamaria. O peso do corpo negro feminino no mercado da saúde: mulheres, profissionais e feministas em suas perspectivas. Mediações: Revista de Ciências Sociais, Londrina, v. 22, n. 2, p. 394-424, 2017. DOI: 10.5433/2176-6665.2016v21n2p218. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/article/view/23609.pdf . Acesso em: 10 jan. 2021
http://www.uel.br/revistas/uel/index.php...
, p. 406).

Ao não se atentar aos marcadores de desigualdade no momento de classificar o ‘risco’, os profissionais da saúde não valorizam as estatísticas que apontam para maior percentual de complicações e morte na gestação, parto e puerpério sofrida por mulheres negras. Acabam, portanto, por favorecer aqueles que têm o privilégio de gênero, raça e classe em uma sociedade patriarcal, racista e classista. Nesta construção, aquilo que atinge as minorias sociais segue na invisibilidade.

Para Theophilo, Rattner e Pereira (2018THEOPHILO, Rebecca L.; RATTNER, Daphne; PEREIRA, Éverton Luís. Vulnerabilidade de mulheres negras na atenção ao pré-natal e ao parto no SUS: análise da pesquisa da Ouvidoria Ativa. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 23, n. 11, p. 3505-3516, nov. 2018. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320182311.31552016. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/MsvQjnbsTvS3cSvvrqyyCCz/?lang=pt . Acesso em: 10 dez. 2019.
https://www.scielo.br/j/csc/a/MsvQjnbsTv...
), as vivências em condições de marginalidade e vulnerabilidade e o reconhecimento da discriminação histórica que a população negra sofreu no Brasil desde a abolição da escravatura até a atualidade reforçam a importância da avaliação da dimensão étnicorracial nos estudos em saúde.

Gênero

A violência de gênero está ligada ao poder exercido pelo domínio dos homens sobre as mulheres e pela ideologia dominante, que lhe dá sustentação, legitima e contribui para a perpetuação do patriarcado (Brasil, 2003BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Programa de Prevenção, Assistência e Combate à Violência Contra a Mulher. Plano Nacional: diálogos sobre violência doméstica e de gênero: construindo políticas públicas. Brasília: Ministério da Saúde, 2003. Disponível em: https://www.abenfo.org.br/site/biblioteca/arquivos/outros/03052010/2003_livro.pdf . Acesso em: 23 jan. 2020.
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). Não pode, portanto, ser compreendida apenas na condição de violência física, mas como ruptura de qualquer forma de integridade da mulher.

De acordo com Gomes, Minayo e Silva (2005GOMES, Romeu; MINAYO, Maria C. S.; SILVA, Cláudio F. R. Violência contra mulher: uma questão transnacional e transcultural das relações de gênero. In: SOUZA, Edinilsa R.; MINAYO, Maria C. S. (Org.) Impacto da Violência na Saúde dos Brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde , 2005. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/impacto_violencia.pdf . Acesso em: 20 ago. 2021.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
), a violência de gênero constitui-se em formas de opressão e de crueldade, estruturalmente construídas e reproduzidas na cotidianidade. A forma de expressão da violência de gênero é o machismo naturalizado na socialização que é feita por homens e mulheres. Este tipo de violência constitui uma questão de saúde pública e uma violação explícita aos direitos humanos.

Porém, ao analisar de maneira crítica a violência de gênero, é possível identificar as relações de privilégio e hierarquias entre as mulheres, uma vez que há muita evidência de que as identidades de raça e de classe criam diferenças em qualidade de vida, status social e estilo de vida que prevalecem sobre a experiência comum que as mulheres partilham (Hooks, 1984HOOKS, Bell. Feminist theory: from margin to center. Boston: South End Press, 1984.). Por isso, o gênero não poderia ser alçado de forma genérica em que a posição da mulher negra, para citar Sueli Carneiro (2011CARNEIRO, Sueli. Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 2011., p. 121), apareceria “como subitem da questão geral da mulher”. As mulheres negras não podem ser um aposto do recorte de gênero; devem, sim, ser uma categoria de análise singular.

Nessa crítica, aparecem como problema os mecanismos e relações de poder que produzem a ideia de que as mulheres negras correspondem a um grupo homogêneo, suprimindo a dimensão singular. Jurema Werneck (2010WERNECK, Jurema. Nossos passos vêm de longe! Movimentos de mulheres negras e estratégias políticas contra o sexismo e o racismo. Revista da ABPN, Rio de Janeiro v. 1, n. 1, p. 8-17, mar./jun. 2010. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4962102/mod_resource/content/1/Nossos%20passos%20v%C3%AAm%20de%20longe%21%20Movimentos%20de%20mulheres%20negras%20e%20estrat%C3%A9gias%20pol%C3%ADticas%20contra%20o%20sexismo%20e%20o%20racismo%20%281%29.pdf . Acesso em: 18 nov. 2020.
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) avulta que historicamente essa forma de identificação, correspondente ao destaque de determinadas características, foi um dos efeitos da escravidão, da colonização e do racismo. Fica evidente, nessa análise, a tensão entre uma identificação produzida nas relações de dominação e pelo olhar do dominador, apagando o que define como um repertório diverso de identidades, assim como as resistências em que essas mulheres se constituem como agentes.

O horizonte de transformação que está colocado exige, nessa perspectiva, a superação do sexismo. Ao mesmo tempo, o enfrentamento do sexismo é limitado quando não se leva em conta que a construção dos papéis de gênero se estabelecem material e simbolicamente na intersecção entre as opressões de gênero, raça e classe sustentadas pelo modo de produção capitalista (Biroli, 2015BIROLI, Flávia. Divisão sexual do trabalho e democracia. In: ENCONTRO DA ANPOCS, 39., 2015, Caxambu. Anais [...]. Caxambu, 2015. Disponível em: https://www.anpocs.com/index.php/papers-39-encontro/gt/gt10/9526-divisao-sexual-do-trabalho-e-democracia/file . Acesso em: 23 set. 2021.
https://www.anpocs.com/index.php/papers-...
).

Classe

Para Pochmann (2007POCHMANN, M. Segurança social no capitalismo periférico: algumas considerações sobre o caso brasileiro. Nueva Sociedad. Especial em português, 2007. Disponível em: https://nuso.org/articulo/seguranca-social-no-capitalismo-periferico-algumas-consideracoes-sobre-o-caso-brasileiro /. Acesso em: 24 nov. 2019.
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), a análise a respeito da proteção social em países como o Brasil requer considerar inicialmente a condição de pertencimento à periferia econômica, prisioneira do subdesenvolvimento. Mesmo tendo avançado consideravelmente no processo de industrialização durante o século XX, o Brasil não foi capaz de abandonar as principais características do subdesenvolvimento, como a disparidade na produtividade setorial e regional e a permanência de grande parte da população prisioneira de condições precárias de vida.

A redução da vulnerabilidade em saúde pública depende, portanto, do conjunto de ações sociais dirigidas à garantia do direito à saúde em todas as suas dimensões, incluindo a melhoria dos determinantes e condicionantes da saúde da população negra. Desta forma, necessita-se formular e implementar políticas públicas que visem à redução de desigualdades sociais, mas isso não é suficiente: precisamos buscar mecanismos que visem à superação da exploração capitalista, do patriarcado e do racismo, ou seja, é preciso combater a determinação social da questão.

Conclusão

A utilização de viés racial implícito na decisão de quem poderia ter o direito a acompanhante garantido durante o internamento para o parto foi um subproduto inesperado da dissertação de mestrado intitulada A cor da violência obstétrica. Isto porque a pesquisa foi iniciada em agosto de 2019, antes da pandemia de Covid-19, porém a coleta de dados ocorreu entre janeiro e fevereiro de 2021, com data de parto das entrevistadas compreendida entre julho de 2020 e fevereiro de 2021, ou seja, em meio à pandemia.

Além do impacto na saúde física e mental, da crise política e socioeconômica, a pandemia de Covid-19 causou efeitos colaterais imprevistos a serem ainda descobertos em todas as áreas da sociedade. Neste estudo, apresentamos que os protocolos de prevenção contra o contágio e disseminação do novo coronavírus, SARS-CoV-2, foram utilizados como justificativa de ações discriminatórias pelas instituições de saúde para prática do racismo institucional.

Entre as mulheres negras, 67% não foram autorizadas a ter acompanhante de sua escolha em nenhum momento da internação para o parto. Entre as mulheres brancas, 86% tiveram o direito garantido: 43% com a presença do acompanhante somente no momento do parto e 43% durante todo o internamento.

Nenhuma das mulheres entrevistadas contraiu ou apresentou sintomas sugestivos de Covid-19 durante a gestação, portanto a proibição de acompanhante não ocorreu por isolamento das gestantes por caso suspeito.

Essas violações dos direitos das parturientes podem ser caracterizadas como racismo obstétrico.

O reconhecimento da existência desta forma de violência é o primeiro passo para o enfrentamento à violência e ao racismo obstétrico no sistema de saúde e suas formas de reinventar-se de maneira ainda mais perversa diante de situações de crise.

É necessária a produção de novos estudos que avaliem como os serviços de saúde se estruturam, se organizam e funcionam em meio a situações de crise sanitária em uma sociedade capitalista, com sistemas de opressão de gênero e raça que se interseccionam e como isso impacta na assistência das mulheres negras grávidas.

São urgentes processos formativos sobre a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, que se insere na dinâmica do SUS pelo

desenvolvimento de ações e estratégias de identificação, abordagem, combate e prevenção do racismo institucional no ambiente de trabalho, nos processos de formação e educação permanente de profissionais; implementação de ações afirmativas para alcançar a equidade em saúde e promover a igualdade racial. (Brasil, 2010BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Política Nacional de Saúde Integral da População Negra: uma política do SUS. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2010. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/politicas-para-mulheres/arquivo/sobre/a-secretaria/subsecretaria-de-articulacao-institucional-e-acoes-temativas/coordenacao-geral-de-programas-e-acoes-de-saude/acoes-de-saude/politica-nacional-saude-integral-populacao-negra1.pdf . Acesso em: 23 jan. 2020.
https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por...
)

Por fim, para a compreensão da violência e do racismo obstétrico, temos ainda que analisar as condições particulares de existência e resistência das mulheres negras no Brasil e a estrutura social em que estão inseridas para buscarmos o entendimento da determinação social da violência obstétrica influenciada pela cor da pele.

Referências

  • 1
    Esse relatório denuncia a cultura institucional de racismo pela maneira como os agentes lidaram com o caso da morte de Stephen Lawrence, um adolescente negro assassinado em 1999 na região leste de Londres. No documento, são constatadas falhas nos primeiros socorros a Lawrence e irregularidades na investigação.
  • Financiamento

    Financiamento próprio.
  • Aspectos éticos

    A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos do setor de Ciências da Saúde da UFPR (CEP/SD), parecer nº 4.055.219, de 28/05/2020, e da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba - SMS, parecer nº 4.191.832, de 04/08/2020.
  • Apresentação prévia

    Esse artigo é resultante da dissertação de mestrado de Juliana Chagas da Silva Mittelbach, intitulada A cor da violência obstétrica, apresentada no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Paraná, em 2021.

Disponibilidade de dados

Citações de dados

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo Brasileiro de 2010 Rio de Janeiro: IBGE, 2012. Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br /. Acesso em: 20 set. 2021.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    21 Set 2021
  • Aceito
    23 Nov 2021
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