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Diretrizes para celebrar acordos Read and Publish no Brasil a partir da análise dos acordos transformativos da Alemanha e Colômbia

Guidelines to sign Read and Publish agreements in Brazil from the analysis of the transformative agreements of Germany and Colombia

Resumo

A democratização no acesso à ciência almejada com o Acesso Aberto vem acompanhada do pagamento de Article Processing Charges. Em um contexto de escassez de recursos financeiros, “pagar para publicar” se torna um desafio para países em desenvolvimento como o Brasil. Dada a inexistência de uma política sobre financiamento dessa despesa para as agências de fomento brasileiras e a proliferação de acordos transformativos ao redor do mundo, este artigo apresenta diretrizes para implantar acordos Read and Publish na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, a partir da análise dos acordos firmados na Alemanha e Colômbia. Entre as diretrizes propostas, sugere-se que os acordos alcancem periódicos de Acesso Aberto e híbridos, considerem o histórico de publicações dos programas de pós-graduação para distribuição de recursos com vistas a financiar Article Processing Charges e funcionem como uma política de qualificação que auxilie os pesquisadores brasileiros a publicar em revistas de alto impacto.

Palavras-chave:
Acesso Aberto; Agências de fomento; Article Processing Charge; Capes; Periódicos

Abstract

The democratization of access to science sought with Open Access is accompanied by the payment of Article Processing Charges. In a context of scarce financial resources, “pay to publish” becomes a challenge for developing countries like Brazil. Given the lack of a policy on financing the charges for Brazilian funding agencies and the proliferation of transformative agreements around the world, this article presents guidelines for implementing Read and Publish agreements at Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, based on the analysis of agreements signed in Germany and Colombia. Among the proposed guidelines, it is suggested that the agreements cover Open Access and hybrid journals, consider the publication history of postgraduate programs for the distribution of resources aiming to finance Article Processing Charges and function as a qualification policy that helps Brazilian researchers to publish in high impact journals.

Keywords:
Open Access; Funding agencies; Article Processing Charge; Capes; Journals

Introdução

Universalidade é um princípio fundamental da ciência, apenas os resultados que podem ser discutidos, testados e reproduzidos por outros qualificam-se como científicos. Assim, novas descobertas científicas são construídas a partir de resultados previamente estabelecidos e, para que a ciência funcione de forma otimizada, estes resultados devem estar abertamente disponíveis à comunidade acadêmica (Schiltz, 2018Schiltz, M. Why Plan S. European Science Foundation, cOAlition S, França, 4 set. 2018. Disponível em: https://www.coalition-s.org/why-plan-s/. Acesso em: 23 fev. 2022.
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).

É a partir dessa premissa que o movimento pelo Acesso Aberto (AA) das publicações científicas nasce em 2003, com a Declaração de Budapeste (Albagli; Maciel; Abdo, 2015Albagli, S.; Maciel, M. L.; Abdo, A. H. Ciência aberta, questões abertas. Brasília: IBICT; Rio de Janeiro: Unirio, 2015.). Este movimento ganha força principalmente nas agências de fomento de países mais desenvolvidos cientificamente e com fontes de financiamento regulares, onde surgem políticas públicas para tornar a publicação em acesso aberto de resultados científicos provenientes de financiamento destas agências obrigatória.

Um exemplo é a União Europeia que passou a exigir que todos os artigos produzidos em seus estados-membros estejam disponíveis sem cobrança para os leitores até 2020 (Marques, 2017Marques, F. Produção científica acessível. Pesquisa FAPESP, São Paulo, ed. 259, set. 2017. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/producao-cientifica-acessivel/. Acesso em 25 maio 2022.
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). O mesmo ocorreu com o US National Institutes of Health e a US National Science Foundation. Além das agências de fomento, instituições privadas igualmente aderiram a proposta, como o Wellcome Trust e a Fundação Bill e Melinda Gates que tornaram a difusão em AA obrigatória para seus beneficiários (Piwowar et al., 2018Piwowar, H. et al. The state of OA: a large-scale analysis of the prevalence and impact of Open Access articles. Peer J, v. 6, p. e4375, 2018. Doi: https://doi.org/10.7717/peerj.4375
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).

Em paralelo, foi criada a Open Access 2020, coordenada pela Max Planck Digital Library, com o objetivo de promover e acelerar a transformação dos periódicos acadêmicos do sistema atual de assinatura (paywall) para novos modelos de publicação em AA que permitam o uso irrestrito e a reutilização da produção acadêmica, bem como garantam transparência e sustentabilidade dos custos de publicação (Open Access 2020, 2022a). Similarmente, como forma de unir fomento de governo, academias de ciência e organizações privadas em um objetivo estruturado único, foi criado o Plano S. Lançado em setembro de 2018, destaca-se entre as iniciativas voltadas para impulsionar o AA ao exigir que, a partir de 2021, as publicações científicas que resultem de pesquisas financiadas por subvenções públicas ou privadas sejam publicadas em periódicos ou plataformas de AA compatíveis (European Science Foundation, 2022a).

O Plano S é apoiado pela cOAlition S, um consórcio internacional de financiamento de pesquisa e organizações executoras como UK Research and Innovation, National Science Centre Poland, Academy of Finland, Swiss National Sciende Foundation, Science Foundation Ireland, Fundação para a Ciência e Teconologia de Portugal, Luxembourg National Research Fund e The Researh Council of Norway. A cOAlition S contempla ainda fundações de caridade privadas como: Organização Mundial da Saúde, Howard Hughes Medical Institute, Fundação Bill e Melinda Gates e Templeton World (European Science Foundation, 2022b). Cabe ressaltar que as instituições envolvidas notadamente são de países desenvolvidos.

Nesse contexto, vale pontuar que Acesso Aberto não quer dizer acesso gratuito. Tradicionalmente as revistas dos grupos editorias privados ou de sociedades usavam como única forma de se manter a cobrança de assinaturas. Quem pagava para ter acesso a uma determinada informação era quem lia. Ao perceber que o movimento do AA crescia, estas editoras encontraram duas formas de responder ao movimento sem perder recursos.

A primeira forma foi a criação de uma série de novos periódicos com o formato de AA. A criação de novas revistas cresceu junto com o aumento do acesso online o que possibilitou que estas novas revistas tivessem um aumento no seu número de artigos sem um aumento equivalente no custo. Ainda que os conteúdos estejam disponíveis na internet, a mudança do modelo tradicional de assinaturas para o AA não significa preços mais baixos, mas sim um realinhamento em como o dinheiro flui (Machovec, 2019Machovec, G. Strategies for Transformational Publish and Read Agreements in North America. Journal of Library Administration, v. 59, n. 5, p. 548-555, 2019. Doi: https://doi.org/10.1080/01930826.2019.1616969
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). Publicar em AA, particularmente em revistas de alto impacto, não significa eliminar custos, apenas os custos não serão arcados pelos leitores (Pavan; Barbosa, 2017Pavan, C.; Barbosa, M. C. Financiamento público no Brasil para a publicação de artigos em acesso aberto: alguns apontamentos. Em Questão, v. 23, n. 2, p. 120-145, 2017. Doi: http://doi.org/10.19132/1808-5245232.120-145
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). No caso de publicações em revistas de AA de impacto, o ônus recai sobre os pesquisadores que devem pagar uma taxa de processamento de artigo ou Article Processing Charge (APC) para publicar.

O preço para se publicar em um periódico de acesso aberto tem um valor que basicamente é definido pelas editoras. O valor das taxas de publicação não é um reflexo do custo de produção que as editoras têm com a publicação de um determinado periódico, pois os valores em diferentes revistas variam dentro da mesma editora. Este custo não se deve igualmente ao impacto da revista, mas a um valor simbólico ditado pelo mercado (Appel; Albagli, 2019Appel, A. L.; Albagli, S. The adoption of Article Processing Charges as a business model by Brazilian Open Access journals. TransInformação, v. 31, e180045, 2019. Doi: https://doi.org/10.1590/2318-0889201931e180045e
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). Por exemplo, a precificação das APCs utilizada pela Elsevier leva em conta: a qualidade do periódico, os processos editoriais e técnicos da revista, considerações competitivas, condições de mercado e outros fluxos de receita associados ao periódico (Elsevier, 2022). Este conjunto de métricas é tão grande e vago que pode-se dizer que as editoras determinam como querem este valor.

Segundo o estudo realizado por Rodrigues, Abadal e Araújo (2020Rodrigues, S. R.; Abadal, E.; Araújo, B. K. H. Open access publishers: the new players. PLOS ONE, v. 15, n. 6, e0233432, 2020. Doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0233432
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), que analisaram o crescimento de títulos no Directory of Open Access Journals (DOAJ) de 2010 a 2019, a maior parte dos títulos em AA ali disponibilizados são de propriedade de quatro grandes editoras: BioMedCentral (BMC), Hindawi Limited, Multidisciplinary Digital Publishing Institute (MDPI) e “Springer Open”. A revista “Springer Open” aumentou seu número de periódicos em 840%, enquanto o crescimento do MDPI foi de 540%. Isso reflete uma estratégia clara de preencher o mercado com novos títulos. “Springer Open”, “BioMedCentral” e “Nature Publishing” são a mesma empresa, constituindo um mix de editoras e fusões para atuar no mercado de acesso aberto mantendo a editora tradicional.

Um dos modelos empregados neste novo cenário são os megajournals que publicam um número elevado de artigos, arrecadando recursos financeiros para estas revistas. Por aportar um número elevado de artigos e passar por um processo menos exigente de revisão, publicações em megajournals podem se tornar uma opção atrativa para pesquisadores de países em desenvolvimento (Alencar; Barbosa, 2021Alencar, B. N.; Barbosa, M. C. B. Open Access Publications with Article Processing Charge (APC) Payment: a Brazilian scenario analysis. Anais da Academia Brasileira de Ciências, v. 93, n. 4, e20201984, 2021. Doi: https://doi.org/10.1590/0001-3765202120201984
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; Bjork, 2021Bjork, B. Publishing speed and acceptance rates of open access megajournals. Online Information Review, v. 45, n. 2, p. 270-277, 2021. Doi: https://doi.org/10.1108/OIR-04-2018-0151
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).

Em uma segunda forma de se adaptar às exigências das agências de fomento e organizações internacionais que demandam publicações em acesso aberto, as editoras, sem perder o mercado cativo das publicações mais tradicionais das diversas áreas, criaram um sistema híbrido, incorporando às suas revistas a possibilidade de pagar para ter artigos específicos em formato aberto. Neste novo formato, convivem na mesma revista artigos abertos e não abertos e as editoras cobram o acesso aos artigos não abertos. Para este conjunto de revistas, agências, universidades e instituições pagam pelas assinaturas. O número de revistas desta modalidade quintuplicou em sete anos, passando de 2 mil em 2009 para 10 mil em 2016 com um aumento no número de publicações em AA nestes periódicos passando de 8 mil em 2009 para 45 mil em 2016 (Bjork, 2017Bjork, B. Growth of hybrid open access, 2009-2016. PeerJ, v. 5, e3878, 2017. Doi: https://doi.org/10.7717/peerj.3878
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).

No grupo editorial Elsevier, o número de periódicos híbridos em 2019 chegou a 1.600 revistas com um número de artigos em AA nestes jornais híbridos de 19.311, cerca de 12 artigos por ano em cada periódico, número ainda muito inferior aos 324 artigos por ano publicados sem AA nos mesmos periódicos (Jahn; Matthias; Laakso, 2022Jahn, N.; Matthias, L.; Laakso, M. Toward transparency of hybrid open access through publisher-provided metadata: an article-level study of Elsevier. Journal of the Association for Information Science and Technology, v. 73, n. 1, p. 104-118, 2022. Doi: https://doi.org/10.1002/asi.24549
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).

Esse crescimento de artigos em AA em jornais híbridos, embora lento, traz reflexões para as editoras e para a comunidade científica. A partir de um certo percentual, assinantes perderão o interesse em pagar para ler os artigos publicados sem acesso aberto e esses periódicos terão que migrar para o modelo totalmente AA. A perda de recursos com as assinaturas leva ao potencial aumento no valor das taxas cobradas para publicar. Essa questão central para o planejamento das editoras igualmente afeta as agências que pagam por assinaturas de periódicos nos distintos países.

Como forma de monitorar e influenciar no processo de transição do híbrido para o totalmente aberto, surgiram, por parte de editoras e de algumas agências governamentais, iniciativas de Acordos Transformativos (AT). Borrego, Anglada e Abadal (2020Borrego, A.; Anglada, L.; Abadal, E. Transformative agreements: Do they pave the way to open access? Learned Publishing, v. 34, p. 216-232, 2020. Doi: https://doi.org/10.1002/leap.1347
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) conceituam Acordos Transformativos, também conhecidos como “acordos de compensação”, “Read and Publish” ou “Publish and Read”, como um termo abrangente que engloba uma série de contratos, desde licenças de assinatura tradicionais que concedem descontos em taxas de publicação ou vouchers até acordos que permitem publicação de acesso aberto ilimitado, usualmente cobrindo as revistas no formato híbrido.

Cada editora, cada consórcio e cada acordo têm características próprias únicas, mas o objetivo principal é alcançar novos contratos de periódicos que promovam de forma gradual e controlada o modelo de publicação para acesso aberto (Machovec, 2019Machovec, G. Strategies for Transformational Publish and Read Agreements in North America. Journal of Library Administration, v. 59, n. 5, p. 548-555, 2019. Doi: https://doi.org/10.1080/01930826.2019.1616969
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). Basicamente, a ideia é que as instituições convertam os recursos atualmente gastos com assinaturas de periódicos em fundos para apoiar modelos de negócios sustentáveis de acesso aberto, segundo as preferências de publicação específicas da comunidade acadêmica (Efficiency and Standards for Article Charges, 2021).

Alguns dos primeiros AT focaram-se na compensação da APC. Assim, quaisquer taxas de APC pagas por um autor, instituição ou bolsa seriam descontadas proporcionalmente do custo da assinatura, de modo a diminuir o problema do double-dipping (quando o editor recebe tanto pela assinatura dos conteúdos quanto pela APC, custando mais às instituições). Um dos grandes desafios desse tipo de acordo é que o cliente pode não saber suas despesas atuais com APC, pois elas podem ser pagas por um membro do corpo docente, bolsa específica, departamento ou biblioteca. Esses dados são ainda mais difíceis de obter em um contrato oriundo de um consórcio onde muitas instituições estão envolvidas (Machovec, 2019Machovec, G. Strategies for Transformational Publish and Read Agreements in North America. Journal of Library Administration, v. 59, n. 5, p. 548-555, 2019. Doi: https://doi.org/10.1080/01930826.2019.1616969
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).

Outro tipo de AT consiste em negociar um valor fixo tanto para publicar quanto para ler. O acesso de leitura e o limite de publicações previstas variam conforme os termos estabelecidos entre a instituição e o editor. Alguns acordos podem estabelecer a publicação ilimitada em AA de toda a produção acadêmica da instituição assinante (Borrego; Anglada; Abadal, 2020Borrego, A.; Anglada, L.; Abadal, E. Transformative agreements: Do they pave the way to open access? Learned Publishing, v. 34, p. 216-232, 2020. Doi: https://doi.org/10.1002/leap.1347
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).

Um exemplo desse tipo de acordo é o Project Deal, projeto desenvolvido pela Alliance of Science Organisations na Alemanha que reúne mais de 700 instituições de pesquisa e bibliotecas alemãs e que negociou acordos Read and Publish por mais de 3 anos com grandes editoras. Esses acordos dão às instituições membros acesso ao conteúdo online de um editor e disponibilizam gratuitamente em todo o mundo os artigos que seus pesquisadores publicam. As cobranças são baseadas não em assinaturas, mas em uma taxa por artigo publicado (Vogel, 2019Vogel, G. More than 700 German research institutions strike open-access deal with Springer Nature. Science, 2019. Doi: https://doi.org/10.1126/science.aaz2308
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).

Até o momento, as negociações do Project Deal alemão se concentraram em três grandes editoras: Elsevier, Springer Nature e Wiley. Entre 2012 e 2020, essas três editoras foram coletivamente responsáveis por publicar aproximadamente 53% dos artigos científicos com pelo menos um único autor de uma instituição de pesquisa alemã. Somente as negociações com a Elsevier não foram adiante e em 2018 aproximadamente 200 instituições de pesquisa alemãs cancelaram seus acordos com a editora (Fraser et al., 2021Fraser, N. et al. No Deal: Investigating the influence of restricted access to Elsevier Journals on German researchers’ publishing and citing behaviours. ArXiv:2105.12078, 2021. Doi: https://doi.org/10.48550/arXiv.2105.12078
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).

Recentemente a University of California (UC) firmou acordos por 3 anos (2021-2023) com a Canadian Science Publishing (CSP), The Company of Biologists (COB) e com a Royal Society. Os acordos incluem a publicação em acesso aberto de um número ilimitado de artigos em periódicos AA e híbridos de autores correspondentes nos campi participantes e fornece aos pesquisadores desses campi acesso ilimitado de leitura ao portfólio completo de periódicos da CSP e da Royal Society (University of California, 2022a, 2022b). No caso da Company of Biologists o acesso é para os periódicos “Development”, “Journal of Cell Science”, “Journal of Experimental Biology” e seus archives, que datam de 1853 (University of California, 2022c).

Em 2020, a University of California também firmou acordo com a Association for Computing Machinery (ACM) que abrange a publicação em AA nos periódicos, anais e revistas da ACM para todos os autores correspondentes da UC, juntamente com o acesso por assinatura. Diferentemente dos demais, o acordo da ACM permite que os autores correspondentes da UC tornem todos os artigos e anais de conferências da ACM Digital Library em acesso aberto imediatamente, sem nenhum custo para os autores. Em vez disso, a UC paga à ACM uma única taxa para cobrir os custos de publicação do artigo e o acesso à assinatura (University of California, 2022d).

Outrossim, a Cambridge University Press (CUP) foi uma das primeiras editoras a firmar contratos Read and Publish com universidades e instituições de pesquisa. A Associação de Universidades da Holanda firmou um acordo de três anos com a CUP em 2017 que agora inclui 13 instituições, as quais possuem publicações Gold e híbridas ilimitadas em todo o país. No início de 2019, o Consórcio Suíço Bibsam assinou um acordo para 31 instituições com a CUP para publicação ilimitada de artigos em periódicos Gold e híbridos, acesso de leitura à coleção completa de periódicos, incluindo aquisições, e a cada ano uma parte decrescente do acordo é destinada a assinaturas e um nível crescente a publicações de acesso aberto em seu pacote de periódicos (Machovec, 2019Machovec, G. Strategies for Transformational Publish and Read Agreements in North America. Journal of Library Administration, v. 59, n. 5, p. 548-555, 2019. Doi: https://doi.org/10.1080/01930826.2019.1616969
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).

A Oxford University Press (OUP) também tem firmado acordos Read and Publish com instituições e consórcios que financiam a publicação em AA. Assim, os autores das instituições participantes podem publicar em AA, e a instituição pagará a taxa. Entre as instituições que já firmaram acordos com a OUP destacam-se a Academia de Ciências Chinesa, Max Planck Society, Consejo Superior de Investigaciones Científicas (CSIC) e Instituições do Reino Unido (JISC) (Oxford Academic, 2022).

Na América Latina, a Colômbia foi um dos primeiros países a firmar AT com grandes editoras (Elsevier, Springer Nature e Taylor & Francis) por meio do Consórcio Colômbia. Os acordos entraram em vigor a partir de 1 de janeiro de 2022 e terão a duração de 3 anos, período em que se pretende transformar os artigos, entre 40% e 70%, que seriam publicados em revistas com assinatura em AA. Com os acordos, busca-se que instituições e pesquisadores transfiram parte dos recursos que seriam destinados à publicação em acesso aberto a projetos que promovam maior visibilidade dos resultados da pesquisa e maior impacto em relação aos problemas nacionais e globais (Consorcio Colombia, 2021).

Segundo o registro de Acordos Transformativos da ESAC (Efficiency and Standards for Open Access Article Charges), há mais de 300 acordos, negociados em mais de 30 países com mais de 40 editoras grandes e pequenas, levando à publicação de mais de 100 mil artigos em Acesso Aberto imediato em 2021 (Efficiency and Standards for Open Access Article Charges, 2021). Para o desenvolvimento desta pesquisa, foram analisados 12 AT por meio de revisão da literatura, detalhados no Quadro 1, que contêm as principais características e especificidades desses acordos.

Quadro 1
Amostra de Acordos Transformativos firmados e suas características.

Observa-se que as estratégias utilizadas pelos países nos acordos estabelecidos variam conforme o perfil de publicação das universidades/instituições de pesquisa participantes, as áreas de pesquisa, os orçamentos disponíveis e os objetivos buscados com os acordos. Sem dúvida, aqueles países que já realizaram acordos bem-sucedidos podem servir de modelo para os demais (Machovec, 2019Machovec, G. Strategies for Transformational Publish and Read Agreements in North America. Journal of Library Administration, v. 59, n. 5, p. 548-555, 2019. Doi: https://doi.org/10.1080/01930826.2019.1616969
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).

Ainda que o Acesso Aberto seja agora uma visão compartilhada das comunidades acadêmicas, quase 85% dos resultados acadêmicos do mundo ainda estão restritos ao pagamento de assinaturas, inibindo o impacto total da pesquisa e colocando uma enorme pressão nos orçamentos institucionais (Open Access 2020, 2022a).

No Brasil, o acesso à informação científica é ofertado em grande parte pelo Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), fundação pública vinculada ao Ministério da Educação. Criado para reunir material científico de alta qualidade e disponibilizá-lo à comunidade acadêmica brasileira, o Portal foi lançado oficialmente em 11 de novembro de 2000. Seu objetivo é reduzir as assimetrias regionais no acesso à informação científica, cobrindo todo o território nacional. É considerado uma iniciativa única no mundo, pois um grande número de instituições acessa o acervo que é inteiramente financiado pelo Governo Federal (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, 2022a).

Com o Portal, a Capes passou a centralizar e otimizar a aquisição de conteúdos, por meio da negociação direta com editoras. Segundo o estudo realizado por Ramalho, Silva e Rocha (2020Ramalho, W. D.; Silva, P. A.; Rocha, J. B. T. Vinte Anos do Portal de Periódicos da Capes: uma análise de sua evolução, acessos e financiamentos. Revista Brasileira de Pós-graduação, v. 16, n. 36, 2020. Doi: https://doi.org/10.21713/rbpg.v16i36.1728
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), que analisou o Portal de Periódicos nos últimos vinte anos, 389 dos 391 contratos firmados ao longo desse período foram em Dólar americano (USD) com editoras internacionais. O montante gasto no decorrer desses vinte anos alcançou a cifra de aproximadamente BRL 5 bilhões (valor atualizado pelo índice IGPM/FGV, ou seja, Índice Geral de Preços - Mercado da Fundação Getúlio Vargas).

Trata-se de uma política de Estado que garante ao Brasil posição de destaque no ranking da produção científica mundial (Almeida; Guimarães; Alves, 2010Almeida, E. C. E.; Guimarães, J. A.; Alves, I. T. G. Dez anos do Portal de Periódicos da Capes: histórico, evolução e utilização. Revista Brasileira de Pós Graduação, v. 7, n. 13, p. 218 - 246, 2010. Doi: https://doi.org/10.21713/2358-2332.2010.v7.194
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). Contudo, a Capes ainda não possui política específica voltada para a transição do modelo de assinaturas com vistas a financiar publicações em acesso aberto.

A instituição demonstrou interesse em avançar nessa temática ao ingressar no movimento internacional Open Access 2020 (Open Access 2020, 2022b). Segundo a representante da Capes responsável pelo Portal de Periódicos à época, a ideia seria remodelar os contratos sob a ótica do Acesso Aberto, de modo a investir menos em assinaturas e mais em taxas de publicação. Nessa perspectiva, o Portal passaria a ter outro serviço além do programa de aquisição de periódicos: um programa de financiamento de autores (Agência de Bibliotecas e Coleções Digitais da Universidade de São Paulo, 2017). Embora a ideia seja relevante e alinhada com a tendência de mudanças no modelo de negócios do mercado editorial, as discussões para financiamento de publicações ainda não avançaram o suficiente na Capes.

O estudo de Pavan e Barbosa (2017Pavan, C.; Barbosa, M. C. Financiamento público no Brasil para a publicação de artigos em acesso aberto: alguns apontamentos. Em Questão, v. 23, n. 2, p. 120-145, 2017. Doi: http://doi.org/10.19132/1808-5245232.120-145
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) constatou que a minoria das agências de financiamento brasileiras possui política estabelecida para pagamento de algum tipo de taxa para a publicação de artigos, o que também indica a necessidade de ampliar o debate no país sobre o financiamento público de APC, de modo a estabelecer uma política nacional.

Diante da inexistência de uma política sobre Acesso Aberto no Brasil (Pavan; Barbosa, 2018Pavan, C.; Barbosa, M. C. Article processing charge (APC) for publishing open access articles: the Brazilian scenario. Scientometrics, v. 117, 805-823. 2018. Doi: https://doi.org/10.1007/s11192-018-2896-2
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), que poderia servir de base para a elaboração de políticas específicas para agências de fomento, e considerando a proliferação de contratos Read and Publish entre diversas instituições e editores ao redor do mundo, este artigo tem por objetivo analisar AT já executados em outros países e, com base em evidências, propor diretrizes para a implantação de acordos do tipo Read and Publish pela Capes. O restante do artigo se organiza da seguinte forma: no próximo capítulo mostramos a metodologia empregada na nossa análise, no seguinte mostramos os resultados e análises e conclusões encerram este trabalho.

Procedimentos Metodológicos

Em que pese os acordos já firmados apresentarem características únicas que variam conforme os termos estabelecidos entre o editor e as instituições participantes, a partir da amostra de acordos detalhados no Quadro 1, optou-se por analisar dois países específicos, Alemanha e Colômbia, que serão detalhados no próximo capítulo.

O primeiro caso a ser analisado será o do projeto desenvolvido na Alemanha, intitulado Project Deal. A escolha da Alemanha se justifica não apenas por ser um país com uma forte produção de publicações em termos de artigos de periódicos (National Science Board, 2019), mas também por possuir um cenário diversificado de instituições que realizam pesquisa científica. As instituições e organizações de pesquisa alemãs, além de terem sido uma das primeiras a adotar o Acesso Aberto em relação a outros países, também moldaram as políticas europeias e globais relativas ao AA. Exemplos proeminentes são a Declaração de Berlim sobre Acesso Aberto de 2003 e a recente Iniciativa Open Access 2020, que trata da transição da publicação de periódicos baseados em assinatura para AA (Hober et al., 2021).

O segundo caso a ser estudado será o do Consórcio Colômbia. O motivo da escolha está relacionado às semelhanças entre Brasil e Colômbia, ambos países latino-americanos. Embora o Brasil lidere a produção científica na América Latina e Caribe (Minniti; Santoro; Belli, 2018) e ocupe a 14ª posição no ranking Scimago enquanto a Colômbia figura em 48º (Scimago, 2022), os acordos recentemente firmados indicam o pioneirismo colombiano na América Latina em promover a transição para o Acesso Aberto.

As diferenças entre os países analisados, bem como dos termos dos acordos celebrados contribuíram para enriquecer as discussões e abordar a temática dos AT sob perspectivas distintas.

A coleta dos dados foi realizada em 6 de março de 2022 na Web of Science (WoS) por meio da ferramenta InCites. Foram analisadas a quantidade total de artigos publicados em cada país estudado (Alemanha, Colômbia e Brasil) no período de 2000 a 2021, bem como a quantidade de artigos publicados em Acesso Aberto, filtrados por Gold e Gold Híbrido (classificação usada pela WoS). Também foi analisada a quantidade de artigos total, Gold e Gold Híbrido por editor, Wiley e Springer Nature na Alemanha e Springer Nature, Elsevier e Taylor & Francis na Colômbia.

No caso da Alemanha, além da revisão de literatura também analisamos os contratos firmados com a Springer Nature e Wiley. No caso da Colômbia, realizamos revisão de literatura sobre os acordos firmados com Springer Nature, Elsevier e Taylor & Francis e também uma reunião online com representantes do Consórcio Colômbia para esclarecimento de alguns pontos da negociação e detalhes dos acordos.

Resultados

Alemanha e o “Project Deal

O Project Deal, instituído por organizações de pesquisa alemãs, foi criado em 2014 (Fraser et al., 2021Fraser, N. et al. No Deal: Investigating the influence of restricted access to Elsevier Journals on German researchers’ publishing and citing behaviours. ArXiv:2105.12078, 2021. Doi: https://doi.org/10.48550/arXiv.2105.12078
https://doi.org/10.48550/arXiv.2105.1207...
) para negociar acordos transformativos Read and Publish em todo o país com as maiores editoras comerciais de revistas acadêmicas em nome das instituições acadêmicas alemãs, incluindo universidades, universidades de ciências aplicadas, instituições de pesquisa, bibliotecas estaduais e regionais (Project Deal, 2022).

Alinhado com iniciativas como a Open Access 2020 e o Plano S, os principais objetivos do Deal consistem em alcançar: a publicação imediata em AA de todos os novos artigos de pesquisa de autores de instituições alemãs; o acesso permanente ao portfólio completo de periódicos das editoras; e preços justos e razoáveis para esses serviços articulados com um modelo simples e orientado para o futuro baseado no número de artigos publicados (Project Deal, 2022).

O Project Deal representa mais de 700 universidades e instituições de pesquisa e até o momento negociou com sucesso acordos transformativos com Springer Nature e Wiley (Hobert et al., 2021Hobert, A. et al. Open access uptake in Germany 2010-18: Adoption in a diverse research landscape. Scientometrics, v. 126, p. 9751-9777, 2021. Doi: https://doi.org/10.1007/s11192-021-04002-0
https://doi.org/10.1007/s11192-021-04002...
).

A Figura 1a ilustra a produção de artigos da Alemanha de 2000 a 2021, obtida via Web of Science. Mostramos três dados: o número total de artigos (acesso aberto ou não), o número de artigos publicados em acesso aberto em revistas específicas para esse fim na modalidade “Gold” e o número de artigos publicados em acesso aberto em revistas híbridas. Em 2000, o total de artigos publicados correspondia a 66.269 e, em 2021, esse valor mais que dobrou chegando a 141.284.

Figura 1
Artigos (Total, Gold e Híbridos) publicados na Web of Science pela Alemanha (a), Colômbia (b) e Brasil (c) no período entre 2000 a 2021.

A produção em periódicos AA Gold e híbridos também foi crescente ao longo dos anos. Durante o período analisado, os alemães publicaram mais em revistas AA Gold totalizando 247.997 artigos, o que representa 11% do total de publicações no período (2.184.729). As publicações em periódicos híbridos (144.426) representaram aproximadamente 7% do total. Embora o percentual de artigos em periódicos híbridos seja menor, os dados mostram que esse tipo de publicação vem aumentando consideravelmente nos últimos anos, conforme disposto na Figura 1a.

A Figura 1a mostra que no ano 2000 o percentual de publicações em periódicos AA Gold foi de 0,44% e de 1,00% em periódicos híbridos. Em 2021, este percentual aumentou para 28,57% em periódicos AA Gold e 23,33% em periódicos híbridos, o que indica um grande crescimento na publicação nestas duas modalidades.

O acordo com a Wiley, assinado em 15 de janeiro de 2019 para vigorar pelo período de 2019 a 2021 (com possibilidade de renovação para 2022), foi o primeiro acordo concluído pelo Project Deal. A Wiley é a terceira maior editora a publicar pesquisa alemã, em termos de número de artigos publicados anualmente. Por meio do acordo, cerca de 10 mil artigos de pesquisa de autores alemães passarão a ser publicados em Acesso Aberto (Project Deal, 2020a).

Quanto à cobertura de leitura, o acordo prevê que as instituições participantes recebam acesso perpétuo a todo o portfólio de periódicos eletrônicos publicados pela Wiley, incluindo backfiles completos de 1997 em diante (Project Deal, 2020a).

Considerando que a publicação de artigos por meio do acordo só foi iniciada a partir de 1 de julho de 2019, ficou acordado o pagamento pelo Deal de uma taxa interina de leitura de EUR 12,512,067, ou seja, 12 milhões de euros, relativa ao período de 1 de janeiro de 2019 a 30 de junho de 2019. Nos anos seguintes, os valores serão calculados com base no número real de artigos publicados (Sander et al. 2019Sander, F. et al. Project DEAL: John Wiley Son Publish and Read Agreement. 2019. Doi: https://doi.org/10.17617/2.3027595
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).

Uma parte importante para o estabelecimento de um acordo dessa natureza é saber quantos artigos pesquisadores de um determinado país têm publicados em formato híbrido e, a partir desse valor, propor uma evolução que seja possível. Editores da Wiley e da agência alemã previram o número de artigos aceitos para publicação em periódicos híbridos da Wiley para 2019 em 9,500 a uma APC de EUR 2,750, perfazendo um valor total anual de EUR 26.1 milhões (Borrego; Anglada; Abadal, 2020Borrego, A.; Anglada, L.; Abadal, E. Transformative agreements: Do they pave the way to open access? Learned Publishing, v. 34, p. 216-232, 2020. Doi: https://doi.org/10.1002/leap.1347
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; Sander et al., 2019Sander, F. et al. Project DEAL: John Wiley Son Publish and Read Agreement. 2019. Doi: https://doi.org/10.17617/2.3027595
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). Nossos dados mostram que em 2018 o total de artigos publicados em periódicos híbridos por pesquisadores alemães em jornais da Wiley foi de 1.142, conforme mostra a Figura 2a, o que indica que as partes estabeleceram uma meta alta para encorajar a publicação nestes periódicos.

Figura 2
Total artigos Gold e Híbridos publicados pela Wiley (a) e Springer Nature (b) de 2000 a 2021 na Alemanha.

Importante ressaltar que o valor de EUR 2,750 para APC se refere a uma taxa chamada Publish and Read Fee (PAR-Fee) que cobre tanto a publicação quanto a leitura. Assim, para cada artigo publicado em um periódico por assinatura sob o acordo será paga uma taxa de EUR 2,750 que cobre os custos para publicar em acesso aberto e o acesso de leitura aos periódicos da Wiley (Wiley Online Open). A taxa estabelecida em EUR 2,750 não será alterada durante a vigência do acordo (Project Deal, 2020a).

No que se refere às taxas para publicação em periódicos Gold (atualmente 110 revistas), a Wiley concederá um desconto de 20% para todos autores correspondentes das instituições membros (Sander et al. 2019Sander, F. et al. Project DEAL: John Wiley Son Publish and Read Agreement. 2019. Doi: https://doi.org/10.17617/2.3027595
https://doi.org/10.17617/2.3027595...
).

A Figura 2a ilustra o crescimento no número de publicações após o acordo, tanto o total de artigos em periódicos AA Gold e híbridos publicados pela Wiley separadamente. O total de artigos em periódicos AA Gold em 2019 foi de 1.090, após a implantação do acordo, esse valor aumentou para 1.388 em 2020. Ao analisar o número de artigos em periódicos híbridos em 2019, tem-se um total de 3.799. Este valor mais que dobrou após o acordo, alcançando o total de 8.782 em 2020, o que indica uma predominância das publicações nos periódicos híbridos da Wiley.

Considerando que a publicação de artigos por meio do acordo teve início em julho de 2019, verifica-se que de fato houve um aumento da produção de artigos em periódicos AA Gold e híbridos na Alemanha após sua implantação. A quantidade de artigos em periódicos AA Gold e híbridos somada nos anos de 2020 e 2021 totalizou 10.170 e 10.851, respectivamente, o que mostra que o objetivo estabelecido com o acordo de publicar mais de 10 mil artigos em AA por ano foi alcançado.

Em 8 de janeiro de 2020, o acordo com a Springer Nature foi assinado para vigorar pelo período de 3 anos (2020 a 2022 com possibilidade de renovação para 2023) sendo o segundo acordo negociado pelo Project Deal. Foi considerado o maior AT de acesso aberto do mundo em volume de artigos no momento de sua assinatura (Springer Nature, 2022). Com mais de 13.000 artigos acadêmicos de autores afiliados a instituições alemãs aceitos para publicação todos os anos nas revistas Springer Nature, a editora divulga uma parte significativa da produção de pesquisa produzida na Alemanha. O acordo permite a publicação de artigos AA em aproximadamente 2.340 periódicos Springer Nature e oferece às instituições participantes amplo acesso ao portfólio de periódicos do editor (Project Deal, 2020b).

Assim como no acordo com a Wiley, o custo para o primeiro ano foi calculado considerando uma produção esperada de 9.500 artigos em revistas híbridas a uma APC de EUR 2,750 (EUR 917 para artigos não relacionados a pesquisa - notas editorias, revisão de livros, cartas, relatórios), perfazendo um valor total de EUR 26.1 milhões (Valor de Referência). Nos anos seguintes, os valores serão calculados com base no total de artigos publicados, embora o gasto com APC varie dentro dos limites percentuais estabelecidos no acordo (Borrego; Anglada; Abadal, 2020Borrego, A.; Anglada, L.; Abadal, E. Transformative agreements: Do they pave the way to open access? Learned Publishing, v. 34, p. 216-232, 2020. Doi: https://doi.org/10.1002/leap.1347
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; Kieselbach, 2020Kieselbach, S. Project DEAL: Springer Nature Publish and Read Agreement. [S.l.:S.n.], 2020. Doi: https://doi.org/10.17617/2.3174351
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). Da mesma forma que o acordo com a Wiley, a taxa de EUR 2,750 cobre o custo dos serviços de publicação de acesso aberto prestados, e, em menor grau, a leitura de periódicos por assinatura Springer Nature (Project Deal, 2020b).

O acordo também concede às instituições participantes acesso permanente a todas as edições e volumes dos cerca de 1.900 periódicos Springer Nature publicados durante o período do contrato. Vale ressaltar que periódicos e revistas da marca Nature não estão incluídos. As instituições participantes têm ainda acesso gratuito a todas as edições anteriores do portfólio completo da revista, desde 1997 ou até onde os direitos da Springer Nature permitirem, enquanto vigorar o contrato (Project Deal, 2020b).

Segundo informações disponibilizadas no site oficial do Project Deal (2020b), o acordo contempla, para autores elegíveis de instituições participantes, a publicação em AA em 1900 periódicos híbridos por assinatura, bem como a publicação nos periódicos AA da Springer Nature, atualmente com 440 títulos, incluindo a Scientific Reports e a Nature Communications. Um desconto de 20% será concedido na APC de todos os títulos Springer Open e BMC, com exceção de Scientific Reports e Nature Communications.

A Figura 2b mostra a evolução das publicações nos periódicos do grupo Springer Nature de 2000 até 2021. O gráfico mostra que antes da implantação do acordo, o total de publicações de artigos em periódicos híbridos da Springer Nature pela Alemanha em 2019 era de 2.358. Valor bem inferior aos 9.500 estabelecidos para o primeiro ano do acordo. Isto revela que as partes estabeleceram uma meta alta para aumentar a publicação nestes periódicos.

Os dados coletados mostram que a Springer Nature apresentou um grande crescimento no total de artigos publicados em AA durante o período analisado. Para entender melhor este crescimento após o acordo, optou-se por analisar o total de artigos em periódicos AA Gold e híbridos separadamente, conforme se observa na Figura 2. Em 2019, o total de artigos AA Gold publicados pela Alemanha nos periódicos da Springer Nature na Web of Science totalizou 6.730 e em 2020 houve um aumento para 7.449. Já em relação ao total de artigos publicados em periódicos híbridos em 2019, tem-se um total de 2.358. Verifica-se que este valor mais que triplica após o acordo, totalizando 8.492 artigos publicados em periódicos híbridos em 2020. Isto indica que o aumento expressivo nas publicações em AA se deu predominantemente nos periódicos híbridos da Springer Nature.

O acordo colombiano

O Consórcio Colômbia foi criado em 2017 e é composto por 58 Instituições de Ensino Superior (IES) públicas e privadas, 3 Centros de Pesquisa, pela Associação Colombiana de Universidades (ASCUN), pelo Ministério da Educação Nacional, bem como pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Seus objetivos consistem em expandir informação científica especializada em todo o país como estratégia para fortalecer a capacidade de pesquisa e inovação na Colômbia; fortalecer a visibilidade da produção científica nacional e melhorar a produção acadêmica e científica por meio do acesso a conhecimento de ponta e de alto impacto (Consorcio Colombia, 2022a).

Um dos seus maiores êxitos foi a assinatura de 3 acordos transformativos com Elsevier, Springer Nature e Taylor & Francis. Segundo informações prestadas pelo Consórcio Colômbia, quase 90% dos artigos de autores de instituições pertencentes ao Consórcio são publicados nessas três editoras (Muñoz, 2022Muñoz, H. Comunicação pessoal em reunião online, com pesquisadora Bárbara Neves Alencar, 28 de abril de 2022.). Os acordos foram assinados para vigorar a partir de 1º de janeiro de 2022 por um período de 3 anos e são uma forma de centralizar o pagamento das APC. Além de favorecer a visibilidade das pesquisas por meio da publicação em AA, os acordos também destinarão mais de USD 1,000,000 por ano para a publicação de artigos científicos em AA (Consorcio Colombia, 2022b). A quantidade de artigos abrangida pelos acordos, o valor das APCs e o custo total estimado com APC estão detalhados na Tabela 1.

Tabela 1
Valores dos acordos firmados pelo Consórcio Colômbia com Springer Nature, Elsevier e Taylor & Francis.

Para entender melhor como a quantidade de artigos previstos no acordo foi definida, obtivemos o total de artigos publicados em periódicos Gold e híbridos por cada editor (Elsevier, Springer Nature e Taylor & Francis), conforme mostra a Figura 3. Observamos, a partir dos nossos dados, que o acordo foi elaborado considerando as publicações em periódicos híbridos, uma vez que o histórico de artigos em periódicos híbridos publicados nos anos anteriores se aproxima do que foi estabelecido no acordo. Esta informação também foi confirmada pelo Consórcio Colômbia que informou que o foco dos acordos considerou somente revistas híbridas, porque representam o gasto mais elevado com APC. Para um próximo acordo, as revistas totalmente AA também serão incluídas (Muñoz, 2022Muñoz, H. Comunicação pessoal em reunião online, com pesquisadora Bárbara Neves Alencar, 28 de abril de 2022.).

Figura 3
Total artigos Gold e Híbridos publicados (a) Springer Nature, (b) Elsevier, e (c) Taylor & Francis de 2000 a 2021 na Colômbia.

As instituições que participam do Consórcio Colômbia são separadas em 10 grupos distintos (1A, 1B, 1C, 2A, 2B, 2C, 3A, 3B, 4A e 4B) conforme suas características. No Grupo 1A, estão as instituições com 5 ou mais doutorados e uma produção na Scopus (2017) de mais de 2.000 artigos científicos. No Grupo 1B, estão as instituições com 5 ou mais doutorados e uma produção na Scopus (2017) entre 500 e 1.999 artigos e assim sucessivamente para os demais grupos (Consorcio Colombia, 2022c).

A metodologia para a quantidade de artigos a ser publicado em AA para cada acordo foi desenvolvida com base no histórico de publicação dos anos anteriores, sendo 25% destinado às Instituições que têm histórico de publicação menor e os 75% restantes são distribuídos proporcionalmente entre as Instituições com maior histórico de publicação e conforme a classificação de grupos (Consorcio Colombia, 2022b).

As APCs que não forem usadas no ano não são transferidas para o ano seguinte (exceto Springer no primeiro ano), ou seja, se não são usadas, se perdem. De acordo com o ano anterior, será estabelecida uma data de corte para: criar uma bolsa com os artigos não usados até o momento, distribuir as APCs disponíveis de modo a possibilitar que todas as instituições participem, bem como atribuir as APCs restantes proporcionalmente aos artigos aceitos no ano e que compõem a bolsa (Consorcio Colombia, 2022b).

Quanto à cobertura de leitura, toda a comunidade acadêmica das instituições que participam do Consórcio pode ter acesso ilimitado às coleções que fazem parte do pacote básico assinado, que soma aproximadamente 8.408 revistas e 15.565 livros. Cabe ressaltar que os acordos não contemplam todas as revistas das editoras. Os motivos podem ser diversos: alguns periódicos pertencem a sociedades científicas, por motivos meramente comerciais, entre outros (Muñoz, 2022Muñoz, H. Comunicação pessoal em reunião online, com pesquisadora Bárbara Neves Alencar, 28 de abril de 2022.).

A Figura 1(b) apresenta o total de artigos publicados bem como o número de artigos em acesso aberto em revistas que só publicam artigos em AA e o número de artigos publicados AA em periódicos híbridos por autores da Colômbia no período de 2000 a 2021. Verifica-se um aumento crescente ao longo dos anos (com exceção de 2021) e o total de artigos publicados no período corresponde a 111.838. Em 2000, o total de artigos publicados correspondia a 665 e em 2021 esse valor aumentou consideravelmente chegando a 11.047.

Ao analisar o total de artigos em periódicos AA Gold e híbridos publicados na Web of Science no período de 2000 a 2021 pela Colômbia, verifica-se uma predominância das publicações Gold (29.240) que representam 26% do total de publicações no período (111.838). As publicações em periódicos híbridos (4.562) representam aproximadamente 4% do total. A Figura 1b mostra a evolução dos valores ao longo do tempo.

O percentual de artigos publicados em periódicos AA Gold e híbridos em 2000 foi 2,86% e 0,75%, respectivamente, e em 2021 foi 41,96% e 5,67%, respectivamente. Neste caso, o percentual de artigos em periódicos AA Gold cresceu significativamente, em comparação ao crescimento de artigos em periódicos híbridos.

Por serem acordos recentes que começaram a ser executados em 2022, ainda não é possível analisar o impacto dessa política sobre o total das publicações em Acesso Aberto da Colômbia. Contudo, é possível analisar o que foi estabelecido nos acordos e adaptar ao contexto brasileiro.

Discussão

Diretrizes para celebrar acordos transformativos no Brasil

A análise dos acordos estudados indica que ambos foram elaborados objetivando aumentar as publicações dos pesquisadores das instituições participantes em periódicos híbridos. A escolha por periódicos híbridos pode ser explicada por algumas razões, entre elas a intenção das editoras comerciais em continuar lucrando com assinaturas, bem como a pressão da comunidade acadêmica para aumentar publicações em Acesso Aberto, uma vez que este tipo de periódico oferece aos autores a possibilidade de publicar em AA, mediante o pagamento de APC. De fato, a grande maioria dos periódicos por assinatura das principais editoras acadêmicas são hoje híbridos (Bjork, 2017Bjork, B. Growth of hybrid open access, 2009-2016. PeerJ, v. 5, e3878, 2017. Doi: https://doi.org/10.7717/peerj.3878
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) e publicações híbridas na Web of Science aumentaram substancialmente nos últimos anos.

Por parte das agências de fomento, o uso de revistas híbridas para publicação em acesso aberto garante, em grande parte, a qualidade da publicação. Revistas híbridas são mais antigas, com mais prestígio e estão menos sujeitas às oscilações no parâmetro de impacto observada em novas revistas de AA que cresceram em número de publicações de forma muito rápida (Zhang, 2021Zhang, T. Will the increase in publication volumes “dilute” prestigious journals’ impact factors? A trend analysis of the FT50 journals. Scientometrics, v. 126, p. 863-869, 2021. Doi: https://doi.org/10.1007/s11192-020-03736-7
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).

Cabe ressaltar que a modalidade híbrida tem sido alvo de críticas devido ao chamado double-dipping ou dupla cobrança, uma vez que as editoras lucram tanto com a assinatura quanto com a cobrança de APC.

Alencar e Barbosa (2021Alencar, B. N.; Barbosa, M. C. B. Open Access Publications with Article Processing Charge (APC) Payment: a Brazilian scenario analysis. Anais da Academia Brasileira de Ciências, v. 93, n. 4, e20201984, 2021. Doi: https://doi.org/10.1590/0001-3765202120201984
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) analisaram o cenário brasileiro no que se refere a publicações em Acesso Aberto Gold e constataram que, ao longo dos anos, a comunidade científica brasileira tem publicado cada vez mais em revistas AA com APCs. Este crescimento apresenta um comportamento particular. Observou-se uma migração das publicações de periódicos nacionais para internacionais, especificamente para periódicos com maior impacto e APCs mais caras. Esta migração, no entanto, tem sido direcionada em grande parte para megajournals nos quais o impacto tem flutuado (Heneberg, 2019Heneberg, P. The troubles of high-profile open access megajournals. Scientometrics, v. 120, p. 733-746, 2019. Doi: https://doi.org/10.1007/s11192-019-03144-6
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).

Observando este movimento dos países e das editoras em reforçar a publicação em periódicos híbridos, com reputação mais consolidada, optou-se por analisar a produção de artigos brasileiros em periódicos híbridos em comparação com o total de publicações e o total de publicações em periódicos Gold no período de 2000 a 2021. Os resultados, ilustrados na Figura 1c, mostram que, em sua maioria, os pesquisadores brasileiros publicaram mais em revistas Gold. Do total de artigos publicados (880.129) por pesquisadores brasileiros disponibilizados na WoS no período analisado, aproximadamente 30% (268.466) foram em periódicos Gold e 3,80% (33.429) em periódicos híbridos.

Em 2000, o total de artigos publicados em revistas Gold foi de 1.644 e o total de artigos publicados em revistas híbridas foi de 93, conforme disposto na Figura 1c que mostra a evolução dos valores ao longo do tempo que são respectivamente 15,15% e 0,86% da produção naquele ano (10.850). Em 2021, o total de artigos publicados em revistas Gold foi de 23.726 e o total de artigos publicados em revistas híbridas foi de 2.356, conforme disposto na Figura 1c que mostra a evolução dos valores ao longo do tempo que são respectivamente 33,31% e 3,31% da produção naquele ano (71.220). Estes dados mostram um crescimento em publicações do tipo Gold, mas não um igual crescimento em revistas híbridas.

A Figura 1c também mostra que essa tendência de publicar mais em revistas Gold é comum tanto à Colômbia quanto à Alemanha, possivelmente atraídos pelas facilidades de publicar. Nota-se, no entanto, que a Alemanha aumentou consideravelmente suas publicações em revistas híbridas, mesmo antes do Project Deal, possivelmente pelo reconhecimento que as revistas híbridas são mais tradicionais. Em anos recentes, essa tendência tem crescido ainda mais, possivelmente como um resultado da política bem-sucedida realizada por meio do Project Deal.

Ainda que não exista, até o momento, política ou diretrizes estabelecidas no Brasil com vistas a acelerar a transição para o Acesso Aberto, as autoras elaboraram um roteiro para servir de guia na consecução deste objetivo, com base nas informações compartilhadas por instituições que detém conhecimento e expertise nessa temática.

Os acordos a serem estabelecidos devem ser desenvolvidos em três fases: preparação, negociação e implementação, conforme propõe o Guia de Referência da ESAC para Acordos Transformativos (Efficiency and Standards for Open Access Article Charges, 2022).

Fase 1: Preparação

Para preparar e conduzir negociações que resultem em acordos que cumpram com eficácia e sucesso seu potencial transformador, a instituição precisará ter uma visão clara de sua posição atual e sua capacidade de modelar resultados potenciais (Efficiency and Standards for Open Access Article Charges, 2022).

Assim, é importante primeiro: (1) mapear a posição da instituição que deseja implantar o AA quanto a políticas, infraestrutura, procedimentos e stakeholders (Open Access 2020, 2022c). A Capes atua como um consórcio que negocia a disponibilização de conteúdos mediante assinaturas às instituições participantes do Portal de Periódicos. Portanto, desempenha papel estratégico no que se refere a coordenar processos e negociações junto às editoras com as quais já possui relação comercial. Ainda, a Capes detém autonomia para adaptar e reorganizar seus fluxos de trabalho com vistas a promover o Acesso Aberto.

Em seguida, deve-se: (2) analisar os dados disponíveis (financeiros e de publicação). Desta forma, é importante saber como e onde os pesquisadores mais publicam, bem como quanto se está gastando tanto com publicação quanto assinaturas (Open Access 2020, 2022c). A Alemanha estabeleceu acordo com a Springer Nature e Wiley, pois são as editoras em que seus pesquisadores mais publicaram nos últimos anos. Da mesma forma, a Colômbia firmou acordos com as editoras em que seus pesquisadores mais publicam.

Segundo dados do repositório SUB Göttingen (2022) divulgados no site da ESAC Initiative (Efficiency and Standards for Open Access Article Charges, 2021), as editoras nas quais os pesquisadores brasileiros mais publicaram com base na participação do autor correspondente são: Elsevier (26,6% sendo 25,5% em periódicos híbridos/fechados), FapUNIFESP (SciELO) (14,6% somente em periódicos AA), Springer Nature (13,3% sendo 10,7% em periódicos híbridos/fechados) e Wiley (7,6% sendo 7,4% em periódicos híbridos/fechados). Estes dados, no entanto, trazem uma visão geral do contexto das publicações brasileiras. Para uma análise mais precisa é importante analisar onde os pesquisadores mais publicam por áreas temáticas e assim verificar quais são as editoras que deverão ser selecionadas para a negociação dos AT.

De acordo com dados oficiais disponibilizados no site da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, 2022b), o valor gasto com assinaturas via Portal de Periódicos em 2021 totalizou BRL 490,309,484 e o orçamento previsto para 2022 é de BRL 386,501,060. Alencar e Barbosa (2021Alencar, B. N.; Barbosa, M. C. B. Open Access Publications with Article Processing Charge (APC) Payment: a Brazilian scenario analysis. Anais da Academia Brasileira de Ciências, v. 93, n. 4, e20201984, 2021. Doi: https://doi.org/10.1590/0001-3765202120201984
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) analisaram a produção brasileira em AA Gold e constataram que mais de USD 6 milhões foram gastos com APC em 2019 para pagamento de editoras comerciais. Cerca de USD 1 milhão foram pagos a entidades sem fins lucrativos para custear APC o que mostra um gasto maior com APC mais caras cobradas por editoras comerciais.

É importante saber também quanto do conteúdo assinado está disponível em AA por meio de fontes alternativas e estabelecer critérios mais robustos para avaliar o valor das assinaturas atuais, incorporando dados de citação (ou seja, quais periódicos os pesquisadores citam em suas próprias publicações), dados de publicação (em quais periódicos os pesquisadores publicam) em relatórios Counter JR5 e outros critérios relevantes para a instituição (Open Access 2020, 2022c).

A Capes deve também: (3) definir a abordagem para as negociações dos acordos transformativos que sintetizará as lições aprendidas analisando seus próprios dados, reunindo uma compreensão do cenário de comunicações acadêmicas e coletando perspectivas das partes interessadas. Seu nível atual de gastos com assinaturas, o volume relativo das publicações de seus pesquisadores, bem como seus valores centrais e o compromisso com o Acesso Aberto à pesquisa contribuirão para formular sua abordagem de negociação, estabelecer critérios para avaliar propostas e, essencialmente, definir o que é considerado um resultado bem-sucedido em termos de serviço e custo (Efficiency and Standards for Open Access Article Charges, 2022).

Idealmente, deve-se definir critérios para custos de publicação justos; reorganizar a estrutura orçamentária e modelar novos esquemas de financiamento para apoiar publicações em AA; estabelecer mecanismos para monitorar os custos e garantir a transparência; calcular e alocar recursos para cobrir os custos de transição; buscar adotar uma redução gradual nas despesas com assinatura, de modo a revisar as assinaturas já existentes e cancelar big deals (Open Access 2020, 2022c).

Nesta fase, é essencial também ouvir a comunidade acadêmica quanto às necessidades e desafios enfrentados pelos pesquisadores, mas principalmente quanto aos objetivos almejados com a celebração dos AT. A interlocução com este grupo pode tornar mais assertiva a atuação da Capes e demais agências de fomento ao dar voz aos mais afetados pelos acordos que se pretende firmar.

Fase 2: Negociação

Na fase de negociação, deve-se: (4) definir as metas de negociação. Isso envolve uma compreensão técnica do que está sendo negociado (conteúdo, quantidade de publicações nos periódicos, importância para a comunidade acadêmica) e expertise na arte de negociar. Evitar tomar decisões na mesa de negociação, tomar a iniciativa e formular as próprias propostas baseadas nos seus objetivos são algumas das diretrizes encontradas no guia da ESAC (Efficiency and Standards for Open Access Article Charges, 2022).

As rodadas de negociação são, essencialmente, sequências de troca de informações, sejam dados, propostas ou contrapropostas. Dados de publicação a nível de artigo e listas de títulos de periódicos são informações que o editor fornecerá e são essenciais para a negociação. Esta análise serve para dar a ambas partes um entendimento comum da entidade de serviços de publicação de acesso aberto a ser coberta pelo contrato e permitirá descobrir quaisquer pontos cegos ou discrepâncias em suas respectivas metodologias de contagem (Efficiency and Standards for Open Access Article Charges, 2022). Neste sentido, manter um banco de dados de quais revistas de acesso aberto ou não os pesquisadores brasileiros publicam é importante. Além disso, uma análise do impacto das revistas onde publicam os brasileiros e onde se almeja chegar (usando o Qualis como fonte de periódicos de impacto e onde se deseja publicar mais massivamente no futuro).

Os acordos estudados possuem algumas características distintas que podem ser úteis na definição das metas de negociação brasileiras. No caso da Alemanha, o acordo prevê aumentar a publicação em periódicos híbridos e concede 20% de desconto nas publicações Gold. Já o acordo colombiano só alcança revistas híbridas.

Sabe-se que pesquisadores brasileiros publicam mais em revistas Gold em comparação com revistas híbridas, conforme mostra a Figura 1c. Por serem mais tradicionais e gozarem de mais reputação, a publicação em periódicos híbridos, que em geral possuem fator de impacto mais alto e constante ao longo do tempo, pode garantir mais visibilidade e prestígio aos pesquisadores. Embora, a dupla cobrança (APC e assinatura), característica da modalidade híbrida, possa tornar esse tipo de publicação menos atrativa.

Dado o grande crescimento de periódicos híbridos no mundo nos últimos anos (Bjork, 2017Bjork, B. Growth of hybrid open access, 2009-2016. PeerJ, v. 5, e3878, 2017. Doi: https://doi.org/10.7717/peerj.3878
https://doi.org/10.7717/peerj.3878...
) espera-se que esse tipo de publicação chegue a um ponto em que a quase totalidade de artigos esteja em AA superando os artigos fechados. Por isso, é importante estar preparado para essa transição encorajando também a publicação em revistas Gold que atualmente dominam a preferência de publicação dos pesquisadores no Brasil. Por isso, sugere-se que os acordos a serem firmados contemplem revistas híbridas e Gold.

Na fase de negociação, deve-se ainda: (5) justificar as escolhas de financiamento de modo a escolher financiar pesquisas de mais impacto para que os acordos transformativos a serem firmados funcionem como uma política de qualificação. O acordo colombiano estabeleceu sua política com base no histórico de publicação dos anos anteriores das universidades (Consorcio Colombia, 2022b). A Colômbia possui uma métrica específica para agrupar universidades/instituições de pesquisa, conforme a quantidade de programas de doutorado que possuem e a produção de artigos científicos.

No caso do Brasil, a fim de estabelecer uma métrica de avaliação mais alinhada ao contexto do país, sugere-se que os acordos a serem celebrados considerem o histórico de publicação de programas de pós-graduação avaliados pela Capes com notas 5, 6 e 7, com vistas a distribuir recursos para pagamento de APC (cotas de publicação) proporcionalmente ao que os pesquisadores vinculados a esses programas publicaram e ainda o Qualis da revista em que se deseja publicar.

Tendo por base o acordo colombiano, sugere-se que no primeiro ano do acordo seja mantida a quantidade de publicações do ano anterior e, a partir dos anos seguintes, a quantidade seja expandida a fim de incentivar o aumento de publicações pelos pesquisadores.

É importante esclarecer que a opção por estabelecer um limite na quantidade de publicações similar ao acordo da Colômbia e não ilimitado conforme estabeleceu o acordo alemão se deve ao contexto financeiro-orçamentário brasileiro. O Project Deal estabeleceu o valor da APC em EUR 2,750 e o valor do primeiro ano foi estimado em mais de EUR 26 milhões. Para o Brasil que sofre com sucessivos cortes no orçamento na área de educação e ciência, estabelecer um limite na quantidade de publicações seria mais factível.

Outro ponto importante é que os acordos analisados não detalham autoria. No caso do Brasil, quando houver autores de outros países em coautoria com autores brasileiros, sugere-se que o benefício para pagamento de APC seja custeado apenas parcialmente, devendo o autor estrangeiro arcar com parte dos custos.

Fase 3: Implementação

De acordo com o Guia da ESAC (Efficiency and Standards for Open Access Article Charges, 2022), depois de conduzir com sucesso as negociações e estabelecer os termos de um acordo, inicia-se a fase de implementação em que se deve ratificar os resultados em um contrato por escrito, colocar em prática novos fluxos de trabalho e processos - tanto internamente quanto com o editor -, e estabelecer mecanismos para monitoramento e avaliação contínuos do acordo.

Nesta fase, deve-se: (6) formalizar os termos do acordo no que se refere a autores elegíveis, tipos de artigo, periódicos para publicação em AA, valor da APC, responsabilidades do editor, responsabilidades da instituição, disponibilidade de conteúdo, cronograma de pagamento, opções de publicações em AA, entre outras (Efficiency and Standards for Open Access Article Charges, 2022).

Por fim, deve-se estabelecer critérios para: (7) monitorar e avaliar o acordo a fim de medir o progresso e os resultados alcançados. Alguns exemplos são: nível de aceitação dos autores para publicar em AA, comparação dos custos do contrato com despesas anteriores, métricas alternativas e proporção da produção científica da instituição publicada em AA (Efficiency and Standards for Open Access Article Charges, 2022).

Considerando que haverá repasses de recursos públicos para o pagamento de APCs, é fundamental que sejam criados mecanismos de transparência e controle para evitar fraudes e desvio de recursos tanto por parte da Capes quanto por parte das instituições que receberão o benefício. É importante ainda que os dados que subsidiarão a escolha dos programas de pós-graduação sejam obtidos de fontes oficiais divulgadas ao público, de modo a possibilitar a consulta pelas partes interessadas.

Por fim, deve-se: (8) divulgar os resultados dos acordos celebrados junto à comunidade acadêmica por meio da realização de campanhas de divulgação para aconselhar professores e pesquisadores sobre seus direitos, opções, oportunidades de impacto, políticas locais e os serviços de apoio à publicação disponíveis para eles (Open Access 2020, 2022c).

Conclusão

Estabelecer diretrizes para acordos Read and Publish no Brasil é relevante e estratégico sob vários aspectos. Primeiro porque publicar em AA é uma tendência mundial decorrente da pressão da comunidade acadêmica para acessar informação científica sem barreiras. Estar preparado para firmar acordos com editoras internacionais que possibilitem além do acesso aos conteúdos (Read), também a publicação em AA (Publish) é estar alinhado com as políticas inovadoras implementadas ao redor do mundo. Segundo porque busca-se com os acordos transformativos publicar em revistas de alto impacto com vistas a internacionalizar a produção científica brasileira.

Caso o Brasil, em especial as agências de fomento, não se movimentem para acompanhar as tendências relativas ao AA, os pesquisadores brasileiros podem ser severamente prejudicados pela falta de recursos para pagamento de APC e ainda pela pouca visibilidade de suas pesquisas.

Os acordos estudados mostram que cada país deve estabelecer seus objetivos de negociação conforme sua realidade e recursos disponíveis. Não é possível seguir à risca o que já foi estabelecido em outros acordos, pois cada um deles foi elaborado considerando uma série de especificidades no contexto em que foram firmados. Contudo, é possível analisar o que foi estabelecido e adaptar ao contexto brasileiro, e a isso essa pesquisa se propôs.

Por se tratar de um assunto novo, os acordos em sua maioria são muito recentes, o que impede analisar a fundo os possíveis impactos a longo prazo na produção científica dos países analisados. Outrossim, os resultados encontrados mostram uma tendência voltada para aumentar o número de publicações em revistas híbridas.

Em um contexto de transição para o Acesso Aberto, é esperado que o número de artigos AA em revistas híbridas cresça a um ponto que a maior parte ou totalidade esteja em AA no futuro. Para o Brasil, adotar uma estratégia que contemple revistas híbridas e Gold pode ser uma forma assertiva a fim de se preparar para essa transição.

É importante ainda que os acordos transformativos que se pretende firmar funcionem como uma política de qualificação que auxilie os pesquisadores brasileiros a publicar em revistas de alto impacto com vistas a obter maior visibilidade sobre suas pesquisas e possibilitar a internacionalização da produção científica nacional.

No caso da Capes, que oferece à comunidade acadêmica acesso a conteúdo científicos por meio do Portal de Periódicos e já possui expertise na negociação com editoras internacionais, é imperioso que seus processos de contratação sejam remodelados para abranger também a publicação em AA.

As diretrizes e dados coletados nesta pesquisa podem ser um ponto de partida para auxiliar nas discussões a fim de acelerar a transição para o Acesso Aberto sob a perspectiva das agências de fomento e instituições de pesquisa.

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022
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