Acessibilidade / Reportar erro

Máscaras pandêmicas: uma revisão sistemática sobre os impactos da máscara no reconhecimento das emoções

Pandemic masks: a review systematics on the impacts of the mask on recognition of emotions

Resumo

O uso de máscaras pandêmicas é uma das principais mudanças comportamentais trazidas pela pandemia de COVID-19, o que possivelmente tem prejudicado o Reconhecimento de Expressões Faciais (REF). Esta revisão sistemática tem como objetivo reunir e comparar metodologias e resultados de experimentos, publicados entre 2019 e 2022, que avaliam o impacto das máscaras pandêmicas no REF. Para tanto, este estudo baseou-se e dividiu-se nas recomendações do PRISMA, em três etapas: identificação, triagem e elegibilidade. A primeira etapa foi dedicada à escolha dos descritores, do recorte temporal e à aplicação destes nas bases de dados escolhidas. Na segunda etapa, foi feita a leitura dos títulos, resumos e palavras-chave, de modo a selecionar artigos que estejam de acordo com os critérios de inclusão. Os artigos selecionados nesta etapa foram colocados na plataforma Connected Papers, com a finalidade de explorar referências não identificadas via bases de dados. Na última fase, foi realizada a leitura integral e a síntese dos estudos. Finalmente, foram eleitos 11 artigos cujos resultados mostraram que as máscaras pandêmicas prejudicam o REF de modo heterogêneo. Expressões como felicidade e nojo, que dependem da região da boca para serem discriminadas, são prejudicadas. A tristeza também é prejudicada pelas máscaras pandêmicas, confundindo-se frequentemente com rostos neutros e vice-versa. Para que as descobertas sejam mais generalizáveis, os próximos estudos precisam adotar tarefas padronizadas com todas as expressões básicas e incluir expressões não básicas, como vergonha. Além disso, são recomendados a implementação de estímulos dinâmicos com variação étnica e o controle acerca do tempo de exposição.

Palavras-chave:
Máscaras; Emoções; Reconhecimento; Experimento

Abstract

The use of pandemic masks is one of the main behavioral changes brought about by the COVID-19 pandemic, which has possibly hampered the Facial Emotion Recognition (FER). This systematic review aims to gather and compare methodologies and results of experiments, published between 2019 and 2022, that assess the impact of pandemic masks on FER. Therefore, this study has been based and divided on the PRISMA recommendations, in three stages: identification, screening, and eligibility. The first step was dedicated to the choice of descriptors, the time frame and their application in the chosen databases. In the second step, titles, abstracts, and keywords were read to select articles that meet the inclusion criteria. The articles selected at this stage were placed on the Connected Papers platform, in order to explore unidentified references via databases. In the last phase, the full reading and the synthesis of the studies were carried out. Finally, 11 articles have been elected, whose results showed that pandemic masks harm the FER in a heterogeneous way. Expressions such as happiness and disgust, which depend on the region of the mouth to be discriminated, are harmed. Sadness is also undermined by pandemic masks, often getting confused with neutral faces and vice versa. For the findings to be more generalizable, future studies need to adopt standardized tasks with all basic expressions and include non-basic expressions such as shame. In addition, the implementation of dynamic stimuli with ethnic variation and control over exposure time are recommended.

Keywords:
Mask; Emotion; Recognition; Experiment

1

Introdução

No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde declarou que o mundo enfrentava uma pandemia causada por uma síndrome respiratória chamada Coronavirus Disease 2019 (COVID-19). A partir de então, juntamente com os demais países, o Brasil adotou o uso obrigatório de máscaras pandêmicas, que se tornaram uma das principais medidas de proteção para controlar o contágio da doença (BRASIL, 2020BRASIL, Ministério da Saúde. Lei nº 14.019, de 2 de julho de 2020. Dispõe sobre a obrigatoriedade do uso de máscaras de proteção individual. [S.l.: s.n.], 2020. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.019-de-2-de-julho-de-2020-264918074>. Acesso em: 1 mai. 2022.
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n...
). Levando em conta o início da pandemia, a medida do uso obrigatório de máscaras pandêmicas1 1 As máscaras pandêmicas são coberturas faciais da metade inferior do rosto, que podem ser de algodão (tecido caseiro), poliéster (como a cirúrgica e a N95) ou de material filtrante especial (PFF2). foi a estratégia mais duradoura até o momento, haja vista que, até março de 2022, era medida obrigatória em todos os estados do Brasil, tanto em ambientes fechados quanto em abertos. Em dezembro de 2021, a medida de isolamento social sofreu um afrouxamento ao mesmo tempo em que a variação Ômicron – 10 vezes mais contagiosa – se espalhava pelos países (CHEN et al., 2022CHEN, Zhaochun et al. Extremely potent monoclonal antibodies neutralize Omicron and other SARS-CoV-2 variants. en. [S.l.], jan. 2022. DOI: 10.1101/2022.01.12.22269023. Disponível em: <http://medrxiv.org/lookup/doi/10.1101/2022.01.12.22269023>. Acesso em: 20 out. 2022.
http://medrxiv.org/lookup/doi/10.1101/20...
), momento em que a estratégia de vacinação havia alcançado quase 80% da população brasileira com a primeira dose. Em maio de 2022 (momento em que este estudo está sendo descrito), as máscaras pandêmicas continuam sendo obrigatórias por determinação federal apenas em aeroportos, mas estados e municípios podem, por decreto, determinar a obrigatoriedade da proteção, a partir dos seus boletins técnicos sobre a taxa de infecção (BRASIL, 2022BRASIL, Ministério da Saúde. Anvisa atualiza medidas de proteção a serem adotadas em aeroportos e aeronaves. [S.l.: s.n.], 2022. Disponível em: <https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticiasanvisa/2022/anvisa-atualiza-medidas-de-protecao-a-serem-adotadas-em-aeroportos-e-aeronaves>. Acesso em: 1 mai. 2022.
https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos...
). Mesmo com a liberação das máscaras pandêmicas em locais fechados, instituições públicas também podem determinar seu uso à entrada de pessoas, como é o caso das universidades federais do país, que têm solicitado o uso da máscara pandêmica e o passaporte vacinal das pessoas que fazem uso de seu espaço (USP…, 2022USP, Unicamp e Unesp mantêm obrigatoriedade das máscaras. CARTA CAPITAL, mar. 2022. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/usp-unicamp-e-unesp-mantem-obrigatoriedade-dasmascaras/amp/>. Acesso em: 1 mai. 2022.
https://www.cartacapital.com.br/cartaexp...
).

Diante da instabilidade trazida pela COVID-19, torna-se evidente que a máscara pandêmica continuará a fazer parte do cotidiano como uma das principais medidas físicas para controlar o contágio (FERGUSON et al., 2020FERGUSON, N et al. Report 9: Impact of non-pharmaceutical interventions (NPIs) to reduce COVID19 mortality and healthcare demand. [S.l.], mar. 2020. DOI: 10.25561/77482. Disponível em: <http://spiral.imperial.ac.uk/handle/10044/1/77482>. Acesso em: 16 mai. 2022.
http://spiral.imperial.ac.uk/handle/1004...
). Mas, ao mesmo tempo em que é essencial, a máscara pandêmica oculta a parte inferior do rosto e, por consequência, pode prejudicar o Reconhecimento de Expressões Faciais (REF), que são fundamentais para a interação social e comunicação.

1.1

Emoções básicas e expressões faciais

O estudo das emoções e de suas expressões é antigo, e teve como grande propulsor o naturalista inglês Charles Darwin (1872DARWIN, Charles. The expression of the emotions in man and animals. London, England: Oxford University, 1872. v. 1. ISBN 0-19-515806-2. Acesso em: 4 fev. 2022.), que, a partir de fotografias, mostrou que seres humanos e animais demonstram suas emoções a partir de expressões faciais. Na sua perspectiva, considerada evolucionista, as emoções são programas de ação selecionadas para o organismo lidar com situações recorrentes durante a história filogenética de sua espécie (MATSUMOTO et al., 2008MATSUMOTO, David et al. Facial Expressions of Emotion. In: HANDBOOK of Emotions. 3. ed. United States of America: [s.n.], 2008. v. 5. ISBN 978-1-59385-650-2. Disponível em: <https://psycnet.apa.org/record/2008-07784-013>. Acesso em: 4 abr. 2022.
https://psycnet.apa.org/record/2008-0778...
; TOOBY; COSMIDES, 2008TOOBY, John; COSMIDES, Leda. The evolutionary psychology of the emotions and their relationship to internal regulatory variables. In: HANDBOOK of emotions, 3rd ed. New York, NY, US: The Guilford Press, 2008. P. 114–137. ISBN 1-59385-650-4 (Hardcover); 978-1-59385-650-2 (Hardcover).). Cada programa de ação pressupõe que há sinais que indicam a presença de uma estrutura de eventos e condições que ocorreram durante a evolução de uma determinada emoção. Assim, circuitos neurais associados ao ‘nojo’ em seres humanos presumem um mundo em que os cheiros podres sinalizam toxinas e contaminação, por exemplo (MATSUMOTO et al., 2008MATSUMOTO, David et al. Facial Expressions of Emotion. In: HANDBOOK of Emotions. 3. ed. United States of America: [s.n.], 2008. v. 5. ISBN 978-1-59385-650-2. Disponível em: <https://psycnet.apa.org/record/2008-07784-013>. Acesso em: 4 abr. 2022.
https://psycnet.apa.org/record/2008-0778...
, MATSUMOTO, David et al. Facial Expressions of Emotion. In: HANDBOOK of Emotions. 3. ed. United States of America: [s.n.], 2008. v. 5. ISBN 978-1-59385-650-2. Disponível em: <https://psycnet.apa.org/record/2008-07784-013>. Acesso em: 4 abr. 2022.
https://psycnet.apa.org/record/2008-0778...
). Internamente, a reação de ‘nojo’ é o que motiva e prepara o indivíduo para se afastar do estímulo, enquanto externamente o afastamento é acompanhado por uma reação automática e involuntária que articula os músculos do rosto de uma maneira específica: a expressão facial de ‘nojo’. Quando nos referimos a humanos, a emoção é, portanto, a experiência completa, que envolve aspectos fisiológicos e subjetivos, enquanto a expressão facial é uma mudança pública, involuntária e automática na articulação dos músculos do rosto decorrente da ativação de um programa de ação (EKMAN, 1989EKMAN, Paul. The argument and evidence about universals in facial expressions. In: HANDBOOK of Social Psychophysiology. [S.l.]: John Wiley & Sons, 1989.).

Até a década de 1970, os sucessores de Darwin já haviam identificado pelo menos seis emoções e expressões supostamente básicas, que haviam aparecido invariavelmente nas culturas estudadas: felicidade, tristeza, medo, raiva, nojo e surpresa (VASCONCELLOS et al., 2014VASCONCELLOS, Silvio José Lemos et al. Psicopatia e Reconhecimento de Expressões Faciais de Emoções: Uma Revisão Sistemática. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 30, n. 2, p. 125–134, jun. 2014. ISSN 0102-3772. DOI: 10.1590/S0102-37722014000200001. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-37722014000200001&lng=pt&tlng=pt>. Acesso em: 20 out. 2022.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
). Mas a pesquisa em outras culturas, muito diferentes da ocidental no aspecto linguístico, aparecia como o principal obstáculo metodológico. Com o objetivo de testar a universalidade das emoções e suas expressões, o psicólogo Paul Ekman dedicou-se à investigação em uma ilha em Papua Nova Guiné, com nativos que ainda não haviam tido contato com a cultura ocidental. Como o grande empecilho dos outros estudiosos se dava pela dificuldade de nomear as emoções, Ekman dedicou-se primeiro a assistir a vídeos de pessoas dessa cultura e a catalogar expressões faciais de seus membros. Em seguida, elaborou histórias baseadas na cultura local, com desfechos em diferentes emoções e, por último, pediu para que os participantes escolhessem a expressão emocional catalogada correspondente àquela apresentada pelo personagem na história. Com isso, Ekman confirmou que os seres humanos experimentam seis emoções básicas e cada uma possui um modo particular de expressão por meio do rosto (EKMAN, 1989EKMAN, Paul. The argument and evidence about universals in facial expressions. In: HANDBOOK of Social Psychophysiology. [S.l.]: John Wiley & Sons, 1989.).

Na perspectiva de Ekman, denominada Abordagem da Expressão Emocional (SOUSA, 2010SOUSA, Cristina. Emoções e expressão facial: Novos desafios. PSICOLOGIA, v. 24, n. 2, p. 17, jan. 2010. ISSN 2183-2471, 0874-2049. DOI: 10.17575/rpsicol.v24i2.303. Disponível em: <http://revista.appsicologia.org/index.php/rpsicologia/article/view/303>. Acesso em: 22 out. 2022.
http://revista.appsicologia.org/index.ph...
), as expressões faciais estão associadas, cada uma, a um conjunto específico de ativação de músculos do rosto, como a redução ou expansão das sobrancelhas, abertura da boca, a posição do septo nasal, a formação de cantos na boca, enquanto o seu Reconhecimento de Expressão Facial (REF) é um processo de interpretação desses sinais (DU; TAO; MARTINEZ, 2014DU, Shichuan; TAO, Yong; MARTINEZ, Aleix M. Compound facial expressions of emotion. en. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 111, n. 15, abr. 2014. ISSN 0027-8424, 1091-6490. DOI: 10.1073/pnas.1322355111. Disponível em: <https://pnas.org/doi/full/10.1073/pnas.1322355111>. Acesso em: 8 mai. 2022.
https://pnas.org/doi/full/10.1073/pnas.1...
; SMITH et al., 2005SMITH, Marie L. et al. Transmitting and Decoding Facial Expressions. en. Psychological Science, v. 16, n. 3, p. 184–189, mar. 2005. ISSN 0956-7976, 1467-9280. DOI: 10.1111/j.0956-7976.2005.00801.x. Disponível em: <http://journals.sagepub.com/doi/10.1111/j.0956-7976.2005.00801.x>. Acesso em: 20 out. 2022.
http://journals.sagepub.com/doi/10.1111/...
; TEJADA et al., 2022TEJADA, Julian et al. Building and validation of a set of facial expression images to detect emotions: a transcultural study. en. Psychological Research, v. 86, n. 6, p. 1996–2006, set. 2022. ISSN 0340-0727, 1430-2772. DOI: 10.1007/s00426-021-01605-3. Disponível em: <https://link.springer.com/10.1007/s00426-021-01605-3>. Acesso em: 20 out. 2022.
https://link.springer.com/10.1007/s00426...
). A partir disso, Ekman (2002EKMAN, Paul. The facial action coding system. Salt Lake City: Research Nexus eBook, 2002.) desenvolveu o Facial Action Coding System (FACS), uma taxonomia de discriminação anatômica que abrange todos os músculos faciais observáveis e maximiza o REF. Nesse sistema, cada conjunto de músculos envolvido nos movimentos faciais que compõem uma expressão é conhecido como Unidades de Ação (AU). Localmente, as AUs da área da boca parecem ser essenciais para o diagnóstico de felicidade e nojo, enquanto as AUs da região dos olhos parecem ser diagnósticas para as expressões de tristeza, medo e raiva (DONATO et al., 1999DONATO, G. et al. Classifying facial actions. IEEE Transactions on Pattern Analysis and Machine Intelligence, v. 21, n. 10, p. 974–989, out. 1999. ISSN 01628828. DOI: 10.1109/34.799905. Disponível em: <http://ieeexplore.ieee.org/document/799905/>. Acesso em: 22 out. 2022.
http://ieeexplore.ieee.org/document/7999...
; DU; TAO; MARTINEZ, 2014DU, Shichuan; TAO, Yong; MARTINEZ, Aleix M. Compound facial expressions of emotion. en. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 111, n. 15, abr. 2014. ISSN 0027-8424, 1091-6490. DOI: 10.1073/pnas.1322355111. Disponível em: <https://pnas.org/doi/full/10.1073/pnas.1322355111>. Acesso em: 8 mai. 2022.
https://pnas.org/doi/full/10.1073/pnas.1...
; TEJADA et al., 2022TEJADA, Julian et al. Building and validation of a set of facial expression images to detect emotions: a transcultural study. en. Psychological Research, v. 86, n. 6, p. 1996–2006, set. 2022. ISSN 0340-0727, 1430-2772. DOI: 10.1007/s00426-021-01605-3. Disponível em: <https://link.springer.com/10.1007/s00426-021-01605-3>. Acesso em: 20 out. 2022.
https://link.springer.com/10.1007/s00426...
). Existem 44 AUs que são definidas pelos músculos que são ativados, sua contração e seu relaxamento. Por exemplo, a AU 4 é aquela que define a contração de dois músculos presentes nas sobrancelhas e é costumeiramente expressada por tristeza, raiva e medo (DONATO et al., 1999DONATO, G. et al. Classifying facial actions. IEEE Transactions on Pattern Analysis and Machine Intelligence, v. 21, n. 10, p. 974–989, out. 1999. ISSN 01628828. DOI: 10.1109/34.799905. Disponível em: <http://ieeexplore.ieee.org/document/799905/>. Acesso em: 22 out. 2022.
http://ieeexplore.ieee.org/document/7999...
; EKMAN, 2002EKMAN, Paul. The facial action coding system. Salt Lake City: Research Nexus eBook, 2002.; EKMAN; FRIESEN, 1976EKMAN, Paul; FRIESEN, Wallace. Pictures of facial affect. [S.l.]: Consulting Psychologists Press., 1976.). O grau em que cada músculo é ativado também tem uma escala de A (leve) a E (contração máxima), e pode diferenciar tanto uma emoção quanto o nível de sua intensidade.

1.2

Expressões faciais e máscaras pandêmicas

Ao considerar que cada área do rosto é responsável pela transmissão de uma informação que se relaciona à interpretação de uma emoção, é de se supor que o reconhecimento de cada expressão pode ser afetado diferentemente pela máscara pandêmica. Como destacado anteriormente, a expressão facial de felicidade aparece fortemente relacionada à área da boca, mas alguns estudos mostram que o impacto da cobertura sobre essa área do rosto pode não ser tão importante (CALVO; LUNDQVIST, 2008CALVO, Manuel G.; LUNDQVIST, Daniel. Facial expressions of emotion (KDEF): Identification under different display-duration conditions. en. Behavior Research Methods, v. 40, n. 1, p. 109–115, fev. 2008. ISSN 1554-351X, 1554-3528. DOI: 10.3758/BRM.40.1.109. Disponível em: <http://link.springer.com/10.3758/BRM.40.1.109>. Acesso em: 9 mai. 2022.
http://link.springer.com/10.3758/BRM.40....
; CALVO; FERNÁNDEZ-MARTÍN; NUMMENMAA, 2014CALVO, Manuel G.; FERNÁNDEZ-MARTÍN, Andrés; NUMMENMAA, Lauri. Facial expression recognition in peripheral versus central vision: role of the eyes and the mouth. en. Psychological Research, v. 78, n. 2, p. 180–195, mar. 2014. ISSN 0340-0727, 1430-2772. DOI: 10.1007/s00426-013-0492-x. Disponível em: <http://link.springer.com/10.1007/s00426-013-0492-x>. Acesso em: 9 mai. 2022.
http://link.springer.com/10.1007/s00426-...
). Tais resultados dão suporte para uma vertente da literatura sobre REF que considera que as expressões são interpretadas a partir da visualização do todo, isto é, holisticamente (FREUD et al., 2020FREUD, Erez et al. The COVID-19 pandemic masks the way people perceive faces. en. Scientific Reports, v. 10, n. 1, p. 22344, dez. 2020. ISSN 2045-2322. DOI: 10.1038/s41598-020-78986-9. Disponível em: <http://www.nature.com/articles/s41598-020-78986-9>. Acesso em: 21 out. 2022.
http://www.nature.com/articles/s41598-02...
; KOVÁCS et al., 2017KOVÁCS, Petra et al. Face inversion reveals holistic processing of peripheral faces. en. Cortex, v. 97, p. 81–95, dez. 2017. ISSN 00109452. DOI: 10.1016/j.cortex.2017.09.020. Disponível em: <https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S001094521730326X>. Acesso em: 20 out. 2022.
https://linkinghub.elsevier.com/retrieve...
). Enquanto outros, na esteira do que defende Ekman como, por exemplo Wegrzyn et al. (2017WEGRZYN, Martin et al. Mapping the emotional face. How individual face parts contribute to successful emotion recognition. en. Edição: Marina A. Pavlova. PLOS ONE, v. 12, n. 5, e0177239, mai. 2017. ISSN 1932-6203. DOI: 10.1371/journal.pone.0177239. Disponível em: <https://dx.plos.org/10.1371/journal.pone.0177239>. Acesso em: 20 out. 2022.
https://dx.plos.org/10.1371/journal.pone...
), são categóricos ao mostrar a partir do FACS que as expressões faciais dependem de pontos críticos (neste caso, as AUs) para serem reconhecidas com precisão. Há ainda outros estudos que mostram que somente a visualização total ou parcial de um rosto não é o único aspecto que influencia no reconhecimento bem-sucedido de uma expressão facial, mas aspectos contextuais do rosto e do observador, tais como cultura (KRET; FISCHER, 2018KRET, Mariska E.; FISCHER, Agneta H. Recognition of facial expressions is moderated by Islamic cues. en. Cognition and Emotion, v. 32, n. 3, p. 623–631, abr. 2018. ISSN 0269-9931, 1464-0600. DOI: 10.1080/02699931.2017.1330253. Disponível em: <https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/02699931.2017.1330253>. Acesso em: 12 mai. 2022.
https://www.tandfonline.com/doi/full/10....
), idade e sexo (CORTEZ, 2021CORTEZ, Rosalinda de Jesus. O papel da idade na capacidade de reconhecimento emocional: uma revisão sistemática da literatura. 2021. Tese (Doutorado) – Universidade Lusófona do Porto, Porto.) também podem determinar o REF.

Ao considerar as divergências teóricas e metodológicas, o presente estudo pretende verificar, a partir de uma revisão sistemática da literatura, se as máscaras diminuem o reconhecimento de expressões faciais e se esse efeito é uniforme no reconhecimento das expressões faciais. Com isso, pretende-se avaliar o papel das áreas da boca e dos olhos nesse exercício. Por fim, esta revisão tem como propósito o mapeamento das características metodológicas em termos de configuração das tarefas e de estímulos usados em experimentos. A síntese dos resultados e das metodologias empregadas por esses estudos pode destacar lacunas e ao mesmo tempo direções para pesquisas futuras.

2

Método

Esta revisão sistemática foi desenvolvida a partir das recomendações PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses), apresentada por Galvão e Ricarte (2019GALVÃO, Maria Cristiane Barbosa; RICARTE, Ivan Luiz Marques. Revisão Sistemática da Literatura: conceituação, produção e Publicação. Logeion: Filosofia da Informação, v. 6, n. 1, p. 57–73, set. 2019. ISSN 2358-7806. DOI: 10.21728/logeion.2019v6n1.p57-73. Disponível em: <http://revista.ibict.br/fiinf/article/view/4835>. Acesso em: 20 out. 2022.
http://revista.ibict.br/fiinf/article/vi...
). Os termos definidos foram: facial AND mask AND emotion AND recognition. Buscou-se estudos descritos no formato de artigo que incluíssem esses termos no título, resumo e palavras-chave. As pesquisas foram feitas duas vezes por dois pesquisadores independentes nas bases de dados Web of Science e SCOPUS, usando o acesso CAFe do Portal de Periódicos da CAPES. O recorte temporal levou em conta o início dos primeiros casos de COVID-19 até outubro de 2021, sendo selecionados artigos com datas entre 2019, 2020, 2021 e 2022 que tivessem sido publicados até outubro de 2021. O string usado em SCOPUS foi: TITLE-ABS-KEY (Facial AND mask AND emotion AND recognition) AND (LIMIT-TO (PUBYEAR, 2022) OR LIMIT-TO (PUBYEAR, 2021) OR LIMIT-TO (PUBYEAR, 2020) OR LIMIT-TO (PUBYEAR, 2019)) AND (LIMIT-TO (DOCTYPE, "ar")). E o string usado em Web of Sciene foi: Facial AND mask AND emotion AND recognition (All Fields) AND 2019 OR 2020 OR 2021 OR 2022 (Publication Years) AND Article (Document Types). Os critérios de inclusão foram: a) apresentar metodologia experimental quantitativa; b) ser um trabalho que a avalie o impacto da cobertura facial (seja a condição de máscara pandêmica, apagamento de informações faciais, seja na condição de lenço) sobre o reconhecimento de expressões faciais; c) ter como variável dependente o desempenho no reconhecimento de expressões emocionais. Por outro lado, foram critérios de exclusão: a) estudos não localizados pela ferramenta Biblioshiny; b) estudos que avaliem o reconhecimento de expressões faciais em máquinas, como computadores e smartphones; c) estudos com tarefas não digitais, realizadas presencialmente com fotografias. Não foram excluídos estudos de amostra não aleatória, e a ausência de grupo controle também não foi critério para exclusão.

O processo de seleção foi dividido em três etapas: identificação, triagem e elegibilidade. Na fase de identificação, a partir da aplicação dos filtros nas bases de dados, foram encontradas 95 referências (SCOPUS=36; Web of Science=44; Connected Papers=15). Na fase de triagem, os resumos advindos das bases de dados foram analisados, e 18 artigos atenderam aos critérios de inclusão. Em seguida, cada um desses trabalhos foi anexado à ferramenta Connected Papers, que oferece a possibilidade de observar conexões entre o artigo anexado e outros artigos conforme uma métrica de semelhança entre suas citações e referências. Mediante a leitura dos resumos de estudos mais similares encontrados com essa ferramenta, foram adicionados 15 artigos. Assim, ao todo, na etapa de elegibilidade, foram submetidos à leitura integral 33 artigos, dos quais 22 foram excluídos com base nos critérios de exclusão. Por fim, esta síntese qualitativa analisa e compara dados de 11 artigos (ver Figura 1). Vale salientar que a ferramenta Connected Papers permitiu a seleção de três artigos não identificados nas bases de dados (MARINI et al., 2021MARINI, Marco et al. The impact of facemasks on emotion recognition, trust attribution and re-identification. en. Scientific Reports, v. 11, n. 1, p. 5577, dez. 2021. ISSN 2045-2322. DOI: 10.1038/s41598-021-84806-5. Disponível em: <http://www.nature.com/articles/s41598-021-84806-5>. Acesso em: 21 out. 2022.
http://www.nature.com/articles/s41598-02...
; NOYES et al., 2021NOYES, Eilidh et al. The effect of face masks and sunglasses on identity and expression recognition with super-recognizers and typical observers. en. Royal Society Open Science, v. 8, n. 3, rsos.201169, 201169, mar. 2021. ISSN 2054-5703. DOI: 10.1098/rsos.201169. Disponível em: <https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rsos.201169>. Acesso em: 21 out. 2022.
https://royalsocietypublishing.org/doi/1...
; RUBA; POLLAK, 2020RUBA, Ashley L.; POLLAK, Seth D. Children’s emotion inferences from masked faces: Implications for social interactions during COVID-19. en. Edição: Zezhi Li. PLOS ONE, v. 15, n. 12, e0243708, dez. 2020. ISSN 1932-6203. DOI: 10.1371/journal.pone.0243708. Disponível em: <https://dx.plos.org/10.1371/journal.pone.0243708>. Acesso em: 21 out. 2022.
https://dx.plos.org/10.1371/journal.pone...
)

Figura 1.
Diagrama de Sistematização da Revisão.

3

Resultados e discussão

Primeiramente, quanto à modalidade de participação, por conta da pandemia, todas as pesquisas ocorreram de modo remoto (\(n=11\)) (ver Tabela 1). Como modo de cobrir expressões faciais, máscaras pandêmicas foram predominantes (\(n=10\)). A maioria dos estudos desenvolveu suas próprias tarefas assistidas por computador com bancos de imagens acessados pela internet, e apenas um fez uso de uma tarefa padronizada (BANI et al., 2021BANI, Marco et al. Behind the Mask: Emotion Recognition in Healthcare Students. en. Medical Science Educator, v. 31, n. 4, p. 1273–1277, ago. 2021. ISSN 2156-8650. DOI: 10.1007/s40670-021-01317-8. Disponível em: <https://link.springer.com/10.1007/s40670-021-01317-8>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://link.springer.com/10.1007/s40670...
). Quase metade (\(n=7\)) dos rostos dos artigos desta síntese foram retirados do banco de imagens MPI FACES (EBNER; RIEDIGER; LINDENBERGER, 2010EBNER, Natalie C.; RIEDIGER, Michaela; LINDENBERGER, Ulman. FACES—A database of facial expressions in young, middle-aged, and older women and men: Development and validation. en. Behavior Research Methods, v. 42, n. 1, p. 351–362, fev. 2010. ISSN 1554-351X, 1554-3528. DOI: 10.3758/BRM.42.1.351. Disponível em: <http://link.springer.com/10.3758/BRM.42.1.351>. Acesso em: 23 out. 2022.
http://link.springer.com/10.3758/BRM.42....
). Dentro dos estudos que usaram máscaras pandêmicas, somente um estudo não adicionou esse estímulo via software de edição, utilizando assim estímulos autênticos (NOYES et al., 2021NOYES, Eilidh et al. The effect of face masks and sunglasses on identity and expression recognition with super-recognizers and typical observers. en. Royal Society Open Science, v. 8, n. 3, rsos.201169, 201169, mar. 2021. ISSN 2054-5703. DOI: 10.1098/rsos.201169. Disponível em: <https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rsos.201169>. Acesso em: 21 out. 2022.
https://royalsocietypublishing.org/doi/1...
). Relatos acerca do tempo de exibição de cada imagem com rosto com expressão facial apareceram apenas em quatro artigos: Marini et al. (2021MARINI, Marco et al. The impact of facemasks on emotion recognition, trust attribution and re-identification. en. Scientific Reports, v. 11, n. 1, p. 5577, dez. 2021. ISSN 2045-2322. DOI: 10.1038/s41598-021-84806-5. Disponível em: <http://www.nature.com/articles/s41598-021-84806-5>. Acesso em: 21 out. 2022.
http://www.nature.com/articles/s41598-02...
) e Noyes et al. (2021NOYES, Eilidh et al. The effect of face masks and sunglasses on identity and expression recognition with super-recognizers and typical observers. en. Royal Society Open Science, v. 8, n. 3, rsos.201169, 201169, mar. 2021. ISSN 2054-5703. DOI: 10.1098/rsos.201169. Disponível em: <https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rsos.201169>. Acesso em: 21 out. 2022.
https://royalsocietypublishing.org/doi/1...
) limitaram todas as exibições a 1 segundo, enquanto os trabalhos de Bani et al. (2021BANI, Marco et al. Behind the Mask: Emotion Recognition in Healthcare Students. en. Medical Science Educator, v. 31, n. 4, p. 1273–1277, ago. 2021. ISSN 2156-8650. DOI: 10.1007/s40670-021-01317-8. Disponível em: <https://link.springer.com/10.1007/s40670-021-01317-8>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://link.springer.com/10.1007/s40670...
) e Grundmann, Epstude e Scheibe (2020GRUNDMANN, Felix; EPSTUDE, Kai; SCHEIBE, Susanne. Face masks reduce emotion-recognition accuracy and perceived closeness. en. [S.l.], out. 2020. DOI: 10.31234/osf.io/xpzs3. Disponível em: <https://osf.io/xpzs3>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://osf.io/xpzs3...
) limitaram todas as exibições a 2 segundos. Observa-se, portanto, que o tempo de exibição não foi explorado como uma variável independente. Em termos de expressões analisadas, apenas três estudos investigaram o efeito das máscaras pandêmicas sobre todas as expressões de emoções básicas (CARBON; SERRANO, 2021CARBON, Claus-Christian; SERRANO, Martin. The Impact of Face Masks on the Emotional Reading Abilities of Children—A Lesson From a Joint School–University Project. en. i-Perception, v. 12, n. 4, p. 204166952110382, jul. 2021. ISSN 2041-6695, 2041-6695. DOI: 10.1177/20416695211038265. Disponível em: <http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/20416695211038265>. Acesso em: 11 nov. 2021.
http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/...
; KANG et al., 2021KANG, Jungsuk et al. Age and Cultural Differences in Recognitions of Emotions from Masked Faces among Koreans and Americans. en. International Journal of Environmental Research and Public Health, v. 18, n. 19, p. 10555, out. 2021. ISSN 1660-4601. DOI: 10.3390/ijerph181910555. Disponível em: <https://www.mdpi.com/1660-4601/18/19/10555>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://www.mdpi.com/1660-4601/18/19/105...
; RAMACHANDRA; LONGACRE, 2022RAMACHANDRA, Vijayachandra; LONGACRE, Hannah. Unmasking the psychology of recognizing emotions of people wearing masks: The role of empathizing, systemizing, and autistic traits. en. Personality and Individual Differences, v. 185, p. 111249, fev. 2022. ISSN 01918869. DOI: 10.1016/j.paid.2021.111249. Disponível em: <https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0191886921006280>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://linkinghub.elsevier.com/retrieve...
). Na sua ordem, as expressões mais investigadas foram felicidade e tristeza (\(n=13\)), seguidas pelas expressões de raiva (\(n=11\)), medo (\(n=11\)), neutro (\(n=8\)), nojo (\(n=7\)), surpresa (\(n=5\)) e angústia (\(n=1\)).

As máscaras pandêmicas diminuíram o REF em todos os estudos selecionados que utilizam essa variável de cobertura facial (BANI et al., 2021BANI, Marco et al. Behind the Mask: Emotion Recognition in Healthcare Students. en. Medical Science Educator, v. 31, n. 4, p. 1273–1277, ago. 2021. ISSN 2156-8650. DOI: 10.1007/s40670-021-01317-8. Disponível em: <https://link.springer.com/10.1007/s40670-021-01317-8>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://link.springer.com/10.1007/s40670...
; CARBON; SERRANO, 2021CARBON, Claus-Christian; SERRANO, Martin. The Impact of Face Masks on the Emotional Reading Abilities of Children—A Lesson From a Joint School–University Project. en. i-Perception, v. 12, n. 4, p. 204166952110382, jul. 2021. ISSN 2041-6695, 2041-6695. DOI: 10.1177/20416695211038265. Disponível em: <http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/20416695211038265>. Acesso em: 11 nov. 2021.
http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/...
; CARBON, 2020CARBON, Claus-Christian. Wearing Face Masks Strongly Confuses Counterparts in Reading Emotions. en. Frontiers in Psychology, v. 11, p. 566886, set. 2020. ISSN 1664-1078. DOI: 10.3389/fpsyg.2020.566886. Disponível em: <https://www.frontiersin.org/article/10.3389/fpsyg.2020.566886/full>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://www.frontiersin.org/article/10.3...
; CALBI et al., 2021CALBI, Marta et al. The consequences of COVID-19 on social interactions: an online study on face covering. en. Scientific Reports, v. 11, n. 1, p. 2601, dez. 2021. ISSN 2045-2322. DOI: 10.1038/s41598-021-81780-w. Disponível em: <http://www.nature.com/articles/s41598-021-81780-w>. Acesso em: 11 nov. 2021.
http://www.nature.com/articles/s41598-02...
; GORI; SCHIATTI; AMADEO, 2021GORI, Monica; SCHIATTI, Lucia; AMADEO, Maria Bianca. Masking Emotions: Face Masks Impair How We Read Emotions. pt. Frontiers in Psychology, v. 12, p. 669432, mai. 2021. ISSN 1664-1078. DOI: 10.3389/fpsyg.2021.669432. Disponível em: <https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fpsyg.2021.669432/full>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://www.frontiersin.org/articles/10....
; GRUNDMANN; EPSTUDE; SCHEIBE, 2020GRUNDMANN, Felix; EPSTUDE, Kai; SCHEIBE, Susanne. Face masks reduce emotion-recognition accuracy and perceived closeness. en. [S.l.], out. 2020. DOI: 10.31234/osf.io/xpzs3. Disponível em: <https://osf.io/xpzs3>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://osf.io/xpzs3...
; KANG et al., 2021KANG, Jungsuk et al. Age and Cultural Differences in Recognitions of Emotions from Masked Faces among Koreans and Americans. en. International Journal of Environmental Research and Public Health, v. 18, n. 19, p. 10555, out. 2021. ISSN 1660-4601. DOI: 10.3390/ijerph181910555. Disponível em: <https://www.mdpi.com/1660-4601/18/19/10555>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://www.mdpi.com/1660-4601/18/19/105...
; MARINI et al., 2021MARINI, Marco et al. The impact of facemasks on emotion recognition, trust attribution and re-identification. en. Scientific Reports, v. 11, n. 1, p. 5577, dez. 2021. ISSN 2045-2322. DOI: 10.1038/s41598-021-84806-5. Disponível em: <http://www.nature.com/articles/s41598-021-84806-5>. Acesso em: 21 out. 2022.
http://www.nature.com/articles/s41598-02...
; PARADA-FERNÁNDEZ et al., 2022PARADA-FERNÁNDEZ, Pamela et al. Wearing mask hinders emotion recognition, but enhances perception of attractiveness. en. Personality and Individual Differences, v. 184, p. 111195, jan. 2022. ISSN 01918869. DOI: 10.1016/j.paid.2021.111195. Disponível em: <https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0191886921005742>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://linkinghub.elsevier.com/retrieve...
; PAZHOOHI; FORBY; KINGSTONE, 2021PAZHOOHI, Farid; FORBY, Leilani; KINGSTONE, Alan. Facial masks affect emotion recognition in the general population and individuals with autistic traits. en. Edição: Marina A. Pavlova. PLOS ONE, v. 16, n. 9, e0257740, set. 2021. ISSN 1932-6203. DOI: 10.1371/journal.pone.0257740. Disponível em: <https://dx.plos.org/10.1371/journal.pone.0257740>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://dx.plos.org/10.1371/journal.pone...
). Quando o modo de cobertura utilizado foi o apagamento da região inferior do rosto, também houve decréscimo no REF (RAMACHANDRA; LONGACRE, 2022RAMACHANDRA, Vijayachandra; LONGACRE, Hannah. Unmasking the psychology of recognizing emotions of people wearing masks: The role of empathizing, systemizing, and autistic traits. en. Personality and Individual Differences, v. 185, p. 111249, fev. 2022. ISSN 01918869. DOI: 10.1016/j.paid.2021.111249. Disponível em: <https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0191886921006280>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://linkinghub.elsevier.com/retrieve...
).

O estudo pioneiro de Carbon (2020CARBON, Claus-Christian. Wearing Face Masks Strongly Confuses Counterparts in Reading Emotions. en. Frontiers in Psychology, v. 11, p. 566886, set. 2020. ISSN 1664-1078. DOI: 10.3389/fpsyg.2020.566886. Disponível em: <https://www.frontiersin.org/article/10.3389/fpsyg.2020.566886/full>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://www.frontiersin.org/article/10.3...
), que comparou o REF de rostos com máscara pandêmica e rostos sem máscara, mostrou que as expressões de felicidade, tristeza, raiva, surpresa e, especialmente, nojo, têm seu reconhecimento diminuído pelas máscaras pandêmicas, mas esse efeito não se estende às expressões de medo e de neutro. De acordo com Wegrzyn et al. (2017WEGRZYN, Martin et al. Mapping the emotional face. How individual face parts contribute to successful emotion recognition. en. Edição: Marina A. Pavlova. PLOS ONE, v. 12, n. 5, e0177239, mai. 2017. ISSN 1932-6203. DOI: 10.1371/journal.pone.0177239. Disponível em: <https://dx.plos.org/10.1371/journal.pone.0177239>. Acesso em: 20 out. 2022.
https://dx.plos.org/10.1371/journal.pone...
), a explicação para esse dado é que expressões como a de medo e de neutro têm como ponto discriminativo a região dos olhos, parte que não é coberta pela máscara pandêmica, enquanto a boca, que denota emoções como felicidade, surpresa, nojo, está sujeita à redução de informação, pois é coberta pela máscara. Além da diminuição de acertos em expressões com máscara pandêmica, Carbon (2020CARBON, Claus-Christian. Wearing Face Masks Strongly Confuses Counterparts in Reading Emotions. en. Frontiers in Psychology, v. 11, p. 566886, set. 2020. ISSN 1664-1078. DOI: 10.3389/fpsyg.2020.566886. Disponível em: <https://www.frontiersin.org/article/10.3389/fpsyg.2020.566886/full>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://www.frontiersin.org/article/10.3...
) também identificou alguns padrões de confusão em que rostos expressando felicidade, tristeza e raiva foram equivocadamente interpretados como neutros (ver Tabela 2).

Em um experimento semelhante, Bani et al. (2021BANI, Marco et al. Behind the Mask: Emotion Recognition in Healthcare Students. en. Medical Science Educator, v. 31, n. 4, p. 1273–1277, ago. 2021. ISSN 2156-8650. DOI: 10.1007/s40670-021-01317-8. Disponível em: <https://link.springer.com/10.1007/s40670-021-01317-8>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://link.springer.com/10.1007/s40670...
) avaliaram o REF de felicidade, tristeza, medo e raiva, e mostraram, assim como Carbon (2020CARBON, Claus-Christian. Wearing Face Masks Strongly Confuses Counterparts in Reading Emotions. en. Frontiers in Psychology, v. 11, p. 566886, set. 2020. ISSN 1664-1078. DOI: 10.3389/fpsyg.2020.566886. Disponível em: <https://www.frontiersin.org/article/10.3389/fpsyg.2020.566886/full>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://www.frontiersin.org/article/10.3...
), que a expressão de medo não sofre decréscimo no REF quando está coberta pela máscara pandêmica. Neste estudo, a máscara pandêmica afeta mais negativamente a expressão de felicidade, dado que reafirma a importância da área da boca para o reconhecimento dessa expressão (EKMAN, 1992EKMAN, Paul. An argument for basic emotions. en. Cognition and Emotion, v. 6, n. 3-4, p. 169–200, mai. 1992. ISSN 0269-9931, 1464-0600. DOI: 10.1080/02699939208411068. Disponível em: <https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/02699939208411068>. Acesso em: 22 out. 2022.
https://www.tandfonline.com/doi/full/10....
; WEGRZYN et al., 2017WEGRZYN, Martin et al. Mapping the emotional face. How individual face parts contribute to successful emotion recognition. en. Edição: Marina A. Pavlova. PLOS ONE, v. 12, n. 5, e0177239, mai. 2017. ISSN 1932-6203. DOI: 10.1371/journal.pone.0177239. Disponível em: <https://dx.plos.org/10.1371/journal.pone.0177239>. Acesso em: 20 out. 2022.
https://dx.plos.org/10.1371/journal.pone...
). Ainda assim, a expressão de felicidade foi a mais facilmente reconhecida na condição com máscara pandêmica e na condição sem máscara. Esse dado está de acordo com a literatura sobre o reconhecimento dessa expressão, que a coloca como a mais inverossímil (CALVO; LUNDQVIST, 2008CALVO, Manuel G.; LUNDQVIST, Daniel. Facial expressions of emotion (KDEF): Identification under different display-duration conditions. en. Behavior Research Methods, v. 40, n. 1, p. 109–115, fev. 2008. ISSN 1554-351X, 1554-3528. DOI: 10.3758/BRM.40.1.109. Disponível em: <http://link.springer.com/10.3758/BRM.40.1.109>. Acesso em: 9 mai. 2022.
http://link.springer.com/10.3758/BRM.40....
; LEPPÄNEN et al., 2004LEPPÄNEN, Jukka M. et al. Depression biases the recognition of emotionally neutral faces. en. Psychiatry Research, v. 128, n. 2, p. 123–133, set. 2004. ISSN 01651781. DOI: 10.1016/j.psychres.2004.05.020. Disponível em: <https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0165178104001362>. Acesso em: 20 out. 2022.
https://linkinghub.elsevier.com/retrieve...
; RUSSELL, 1994RUSSELL, James A. Is there universal recognition of emotion from facial expression? A review of the cross-cultural studies. en. Psychological Bulletin, v. 115, n. 1, p. 102–141, 1994. ISSN 1939-1455, 0033-2909. DOI: 10.1037/0033-2909.115.1.102. Disponível em: <http://doi.apa.org/getdoi.cfm?doi=10.1037/0033-2909.115.1.102>. Acesso em: 12 mai. 2022.
http://doi.apa.org/getdoi.cfm?doi=10.103...
).

Dentro dessa linha de pesquisa, Marini et al. (2021MARINI, Marco et al. The impact of facemasks on emotion recognition, trust attribution and re-identification. en. Scientific Reports, v. 11, n. 1, p. 5577, dez. 2021. ISSN 2045-2322. DOI: 10.1038/s41598-021-84806-5. Disponível em: <http://www.nature.com/articles/s41598-021-84806-5>. Acesso em: 21 out. 2022.
http://www.nature.com/articles/s41598-02...
) inovaram ao estudar os impactos da máscara pandêmica adicionando um outro nível de variável de cobertura facial: a máscara transparente. Ao comparar o REF de estímulos com rostos cobertos por máscara pandêmica padrão, máscara transparente na região da boca e rostos descobertos, os pesquisadores mostraram que não há diferença significativa entre rostos descobertos e máscaras transparentes em relação à variável dependente. Ao contrário de outros estudos em que as expressões faciais mais afetadas eram aquelas cuja área de discriminação era a região inferior do rosto (BANI et al., 2021BANI, Marco et al. Behind the Mask: Emotion Recognition in Healthcare Students. en. Medical Science Educator, v. 31, n. 4, p. 1273–1277, ago. 2021. ISSN 2156-8650. DOI: 10.1007/s40670-021-01317-8. Disponível em: <https://link.springer.com/10.1007/s40670-021-01317-8>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://link.springer.com/10.1007/s40670...
; CARBON, 2020CARBON, Claus-Christian. Wearing Face Masks Strongly Confuses Counterparts in Reading Emotions. en. Frontiers in Psychology, v. 11, p. 566886, set. 2020. ISSN 1664-1078. DOI: 10.3389/fpsyg.2020.566886. Disponível em: <https://www.frontiersin.org/article/10.3389/fpsyg.2020.566886/full>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://www.frontiersin.org/article/10.3...
), em Marini et al. (2021MARINI, Marco et al. The impact of facemasks on emotion recognition, trust attribution and re-identification. en. Scientific Reports, v. 11, n. 1, p. 5577, dez. 2021. ISSN 2045-2322. DOI: 10.1038/s41598-021-84806-5. Disponível em: <http://www.nature.com/articles/s41598-021-84806-5>. Acesso em: 21 out. 2022.
http://www.nature.com/articles/s41598-02...
) a expressão que sofreu maior decréscimo foi a de tristeza. Em conformidade com Carbon (2020CARBON, Claus-Christian. Wearing Face Masks Strongly Confuses Counterparts in Reading Emotions. en. Frontiers in Psychology, v. 11, p. 566886, set. 2020. ISSN 1664-1078. DOI: 10.3389/fpsyg.2020.566886. Disponível em: <https://www.frontiersin.org/article/10.3389/fpsyg.2020.566886/full>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://www.frontiersin.org/article/10.3...
), os rostos neutros não foram afetados pela máscara pandêmica padrão, mas foram alvos de confusão. Frequentemente a expressão neutra foi confundida com tristeza, e a confusão se deu tanto na condição de máscara pandêmica padrão quanto na condição transparente. Outras expressões como felicidade e raiva também foram confundidas em menor frequência com a expressão facial de neutralidade, porém somente em situações em que os rostos estavam usando a máscara pandêmica padrão. Em outro estudo, Calbi et al. (2021CALBI, Marta et al. The consequences of COVID-19 on social interactions: an online study on face covering. en. Scientific Reports, v. 11, n. 1, p. 2601, dez. 2021. ISSN 2045-2322. DOI: 10.1038/s41598-021-81780-w. Disponível em: <http://www.nature.com/articles/s41598-021-81780-w>. Acesso em: 11 nov. 2021.
http://www.nature.com/articles/s41598-02...
) testaram se o material de cobertura – máscara pandêmica ou cachecol – teria efeito sobre o REF de felicidade, neutralidade e raiva e constataram que não há diferença significativa entre as condições. Mas, ao mesmo tempo, em conformidade com os estudos anteriores, frequentemente, nas duas condições, rostos de expressão neutra foram identificados como tristes.

Noyes et al. (2021NOYES, Eilidh et al. The effect of face masks and sunglasses on identity and expression recognition with super-recognizers and typical observers. en. Royal Society Open Science, v. 8, n. 3, rsos.201169, 201169, mar. 2021. ISSN 2054-5703. DOI: 10.1098/rsos.201169. Disponível em: <https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rsos.201169>. Acesso em: 21 out. 2022.
https://royalsocietypublishing.org/doi/1...
) compararam o REF de rostos usando máscara pandêmica (sobre a boca) com rostos usando óculos escuros (sobre os olhos) e com rostos descobertos. Com isso, observaram que ambas as formas de cobertura provocam diminuição no REF, mas que a máscara pandêmica afeta mais. Em congruência com estudos anteriores, a expressão de felicidade foi a mais bem reconhecida (BANI et al., 2021BANI, Marco et al. Behind the Mask: Emotion Recognition in Healthcare Students. en. Medical Science Educator, v. 31, n. 4, p. 1273–1277, ago. 2021. ISSN 2156-8650. DOI: 10.1007/s40670-021-01317-8. Disponível em: <https://link.springer.com/10.1007/s40670-021-01317-8>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://link.springer.com/10.1007/s40670...
; CARBON, 2020CARBON, Claus-Christian. Wearing Face Masks Strongly Confuses Counterparts in Reading Emotions. en. Frontiers in Psychology, v. 11, p. 566886, set. 2020. ISSN 1664-1078. DOI: 10.3389/fpsyg.2020.566886. Disponível em: <https://www.frontiersin.org/article/10.3389/fpsyg.2020.566886/full>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://www.frontiersin.org/article/10.3...
), tanto com máscara pandêmica quanto com óculos, enquanto a expressão de tristeza foi a menos reconhecida, mas só foi afetada pelos óculos. As expressões de nojo, felicidade e surpresa sofreram influências das máscaras pandêmicas, o que suporta a tese de que a região de discriminação para essas expressões está em volta da boca (CALVO; FERNÁNDEZ-MARTÍN; NUMMENMAA, 2014CALVO, Manuel G.; FERNÁNDEZ-MARTÍN, Andrés; NUMMENMAA, Lauri. Facial expression recognition in peripheral versus central vision: role of the eyes and the mouth. en. Psychological Research, v. 78, n. 2, p. 180–195, mar. 2014. ISSN 0340-0727, 1430-2772. DOI: 10.1007/s00426-013-0492-x. Disponível em: <http://link.springer.com/10.1007/s00426-013-0492-x>. Acesso em: 9 mai. 2022.
http://link.springer.com/10.1007/s00426-...
; MARINI et al., 2021MARINI, Marco et al. The impact of facemasks on emotion recognition, trust attribution and re-identification. en. Scientific Reports, v. 11, n. 1, p. 5577, dez. 2021. ISSN 2045-2322. DOI: 10.1038/s41598-021-84806-5. Disponível em: <http://www.nature.com/articles/s41598-021-84806-5>. Acesso em: 21 out. 2022.
http://www.nature.com/articles/s41598-02...
; WEGRZYN et al., 2017WEGRZYN, Martin et al. Mapping the emotional face. How individual face parts contribute to successful emotion recognition. en. Edição: Marina A. Pavlova. PLOS ONE, v. 12, n. 5, e0177239, mai. 2017. ISSN 1932-6203. DOI: 10.1371/journal.pone.0177239. Disponível em: <https://dx.plos.org/10.1371/journal.pone.0177239>. Acesso em: 20 out. 2022.
https://dx.plos.org/10.1371/journal.pone...
). Em comparação à situação sem a máscara pandêmica, expressões faciais de raiva e medo foram afetadas pelas máscaras e pelos óculos. O decréscimo no reconhecimento de medo proporcionado pela máscara pandêmica chama a atenção na medida que se contrapõe aos achados de Carbon (2020CARBON, Claus-Christian. Wearing Face Masks Strongly Confuses Counterparts in Reading Emotions. en. Frontiers in Psychology, v. 11, p. 566886, set. 2020. ISSN 1664-1078. DOI: 10.3389/fpsyg.2020.566886. Disponível em: <https://www.frontiersin.org/article/10.3389/fpsyg.2020.566886/full>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://www.frontiersin.org/article/10.3...
) com uma amostra de adultos. Ao mesmo tempo, em linha com Carbon (2020CARBON, Claus-Christian. Wearing Face Masks Strongly Confuses Counterparts in Reading Emotions. en. Frontiers in Psychology, v. 11, p. 566886, set. 2020. ISSN 1664-1078. DOI: 10.3389/fpsyg.2020.566886. Disponível em: <https://www.frontiersin.org/article/10.3389/fpsyg.2020.566886/full>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://www.frontiersin.org/article/10.3...
) e Marini et al. (2021MARINI, Marco et al. The impact of facemasks on emotion recognition, trust attribution and re-identification. en. Scientific Reports, v. 11, n. 1, p. 5577, dez. 2021. ISSN 2045-2322. DOI: 10.1038/s41598-021-84806-5. Disponível em: <http://www.nature.com/articles/s41598-021-84806-5>. Acesso em: 21 out. 2022.
http://www.nature.com/articles/s41598-02...
), a expressão neutra não teve seu reconhecimento comprometido pela máscara pandêmica. Na condição dos óculos escuros, o REF de tristeza foi menor em comparação à situação em que essa expressão estava coberta pela máscara pandêmica. Por outro lado, a expressão neutra foi mais reconhecida quando somente os óculos estavam por cima da expressão. Novamente, as expressões faciais de nojo, surpresa e felicidade parecem mesmo ter como ponto crítico de identificação a boca, e o mesmo acontece na relação entre a região dos olhos e as expressões de tristeza, medo e raiva.

Uma outra variação metodológica foi implementada por Ramachandra e Longacre (2022RAMACHANDRA, Vijayachandra; LONGACRE, Hannah. Unmasking the psychology of recognizing emotions of people wearing masks: The role of empathizing, systemizing, and autistic traits. en. Personality and Individual Differences, v. 185, p. 111249, fev. 2022. ISSN 01918869. DOI: 10.1016/j.paid.2021.111249. Disponível em: <https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0191886921006280>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://linkinghub.elsevier.com/retrieve...
), que fizeram o recorte do estímulo da região dos olhos com o objetivo de analisar o impacto da retirada da boca e do nariz sobre o REF (felicidade, tristeza, medo, raiva, nojo e surpresa) e da expressão de angústia. Assim, reiteraram o achado no qual o reconhecimento geral diminui quando informações faciais são retiradas, ao mesmo tempo em que enfatizaram o fato disso não se estender a todas as emoções, porque tristeza, surpresa e angústia não tiveram seu reconhecimento diminuído devido a esse tipo de “retirada de informação”. Na realidade, no extremo oposto do estudo de Marini et al. (2021MARINI, Marco et al. The impact of facemasks on emotion recognition, trust attribution and re-identification. en. Scientific Reports, v. 11, n. 1, p. 5577, dez. 2021. ISSN 2045-2322. DOI: 10.1038/s41598-021-84806-5. Disponível em: <http://www.nature.com/articles/s41598-021-84806-5>. Acesso em: 21 out. 2022.
http://www.nature.com/articles/s41598-02...
), a tristeza, na condição em que se mostrava apenas os olhos, teve um reconhecimento idêntico à condição em que se exibia o rosto completo. O aumento no desempenho de REF, até aqui inédito nesta revisão da literatura, mostrou-se ainda mais contundente na expressão de surpresa, que foi significativamente mais reconhecida na condição na qual só a região dos olhos estava presente (porcentagem de acerto: rosto completo = 92%; somente olhos = 96%). Além disso, esse estudo também revelou a angústia como a expressão mais difícil de reconhecer, seja na condição de recorte, seja na condição de rosto completo. Ao apresentar uma escala de 0 a 100 de atribuição de intensidade para as expressões faciais (0 = pouco intensa; 100 = muito intensa), tornou-se possível observar que somente as expressões de felicidade e nojo eram avaliadas como menos intensas quando recortadas, o que sugere o fato de que as máscaras pandêmicas podem não diminuir a intensidade atribuída em algumas expressões. De modo geral, esse estudo aponta para uma direção até então não reportada na literatura: o recorte da boca não afeta tristeza, surpresa e angústia. Na verdade, nesses casos, a parte recortada da expressão do rosto pode até melhorar o reconhecimento dessas emoções. Para os pesquisadores, o destaque da região dos olhos em detrimento da boca parece supervalorizar os olhos, ao mesmo tempo que retira a possibilidade de a região da boca confundir o reconhecimento. Além de evidenciar um impacto menor do recorte, essa pesquisa mostrou um efeito fraco na diminuição da intensidade percebida da expressão recortada, que só afetou as expressões faciais de felicidade e nojo.

No trabalho de Grundmann, Epstude e Scheibe (2020GRUNDMANN, Felix; EPSTUDE, Kai; SCHEIBE, Susanne. Face masks reduce emotion-recognition accuracy and perceived closeness. en. [S.l.], out. 2020. DOI: 10.31234/osf.io/xpzs3. Disponível em: <https://osf.io/xpzs3>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://osf.io/xpzs3...
), o diferencial foi a manipulação nas alternativas de emoções, o que acabou provocando uma diminuição no desempenho geral dos participantes em relação a outros estudos (CARBON, 2020CARBON, Claus-Christian. Wearing Face Masks Strongly Confuses Counterparts in Reading Emotions. en. Frontiers in Psychology, v. 11, p. 566886, set. 2020. ISSN 1664-1078. DOI: 10.3389/fpsyg.2020.566886. Disponível em: <https://www.frontiersin.org/article/10.3389/fpsyg.2020.566886/full>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://www.frontiersin.org/article/10.3...
; CARBON; SERRANO, 2021CARBON, Claus-Christian; SERRANO, Martin. The Impact of Face Masks on the Emotional Reading Abilities of Children—A Lesson From a Joint School–University Project. en. i-Perception, v. 12, n. 4, p. 204166952110382, jul. 2021. ISSN 2041-6695, 2041-6695. DOI: 10.1177/20416695211038265. Disponível em: <http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/20416695211038265>. Acesso em: 11 nov. 2021.
http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/...
). Nesse estudo, os pesquisadores avaliaram o REF de felicidade, tristeza, medo, raiva, nojo e neutro, enquanto nas alternativas existiam mais três opções: surpresa, orgulho e diversão. Assim como nos estudos anteriores, os pesquisadores atestaram o efeito das máscaras pandêmicas, porém, por outro lado, não investigaram o efeito delas sobre o reconhecimento de cada expressão. Em vez disso, analisaram o impacto da máscara pandêmica sobre o quanto os participantes consideravam o rosto apresentado em tela confiável, agradável e próximo a eles em uma escala Likert de cinco pontos (1 = discordo totalmente; 5 = concordo totalmente). Com isso, revelaram que as máscaras pandêmicas diminuem o impacto das expressões negativas sobre o observador, pois quando os rostos com medo ou raiva são exibidos sem máscaras pandêmicas, inspiram menos proximidade e menos agradabilidade.

Em acordo com esses achados, Parada-Fernández et al. (2022PARADA-FERNÁNDEZ, Pamela et al. Wearing mask hinders emotion recognition, but enhances perception of attractiveness. en. Personality and Individual Differences, v. 184, p. 111195, jan. 2022. ISSN 01918869. DOI: 10.1016/j.paid.2021.111195. Disponível em: <https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0191886921005742>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://linkinghub.elsevier.com/retrieve...
) investigaram a relação entre a atratividade facial e expressões faciais cobertas por máscaras (felicidade, tristeza, raiva e surpresa). Os pesquisadores definiram a atratividade facial como um forte sinal que influencia o comportamento social e sexual. Na tarefa, o participante indicava a atratividade do estímulo em uma escala de 11 pontos (-5 = extremamente pouco atraente; 0 = neutro; 5 = extremamente atraente). Ao apresentar rostos com expressões negativas de raiva e tristeza cobertas pelas máscaras pandêmicas, os pesquisadores observaram que esses estímulos eram considerados mais atrativos que rostos descobertos com essas mesmas expressões. Sobre isso, ainda na pesquisa de Carbon (2020CARBON, Claus-Christian. Wearing Face Masks Strongly Confuses Counterparts in Reading Emotions. en. Frontiers in Psychology, v. 11, p. 566886, set. 2020. ISSN 1664-1078. DOI: 10.3389/fpsyg.2020.566886. Disponível em: <https://www.frontiersin.org/article/10.3389/fpsyg.2020.566886/full>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://www.frontiersin.org/article/10.3...
), foi evidenciado que os participantes tendiam a confiar mais em expressões faciais com máscara pandêmica do que sem máscara, e hipotetizou-se que a razão para isso era que os rostos com máscara pandêmica inspiravam maior ‘responsabilidade social’. Mas, em conjunto, Grundmann, Epstude e Scheibe (2020GRUNDMANN, Felix; EPSTUDE, Kai; SCHEIBE, Susanne. Face masks reduce emotion-recognition accuracy and perceived closeness. en. [S.l.], out. 2020. DOI: 10.31234/osf.io/xpzs3. Disponível em: <https://osf.io/xpzs3>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://osf.io/xpzs3...
) e Parada-Fernández et al. (2022PARADA-FERNÁNDEZ, Pamela et al. Wearing mask hinders emotion recognition, but enhances perception of attractiveness. en. Personality and Individual Differences, v. 184, p. 111195, jan. 2022. ISSN 01918869. DOI: 10.1016/j.paid.2021.111195. Disponível em: <https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0191886921005742>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://linkinghub.elsevier.com/retrieve...
) mostram que as expressões negativas com máscaras inspiram menos avaliações negativas, pois os efeitos das expressões negativas são suprimidos pelas máscaras pandêmicas.

O trabalho de Pazhoohi, Forby e Kingstone (2021PAZHOOHI, Farid; FORBY, Leilani; KINGSTONE, Alan. Facial masks affect emotion recognition in the general population and individuals with autistic traits. en. Edição: Marina A. Pavlova. PLOS ONE, v. 16, n. 9, e0257740, set. 2021. ISSN 1932-6203. DOI: 10.1371/journal.pone.0257740. Disponível em: <https://dx.plos.org/10.1371/journal.pone.0257740>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://dx.plos.org/10.1371/journal.pone...
) foi o único desta revisão a mostrar uma diminuição no REF de rostos com máscara pandêmica em todas as emoções investigadas (felicidade, tristeza, medo, raiva, nojo e neutro). Esse dado é uma novidade, porque, em outros estudos, expressões de medo (CARBON, 2020CARBON, Claus-Christian. Wearing Face Masks Strongly Confuses Counterparts in Reading Emotions. en. Frontiers in Psychology, v. 11, p. 566886, set. 2020. ISSN 1664-1078. DOI: 10.3389/fpsyg.2020.566886. Disponível em: <https://www.frontiersin.org/article/10.3389/fpsyg.2020.566886/full>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://www.frontiersin.org/article/10.3...
), de tristeza (NOYES et al., 2021NOYES, Eilidh et al. The effect of face masks and sunglasses on identity and expression recognition with super-recognizers and typical observers. en. Royal Society Open Science, v. 8, n. 3, rsos.201169, 201169, mar. 2021. ISSN 2054-5703. DOI: 10.1098/rsos.201169. Disponível em: <https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rsos.201169>. Acesso em: 21 out. 2022.
https://royalsocietypublishing.org/doi/1...
) e de neutralidade (CARBON, 2020CARBON, Claus-Christian. Wearing Face Masks Strongly Confuses Counterparts in Reading Emotions. en. Frontiers in Psychology, v. 11, p. 566886, set. 2020. ISSN 1664-1078. DOI: 10.3389/fpsyg.2020.566886. Disponível em: <https://www.frontiersin.org/article/10.3389/fpsyg.2020.566886/full>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://www.frontiersin.org/article/10.3...
; MARINI et al., 2021MARINI, Marco et al. The impact of facemasks on emotion recognition, trust attribution and re-identification. en. Scientific Reports, v. 11, n. 1, p. 5577, dez. 2021. ISSN 2045-2322. DOI: 10.1038/s41598-021-84806-5. Disponível em: <http://www.nature.com/articles/s41598-021-84806-5>. Acesso em: 21 out. 2022.
http://www.nature.com/articles/s41598-02...
; NOYES et al., 2021NOYES, Eilidh et al. The effect of face masks and sunglasses on identity and expression recognition with super-recognizers and typical observers. en. Royal Society Open Science, v. 8, n. 3, rsos.201169, 201169, mar. 2021. ISSN 2054-5703. DOI: 10.1098/rsos.201169. Disponível em: <https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rsos.201169>. Acesso em: 21 out. 2022.
https://royalsocietypublishing.org/doi/1...
) não tiveram prejuízo em seu reconhecimento. O fato de os pesquisadores contarem com uma amostra de mais de 400 participantes pode ser uma razão para isso, uma vez que alguns fenômenos comportamentais com pouco tamanho de efeito necessitam de amostras mais robustas para serem identificados. Além do impacto sobre o reconhecimento, essa pesquisa mostrou uma queda na avaliação de intensidade das expressões de raiva e de nojo, o que reforça a ideia de que as máscaras pandêmicas minimizam a intensidade de expressões de valência negativa (GRUNDMANN; EPSTUDE; SCHEIBE, 2020GRUNDMANN, Felix; EPSTUDE, Kai; SCHEIBE, Susanne. Face masks reduce emotion-recognition accuracy and perceived closeness. en. [S.l.], out. 2020. DOI: 10.31234/osf.io/xpzs3. Disponível em: <https://osf.io/xpzs3>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://osf.io/xpzs3...
; PARADA-FERNÁNDEZ et al., 2022PARADA-FERNÁNDEZ, Pamela et al. Wearing mask hinders emotion recognition, but enhances perception of attractiveness. en. Personality and Individual Differences, v. 184, p. 111195, jan. 2022. ISSN 01918869. DOI: 10.1016/j.paid.2021.111195. Disponível em: <https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0191886921005742>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://linkinghub.elsevier.com/retrieve...
).

Na esteira dos estudos que avaliaram a questão das máscaras pandêmicas e da faixa etária , Ruba e Pollak (2020RUBA, Ashley L.; POLLAK, Seth D. Children’s emotion inferences from masked faces: Implications for social interactions during COVID-19. en. Edição: Zezhi Li. PLOS ONE, v. 15, n. 12, e0243708, dez. 2020. ISSN 1932-6203. DOI: 10.1371/journal.pone.0243708. Disponível em: <https://dx.plos.org/10.1371/journal.pone.0243708>. Acesso em: 21 out. 2022.
https://dx.plos.org/10.1371/journal.pone...
) analisaram o impacto das máscaras no REF de tristeza, medo e raiva em uma amostra integralmente composta por crianças. Assim como Noyes et al. (2021NOYES, Eilidh et al. The effect of face masks and sunglasses on identity and expression recognition with super-recognizers and typical observers. en. Royal Society Open Science, v. 8, n. 3, rsos.201169, 201169, mar. 2021. ISSN 2054-5703. DOI: 10.1098/rsos.201169. Disponível em: <https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rsos.201169>. Acesso em: 21 out. 2022.
https://royalsocietypublishing.org/doi/1...
) fizeram em uma pesquisa com adultos, Ruba e Pollak (2020RUBA, Ashley L.; POLLAK, Seth D. Children’s emotion inferences from masked faces: Implications for social interactions during COVID-19. en. Edição: Zezhi Li. PLOS ONE, v. 15, n. 12, e0243708, dez. 2020. ISSN 1932-6203. DOI: 10.1371/journal.pone.0243708. Disponível em: <https://dx.plos.org/10.1371/journal.pone.0243708>. Acesso em: 21 out. 2022.
https://dx.plos.org/10.1371/journal.pone...
) compararam REF de rostos com máscara pandêmica, sem máscara e com óculos escuros. Ao contrário do que Noyes et al. (2021NOYES, Eilidh et al. The effect of face masks and sunglasses on identity and expression recognition with super-recognizers and typical observers. en. Royal Society Open Science, v. 8, n. 3, rsos.201169, 201169, mar. 2021. ISSN 2054-5703. DOI: 10.1098/rsos.201169. Disponível em: <https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rsos.201169>. Acesso em: 21 out. 2022.
https://royalsocietypublishing.org/doi/1...
) notaram, não houve diferenças significativas entre os dois tipos de cobertura facial, mas ambas apresentaram menos REF que a situação sem máscara pandêmica. Ao analisar o efeito da máscara pandêmica sobre cada expressão, os autores mostraram que a expressão que sofreu maior diminuição no REF foi a de tristeza. Esse dado vai na contramão de pesquisas realizadas com adultos, nas quais o reconhecimento da expressão de tristeza aparece relacionado à região superior do rosto, isto é, aos olhos (CALVO; FERNÁNDEZ-MARTÍN; NUMMENMAA, 2014CALVO, Manuel G.; FERNÁNDEZ-MARTÍN, Andrés; NUMMENMAA, Lauri. Facial expression recognition in peripheral versus central vision: role of the eyes and the mouth. en. Psychological Research, v. 78, n. 2, p. 180–195, mar. 2014. ISSN 0340-0727, 1430-2772. DOI: 10.1007/s00426-013-0492-x. Disponível em: <http://link.springer.com/10.1007/s00426-013-0492-x>. Acesso em: 9 mai. 2022.
http://link.springer.com/10.1007/s00426-...
; NOYES et al., 2021NOYES, Eilidh et al. The effect of face masks and sunglasses on identity and expression recognition with super-recognizers and typical observers. en. Royal Society Open Science, v. 8, n. 3, rsos.201169, 201169, mar. 2021. ISSN 2054-5703. DOI: 10.1098/rsos.201169. Disponível em: <https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rsos.201169>. Acesso em: 21 out. 2022.
https://royalsocietypublishing.org/doi/1...
; WEGRZYN et al., 2017WEGRZYN, Martin et al. Mapping the emotional face. How individual face parts contribute to successful emotion recognition. en. Edição: Marina A. Pavlova. PLOS ONE, v. 12, n. 5, e0177239, mai. 2017. ISSN 1932-6203. DOI: 10.1371/journal.pone.0177239. Disponível em: <https://dx.plos.org/10.1371/journal.pone.0177239>. Acesso em: 20 out. 2022.
https://dx.plos.org/10.1371/journal.pone...
)

Gori, Schiatti e Amadeo (2021GORI, Monica; SCHIATTI, Lucia; AMADEO, Maria Bianca. Masking Emotions: Face Masks Impair How We Read Emotions. pt. Frontiers in Psychology, v. 12, p. 669432, mai. 2021. ISSN 1664-1078. DOI: 10.3389/fpsyg.2021.669432. Disponível em: <https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fpsyg.2021.669432/full>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://www.frontiersin.org/articles/10....
) realizaram um estudo semelhante, mas ampliaram a amostra para os adultos e, assim, tiveram a possibilidade de notar que as crianças em geral apresentam REF inferior ao de adultos. O efeito é intensificado quando a criança tem entre três e cinco anos de idade. As crianças mais velhas (6 a 8 anos) têm um desempenho superior em relação às mais jovens (3 a 5 anos); no entanto, ao mesmo tempo, têm um desempenho menor quando comparadas aos adultos (18 a 30 anos). Isso aponta para o fato de que o reconhecimento de expressões tende a amadurecer ao longo da vida. Além dessas constatações, dois outros pontos são levantados: primeiro, todos os participantes, independentemente da idade e do gênero, tiveram seu desempenho em REF diminuído pela máscara pandêmica; segundo, embora o desempenho das crianças mais novas tenha sido baixo, ainda é significativamente superior ao acaso, algo que também se confirmou no estudo anterior (RUBA; POLLAK, 2020RUBA, Ashley L.; POLLAK, Seth D. Children’s emotion inferences from masked faces: Implications for social interactions during COVID-19. en. Edição: Zezhi Li. PLOS ONE, v. 15, n. 12, e0243708, dez. 2020. ISSN 1932-6203. DOI: 10.1371/journal.pone.0243708. Disponível em: <https://dx.plos.org/10.1371/journal.pone.0243708>. Acesso em: 21 out. 2022.
https://dx.plos.org/10.1371/journal.pone...
). No que diz respeito à comparação do efeito das máscaras pandêmicas sobre o reconhecimento de cada expressão, os pesquisadores não apresentaram nenhum tipo de análise, apenas uma matriz de confusão entre as emoções, na qual as crianças mais novas tendem a se confundir mais do que as crianças mais velhas e os adultos.

Em outro estudo, também com amostra de crianças (de 9 a 11 anos), Carbon e Serrano (2021CARBON, Claus-Christian; SERRANO, Martin. The Impact of Face Masks on the Emotional Reading Abilities of Children—A Lesson From a Joint School–University Project. en. i-Perception, v. 12, n. 4, p. 204166952110382, jul. 2021. ISSN 2041-6695, 2041-6695. DOI: 10.1177/20416695211038265. Disponível em: <http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/20416695211038265>. Acesso em: 11 nov. 2021.
http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/...
) constataram que, embora as máscaras pandêmicas tenham um efeito significativo, as crianças mantêm um bom desempenho geral na condição em que o rosto está coberto (77,7%). Em um estudo anterior realizado por Carbon (2020CARBON, Claus-Christian. Wearing Face Masks Strongly Confuses Counterparts in Reading Emotions. en. Frontiers in Psychology, v. 11, p. 566886, set. 2020. ISSN 1664-1078. DOI: 10.3389/fpsyg.2020.566886. Disponível em: <https://www.frontiersin.org/article/10.3389/fpsyg.2020.566886/full>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://www.frontiersin.org/article/10.3...
), os adultos tiveram um desempenho relativamente inferior (72%). O estudo de Carbon e Serrano (2021CARBON, Claus-Christian; SERRANO, Martin. The Impact of Face Masks on the Emotional Reading Abilities of Children—A Lesson From a Joint School–University Project. en. i-Perception, v. 12, n. 4, p. 204166952110382, jul. 2021. ISSN 2041-6695, 2041-6695. DOI: 10.1177/20416695211038265. Disponível em: <http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/20416695211038265>. Acesso em: 11 nov. 2021.
http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/...
) permitiu comparar o impacto da máscara pandêmica sobre o reconhecimento de diferentes emoções. Assim como em outros estudos feitos com estudantes (BANI et al., 2021BANI, Marco et al. Behind the Mask: Emotion Recognition in Healthcare Students. en. Medical Science Educator, v. 31, n. 4, p. 1273–1277, ago. 2021. ISSN 2156-8650. DOI: 10.1007/s40670-021-01317-8. Disponível em: <https://link.springer.com/10.1007/s40670-021-01317-8>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://link.springer.com/10.1007/s40670...
), e com adultos em geral (MARINI et al., 2021MARINI, Marco et al. The impact of facemasks on emotion recognition, trust attribution and re-identification. en. Scientific Reports, v. 11, n. 1, p. 5577, dez. 2021. ISSN 2045-2322. DOI: 10.1038/s41598-021-84806-5. Disponível em: <http://www.nature.com/articles/s41598-021-84806-5>. Acesso em: 21 out. 2022.
http://www.nature.com/articles/s41598-02...
; NOYES et al., 2021NOYES, Eilidh et al. The effect of face masks and sunglasses on identity and expression recognition with super-recognizers and typical observers. en. Royal Society Open Science, v. 8, n. 3, rsos.201169, 201169, mar. 2021. ISSN 2054-5703. DOI: 10.1098/rsos.201169. Disponível em: <https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rsos.201169>. Acesso em: 21 out. 2022.
https://royalsocietypublishing.org/doi/1...
), a felicidade foi a expressão mais reconhecida e não sofreu severamente o efeito da máscara pandêmica como em Bani et al. (2021BANI, Marco et al. Behind the Mask: Emotion Recognition in Healthcare Students. en. Medical Science Educator, v. 31, n. 4, p. 1273–1277, ago. 2021. ISSN 2156-8650. DOI: 10.1007/s40670-021-01317-8. Disponível em: <https://link.springer.com/10.1007/s40670-021-01317-8>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://link.springer.com/10.1007/s40670...
). Esse lugar de destaque foi ocupado pela expressão facial de nojo, que teve sua identificação reduzida pela metade, enquanto medo e tristeza foram menos prejudicadas. Os resultados confirmaram, também, que as máscaras pandêmicas aumentam as chances de confusão entre as emoções, pois a expressão de nojo foi frequentemente confundida com tristeza e com raiva, fenômeno documentado anteriormente (CALBI et al., 2021CALBI, Marta et al. The consequences of COVID-19 on social interactions: an online study on face covering. en. Scientific Reports, v. 11, n. 1, p. 2601, dez. 2021. ISSN 2045-2322. DOI: 10.1038/s41598-021-81780-w. Disponível em: <http://www.nature.com/articles/s41598-021-81780-w>. Acesso em: 11 nov. 2021.
http://www.nature.com/articles/s41598-02...
; CARBON, 2020CARBON, Claus-Christian. Wearing Face Masks Strongly Confuses Counterparts in Reading Emotions. en. Frontiers in Psychology, v. 11, p. 566886, set. 2020. ISSN 1664-1078. DOI: 10.3389/fpsyg.2020.566886. Disponível em: <https://www.frontiersin.org/article/10.3389/fpsyg.2020.566886/full>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://www.frontiersin.org/article/10.3...
; MARINI et al., 2021MARINI, Marco et al. The impact of facemasks on emotion recognition, trust attribution and re-identification. en. Scientific Reports, v. 11, n. 1, p. 5577, dez. 2021. ISSN 2045-2322. DOI: 10.1038/s41598-021-84806-5. Disponível em: <http://www.nature.com/articles/s41598-021-84806-5>. Acesso em: 21 out. 2022.
http://www.nature.com/articles/s41598-02...
). Se, em outros estudos, a expressão neutra coberta por máscara pandêmica foi confundida com tristeza (CARBON, 2020CARBON, Claus-Christian. Wearing Face Masks Strongly Confuses Counterparts in Reading Emotions. en. Frontiers in Psychology, v. 11, p. 566886, set. 2020. ISSN 1664-1078. DOI: 10.3389/fpsyg.2020.566886. Disponível em: <https://www.frontiersin.org/article/10.3389/fpsyg.2020.566886/full>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://www.frontiersin.org/article/10.3...
; MARINI et al., 2021MARINI, Marco et al. The impact of facemasks on emotion recognition, trust attribution and re-identification. en. Scientific Reports, v. 11, n. 1, p. 5577, dez. 2021. ISSN 2045-2322. DOI: 10.1038/s41598-021-84806-5. Disponível em: <http://www.nature.com/articles/s41598-021-84806-5>. Acesso em: 21 out. 2022.
http://www.nature.com/articles/s41598-02...
), em Carbon e Serrano (2021CARBON, Claus-Christian; SERRANO, Martin. The Impact of Face Masks on the Emotional Reading Abilities of Children—A Lesson From a Joint School–University Project. en. i-Perception, v. 12, n. 4, p. 204166952110382, jul. 2021. ISSN 2041-6695, 2041-6695. DOI: 10.1177/20416695211038265. Disponível em: <http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/20416695211038265>. Acesso em: 11 nov. 2021.
http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/...
) o fenômeno mudou de direção, pois as crianças frequentemente assinalaram neutro em expressões de tristeza.

A respeito do reconhecimento de expressões emocionais no público da terceira idade, Kang et al. (2021KANG, Jungsuk et al. Age and Cultural Differences in Recognitions of Emotions from Masked Faces among Koreans and Americans. en. International Journal of Environmental Research and Public Health, v. 18, n. 19, p. 10555, out. 2021. ISSN 1660-4601. DOI: 10.3390/ijerph181910555. Disponível em: <https://www.mdpi.com/1660-4601/18/19/10555>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://www.mdpi.com/1660-4601/18/19/105...
) mostraram que o desempenho deste grupo é mais afetado do que o desempenho de adultos. A dificuldade é maior no reconhecimento das expressões de valência positiva, como surpresa e felicidade. No caso dos jovens, a dificuldade está em identificar emoções de valência negativa, como medo e tristeza (KANG et al., 2021KANG, Jungsuk et al. Age and Cultural Differences in Recognitions of Emotions from Masked Faces among Koreans and Americans. en. International Journal of Environmental Research and Public Health, v. 18, n. 19, p. 10555, out. 2021. ISSN 1660-4601. DOI: 10.3390/ijerph181910555. Disponível em: <https://www.mdpi.com/1660-4601/18/19/10555>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://www.mdpi.com/1660-4601/18/19/105...
). O conjunto de informações sobre o reconhecimento em crianças (CARBON; SERRANO, 2021CARBON, Claus-Christian; SERRANO, Martin. The Impact of Face Masks on the Emotional Reading Abilities of Children—A Lesson From a Joint School–University Project. en. i-Perception, v. 12, n. 4, p. 204166952110382, jul. 2021. ISSN 2041-6695, 2041-6695. DOI: 10.1177/20416695211038265. Disponível em: <http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/20416695211038265>. Acesso em: 11 nov. 2021.
http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/...
; GORI; SCHIATTI; AMADEO, 2021GORI, Monica; SCHIATTI, Lucia; AMADEO, Maria Bianca. Masking Emotions: Face Masks Impair How We Read Emotions. pt. Frontiers in Psychology, v. 12, p. 669432, mai. 2021. ISSN 1664-1078. DOI: 10.3389/fpsyg.2021.669432. Disponível em: <https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fpsyg.2021.669432/full>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://www.frontiersin.org/articles/10....
; RUBA; POLLAK, 2020RUBA, Ashley L.; POLLAK, Seth D. Children’s emotion inferences from masked faces: Implications for social interactions during COVID-19. en. Edição: Zezhi Li. PLOS ONE, v. 15, n. 12, e0243708, dez. 2020. ISSN 1932-6203. DOI: 10.1371/journal.pone.0243708. Disponível em: <https://dx.plos.org/10.1371/journal.pone.0243708>. Acesso em: 21 out. 2022.
https://dx.plos.org/10.1371/journal.pone...
) adultos e idosos (KANG et al., 2021KANG, Jungsuk et al. Age and Cultural Differences in Recognitions of Emotions from Masked Faces among Koreans and Americans. en. International Journal of Environmental Research and Public Health, v. 18, n. 19, p. 10555, out. 2021. ISSN 1660-4601. DOI: 10.3390/ijerph181910555. Disponível em: <https://www.mdpi.com/1660-4601/18/19/10555>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://www.mdpi.com/1660-4601/18/19/105...
) parece sugerir que a relação entre o reconhecimento de expressões emocionais e a idade segue um modelo de “U” invertido, porque aumenta durante os primeiros anos de vida e, depois, regride nas últimas décadas de vida.

Por último, o experimento realizado por Kang et al. (2021KANG, Jungsuk et al. Age and Cultural Differences in Recognitions of Emotions from Masked Faces among Koreans and Americans. en. International Journal of Environmental Research and Public Health, v. 18, n. 19, p. 10555, out. 2021. ISSN 1660-4601. DOI: 10.3390/ijerph181910555. Disponível em: <https://www.mdpi.com/1660-4601/18/19/10555>. Acesso em: 11 nov. 2021.
https://www.mdpi.com/1660-4601/18/19/105...
) ainda buscou observar se o REF de expressões faciais era sensível às diferenças culturais entre sul coreanos e estadunidenses. Assim, a pesquisa revelou uma vantagem dos coreanos no REF de nojo, medo, tristeza e felicidade cobertas por máscaras pandêmicas sobre os americanos na mesma condição. Os pesquisadores explicam esse resultado a partir da concepção de que os coreanos – de cultura coletivista – concentram-se na região dos olhos para discriminar expressões, enquanto os americanos – de cultura individualista – destacam a região da boca. Ao dependerem mais da visualização da boca, que é coberta pela máscara pandêmica, os americanos teriam desvantagem no REF de rostos cobertos por máscara pandêmicas, em comparação aos coreanos que concentram-se nos olhos.

4

Conclusão

Entender o que o outro está sentindo a partir do que ele expressa em seu rosto é essencial para uma interação eficaz. Em conjunto, os dados levantados neste estudo apontam para um impacto significativo das máscaras pandêmicas sobre o reconhecimento das emoções e, ao mesmo tempo, evidenciam esses efeitos sobre cada uma das emoções. Dessa perspectiva é possível identificar alguns padrões: a) a expressão facial de felicidade é aquela que tende a ser mais reconhecida; b) a expressão facial de tristeza, embora muito relacionada aos olhos, ainda depende da boca para ser discriminada; c) expressões faciais negativas, como a de raiva, medo e tristeza, têm seu impacto negativo minimizado sobre o observador; d) a categoria neutra tende a ser alvo de confusões especialmente com a tristeza.

Também é possível inferir que a maior parte da literatura sobre o assunto se concentra na observação de estímulos estáticos, sendo que nesta revisão apenas um artigo utilizou estímulos dinâmicos. Além disso, foram escassos estudos que apresentassem tempo de exposição como variável independente mesmo com muitos estudos pré-pandêmicos apontando para a importância de investigá-lo, uma vez que muitas expressões acontecem em milissegundos. Outra questão a ser considerada é a variabilidade étnica dos estímulos, pois a maioria é composta apenas por rostos caucasianos. Embora grande parte dos estudos tenha como suporte teórico a Abordagem da Expressão Emocional do Ekman (2002EKMAN, Paul. The facial action coding system. Salt Lake City: Research Nexus eBook, 2002.), nenhum dos estudos identificados nesta revisão explorou as implicações das máscaras pandêmicas sobre o REF considerando o Facial Action Coding System (FACS) e suas Unidades de Ação. Dessa forma, os resultados da presente revisão sugerem que novos estudos se alinhem em volta de uma homogeneidade metodológica no sentido de trazer estímulos dinâmicos, com medidas de tempo de resposta e de exposição de estímulo. Ademais, a busca por variabilidade étnica dos estímulos e a exploração do FACS no reconhecimento das expressões faciais com máscara também são tarefas recomendadas. Por fim, devem ser incluídas variáveis contextuais do participante, como seu estado emocional, o seu nível de cansaço e o local onde realizou as avaliações sobre as expressões faciais.

5

Considerações finais

Esta revisão sistemática traça um perfil dos estudos sobre o efeito das máscaras pandêmicas no reconhecimento de expressões emocionais e pode servir para aprimoramentos teóricos e metodológicos de pesquisas futuras. Para além disso, este estudo pode auxiliar na promoção de políticas públicas voltadas para o aperfeiçoamento do REF de rostos com máscaras nas áreas da educação e de saúde mental. Tais melhorias podem ser feitas a partir do treino baseado no FACS, com foco na parte superior do rosto, da interpretação de características situacionais, que, conforme foi mostrado nesta revisão, podem determinar o nível de eficácia no REF. Por último, tanto em casos com crianças quanto em casos com adultos, este estudo pode servir como base empírica para intervenções em psicoeducação sobre as formas de expressar emoções e sentimentos na comunicação e sobre a importância de fazê-lo diretamente a partir da fala.

Tabela 1.
Descrição das principais características metodológicas.
Tabela 2.
Descrição dos Principais Resultados.

Referências

  • 1
    As máscaras pandêmicas são coberturas faciais da metade inferior do rosto, que podem ser de algodão (tecido caseiro), poliéster (como a cirúrgica e a N95) ou de material filtrante especial (PFF2).

Editado por

Editor de seção:

Daniervelin Pereira

Editor de layout:

Leonado Araújo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    28 Out 2022
  • Aceito
    05 Jan 2023
Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG Av. Antônio Carlos, 6627 - Pampulha, Cep: 31270-901, Belo Horizonte - Minas Gerais / Brasil, Tel: +55 (31) 3409-6009 - Belo Horizonte - MG - Brazil
E-mail: revistatextolivre@letras.ufmg.br