Resumo
Neste trabalho, objetiva-se identificar e analisar objetos de ensino explorados em videoaulas sobre produção de artigo acadêmico. Metodologicamente, adota-se o método quanti-qualitativo, a partir da netnografia. Como aporte teórico, apresentam-se práticas de ensino de Língua Portuguesa em contexto didático-digital (Laurentino; Miranda da Silva, 2023), artigo acadêmico (Motta-Roth; Hendges, 2010), as etapas de produção textual (Antunes, 2003a) e objetos de ensino (Lino de Araújo, 2014). Os dados constam de quinze videoaulas publicadas na plataforma YouTube e destacam o foco na estrutura composicional do gênero como o objeto de ensino mais recorrente. Observa-se que essa recorrência decorre das especificidades do contexto didático-digital que abriga as videoaulas, justificando seu modelo de produção e método de ensino. Nesta análise, dá-se, assim, visibilidade a novos meios de ensino de gêneros acadêmicos, como o artigo, e às formas pelas quais os objetos de ensino são explorados em videoaulas.
Palavras-chave:
Contexto didático-digital; Videoaulas; Artigo acadêmico; Objetos de ensino; Etapas de produção textual
Abstract
This study aims to identify and analyze teaching components explored in videolessons about academic article production. Methodologically, the quantitative-qualitative method is adopted, based on netnography. As a theoretical contribution, Portuguese language teaching practices in a didactic-digital context are presented (Laurentino; Miranda da Silva, 2023), as well as academic article (Motta-Roth; Hendges, 2010), stages of textual production (Antunes, 2003a) and teaching components (Lino de Araújo, 2014). The data are contained in fifteen videolessons on the YouTube platform and highlight the focus on the compositional structure of the genre as the most recurrent teaching component. It is observed that this recurrence stems from the specificities of the didactic-digital context that houses the videolessons, justifying their production model and teaching method. In this analysis, visibility is thus given to new means of teaching academic genres, such as the article, and to the ways in which teaching components are explored in videolessons.
Keywords:
Didactic-digital context; Videolessons; Academic article; Teaching components; Stages of textual production
1 Introdução
O processo de escrita é uma das atividades mais complexas que o ser humano é capaz de realizar, em razão de vários fatores, a exemplo das exigências feitas à memória e ao raciocínio durante o momento de produção (Garcez, 2020). São inúmeros os conhecimentos e habilidades que precisam ser articulados e harmonizados para que o texto tome forma. Tendo em vista esse seu caráter complexo, ainda são recorrentes falsas crenças sobre a produção textual, que levam pessoas a acreditarem que podem dominá-la a partir de “dicas” desvinculadas de seu contexto de produção.
A ideia de que fórmulas pré-fabricadas e “dicas” isoladas são métodos cabíveis no ensino de produção textual, apenas negligencia as etapas necessárias que caracterizam um texto adequado conforme seu contexto de produção (Garcez, 2020). O processo de escrita é uma atividade que carece de idas e vindas, pois deve admitir três grandes momentos que se intercalam e devem ser compreendidos de modo indissociável: o do planejamento, o da escrita propriamente dita e o da revisão (Antunes, 2003b). Enquadrar esse processo em uma perspectiva prescrita e linear pode resultar em estudantes frustrados pela construção de textos truncados e artificiais.
Essa realidade se agrava quando observamos o cenário acadêmico, em que as exigências com relação a produções textuais se intensificam. As expectativas quanto a essas produções não se limitam à utilização adequada da norma-padrão ou a vocabulários específicos; expandem-se para aspectos implícitos de produção que precisam ser considerados, como o que pode ser dito, por quem, de que forma, sob que ponto de vista e fundamentado em qual autor (Oliveira; Silva, 2024).
Pensando na comunidade discursiva acadêmica, uma das produções textuais mais demandadas em cursos de graduação da área de humanas é o artigo acadêmico (Motta-Roth; Hendges, 2010). Por ser um dos principais veículos de divulgação científica, a circulação desse gênero na academia é incontornável, sendo bastante exigido o seu consumo e produção por parte de professores, estudantes e pesquisadores. Embora seja uma produção essencialmente ligada ao meio universitário, sua feitura é quase sempre exigida sem antes ser ensinada. Esse fato pode levar os alunos a somarem suas dificuldades com o processo de escrita à dificuldade de produzir um texto do qual desconhecem seu contexto de produção, estrutura composicional e outras “dimensões escondidas” (Street, 2010) que perpassam a construção de um artigo.
Ao exigir do autor capacidade de síntese, descrição, análise e argumentação, utilizando-se das convenções próprias à determinada área, o artigo contempla informações geradas em pesquisas a serem submetidas a apreciações públicas (Motta-Roth; Hendges, 2010). Sua relevância remonta à popularização da ciência que, por sua vez, possui a potencialidade de descrever fenômenos sociais e até mesmo gerar algum impacto benéfico ao público em geral.
A partir dessas pontuações, torna-se clara a importância de produzir artigos acadêmicos e a responsabilidade do seu produtor de popularizar os conhecimentos produzidos na esfera acadêmica. Quando essa tarefa de produção precisa ser desenvolvida por graduandos e estes normalmente não recebem orientação para tal, muitas vezes, recorrem a materiais digitais sobre esse assunto, pois lhes propiciam as mais variadas estratégias de ensino de acordo com o ritmo e as preferências do estudante (Falkembach, 2005). Um fator que pode justificar essa recorrência é a facilidade de acesso a plataformas digitais, que disponibilizam, na maioria das vezes de forma gratuita, conteúdos digitais educacionais. Antigamente, os estudantes consultavam manuais impressos que ensinavam a como produzir textos acadêmicos, hoje, frente aos recursos tecnológicos, os locais de aprendizagem se ampliam para a cibercultura. Como cibercultura, compreendem-se vários ambientes da esfera digital que abrigam informações, até mesmo os que simulam uma sala de aula a partir de vídeos (Martins; Almeida, 2018; Rocha; Montardo, 2005).
Tendo a cibercultura se tornado uma potencializadora de novas abordagens educativas, deve-se averiguar sua eficiência enquanto ferramenta de ensino, a forma como se ensina determinados conteúdos, a exemplo da produção textual de artigo acadêmico e seus aspectos constitutivos, foco do presente estudo. Nesse sentido, traçamos dois objetivos para este trabalho: identificar e analisar objetos de ensino explorados em videoaulas sobre artigo acadêmico publicadas na plataforma YouTube. Para tanto, organizamos este artigo em 5 seções, a saber: esta introdução, contendo uma contextualização inicial sobre o objeto de investigação da pesquisa, a problemática que o envolve e os objetivos delineados; o embasamento teórico, no qual apresentamos os pressupostos que fundamentam o estudo as práticas de ensino de Língua Portuguesa em contexto didático-digital (Laurentino; Miranda da Silva, 2023), o artigo acadêmico (Motta-Roth; Hendges, 2010), as etapas de produção textual (Antunes, 2003) e os objetos de ensino (Lino de Araújo, 2014); a metodologia, na qual explicitamos a abordagem e o tipo de pesquisa, bem como os procedimentos de coleta e análise de dados; os resultados, contendo a exploração dos objetos de ensino contemplados nas videoaulas sobre ensino de produção de artigo acadêmico; as considerações finais, nas quais sinalizamos algumas implicações advindas dos resultados alcançados.
2 Embasamento Teórico
O referencial teórico utilizado como base norteadora deste estudo parte do entendimento de contextos didático-digitais como um espaço advindo de “publicações on-line de materiais com objetivo de conduzir sujeitos ao domínio de saberes provenientes de disciplinas curriculares” (Laurentino; Miranda da Silva, 2023, p. 46). A partir dessa concepção, percebe-se que a flexibilidade quanto ao modo de se ofertar conteúdos pedagógicos atualmente, frente ao avanço tecnológico, potencializa um amplo alcance e facilidade de acesso. Entretanto, essas vantagens não asseguram a qualidade e a credibilidade dos conteúdos veiculados nesses contextos, levando pesquisadores a examinarem criticamente a consistência desses materiais (Bessa, 2020; Laurentino; Silva, 2019).
A depender do material em questão, a forma como se estabelece o contato entre usuário e conteúdo pode sofrer alterações. Em se tratando da cibercultura, ambiente que abriga um acúmulo inquantificável de conhecimento, “o usuário pode interagir não só com o objeto (a máquina ou a ferramenta), mas também com a informação, conteúdo” (Rocha; Montardo, 2005, p. 8). O modo de interação com o conteúdo se altera conforme os componentes didáticos que complementam o material didático. No caso da videoaula, a interação atinge o nível de mediação pedagógica graças à sincronização de outras mídias (áudio, texto ou imagem) (Barrére, 2014), favorecendo a possibilidade de concretude dos fins didáticos pretendidos.
Para considerarmos a videoaula um material didático-digital, Laurentino e Miranda da Silva (2023) apresentam outros componentes necessários para sua caracterização, a saber: (a) tratar de uma prática de ensino que apresente um foco didático, relacionando conhecimento curricular, teoria e metodologia; (b) ser realizada de modo assíncrono; (c) apresentar a figura de um sujeito empenhado em conduzir as práticas de ensino, empregando saberes e competências relativos à profissão docente.
Com base nas informações supracitadas, podemos nos questionar: o que justifica a alta demanda de acessos a materiais inseridos em contextos didático-digitais? A resposta para essa pergunta pode se relacionar com as “práticas institucionais do mistério”, conforme estipulado por Lillis (1999). O conceito explorado pela autora diz respeito a convenções, sobretudo de escrita, demandadas aos alunos que não são explicitamente orientadas, pois parte-se do pressuposto que eles já as dominem. Em outras palavras, “os professores esperam que os alunos saibam essas convenções que não lhes são explicitadas” (Fiad, 2011, p. 363). Esse cenário é comum na comunidade acadêmica, sobretudo por ser um ambiente no qual são exigidas produções textuais específicas, típicas da esfera acadêmica.
A alta demanda de produção de artigos acadêmicos advém da política de financiamento de bolsas e de projetos de pesquisa, próprios do sistema universitário brasileiro. Desse modo, nesse contexto, a produtividade intelectual é medida pela produtividade na publicação (Motta-Roth; Hendges, 2010). Esse fator gera uma pressão para elaboração de textos de qualidade na forma de artigos para periódicos acadêmicos.
Motta-Roth e Hendges (2010), ao definirem o artigo acadêmico, já o caracterizam como uma produção que objetiva a publicação em periódicos especializados. Nas palavras das autoras, “esse gênero serve como uma via de comunicação entre pesquisadores, profissionais, professores e alunos de graduação e pós-graduação” (Motta-Roth; Hendges, 2010, p. 65). A exigência de produção de artigos acadêmicos pode se enquadrar em uma “prática institucional do mistério” (Lillis, 1999), caso suas dimensões não sejam explicitadas aos produtores desse gênero. Essas dimensões podem ser entendidas como: o enquadramento do gênero e do público, contribuição para o avanço dos estudos de uma área de pesquisa, a voz do autor e seu ponto de vista, as marcas linguísticas e sua estrutura composicional (Street, 2010). O aluno, ao se predispor a produzir um artigo acadêmico, muitas vezes desconhece essas dimensões.
Não obstante defendamos a necessidade de apresentação aos estudantes de orientações explícitas para as produções textuais, entendemos que a finalidade pretendida não é de fornecer subsídios ou “dicas” de produção, mas de permitir aos alunos “uma produção do saber e estabelecer uma base sólida para a construção contínua e eficaz de conhecimentos específicos, desenvolvendo, ao mesmo tempo, a habilidade de aprender e recriar permanentemente” (Fischer, 2007, p. 48).
Ao abordar as habilidades “de aprender e recriar permanentemente”, é possível fazer um recorte das ponderações de Fischer (2007) e refleti-lo a partir de uma ótica textual. Mesmo que o artigo acadêmico traga elementos constitutivos, em sua estrutura, como revisão da literatura, metodologia, análise e discussão de resultados (Motta-Roth; Hendges, 2010), há outras etapas inerentes à produção textual em si, exigidas para uma prática constante de criação e recriação textual.
Elaborar um texto escrito é uma tarefa que não se completa pela codificação de escrita e sintetização de ideias (Garcez, 2020). Também não se trata de uma atividade que se inicia quando tomamos nas mãos papel e caneta ou quando nos ajustamos na cadeira com um documento aberto e posicionamos as mãos no teclado. A escrita compreende três etapas distintas e integradas de realização: planejamento, operação e revisão (Antunes, 2003a). A autora compreende essas três etapas da produção textual da seguinte forma: planejamento: “delimitar o tema de seu texto e aquilo que lhe dará unidade, eleger os objetivos, escolher o gênero, delimitar os critérios de ordenação das ideias, prever as condições de seus leitores e a forma linguística (mais formal ou menos formal) que seu texto deve assumir” (Antunes, 2003a, p. 55); operação: registro do que foi planejado, escolha das palavras e das estruturas das frases; revisão: análise do que foi escrito, para aquele que escreve confirmar o cumprimento dos objetivos, a concentração temática desejada, a coesão e coerência no desenvolvimento das ideias e se cumpriu com as normas gramaticais.
Podemos observar que apenas a atividade de escrita propriamente dita não sustenta o processo de composição de uma produção textual. É necessária uma etapa anterior e outra posterior, pois cada uma desempenha uma função indispensável para produzir um texto que atenda seus objetivos de produção.
Embora distintas, é importante alertar que as três etapas propostas por Antunes (2003a) são intercomplementares. Ou seja, são etapas que implicam umas nas outras e por isso, durante o ato de produção, não precisam ser seguidas à risca, como se fossem métodos fixos e inflexíveis. “Quando planejamos, já estamos em plena escrita e, quando escrevemos, revisamos simultaneamente parcelas do texto” (Garcez, 2020, p. 20). O processo é recursivo e, portanto, abre espaço para idas e vindas conforme necessário.
Nessa perspectiva, esperamos que os materiais disponibilizados nos contextos didático-digitais possam se comprometer com um ensino que forneça essa base sólida de produção, advertindo ao público sobre as etapas que precisam ser perpassadas ao escrever, para que possam produzir o artigo acadêmico atentando-se aos seus próprios objetivos e aos objetivos inerentes ao gênero trabalhado. Para tal, faz-se necessário que o processo de ensino-aprendizagem sobre a produção desse gênero em tela se estabeleça a partir de um ou mais objetos de ensino, que orientem a metodologia empreendida para alcançar a finalidade pretendida. Lino de Araújo (2014, p. 11-12) apresenta três princípios pelos quais são validados esses objetos, sendo eles:
Princípio da legitimidade o objeto precisa fazer referência aos elementos que emanam da cultura ou são elaborados por especialistas; Princípio de pertinência o objeto precisa estar relacionado às capacidades dos alunos, às finalidades e objetivos da escola, aos processos de ensino-aprendizagem; Princípio de solidarização objeto precisa tornar coerentes os conhecimentos em função dos objetivos visados.
A seleção de objetos de ensino pode evidenciar, portanto, o modo como se ensina determinado conteúdo. Para o estabelecimento de um objeto, é preciso considerar o contexto de ensino e o conhecimento do público a ser alcançado. A depender do caso, adaptações e reajustes são necessários para que nenhuma informação passe despercebida pelos alunos.
Com base nessa compreensão de objetos de ensino, identificamos e, em seguida, analisamos, na seção de resultados, quais objetos são explorados em videoaulas sobre artigo acadêmico publicadas na plataforma YouTube. Antes, apresentamos o método empreendido para selecionar as videoaulas que constituem o corpus da análise.
3 Metodologia
Esta pesquisa, situada no campo da Linguística Textual, sob uma abordagem quanti-qualitativa (Souza; Kerbauy, 2017), está embasada nos pressupostos da abordagem netnográfica, que garante ao pesquisador a imersão a comunidades virtuais, e, por consequência, seu monitoramento, a fim de averiguar como a sociedade contemporânea é afetada pela cibercultura (Rocha; Montardo, 2005).
Dado esse pressuposto, optar pelo emprego da netnografia ocorre em razão das videoaulas também estarem inseridas na cibercultura, “necessitando da imersão do pesquisador em espaço on-line para observar práticas de cultura através do uso da interface de um computador” (Laurentino; Miranda da Silva, 2023, p. 51). No caso da nossa pesquisa, a observação foi desenvolvida a partir da plataforma YouTube, que, embora a princípio não seja reservada exclusivamente para disponibilizar vídeos com teor educativo, desempenha um papel de divulgadora de materiais audiovisuais de ensino em grande escala.
Para que os objetivos desta pesquisa fossem atendidos, o processo de coleta de dados se deu em 03 momentos principais. Em um primeiro momento, acessamos a plataforma YouTube e, para a obtenção dos resultados de busca, utilizamos o seguinte descritor: “como escrever um artigo científico”1. Para além da utilização desse descritor, consideramos as seguintes delimitações como critérios de busca: (a) material selecionado se caracteriza como uma videoaula; (b) produções feitas e voltadas para circulação em língua portuguesa; (c) videoaulas publicadas em contas da plataforma YouTube voltadas para práticas de letramento acadêmico ou ensino de produção textual; (d) conteúdo da videoaula alinhado com indicadores de proposta de ensino de produção de artigo acadêmico no título da videoaula; (e) durabilidade mínima de cinco minutos e máxima de trinta minutos; (f) apenas uma videoaula por canal; (g) aulas divididas em partes apenas se forem até dois vídeos; (h) videoaulas com mais de duzentas visualizações.
Após a inserção do descritor e a aplicação desses critérios, obtivemos quinze resultados. Para uma melhor organização dos resultados, elencamo-los com base no critério de número de visualizações (do mais acessado até o menos acessado) e os apresentamos na Tabela 1:
Os dados quantitativos expostos na Tabela 1 apontam para a videoaula publicada no canal TCC SEM DRAMA como aquela que detém não apenas a primeira, mas as duas videoaulas com maior número de visualizações a partir da busca empreendida. A soma das duas videoaulas beira a exorbitante marca de 1 milhão e meio de acessos, ressaltando como a temática abordada possui uma enorme procura e, por conseguinte, demanda.
A quantidade de visualização também viabiliza a necessidade de análise quanto ao conteúdo que atinge a todos esses usuários, de modo a justificar a presente pesquisa. É importante notar que, em cada título dos vídeos selecionados, há menções sobre o tipo de texto que será abordado como também um item lexical que indica o propósito de ensino. É possível observar a variação entre “como escrever” (V05, V06, V08, V10, V11, V13, V14, V15), “como fazer” (V04 V07, V09, V12), “como elaborar” (V03), sugerindo o compromisso que os produtores desse conteúdo assumem com os internautas (talvez, preferencialmente estudantes), ao disponibilizarem um material dessa natureza na internet.
É imprescindível ressaltar que esses dados quantitativos dizem respeito a números em constante mudança, dada a sua característica virtual que o torna contínuo. Todavia, as alterações quanto ao número de visualizações apenas reforçam seu vigor cibernético. Mediante tal incidência, a delimitação do corpus da pesquisa foi registrada no dia 04 de outubro de 2024, das 14h12min às 15h20min.
No segundo momento do processo de coleta de dados, assistimos às quinze videoaulas sobre artigo acadêmico com maior número de visualização. Já no terceiro e último momento, categorizamos as informações presentes nessas videoaulas a partir dos objetivos delineados neste artigo. Para retextualizar as falas dos produtores de conteúdo em material escrito, adotamos o método da transcrição oral, a partir dos critérios estabelecidos por Dionísio (2012).
4 Objetos de ensino em videoaulas sobre artigo acadêmico
Após o mapeamento das videoaulas listadas na Tabela 1, buscamos atender aos dois objetivos deste trabalho: identificar e analisar objetos de ensino explorados em videoaulas sobre artigo acadêmico publicadas na plataforma YouTube.
Cabe destacarmos que, mesmo caracterizada por sua identidade assíncrona e intermediada por um contexto didático-digital, entendemos que a videoaula se firma como uma prática de ensino regida pelos três elementos do sistema didático previstos por Lino de Araújo (2014), a saber: professor, aluno e ensino. O ensino, por sua vez, apenas será concretizado se comprometido com as respostas à pergunta “o que ensinar?”, que, por conseguinte, respalda-se no “como ensinar?”. Essa linha de raciocínio nos conduz aos objetos de ensino, justamente por serem “construídos em processos nos quais saberes de referência são transformados/adaptados para serem apresentados em [contexto] de sala de aula” (Lino de Araújo, 2014, p. 6).
Ao transpormos essas proposições teóricas aos interesses da presente pesquisa, notamos que os objetos de ensino explorados em videoaulas se alinham de forma estrita ao contexto de produção e ao interesse do público. Não se pode perder de vista que os materiais didático-digitais são sustentados pela quantidade de acessos, pois esse fator influencia na amplitude de acessos que as videoaulas podem receber. No processo de construção analítica do presente trabalho, percebemos que o objeto de ensino mais recorrente em todas as videoaulas é a estrutura composicional do artigo acadêmico.
Identificamos também outros objetos de ensino: função do gênero, delimitação da pesquisa e etapas de produção desse gênero (planejamento, operação e revisão). No caso dessas etapas de produção, observamos que algumas tiveram maior visibilidade que outras, havendo variação de uma videoaula para outra.
A partir dessa constatação sobre os objetos de ensino, organizamo-los da seguinte forma: 4.1 Função do artigo acadêmico em videoaulas; 4.2 Estrutura composicional do artigo acadêmico em videoaulas; 4.3 Delimitação da pesquisa e 4.4 Etapas de produção textual.
4.1 Função do artigo acadêmico em videoaulas
Nesta seção, damos visibilidade a um dos objetos de ensino identificados em algumas das videoaulas analisadas, a saber: a função do artigo acadêmico. Vejamos a seguir três fragmentos extraídos de videoaulas selecionadas, para exemplificar o modo pelo qual seus produtores apresentam a função do artigo acadêmico:
Fragmento 01 Transcrição de conteúdo da videoaula 01
/…/ o artigo científico é o menor trabalho acadêmico em termos de conteúdo. Ele é o que tem menor número de páginas, então a boa notícia é… você vai escrever… menos. Além disso, os artigos científicos são muito mais direcionados… são muito mais práticos… têm um volume menor de conteúdo, mas são muito mais objetivos… isso é legal /…/
/…/ Pra gente que tá no meio acadêmico o artigo científico serve pra dá notoriedade ao autor. O que que é isso? Pra fazer o autor ser reconhecido/…/
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1ZWLlGtBJt0. Acesso em: 04 out. 2024. [grifo nosso].
Fragmento 02 Transcrição de conteúdo da videoaula 03
o artigo científico é um tipo de trabalho acadêmico que apresenta resultados sucintos da sua pesquisa, utilizando métodos científicos. Algumas instituições de ensino, né… algumas faculdades… elas exigem como forma de trabalho de conclusão de curso um artigo científico, tá?… Então um trabalho de conclusão de curso no formato de artigo científico /…/.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TnZroc6zey0&t=93s. Acesso em: 04 out. 2024. [grifo nosso].
Fragmento 03 Transcrição de conteúdo da videoaula 14
/…/ a verdade é que pra você que faz mestrado ou doutorado, muitas vezes, você precisa publicar esse artigo por uma exigência do seu programa de pós-graduação… que só vai te dar um diploma de mestrado ou doutorado, se você tiver um artigo publicado, né verdade? /…/
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=omaqpo2b1JE. Acesso em: 04 out. 2024. [grifo nosso].
Nos três fragmentos supracitados, os respectivos produtores das videoaulas apresentam diferentes funções atribuídas ao artigo acadêmico que justificam a sua produção escrita. Para Motta-Roth e Hendges (2010, p. 66), essa função é atrelada à atividade de pesquisa, que subsidia material para composição do artigo posteriormente, e “está essencialmente ligada ao meio universitário, onde professores e alunos desenvolvem estudos avançados e pesquisas”. Na transcrição das videoaulas, percebemos como de fato todos seus produtores consideram a produção do artigo como uma atividade acadêmica, ao caracterizem o gênero como “o menor trabalho acadêmico” (Fragmento 1 e “um tipo de trabalho acadêmico” (Fragmento 2).
É perceptível na fala dos produtores de conteúdo que a produção do artigo acadêmico é exigida tão somente para a obtenção de um diploma. Nesse caso, a demanda desse gênero torna-se uma obrigação acadêmica que desconsidera seus reais interlocutores e funções sociocomunicativas, como por exemplo: compartilhamento de descobertas científicas entre os pares, divulgação de conhecimentos construídos em pesquisas, possibilidade de validação ou crítica por outros cientistas, entre outros aspectos. No Fragmento 2, o produtor de conteúdo menciona que “algumas faculdades… elas exigem como forma de trabalho de conclusão de curso um artigo científico”. Já no Fragmento 3, há um direcionamento para os alunos de pós-graduação: “pra você que faz mestrado ou doutorado, muitas vezes, você precisa publicar esse artigo por uma exigência do seu programa de pós graduação”. Percebemos, portanto, que a produção de artigo acadêmico tem sido uma demanda quase exclusiva a alunos de graduação e também de pós-graduação. Não há menção a instruções por parte das instituições que exigem a produção de tal gênero, de modo que os estudantes se veem obrigados a produzi-lo, sem instrução prévia (Lillis, 1999) e/ou sem estarem a par de um contexto sociocomunicativo que justifique sua escrita e seu valor social.
Nos Fragmentos 1 e 2, é possível observar que o público que os produtores pretendem atingir são os graduandos. Ao citarem o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), direcionam seu conteúdo àqueles encarregados de produzir um artigo acadêmico para concluir sua graduação, atribuindo sua função apenas como uma forma “prática” de se obter o diploma. O Fragmento 3, no entanto, se direciona para os estudantes de pós-graduação, para os quais, segundo a produtora, é exigida uma produção constante também para obtenção de diploma. Um ponto de convergência entre os Fragmentos 1 e 3 é a “notoriedade” citada pelo primeiro. Essa notoriedade diz respeito aos profissionais que pretendem seguir carreira no campo acadêmico, embora a menção tenha sido feita em um tom pejorativo que estipula o artigo como uma mola propulsora para se obter fama na comunidade acadêmica.
4.2 Estrutura composicional do artigo acadêmico em videoaulas
Na subseção anterior, vimos diferentes funções de artigo acadêmico, a partir da transcrição das videoaulas de três produtores de conteúdo. Ainda vimos como cada um atribui função ao gênero, e como a recorrência é a de obrigatoriedade sobre a sua produção. No entanto, essas constatações não sinalizam que toda área do conhecimento produz artigos acadêmicos a partir de suas especificidades. Conforme afirmam Motta-Roth e Hendges (2010, p. 66), “cada área e cada problema de pesquisa determinam o modo como a pesquisa será desenvolvida e, como consequência, a configuração final do artigo que relatará a pesquisa”. Ou seja, muito embora cada área aborde cada objeto de conhecimento a partir de suas respectivas abordagens teóricas, os produtores de conteúdo atendem às expectativas de um público geral e não-específico. Por isso, muitos dos produtores recorrem ao ensino da estrutura e seus aspectos constitutivos que resultam em uma abordagem da estrutura composicional do gênero, que privilegia a forma como se constrói um texto e quais as exigências que devem ser atendidas de acordo com o contexto de circulação e com o público alvo. Conforme veremos a seguir em outras transcrições selecionadas para ilustrar como é abordada a estrutura composicional do artigo acadêmico nestas videoaulas:
Fragmento 04 Transcrição de conteúdo da videoaula 04
/…/ vamos falar sobre o que precisa ter num artigo… tá?… os critérios básicos. É claro que num vídeo… só… de… de poucos minutos não é possível explorar todas as possibilidades de artigo dentro de uma metodologia. Então eu vou trazer pra vocês o básico que precisa ter num artigo científico… é, quando eu falo básico, é a estrutura básica que tem que ter pra que o texto é… que você desenvolva, o estudo que você desenvolva tenha aquela cara, aquele formato de científico /…/.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=wzAXy7GEhSs&t=431s. Acesso em: 04 out. 2024. [grifo nosso].
Fragmento 05 Transcrição de conteúdo da videoaula 07
/…/ as pessoas ficam dizendo por aí que TCC é difícil. Ora… qualquer tarefa é difícil pra quem não a conhece. Por isso eu resolvi fazer esse roteiro… e te mostrar passo a passo de como escrever um artigo científico. No meu curso, eu mostro em detalhes cada uma das fases… de cada um desses passos. Por isso meus alunos não sofrem… apenas colocam em prática cada uma das etapas… na ordem que eu mostro sem depender de orientador…. É claro que não dá pra mostrar tudo em apenas um vídeo pequeno como esse. Porém o mais importante que é o roteiro… eu vou te mostrar agora /…/
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZuojGmumuFY. Acesso em: 04 out. 2024. [grifo nosso].
Nos Fragmentos 4 e 5, podemos observar a estrutura do gênero artigo acadêmico como objeto de ensino referido nas respectivas videoaulas: na 04, ao propor abordar a “estrutura básica” (4) e na videoaula 07, ao mostrar o “passo a passo de como escrever um artigo científico” (Fragmento 5). Ao considerarmos que o surgimento dos objetos de ensino se dá como produtos de um processo de transposição didática (Lino de Araújo, 2014), e também tendo em vista um público diverso advindo de áreas múltiplas, a estrutura do artigo acadêmico se sobressai em detrimento de outros objetos de ensino. Embora no Fragmento 5 o produtor chame a estrutura composicional do gênero de “roteiro”, sua preocupação, assim como a do produtor do Fragmento 4, é a de assinalar os movimentos retóricos constitutivos do artigo acadêmico, a saber: introdução, revisão da literatura, metodologia, análise e discussão dos resultados (Motta-Roth; Hendges, 2010).
Não obstante a estrutura do artigo acadêmico como objeto de ensino, nas referidas videoaulas, seja produtiva, não podemos desconsiderar as especificidades disciplinares das áreas do conhecimento nas quais os artigos são produzidos (Pereira, 2019). As práticas de escrita acadêmica, conforme destacam (Lea; Street, 1998), no âmbito da abordagem dos letramentos acadêmicos, são plurais, situadas e heterogêneas. Segundo esses autores, inclusive, não existe um único letramento acadêmico, puro e homogêneo, mas, sim, letramentos acadêmicos, no plural, marcados pelas relações específicas que estudantes, professores e pesquisadores estabelecem com as práticas não só de escrita, mas também de leitura, perpassadas por questões institucionais, de identidade e autoridade. Todos esses aspectos não são evidenciados nas videoaulas analisadas neste trabalho, algo preocupante, visto que quem as assiste pode construir uma ideia equivocada de que só existe uma forma de escrever artigo que pode ser aplicada em quaisquer contextos, de acordo com a abordagem da socialização acadêmica (Lea; Street, 1998).
Ademais, não podemos desconsiderar a intenção mercadológica subjacente às falas dos produtores de conteúdo que buscam apresentar uma “amostra” de cursos de produção escrita, como é possível notar nos dizeres “no meu curso, eu mostro em detalhes cada uma das fases… de cada um desses passos” (Fragmento 5). Essa intenção mercadológica não se restringe ao trecho transcrito, mas se estende para tantos outros materiais, dado o alcance e a amplitude que o contexto didático-digital proporciona.
Feita a identificação da estrutura do gênero, caminha-se para a articulação das ideias que precisam constar em cada uma desses constituintes. Entretanto, as ideias para produção de um artigo surgem após o empreendimento de uma pesquisa. Vejamos como os produtores de conteúdo abordam as delimitações de uma pesquisa que subsidiam a produção do texto.
4.3 Delimitação de pesquisa
Conforme mencionado na subseção 4.1, o artigo acadêmico tem como função materializar, em uma linguagem objetiva e concisa, os resultados de uma pesquisa. Para a realização de uma pesquisa, é preciso elaborar o que é conhecido como projeto de pesquisa que, segundo Motta-Roth e Hendges (2010, p. 51-52, grifo das autoras), “é uma das atividades humanas que mais dependem de um planejamento prévio para que o(s) objetivo(s) projetado(s) seja(m) alcançado(s). Comumente, o planejamento de uma pesquisa é chamado de projeto”. Ou seja, podemos notar que até em outro gênero textual projeto de pesquisa -, o planejamento é uma etapa vital. Entretanto, difere-se do que chamamos de “planejamento textual”.
Para a delimitação dos elementos constitutivos de um projeto de pesquisa de mestrado, Silva (2021) elenca como processo recursivo os seguintes componentes: orientações teórico-metodológicas, sugestões do orientador, ponderação: o que é pertinente e o que não é, sugestão da docente e dos colegas. O autor caracteriza esses componentes como importantes e não-lineares, ao passo que, ao ponderar sobre a delimitação de um elemento, destaca ser necessário aplicar mudança em outros. Nas videoaulas selecionadas, também encontramos a delimitação do projeto de pesquisa como um objeto de ensino explorado, como podemos perceber no fragmento a seguir:
Fragmento 06 Transcrição de conteúdo da videoaula 05
/…/ a delimitação de um tema… é a primeira etapa pra que você… comece a delimitação… do seu objeto de pesquisa. Essa primeira etapa… é fundamental pra que você consiga dar um rumo a sua pesquisa… e:: entender… quais são seus objetivos… e onde você quer chegar nesta pesquisa /…/.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=bU_CMQvVtYE. Acesso em: 04 out. 2024. [grifo nosso].
No Fragmento 6, podemos observar como o produtor de conteúdo elenca a delimitação do tema como a primeira etapa para compor o projeto de pesquisa. Em suas palavras, “essa primeira etapa é fundamental pra que você consiga dar um rumo a sua pesquisa”. O rumo ao qual ele se refere é a identificação dos objetivos, o que se pretende alcançar com o empreendimento da pesquisa. Espera-se que os resultados, alinhados ou não às expectativas do pesquisador, sejam reportados no artigo acadêmico.
Tendo delimitado e realizado a pesquisa, a produção do artigo se configura como o próximo passo. Assim como as demais produções textuais escritas mais complexas, faz-se necessário atentar-se para as etapas que constituem essa produção: planejamento, operação e revisão (Antunes, 2003a). Na próxima subseção, evidenciamos de que forma essas etapas de produção textual são exploradas nas videoaulas analisadas.
4.4 Etapas de produção textual
A estrutura não é o único ponto em comum para os estudiosos que pretendem escrever um artigo acadêmico. As etapas de produção textual (Antunes, 2003a) são procedimentos inerentes a qualquer produção escrita, logo poderiam ser consideradas tanto por aqueles que escrevem quanto por quem ensina sobre escrita. Nessa perspectiva, ao analisarmos as videoaulas em tela, observamos que seus produtores fazem, por vezes, referência a tais etapas, conforme mapeamento que consta na Tabela 2:
A Tabela 2 expõe a recorrência da menção às três etapas de produção textual previstas por Antunes (2003a), tendo três videoaulas explorado o planejamento como objeto de ensino, três explorado a operação e cinco, a revisão.
Em relação ao planejamento, queremos frisar que não o consideramos apenas como qualquer procedimento ou ação realizada antes da atividade de escrita, mas como uma etapa da produção textual que prevê de que forma as informações vão ser distribuídas ao longo do texto (Antunes, 2003a). Em outras palavras, no planejamento, busca-se definir de que maneira o tema será introduzido no texto, que ideias serão contempladas, de que forma serão organizadas hierarquicamente e articuladas entre si, em consonância com o objetivo comunicativo e seu público-alvo da produção textual (Garcez, 2020).
Nas videoaulas analisadas, observamos que apenas os produtores das 01/02, 08 e 15 fizeram comentários a respeito do trabalho de organização e hierarquização de ideias para guiar/orientar a atividade escrita do artigo acadêmico. Essa constatação pode ser justificada pelo objetivo dos produtores em se concentrarem na estrutura composicional do gênero, ao invés das etapas que antecedem e sucedem sua escrita.
No tocante à etapa de operação, vale destacarmos que, embora possa parecer óbvio que não há produção textual sem a atividade de escrita propriamente dita, reconhecê-la como etapa garante ao escritor o momento certo de executá-la. Não é à toa que essa etapa ocupa o espaço pós-planejamento e antecede a revisão. É uma atividade situada, que carece de uma organização para ser conduzida, mas também revista, reorientada ou reescrita, conforme a necessidade.
Percebemos que cinco videoaulas (V01/02, V06, V07, V11, V12) abrem espaço para situar a escrita dentre os procedimentos da produção de artigo acadêmico. De forma explícita, os produtores dessas videoaulas posicionam a escrita como uma atividade posterior à delimitação de tema e seleção de um arcabouço teórico, por exemplo. Os demais, de forma implícita, apresentam a escrita a partir da delimitação dos componentes constitutivos, como se eles ocorressem de maneira simultânea.
Conforme os produtores de conteúdo das videoaulas apresentavam a introdução, fundamentação teórica, metodologia, resultados e conclusão, iam destacando a função de cada um desses componentes e o que deveria conter em cada um deles. Abordavam a escrita como um segmento linear a ser seguido à risca a partir dessas estruturas. Nesses casos, com exceção da V01/02, não houve menção sobre a implementação prática do planejamento, nem ressalvas quanto à reflexão sobre a escrita.
Ao partirmos da compreensão da escrita como uma atividade processual (Antunes, 2003a; Garcez, 2020), entendemos que a ideia de escrever e reescrever compreende idas e vindas para adequar o texto aos objetivos de produção e público-alvo indicados em determinada demanda (Antunes, 2003). Nesse sentido, produzir um texto de natureza científica, direcionado aos pares da área e com acesso público, demanda um compromisso do seu produtor de aprimorar sua versão final a partir de sucessivas intervenções. Tal concepção direciona a compreensão de que a etapa de revisão pode implicar em intervenções em diferentes aspectos sobre a versão inicial de um texto. Há vários elementos textuais que podem ser apontados e reconsiderados na revisão de um texto (Bessa, 2020).
Nas videoaulas analisadas, constatamos que a revisão foi mencionada em cinco delas (V06, V11, V12, V14, V15), tendo sido abordada de forma distinta.
Nas videoaulas 06 e 11, podemos observar que as orientações de revisão buscaram ressaltar a importância de adotar uma linguagem dita científica, no artigo acadêmico. Esse apontamento pode estar ancorado na compreensão de que o meio de produção e de divulgação desse gênero exige esse tipo de linguagem. Os produtores dessas videoaulas destacam, ainda, que a abordagem sobre o tema seja realizada de forma técnica e objetiva.
A videoaula 12, por sua vez, indica dois elementos a serem observados na revisão do artigo. Primeiro, se está se acordo com as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), particularmente ao que diz respeito à formatação do texto; segundo, se o título do artigo realmente faz jus e delimita os propósitos do trabalho. Esse último só é possível analisar, quando o texto está pronto, porque a condução ou mudança de rota é uma ocorrência frequente no momento de produção, pois, como já sinalizamos anteriormente, não se deve pensar nas etapas de produção como uma ordem sequencial e rígida, pois o processo é recursivo no sentido de idas e vindas (Garcez, 2020).
Quanto à videoaula 15, constatamos dois alertas no processo de revisão do artigo, a saber: observar a quantidade de informação presente no texto, ou seja, seu nível de informatividade, e consultar a opinião de terceiros. Esses dois itens são, de fato, importantes no processo de revisão. Costal Val (1991) indica a informatividade como um dos fatores a serem considerados na avaliação da textualidade de redações, o que pode ser também indicado na textualidade de artigos acadêmicos. Garcez (2020) sugere o parecer de terceiros como uma forma de avaliar a nossa produção textual, desde que se trate de alguém da mesma área e com condições de tecer uma avaliação melhor fundamentada. Na videoaula, afirma-se que a opinião de terceiros é uma forma de revisar possíveis erros gramaticais, além da coerência e da coesão. São aspectos que precisam ser considerados na revisão, acrescidos de outros relativos às propriedades do texto, às especificidades da pesquisa, à estrutura composicional do gênero, entre outros.
A análise da menção às etapas da produção textual (Antunes, 2003a) no ensino de artigo acadêmico na plataforma YouTube evidenciou que as orientações apresentadas dão mais espaço à forma do que à caracterização das exigências de cada uma dessas etapas. Visto a ênfase dada, na maioria das videoaulas, à produção do artigo acadêmico como uma exigência feita para obtenção de um diploma, podemos perceber que o enfoque desconsidera as especificidades disciplinares e se concentra em atender as exigências de uma estrutura “pronta”. Essa estrutura é explorada, exaustivamente, talvez para atender a estudantes desassistidos que se encontram perdidos com exigências acadêmicas, muitos dos quais ainda não sabem como proceder em suas produções de artigo acadêmico, seja por falta de familiaridade, seja por falta de orientação. No entanto, ainda que essa seja uma boa iniciativa, carece de uma sistematização adequada às especificidades da produção de um gênero, como o artigo acadêmico, situado em comunidades disciplinares específicas (Motta-Roth; Hendges, 2010).
5 Considerações finais
Neste artigo, objetivamos identificar e analisar objetos de ensino explorados em videoaulas sobre artigo acadêmico publicadas na plataforma Youtube. Para alcançar tal objetivo, fundamentamo-nos nos pressupostos teóricos sobre objetos de ensino (Lino de Araújo, 2014), artigo acadêmico (Motta-Roth; Hendges, 2010) e contexto de produção de videoaulas em contexto didático-digital (Laurentino; Miranda da Silva, 2023).
Ao analisarmos as videoaulas selecionadas, percebemos a predominância de objetos de ensino relacionados à estrutura composicional do gênero artigo acadêmico, bem como, em menor escala, objetos relacionados à sua função, delimitação da pesquisa e etapas de produção. Embora reconheçamos a produtividade de focalizar esses objetos de ensino, sobretudo para quem está se familiarizando com o gênero artigo acadêmico, não podemos desconsiderar que a escrita acadêmica não é homogênea, mas heterogênea, situada e plural (Lea; Street, 1998). Nesse sentido, conforme sinalizamos na análise, a estrutura do gênero em tela não poderia ser apresentada como algo estático, independente das especificidades da cultura disciplinar na qual a pesquisa reportada foi divulgada. Produzir conhecimentos na área de humanas não coincide com produzi-los em outras áreas. Isso reflete, inevitavelmente, na construção dos textos acadêmicos (Pereira, 2019).
Nessa perspectiva, as videoaulas apresentam algumas lacunas e inadequações que podem interferir no processo de construção de conhecimentos acerca da produção do artigo acadêmico, de forma específica, mas também da produção textual, de forma geral. Se os estudantes que buscarem essas videoaulas não tiverem autonomia intelectual, nem se empenharem para procurar outras fontes de referência, podem ter sua formação acadêmica comprometida.
Consideramos este trabalho relevante para a área de ensino de escrita acadêmica, visto que dá visibilidade a objetos de ensino explorados em videoaulas com foco na produção de artigos acadêmicos. Além disso, este estudo também contribui para o reconhecimento das mídias didático-digitais como passíveis de estabelecer um ambiente de ensino-aprendizagem. Entretanto, é importante salientar que os conteúdos dispostos são trabalhados de forma genérica e ampla, em decorrência, possivelmente, do objetivo de ter um maior número de acessos. Essas características são esperadas em ambientes virtuais e assíncronos, que determinam seu contexto de produção e seu método de ensino.
Ademais, todo material voltado para o ensino deve ser analisado e estudado por nós professores, pesquisadores e estudantes. É claro que não de modo a condená-lo, mas para estimular o seu aprimoramento, sobretudo nos dias atuais em que as mídias alcançam um número maior de pessoas a cada dia.
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1
No tocante ao processo de coleta de dados, observamos que não há diferenciação entre os vídeos da plataforma sobre os termos “artigo acadêmico” e “artigo científico”. Os resultados foram os mesmos. Em razão disso, neste trabalho, continuamos a utilizar o termo “artigo acadêmico”, conforme (Motta-Roth; Hendges, 2010).
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2
As videoaulas compostas por até dois vídeos distintos foram consideradas como um único material no momento da análise. Portanto, as videoaulas 01 e 02 foram analisadas de forma unitária, assim como as videoaulas 05 e 10.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
23 Maio 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
25 Out 2024 -
Aceito
04 Fev 2025 -
Publicado
22 Mar 2025
