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“BOTA FOGO NESSES VAGABUNDOS!”: ENTEXTUALIZAÇÕES DE XENOFOBIA NA TRAJETÓRIA TEXTUAL DE UMA FAKE NEWS

“BOTA FOGO NESSES VAGABUNDOS!”: ENTEXTUALIZATIONS OF XENOPHOBIA IN THE TEXTUAL TRAJECTORY OF A FAKE NEWS

RESUMO

Com a emergência da internet como infraestrutura de inovação nos modos de comunicação, a produção de fake news cresceu em profusão, facilitando os modos de publicação e o compartilhamento de informações e notícias falsas. As fake news têm extrapolado a materialidade dos textos e potencializado discursos de ódio na sociedade e violações aos direitos humanos, a exemplo de ataques xenofóbicos a imigrantes no país. Afiliado à vertente indisciplinar da Linguística Aplicada (Moita Lopes, 2006MOITA LOPES, L. P. da. (Org.). (2006). Por uma linguística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial .; Cavalcanti, 2013CAVALCANTI, M. C. (2013). Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In: MOITA LOPES, L. P. Linguística Aplicada na modernidade recente. São Paulo: Parábola.), este estudo de base qualitativo-interpretativista busca analisar que entextualizações foram mobilizadas na trajetória textual de uma fake news em diferentes plataformas digitais e que posicionamentos os participantes da interação assumem em relação à situação da migração de crise no país. O corpus recobre a trajetória textual do evento ‘Bota fogo!’, referente ao ataque a imigrantes venezuelanos em Pacaraima, ocorrido em 18 de agosto de 2018. Os resultados indicam que a propagação de fake news mobiliza posicionamentos discursivo-identitários preconceituosos em interações virtuais, e, além disso, impulsionam reações xenofóbicas fora das redes online.

Palavras-chave:
fake news; migrantes de crise; xenofobia

ABSTRACT

With the emergence of the internet as an infrastructure for innovation in communication modes, fake news production has grown profusely, facilitating modes of publishing and sharing false information and news. Fake news has extrapolated the materiality of the texts and increased hate speech in society and violations of human rights, such as xenophobic attacks on immigrants in Brazil. In this study, we seek to analyze which entextualizations were mobilized in the textual trajectory of a fake news on different digital platforms and what positions the participants of the interaction take in relation to the situation of crisis migration in the country. This work is based on the theoretical-analytical constructs of Applied Linguistics (Moita Lopes, 2006MOITA LOPES, L. P. da. (Org.). (2006). Por uma linguística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial .; Cavalcanti, 2013CAVALCANTI, M. C. (2013). Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In: MOITA LOPES, L. P. Linguística Aplicada na modernidade recente. São Paulo: Parábola.). The corpus covers the textual trajectory of the event ‘Bota Fogo!’, referring to the attack on Venezuelan immigrants in Pacaraima, occurred on August 18, 2018. The results indicate that the spread of fake news mobilizes prejudiced discursive-identity positions in virtual interactions, but also drives xenophobic reactions outside online networks.

Keywords:
fake news; crisis migrants; xenophobia

INTRODUÇÃO

A popularização da internet e o crescimento das plataformas digitais e das redes sociais online permitiram o surgimento de novas formas de interação e de comunicação, proporcionando um ambiente fecundo para a produção de fake news, instaurando, segundo Santaella (2018)SANTAELLA, L. (2018). A Pós-Verdade é verdadeira ou falsa? São Paulo: Estação das Letras., uma lógica inédita que facilita os modos de publicação e o compartilhamento de informações e notícias falsas. A expressão fake news é relativamente nova, mas o que ela representa não é necessariamente novo. As notícias falsas, definidas como “boatos, fofocas ou rumores que são deliberadamente criados para ludibriar ou fornecer informações enganadoras” (SANTAELLA, 2018SANTAELLA, L. (2018). A Pós-Verdade é verdadeira ou falsa? São Paulo: Estação das Letras., p. 29) sempre existiram e podem causar problemas graves quando sua falsidade se revela.

Embora não haja novidade no uso, é importante marcar a diferença entre fake news e boatos/rumores. Os boatos e rumores não são enunciações necessariamente falsas. Nas palavras de Piaia (2018PIAIA, V. R. (2018). Rumores, fake news e o impeachment de Dilma Rousseff. Teoria e Cultura. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais - UFJF. v. 13, n. 2, p. 22-39, dez., p. 28), podem servir como “uma forma de orientação coletiva e podem ser definidos somente pela falta de verificação e não pela sua veracidade ou não”. Os rumores, geralmente, surgem em situações de indefinição ou de crise como, por exemplo, um período de transição política, momentos de violência, desastres ambientais etc., ou seja, são marcados por especulações a partir da falta de informações.

As fake news, por outro lado, além do caráter de veicularem informação falsa, não surgem em um momento de incerteza e visam declaradamente desestabilizar um contexto estável. Seu impacto advém de sua frequência e proliferação em tempo real. Conforme explica Santaella (2018SANTAELLA, L. (2018). A Pós-Verdade é verdadeira ou falsa? São Paulo: Estação das Letras., p. 32), “o usuário compartilha sem nem mesmo ler o conteúdo, só passando os olhos na chamada e na imagem, cujo poder de atração as colocam no foco central da atenção”. As fake news, quase sempre combinadas com títulos e imagens impactantes, têm como objetivo provocar a reação emocional do receptor, através do apelo ao sensacionalismo. Além disso, buscam “influenciar a visão que as pessoas têm dos fatos, para causar confusão desinteressada ou interessada” (SANTAELLA, 2018SANTAELLA, L. (2018). A Pós-Verdade é verdadeira ou falsa? São Paulo: Estação das Letras., p. 33), ou mesmo promover um programa de campanha política.

Ao lado de acepções como “pós-verdade”, “mídia falsa” e “fatos alternativos”, o termo fake news ganhou destaque a partir das eleições de 2016 nos Estados Unidos, com a disseminação de desinformação, em grande parte, “pelo então candidato Donald Trump contra seus adversários na mídia para desqualificar as informações que desfavoreciam sua candidatura” (INTERVOZES, 2019INTERVOZES - Coletivo Brasil de Comunicação Social. (2019). Desinformação: ameaça ao direito à comunicação muito além das fake news. São Paulo: Intervozes., p. 7). Ross e Rivers (2018)ROSS, A. S.; RIVERS, D. J. (2018). Discursive Deflection: Accusation of “Fake News” and the Spread of Mis- and Disinformation in the Tweets of President Trump. Social Media + Society. SAGE Publications. v. 4, n. 2, pp. 1-12. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1177/2056305118776010>. Acesso em: 18 set. 2019.
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destacam o fato de Trump predicar a mídia insistentemente como desonesta e não confiável. As interações do político atraíram críticas por parte do jornalismo profissional, pois sua retórica consistia em fazer acusações à imprensa e disseminar notícias falsas, ao mesmo tempo que desviava a atenção para si.

O emprego de estratégias de desinformação na cena política não teve início com a internet. A mídia tradicional também já foi acusada de ocultar fatos para favorecer seus interesses. A inovação que surge com as novas tecnologias pode estar na “escala (a velocidade da propagação quase imediata combinada com alcance global, popularizada como “viralização”) e no direcionamento segmentado das mensagens associado à coleta de dados pessoais dos(as) usuários(as) de Internet” (INTERVOZES, 2019INTERVOZES - Coletivo Brasil de Comunicação Social. (2019). Desinformação: ameaça ao direito à comunicação muito além das fake news. São Paulo: Intervozes., p. 6). Somam-se a essa promoção deliberada de desinformação o uso de “bots” e “ciborgues”, ou seja, instrumentos automatizados de distribuição de conteúdo na internet1 1 O Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio), em pesquisa realizada a partir da análise de grupos de WhatsApp, identificou o uso de bots na difusão de um grande volume de fake news no período eleitoral de 2018 (INTERVOZES, 2019). .

É ao processo eleitoral de 2018, no Brasil, que se atribui o crescimento na “produção e difusão em escala industrial de conteúdos enganosos criados para incentivar o ódio, o preconceito e a discriminação” (INTERVOZES, 2019INTERVOZES - Coletivo Brasil de Comunicação Social. (2019). Desinformação: ameaça ao direito à comunicação muito além das fake news. São Paulo: Intervozes., p. 23). Nos dados citados por Cesarino (2018CESARINO, L. (2018). Populismo digital: roteiro inicial para um conceito, a partir de um estudo de caso da campanha eleitoral de 2018. Disponível em: <https://www.academia.edu/42077568/Como_vencer_uma_elei%C3%A7%C3%A3o_sem_sair_de_casa_a_ascens%C3%A3o_do_populismo_digital_no_Brasil_Internet_and_Sociedade_2020>. Acesso em: 22 jan. 2020.
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, p. 1), “98,21% dos eleitores de Bolsonaro foram expostos a uma ou mais mensagens com conteúdo falso durante a eleição, e 89,77% acreditaram que eram verdadeiros”. Em sua maioria, na percepção da autora, não se confirmou a falsidade integral do conteúdo, mas sim sua distorção; muitos foram retirados de contexto ou disseminados sem referências confiáveis. O alvo dessas fake news giravam, principalmente, em torno de ataques às mulheres, à comunidade LGBTQIA+, aos negros e aos imigrantes e/ou refugiados (venezuelanos), mas também à mídia brasileira.

Nessa direção, Wardle & Derakhshan (2017)WARDLE, C.; DERAKHSHAN, H. (2017). Information Disorder: Toward an interdisciplinary framework for research and policymaking. Relatório do Council of Europe. Disponível em: <https://rm.coe.int/information-disorder-report-november-2017/1680764666>. Acesso em: 17 jan. 2020.
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, evitando usar estritamente o termo fake news para explicar a complexidade dos fenômenos da desordem de informação, introduzem três conceitos - mis-information, dis-information e mal-information - para se referir à propagação inadequada de informações. Numa definição dos pesquisadores, a primeira (informação incorreta) corresponde ao compartilhamento inadvertido de informações falsas ou imprecisas, mas nenhum dano é causado; a segunda (desinformação) refere-se à criação e disseminação intencionalmente maliciosa de informações conhecidas como falsas, no intuito de causar danos; enquanto mal-information (informação mal-intencionada) são informações genuínas compartilhadas para causar danos, geralmente mobilizando informações projetadas para permanecer privadas na esfera pública (WARDLE & DERAKHSHAN, 2017WARDLE, C.; DERAKHSHAN, H. (2017). Information Disorder: Toward an interdisciplinary framework for research and policymaking. Relatório do Council of Europe. Disponível em: <https://rm.coe.int/information-disorder-report-november-2017/1680764666>. Acesso em: 17 jan. 2020.
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, p. 5). Entretanto, Ross & Rivers (2018)ROSS, A. S.; RIVERS, D. J. (2018). Discursive Deflection: Accusation of “Fake News” and the Spread of Mis- and Disinformation in the Tweets of President Trump. Social Media + Society. SAGE Publications. v. 4, n. 2, pp. 1-12. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1177/2056305118776010>. Acesso em: 18 set. 2019.
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advertem que existe a possibilidade de as pessoas compartilharem fake news de forma deliberada sem saber a priori tratar-se de notícias falsas, acreditando, de fato, que as mensagens carregam informações verdadeiras.

Após a propagação de fake news nas eleições de 2016 nos EUA, o Facebook se uniu a vários sites de verificação de fatos (fact-checking) para sinalizar aos usuários quando os conteúdos postados na plataforma digital pareciam potencialmente falsos ou deliberadamente enganosos. Fact-checking, segundo Bakir & Mcstay (2017)BAKIR, V.; MCSTAY, A. (2017). Fake News and The Economy of Emotions.Digital Journalism. v. 6, n. 2, p.1-19. http://dx.doi.org/10.1080/21670811.2017.1345645.
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, corresponde ao processo de verificação de fatos, determinando a melhor fonte para realizar a checagem e avaliando se as evidências confirmam ou contradizem as alegações.

No Brasil, algumas iniciativas e sites vêm sendo criados no intuito de somar esforços para alertar, verificar e/ou combater a disseminação de fake news e desinformação. Santaella (2018)SANTAELLA, L. (2018). A Pós-Verdade é verdadeira ou falsa? São Paulo: Estação das Letras. apresenta alguns exemplos: o Vaza, Falsiane!, projeto do Facebook; o bot FactMa, com orientação no Messenger sobre como trafegar na internet; as agências de checagem de informações o Truco, da Agência Pública, o site Aos Fatos e a Agência Lupa, da Revista Piauí. Podemos citar ainda as cartilhas informativas do Intervozes (2019)INTERVOZES - Coletivo Brasil de Comunicação Social. (2019). Desinformação: ameaça ao direito à comunicação muito além das fake news. São Paulo: Intervozes., os cursos para professores do Projeto EducaMídia e a Sala de Democracia Digital, uma iniciativa da Fundação Getúlio Vargas para monitorar o debate público e o impacto das práticas de desinformação nas redes sociais, principalmente durante o período eleitoral de 2018.

Esse breve panorama mostra que já existem algumas iniciativas buscando compreender o fenômeno das fake news na sociedade. Nesse sentido, tentando contribuir com a discussão do tema a partir da perspectiva indisciplinar e pós-colonial da Linguística Aplicada (MOITA LOPES, 2006MOITA LOPES, L. P. da. (Org.). (2006). Por uma linguística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial .; CAVALCANTI, 2013CAVALCANTI, M. C. (2013). Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In: MOITA LOPES, L. P. Linguística Aplicada na modernidade recente. São Paulo: Parábola.), tenho como objetivo analisar quais entextualizações foram mobilizadas na trajetória textual de uma fake news em diferentes plataformas digitais e que posicionamentos os participantes da interação assumem em relação à situação da migração de crise2 2 Utilizo o termo “migração de crise” para me referir a refugiados e migrantes no sentido de signatários deslocados, considerados, segundo Bizon e Camargo (2018, p. 712), com base em Baeninger e Peres (2017), “os migrantes com a condição jurídica de refugiado, migrantes solicitantes de refúgio, migrantes com ‘refúgio humanitário’, crise humanitária e migrantes refugiados ambientais”. no país. Com vistas a fundamentar essa proposta, num primeiro momento, discorro brevemente sobre a questão da migração contemporânea, mais especificamente sobre a vinda de venezuelanos para o Brasil, e uma dimensão do problema da xenofobia em Roraima. Na sequência, apresento os construtos teórico-analíticos dos estudos de narrativas e da noção de entextualização (BAUMAN & BRIGGS, 2006; BLOMMAERT, 2008BLOMMAERT, J. (2008). Contexto é/como crítica. In. (Org.): SIGNORINI, I. Situar a linguagem. São Paulo: Parábola Editorial, p. 91-115., 2010BLOMMAERT, J. (2010).The Sociolinguistics of Globalization. Cambridge: University Press.; DE FINA & TSENG, 2017DE FINA, A.; TSENG, A. (2017). Narrative in the study of migrants. In.: (Org.) CANAGARAJAH, S. The Routledge Handbook of Migration and Language. London, UK: Routledge, pp. 381-396.), valendo-me, também, da análise de ordens e pistas de indexicalização (WORTHAM, 2001WORTHAM, S. (2001). Narratives in action. A strategy for research and analysis. New York/London: Teachers College; Columbia University.; BIZON, 2013BIZON, A. C. C. (2013). Narrando o exame Celpe-Bras e o convênio PEC-G: a construção de territorialidades em tempos de internacionalização. Tese de Doutorado em Linguística Aplicada. Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp, Campinas.). Na última seção, analiso o corpus recortado, percorrendo, em especial, a trajetória textual de uma fake news que impulsionou o evento nomeado pela mídia de “Bota fogo!”, referente ao ataque de brasileiros ao acampamento de migrantes venezuelanos em Roraima, ocorrido em 18 de agosto de 2018. Com esse artigo, mais que analisar os elementos que caracterizam textualmente uma fake news, preocupo-me em refletir sobre o impacto desse fenômeno para desacreditar as instituições democráticas, ao produzir desinformação e enquadrar-se como fonte de “verdade” aceitável. Do mesmo modo, chama a minha atenção a capacidade tendenciosa das fake news ao influenciar as crenças das pessoas, a ponto de potencializar violações aos direitos humanos, sejam elas por meio de reações preconceituosas motivadas por discursos de ódio ou através de atos xenofóbicos que têm extrapolado a materialidade dos textos, a exemplo dos inúmeros ataques à vida de migrantes que tentam sobreviver no país.

1. MIGRAÇÕES E XENOFOBIA: UM MAPA EM DIFERENTES ESCALAS

Nos últimos anos do século XXI, a complexidade e heterogeneidade da migração internacional têm produzido transformações na configuração dos fluxos migratórios. Conforme relata o ACNUR (2018)ACNUR - Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (2018). Relatório Anual Global Trends: forced displacement in 2018. Disponível em: <https://www.unhcr.org/5d08d7ee7.pdf#_ga=2.244458885.1089995143.1576841892-1776333326.1576100910>. Acesso em: 17 dez. 2019.
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, aproximadamente 70,8 milhões de pessoas estão em situação de deslocamento forçado no mundo, sendo 25,9 milhões de refugiados3 3 A Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997, define refugiados como as pessoas que estão fora de seu país de origem devido a fundados temores de perseguição relacionados a questões de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um grupo social específico ou opinião política e não podem ou não querem valer-se da proteção de seu país, ou àquelas que foram obrigadas a deixá-lo devido à grave e generalizada violação de direitos humanos. e 3,5 milhões de solicitantes de refúgio.

Com a incorporação do Brasil na rota das migrações contemporâneas, é perceptível o aumento no número de migrantes que chegaram ao país na última década. Numa comparação de dados obtidos do Sistema de Registro Nacional Migratório (SISMIGRA), o país tinha cerca de 55.152 imigrantes em 2010, e em 2015 esse número cresceu para 115.960 mil, representando um aumento de mais de 110%. Considerando todos os amparos legais, entre os anos de 2011 e 2018 o Brasil registrou o número de 774,2 mil imigrantes (OBMigra, 2019). Desse total, 492,7 mil são considerados imigrantes de longo termo, ou seja, aqueles que permanecem no país em um período superior a um ano, e são oriundos, em maior medida, do Sul Global4 4 O Sul Global é uma categoria que coincide apenas parcialmente com o sul geográfico, pois visa caracterizar os espaços/territórios mais pelo seu posicionamento em relação à distribuição desigual de poder global. Sendo o Norte Global definido por sua centralidade e hegemonia, e o Sul Global por seu caráter periférico e subordinado (SOUSA SANTOS et. al., 2018). . O Observatório registra que, diferentemente das imigrações do final do século XIX e início do século XX, os novos fluxos migratórios para o Brasil são protagonizados por “haitianos, principal nacionalidade no mercado de trabalho, os venezuelanos, fluxo migratório que cresceu de forma significativa a partir de 2016, além de outras nacionalidades tais como os senegaleses, bolivianos, colombianos e bengalis” (OBMigra, 2019, p. 3).

A acolhida humanitária aos haitianos e aos venezuelanos responde por um volume importante dos registros. Mas vale destacar “o papel relevante na imigração venezuelana, responsável pelo maior volume de registros concedidos aos migrantes de longo termo em 2018, cerca de 32 mil” (OBMigra, 2019, p. 88). O relatório mensal mais atualizado do Observatório divulga o número de 17.741 mil registros de migrantes em janeiro de 2020, sendo 9.723 de solicitantes venezuelanos, 2.573 haitianos e 512 colombianos.

O crescimento em relação à migração forçada de refugiados e uma diversificação quanto ao perfil dos solicitantes de reconhecimento da condição de refugiado5 5 São as pessoas que solicitam ao Estado Brasileiro serem reconhecidas como refugiadas, mas que ainda não tiveram sua solicitação de reconhecimento deliberada pelo Comitê Nacional para os Refugiados, mas que, enquanto aguardam a decisão, encontram-se em situação migratória regular em todo o território nacional (CONARE, 2018). também são bastante significativos. Dados do último relatório anual do CONARE mostram que, até dezembro de 2018, foram recebidas 85.438 solicitações de reconhecimento da condição de refugiado somente da Venezuela. Dessas, 61.681 foram realizadas apenas em 2018 e 81% das solicitações foram apresentadas no estado de Roraima (CONARE, 2018CONARE - Comitê Nacional para os Refugiados. (2018). Relatório Refúgio em Números - 4ª Edição. Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública. Disponível em: <https://www.justica.gov.br/seus-direitos/refugio/refugio-em-numeros>. Acesso em 19 dez. 2019
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). Nos primeiros seis meses de 2019, a movimentação de trabalhadores venezuelanos foi superior a de todo o ano de 2018, o que, de acordo com o Relatório Anual do Observatório (OBMigra, 2019, p. 3), “sinaliza que o mercado de trabalho formal vem absorvendo fortemente o contingente de imigrantes no país”. Entre os meses de dezembro de 2019 e janeiro de 2020, com cerca de 8 mil solicitações de refúgio, a Venezuela continua no topo da lista de pedidos, e o município de Pacaraima registrou o maior número deles, com destaque para o estado de Roraima como porta de entrada e saída no território nacional.

As decisões de migrar são motivadas por fatores distintos e estão incorporadas às experiências cotidianas e à complexidade humana. Migrantes e refugiados se movem ao tentar fugir de guerras, fome ou problemas políticos; há pessoas que se deslocam em busca de emprego ou melhores condições de trabalho e moradia. Como observado, mesmo que a mobilidade humana seja motivada por um problema primordial, a ação que gera o movimento raramente envolve um único fator. No caso da Venezuela, mais de 3 milhões de venezuelanos deixaram suas casas por muitas razões: “violência, insegurança, medo de serem alvo de suas opiniões políticas (reais ou percebidas), escassez de alimentos e remédios, falta de acesso a serviços sociais e incapacidade de sustentar a si e a suas famílias” (ACNUR, 2018ACNUR - Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (2018). Relatório Anual Global Trends: forced displacement in 2018. Disponível em: <https://www.unhcr.org/5d08d7ee7.pdf#_ga=2.244458885.1089995143.1576841892-1776333326.1576100910>. Acesso em: 17 dez. 2019.
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, p. 24).

Apesar do crescente aumento de migrantes e refugiados venezuelanos no Brasil, o número ainda é pequeno se comparado a uma escala global. Ainda assim, tem representado forte impacto nas comunidades que os recebem, principalmente na fronteira do Brasil com a Venezuela. A dinâmica transnacional já era uma característica cotidiana no município de Pacaraima (RR), mas começou a aumentar a partir do final de 2015, intensificando-se em 2016 e 2017. Com a justificativa de organizar o intenso fluxo migratório ocasionado pela crise social e econômica na Venezuela, Suely Campos, governadora de Roraima na época, publicou em 4 de dezembro de 2017, o Decreto Estadual n.º 24.469-E, declarando situação de emergência social. Dessa forma, os migrantes que se concentravam nas ruas, praças e estabelecimentos públicos, passaram a ser acomodados em abrigos criados pelo governo estadual, com o auxílio de entidades não governamentais, como ONGs e instituições religiosas.

Nas palavras de Ruseishvili, Carvalho e Nogueira (2018)RUSEISHVILI, S.; CARVALHO, R. C. de; NOGUEIRA, M. F. S. (2018). Construção social do estado de emergência e governança das migrações. O Decreto Estadual Nº. 24.469-E como divisor de águas. In.: BAENINGER, R.; SILVA, J. C. J. (Coods.); ZUBEN, C. von et al. (Orgs.) Migrações Venezuelanas. Campinas, SP: Nepo/Unicamp, pp. 57-67., a repetição das expressões “emergência” e “crise” no texto do decreto indicia um discurso de desastre e ameaça que requer a tomada de decisões urgentes. Para os autores, isso acabou, por um lado, mobilizando a sociedade civil, organizações nacionais e internacionais, e por outro, contribuiu para legitimar discursos e práticas intervencionistas em nome da ação humanitária, principalmente sob o comando das Forças Armadas. Nesse caso, a construção da retórica da emergência e da crise, criada por agentes públicos e políticos no intuito de requerer recursos logísticos e financeiros do governo federal e, sistematicamente, reforçada pela mídia, colaborou para a difusão de atos violentos e uma onda de xenofobia em meio a um cenário de caos já instaurado em Pacaraima e em outros municípios de Roraima.

Como explica Schwarcz (2019)SCHWARCZ, Lilia Moritz (2019). Sobre o autoritarismo brasileiro. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras., são muitos os registros de violência e intolerância a diferentes grupos da sociedade nos últimos anos. Nos meses que precederam as eleições de 2018 - agosto, setembro e outubro -, foram registrados cerca de 16 casos por dia de crimes por intolerância racial, religiosa, social, de gênero e de etnia. De acordo com a autora, desde 2015 houve um aumento de 63% dos casos de xenofobia contra estrangeiros provenientes do Haiti, África e América Latina, sendo que só 1% resultou em processo judicial (SCHWARCZ, 2019SCHWARCZ, Lilia Moritz (2019). Sobre o autoritarismo brasileiro. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras., p. 219).

Nos últimos doze anos, a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos recebeu 150.367 denúncias envolvendo apenas os casos de xenofobia (INTERVOZES, 2019INTERVOZES - Coletivo Brasil de Comunicação Social. (2019). Desinformação: ameaça ao direito à comunicação muito além das fake news. São Paulo: Intervozes., p. 21). Esses altos índices têm alertado algumas organizações da sociedade civil sobre a relação do discurso de ódio na internet com ataques e manifestações de violência fora dela.

Desde o início de 2018, vêm sendo registrados inúmeros ataques e crimes com motivação xenofóbica aos migrantes venezuelanos em Roraima. Conforme matéria publicada em 22 de março de 20186 6 Disponível em: < https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/03/22/Os-3-ataques-cometidos-contra-imigrantes-venezuelanos-em-Roraima >. Acesso em: 15 jan. 2020. pelo Nexo Jornal, em 05 de fevereiro daquele ano, um homem lançou uma bomba incendiária contra uma casa onde viviam 31 venezuelanos. No dia 19 de março de 2018, um grupo de 300 brasileiros queimou os pertences e expulsou 200 venezuelanos de um abrigo em Boa Vista. Em 18 de agosto de 2018, um grupo de brasileiros com fogo, bombas e pauladas expulsou cerca de 1.200 venezuelanos que estavam acampados na fronteira de Pacaraima (RR). As agressões contra a vida de venezuelanos continuaram em 2019, como denunciou a reportagem de 28 de novembro de 20197 7 Disponível em: < https://theintercept.com/2019/11/28/violencia-xenofobia-venezuelanos-roraima/ >. Acesso em: 15 jan. 2020. do Jornal The Intercept Brasil - dois venezuelanos (um com 28 anos e outro com 51) foram assassinados enquanto dormiam nas ruas da capital roraimense. Esses são apenas alguns dos inúmeros casos de xenofobia ocorridos contra migrantes e refugiados venezuelanos instalados em Roraima.

Alguns significados que a palavra xenofobia carrega vinculam-se a medo, rejeição, antipatia e profunda aversão ao estrangeiro. Implica também desconfiança e preconceito em relação às pessoas estranhas ao país e às construções culturais daqueles que se consideram como estando em seu território. Como expõe Albuquerque Jr. (2016)ALBUQUERQUE Jr., D. M. de. (2016). Xenofobia: medo e rejeição ao estrangeiro. São Paulo: Cortez., a xenofobia pode concretizar-se de distintas maneiras, seja na recusa de conviver com o diferente ou na manifestação de agressões físicas ou simbólicas. Em casos extremos (como nos exemplos anteriores), a xenofobia pode levar ao extermínio do estrangeiro, entendido, em muitos casos, como “um invasor do território e predador dos recursos naturais, das oportunidades de trabalho e riqueza que pertenceriam, naturalmente, ao grupo que estaria sendo invadido e predado” (ALBUQUERQUE Jr., 2016ALBUQUERQUE Jr., D. M. de. (2016). Xenofobia: medo e rejeição ao estrangeiro. São Paulo: Cortez., p. 10).

De acordo com Figueira (2018)FIGUEIRA, R. R. (2018). Razões da Xenofobia: ensaio sobre os fatores contribuintes da violência xenófoba contra imigrantes e refugiados venezuelanos em Roraima. In.: BAENINGER, R.; SILVA, J. C. J. (Coods.); ZUBEN, C. von et al. (Orgs.) Migrações Venezuelanas. Campinas, SP: Nepo/Unicamp, pp. 224-231., três fatores principais contribuem para as tensões sociais e a xenofobia em Roraima: “(i) o racismo, como um componente estrutural das relações sociais no Brasil (...); (ii) a recuperação da imagem idealizada do Estado-nação e sua associação com a ideia de propriedade; (iii) o populismo, como gatilho discursivo que aciona os dois primeiros fatores” (FIGUEIRA, 2018FIGUEIRA, R. R. (2018). Razões da Xenofobia: ensaio sobre os fatores contribuintes da violência xenófoba contra imigrantes e refugiados venezuelanos em Roraima. In.: BAENINGER, R.; SILVA, J. C. J. (Coods.); ZUBEN, C. von et al. (Orgs.) Migrações Venezuelanas. Campinas, SP: Nepo/Unicamp, pp. 224-231., p. 224). Para o autor, o racismo tem relação direta com a onda de nacionalismo no país, funcionando “como um elemento tradicionalmente orientador das políticas de migração e, inclusive, como parâmetro organizador de uma hierarquia de nacionalidades” (FIGUEIRA, 2018FIGUEIRA, R. R. (2018). Razões da Xenofobia: ensaio sobre os fatores contribuintes da violência xenófoba contra imigrantes e refugiados venezuelanos em Roraima. In.: BAENINGER, R.; SILVA, J. C. J. (Coods.); ZUBEN, C. von et al. (Orgs.) Migrações Venezuelanas. Campinas, SP: Nepo/Unicamp, pp. 224-231., p. 224). E o terceiro fator, o populismo, a todo custo age na tentativa de construir a hegemonia política com base na mobilização dos anseios e da atenção da população por meio da circulação de medos e ressentimentos.

A partir de uma pesquisa realizada em redes midiáticas digitais durante as eleições de 2018, sobretudo em relação ao engajamento do então candidato à presidência Jair Bolsonaro e seus apoiadores, Cesarino (2018)CESARINO, L. (2018). Populismo digital: roteiro inicial para um conceito, a partir de um estudo de caso da campanha eleitoral de 2018. Disponível em: <https://www.academia.edu/42077568/Como_vencer_uma_elei%C3%A7%C3%A3o_sem_sair_de_casa_a_ascens%C3%A3o_do_populismo_digital_no_Brasil_Internet_and_Sociedade_2020>. Acesso em: 22 jan. 2020.
https://www.academia.edu/42077568/Como_v...
introduziu o conceito de populismo digital. A autora usa o termo para se referir tanto a um aparato (digital) quanto a um mecanismo (de mobilização) e uma tática (política) de construção de hegemonia. Segundo a pesquisadora, um dos mecanismos desse tipo de populismo é a invenção da figura de um “inimigo” que ameaça constantemente o “líder”, e opera para manter a mobilização da tática da ameaça virtual. Esse pode ser um perigo potencial à integridade do grupo ou de sua liderança - ela cita como exemplos a ameaça comunista e a venezuelização reiterados no discurso populista de Bolsonaro.

A xenofobia e o discurso de ódio contra migrantes representam um dos maiores problemas sociais decorrentes dos fluxos migratórios, em que imigrantes e/ou refugiados são alvos frequentes de discursos de ódio ou vítimas de violentos ataques físicos. Em um cenário que legitima a impunidade e as violações dos direitos humanos dos migrantes de crise, diferentes razões têm impulsionado ações xenófobas no Brasil. Entre as principais podem estar a ascensão de grupos conservadores no país8 8 Essa onda conservadora que tem atingido países como Estados Unidos, Rússia, Itália, Polônia, Israel, entre outros, no Brasil tornou-se mais visível a partir das manifestações de 2013, intensificando-se em 2016 com o impeachment da presidente Dilma Rousseff, e culminando numa política deliberada de ódios e polarizações nas eleições de 2018 (SCHWARCZ, 2019). e o crescente aumento de discursos nacionalistas bombardeados na mídia tradicional e nos sites de redes sociais, especialmente, a propagação de fake news durante/após as eleições de 2018.

2. PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO

Os estudos sobre migrantes passaram a se preocupar com “os processos de deslocamento e realocação vividos pelos narradores e protagonistas de suas histórias” (DE FINA & TSENG, 2017DE FINA, A.; TSENG, A. (2017). Narrative in the study of migrants. In.: (Org.) CANAGARAJAH, S. The Routledge Handbook of Migration and Language. London, UK: Routledge, pp. 381-396., p. 382), proporcionando uma contrapartida às visões muitas vezes negativas sobre os grupos sociais marginalizados que costumam circular em discursos na mídia e nas redes sociais online e off-line. Os estudos que utilizam narrativas como objetos ou ferramentas de pesquisa são essencialmente qualitativos e, na maioria das vezes, orientam as análises dos fenômenos sociais, como as pesquisas narrativas sobre migração.

Escolhi trabalhar com a narrativa não somente por se tratar de uma ferramenta metodológica relevante para as pesquisas, mas também porque possuem diferentes funções que podem ajudar a contar e explicar eventos importantes da vida cotidiana. De Fina e Tseng (2017)DE FINA, A.; TSENG, A. (2017). Narrative in the study of migrants. In.: (Org.) CANAGARAJAH, S. The Routledge Handbook of Migration and Language. London, UK: Routledge, pp. 381-396. destacam sua importante função de transmitir valores morais e normas sociais. As narrativas também possuem um papel central nos encontros institucionais, quando se trata de processos que envolvem os fluxos migratórios. Além disso, elas são essenciais “na construção de identidades individuais e coletivas e são usadas para indexar modos de ser e identificações sociais” (DE FINA e TSENG, 2017DE FINA, A.; TSENG, A. (2017). Narrative in the study of migrants. In.: (Org.) CANAGARAJAH, S. The Routledge Handbook of Migration and Language. London, UK: Routledge, pp. 381-396., p. 381). Nessa visão dinâmica da narrativa, o contexto social mais amplo a influencia, mas as identidades também são construídas através de negociações com os interlocutores. E nesse sentido é importante recorrer a construções como posicionamento e/ou agência.

Na perspectiva de Wortham (2001)WORTHAM, S. (2001). Narratives in action. A strategy for research and analysis. New York/London: Teachers College; Columbia University., a narrativa tem duas funções essenciais: a representacional e a interacional. A função representacional indica que uma narrativa pode moldar o eu do narrador, descrevendo-o como um tipo específico de pessoa. Já a função interacional indica que os narradores agem como tipos específicos de pessoas enquanto contam suas histórias e se relacionam com seu público de maneiras características ao narrar. Essa função procura mostrar como narrador e público podem se posicionar interativamente através da narrativa. O autor reitera, ainda, que as narrativas vão além de representar eventos e personagens, pois elas também pressupõem uma certa versão do mundo social e posicionam o narrador e o público em relação a esse mundo social e em relação um ao outro. Portanto, podemos inferir que as narrativas não apenas representam estados de coisas, mas também realizam ações sociais, na medida em que o posicionamento interacional, ou seja, a posição do falante em relação aos outros é essencial para a produção do significado no contexto da interação.

Em contextos digitais, o posicionamento interacional marca uma mudança na análise narrativa de textos para narrativas orientadas à prática. A análise narrativa de textos se concentrava apenas nas características formais e de gênero dos textos da internet. Enquanto que a abordagem da narrativa como prática em contextos online requer uma orientação que não deve se concentrar apenas na análise dos elementos formais e textuais de gêneros digitais, mas deve se atentar, principalmente, aos discursos socialmente situados nos quais essas características estão incorporadas (DE FINA & GORE, 2017DE FINA, A.; GORE, B. T. (2017). Online retellings and the viral transformation of a twitter breakup story. Storytelling In The Digital Age. John Benjamins Publishing Company. v. 27, n. 2, p. 235-260. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1075/ni.27.2.03def>. Acesso em: 23 fev. 2020.
http://dx.doi.org/10.1075/ni.27.2.03def...
). E sob a perspectiva contextualizada da narrativa como prática, as autoras explicitam que “contar histórias é um processo complexo de reconstrução, reavaliação e compreensão de eventos que ocorrem em mídias específicas e, por sua vez, são incorporados a diferentes práticas” (DE FINA & GORE, 2017DE FINA, A.; GORE, B. T. (2017). Online retellings and the viral transformation of a twitter breakup story. Storytelling In The Digital Age. John Benjamins Publishing Company. v. 27, n. 2, p. 235-260. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1075/ni.27.2.03def>. Acesso em: 23 fev. 2020.
http://dx.doi.org/10.1075/ni.27.2.03def...
, p. 237). A maioria das narrativas pressupõe pelo menos dois eventos interacionais: o evento narrado e o evento de narrar. Com base em Bakhtin e Jakobson, Wortham (2001)WORTHAM, S. (2001). Narratives in action. A strategy for research and analysis. New York/London: Teachers College; Columbia University. descreve o evento narrado como o evento descrito pelo enunciado e se refere ao evento de narrar como o representante do contexto interacional.

Assim, chamo a atenção para a importância da situacionalidade do contexto da interação e sua articulação com a estrutura social. No lugar de estudar o contexto apenas como condição para a produção de discurso, Blommaert (2008)BLOMMAERT, J. (2008). Contexto é/como crítica. In. (Org.): SIGNORINI, I. Situar a linguagem. São Paulo: Parábola Editorial, p. 91-115. sugere que o discurso seja usado como objeto social. Isso significa que é preciso observar também as contribuições referenciais diretas do significado textual, que implica em ver tanto como a linguagem gera a estrutura social como o econômico, o social e o político geram o linguístico (BLOMMAERT, 2008BLOMMAERT, J. (2008). Contexto é/como crítica. In. (Org.): SIGNORINI, I. Situar a linguagem. São Paulo: Parábola Editorial, p. 91-115., p. 113).

Do mesmo modo que a situacionalidade, a mobilidade é uma questão central para Blommaert (2010)BLOMMAERT, J. (2010).The Sociolinguistics of Globalization. Cambridge: University Press., sobretudo em um cenário de mudanças econômicas e tecnológicas que integram o processo de globalização contemporâneo. Para o sociolinguista, o desafio da mobilidade é o deslocamento dos recursos e dos eventos linguísticos da sua posição fixa (e tradicional) em determinada localização temporal e espacial em direção à inserção da linguagem em um espectro da ação humana definida em termos de trajetórias temporais e espaciais. Segundo o autor, “a mobilidade é algo que possui recursos espaciais e temporais, e o texto móvel é um texto que tem a capacidade de viajar no tempo e no espaço9 9 Mobility is something that has spatial as well as temporal features, and mobile text is text that has the capacity to travel through time and space. ” (BLOMMAERT, 2010BLOMMAERT, J. (2010).The Sociolinguistics of Globalization. Cambridge: University Press., p. 29-30).

À medida que os textos são projetados para além do contexto original, eles podem percorrer diversas trajetórias textuais e serem continuamente entextualizados em novos contextos. Bauman & Briggs (2006) concebem a noção de entextualização como o processo de transformar um discurso ou um trecho de produção linguística em uma unidade - um texto - que pode ser extraída de seu contexto interacional. Um texto, nessa perspectiva, “é discurso tornado passível de descontextualização” (BAUMAN & BRIGGS, 2006, p. 206). A noção de entextualização remete à particularidade de textos e discursos de serem retirados de um contexto e replicados em outro, tornando-se um novo texto com novas condições para contextualização. No entanto, a entextualização permite incorporar aspectos do contexto, de tal forma que o texto resultante carregue elementos da história de seu uso. Por isso, para Bauman & Briggs (2006), a compreensão dos textos só pode ser concretizada através de sucessivos processos de entextualização-descontextualização-recontextualização.

As trajetórias textuais tornam as entextualizações e recontextualizações acontecimentos intertextuais imprevisíveis. Ao mesmo tempo que iteram, citam, copiam e produzem outros textos, as trajetórias textuais tornam visíveis ordens de indexicalidade e recursos semióticos que essencializam/normatizam padrões de língua, linguagem e identidades sociais. “É esse tipo de circuito que performativamente constrói significados sempre em movimento” (MOITA LOPES & FABRÍCIO, 2018MOITA LOPES, L. P. da; FABRÍCIO, B. F. (2018). Viagem textual pelo sul global: ideologias linguísticas queer e metapragmáticas translocais. Linguagem em (Dis)curso - LemD. v. 18, n. 3, pp. 759-784, set./dez., p. 773).

A ordem de indexicalidade é um conceito importante para estabelecer uma relação entre os níveis microssoais e macrossociais na análise dos fenômenos linguísticos. Por meio da ordem indexical é possível analisar como os “agentes semióticos acessam categorias e conceitos do plano macrossociológico como valores no reino indexável do microcontextual10 10 (...) how semiotic agents access macro-sociological plane categories and concepts as values in the indexable realm of the micro-contextual. ” (SILVERSTEIN, 2003SILVERSTEIN, Michael. (2003). Indexical order and the dialectics of sociolinguistic life. Language & Communication, n. 23, pp. 193-229., p. 193). Esse conceito também é utilizado por Blommaert (2010)BLOMMAERT, J. (2010).The Sociolinguistics of Globalization. Cambridge: University Press. para se referir à natureza hierarquizada e ordenada dos processos indexicais. Elas evidenciam normas, crenças e valores estratificados que constituem os textos/discursos em escalas espaço-temporais. Como explica o linguista, as ordens de indexicalidade organizam as diferenças entre, de um lado, os usos linguísticos que categorizam o que é ‘bom’, ‘normal’, ‘apropriado’ e ‘aceitável’ e, do outro, aquilo que é ‘desviante’, ‘anormal’ etc. (BLOMMAERT, 2010BLOMMAERT, J. (2010).The Sociolinguistics of Globalization. Cambridge: University Press., p. 14). Portanto, as ordens de indexicalidade são importantes por definir as linhas dominantes para os sentidos de pertencimento, de construção identitária e o desempenho de diferentes papéis na sociedade.

Por sua vez, o significado de uma expressão ou de uma narrativa pode ser inferido por meio da identificação de um padrão de pistas indexicais. Ampliando conceitos teóricos de Gumperz, Silverstein e principalmente de Bakthin, Wortham (2001)WORTHAM, S. (2001). Narratives in action. A strategy for research and analysis. New York/London: Teachers College; Columbia University. mostra como um conjunto de pistas linguísticas e não linguísticas que compõem a narrativa podem ser usadas para destacar certos aspectos do contexto e sinalizar o tipo de posicionamento indexado no contexto interacional. O autor cita cinco tipos de pistas indexicais que, de forma bastante resumida, correspondem à referência (são os elementos/personagens aos quais o narrador se refere, identificando-os socialmente em grupos reconhecíveis), à predicação (avaliação e caracterização de elementos mencionados pelo narrador), aos descritores metapragmáticos (incluem centralmente os verbos dicendi e descrevem instâncias de uso da linguagem), à citação (representa alguma instância da fala do outro); aos índices avaliativos (uso de itens lexicais, construções gramaticais ou qualquer outro tipo de padrões linguísticos que caracterizam socialmente sujeitos ou grupos) e à modalização epistêmica (comparam o status epistemológico da narrativa e dos eventos narrados, posicionando o narrador em relação ao que está sendo dito) (WORTHAM, 2001WORTHAM, S. (2001). Narratives in action. A strategy for research and analysis. New York/London: Teachers College; Columbia University., p. 68-72).

Bizon (2013)BIZON, A. C. C. (2013). Narrando o exame Celpe-Bras e o convênio PEC-G: a construção de territorialidades em tempos de internacionalização. Tese de Doutorado em Linguística Aplicada. Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp, Campinas. complementa o quadro de pistas indexicalizadoras de Wortham (2001)WORTHAM, S. (2001). Narratives in action. A strategy for research and analysis. New York/London: Teachers College; Columbia University. incluindo: a citação de autoridade (consiste em uma exemplificação por meio de referência a um conhecimento atribuído a terceiros que confere autoridade ao narrador e/ou à personagem referenciados), as pistas semióticas de referência e predicação (recursos desdobrados dos índices paralinguísticos e não-verbais que também assumem a função de referenciar e caracterizar personagens, objetos e situações), a absolutização estratégica (utilização de expressões que podem se apresentar como hipérboles e referenciam e avaliam como uma totalização), a protagonização do interlocutor (inclusão do interlocutor privilegiado no evento narrado, atribuindo-lhe um papel de personagem); e uso de figuras de linguagem (utilização de recursos como metáforas, repetições, comparações, antíteses etc., para chamar a atenção para determinadas cenas na narrativa). Essas pistas podem ser usadas pelos narradores para indexar vozes e se posicionar em relação a essas vozes no evento de narrar ou no evento narrado e, portanto, são ferramentas importantes para a interpretação dos dados que analiso na próxima seção.

3. CONTEXTUALIZAÇÃO DO EVENTO NARRADO: FAKE NEWS COMO PONTO DE PARTIDA

No mundo globalizado, é possível observar a uma rápida e transglobal circulação de pessoas, identidades, informações, textos, discursos promovidos pela tecnologia midiática, informacional e digital (FABRÍCIO, 2013FABRÍCIO, B. F. (2013). A “outridade lusófona” em tempos de globalização: identidade cultural como potencial semiótico. In.: MOITA LOPES, L. P. da. (Org.). Português no século XXI: cenário geopolítico e sociolinguístico. São Paulo: Parábola Editorial, pp. 144-168.). Com isso, os sites de redes sociais como, por exemplo, Facebook, Youtube e Twitter têm sido considerados espaços de encontros e desencontros, de “convivência de territorialidades/temporalidades múltiplas” (FABRÍCIO, 2013FABRÍCIO, B. F. (2013). A “outridade lusófona” em tempos de globalização: identidade cultural como potencial semiótico. In.: MOITA LOPES, L. P. da. (Org.). Português no século XXI: cenário geopolítico e sociolinguístico. São Paulo: Parábola Editorial, pp. 144-168., p. 157) e de possibilidades democráticas. Contudo, apesar do poder político e agentivo dessas plataformas digitais, elas também costumam ser usadas para reproduzir discursos de ódio e mobilizar práticas estigmatizadoras contra grupos minoritários.

O discurso de ódio online, em particular, a xenofobia, também tem estado no centro do debate sobre a crise migratória Sul-Sul em meio a um cenário atravessado pelo ressurgimento da extrema direita no Brasil (SCHWARCZ, 2019SCHWARCZ, Lilia Moritz (2019). Sobre o autoritarismo brasileiro. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras.). O processo eleitoral de 2018 acentuou a propagação do discurso de ódio online, e estreitou a relação entre o que se diz na rede e as manifestações de violência fora da internet (INTERVOZES, 2019INTERVOZES - Coletivo Brasil de Comunicação Social. (2019). Desinformação: ameaça ao direito à comunicação muito além das fake news. São Paulo: Intervozes.). Como vimos anteriormente, com a inserção do Brasil na rota contemporânea das migrações Sul-Sul e a crise na Venezuela, a entrada de venezuelanos se intensificou no Brasil, sendo a principal porta de entrada a fronteira de Pacaraima, no estado de Roraima. A presença desses migrantes, acampados em barracas e alojamentos com pouca ou nenhuma infraestrutura, é reflexo de um processo de migração precária. Migrantes e refugiados são, ainda, alvos de discursos de ódio, atos xenofóbicos e de violações dos direitos humanos, muitos deles propagados por fake news e desinformação nas redes sociais online.

Concordo com Blommaert (2008)BLOMMAERT, J. (2008). Contexto é/como crítica. In. (Org.): SIGNORINI, I. Situar a linguagem. São Paulo: Parábola Editorial, p. 91-115. quanto ao valor de uma análise crítica em considerar elementos como a diferenciação social de recursos linguísticos e interacionais numa narrativa ou mesmo a relevância de apresentar a história dos dados e dos textos. Nesse sentido, considero o evento aqui enquadrado e nominado “Bota Fogo!” não como um ato isolado, mas construído por meio de uma série de entextualizações, abarcando recontextualizações para além do evento narrado, e envolvendo eventos individuais e também as relações entre esses eventos. A narrativa é toda a trajetória textual. As capturas de tela (printscreen)11 11 Essa ferramenta foi utilizada para registrar todos os dados deste artigo. Para ter acesso às imagens e vídeos completos especificamente do Facebook, é necessário ter um perfil de usuário e se conectar com login e senha na plataforma. e excertos apresentados nesta seção são ilustrativos e objetivam apenas contextualizar o ataque e mostrar como ele pode ter sido impulsionado pela disseminação de fake news. Na próxima seção, procedo à análise de algumas entextualizações desse evento.

No dia 18 de agosto de 2018, dois meses antes das eleições, um grupo de brasileiros expulsou cerca de 1.200 venezuelanos que estavam alojados em Pacaraima. Os primeiros vídeos do ataque foram filmados pelos próprios moradores e compartilhados em sites de redes sociais. Como ilustram as imagens 1 e 2, o acontecimento logo se tornou notícia dentro e fora do país, e ficou conhecido como “Bota Fogo!” devido às imagens de pessoas ateando fogo, bombas caseiras e destruindo com pedras e pauladas os alojamentos dos migrantes venezuelanos.

Na imagem 1, apresento a captura de tela de uma notícia com vídeo compartilhada na Página do Facebook da BBC News Brasil em 21 de agosto de 2018. O título da notícia Bota fogo!’: o ataque de brasileiros a imigrantes venezuelanos em Pacaraima”, um trecho do lide “Grupo de homens carregando pedras e paus incendiaram tendas, mochilas e artigos pertencentes a venezuelanos (...)” e a fumaça escura ao fundo da imagem registram como o ataque aconteceu. Na imagem também se vê um morador registrando o evento com seu celular. Ao assistir ao vídeo, é possível escutar barulhos de bombas, tiros e a voz de alguns participantes do ataque, dizendo: “Bota fogo!”; “Vamos botar fogo, gente!”; “Aqui tem fogo!”; “Esses vagabundos!”.

Imagem 1
“Bota Fogo!”. Vídeo compartilhado em 21 de agosto de 201812 12 Captura de tela da Página do Facebook da BBC News Brasil. Disponível também no canal da agência de notícias no Youtube: <https://www.youtube.com/watch?v=CrXBt9pVG4Q>. Acesso em: 11 out. 2019. .

A imagem 2 refere-se à captura de tela de um vídeo do ataque comentado por um apresentador do Jornal GloboNews. O vídeo foi compartilhado juntamente com uma reportagem escrita no site e na Página do G1 no Facebook às 14h15 de 18 de agosto de 2018, enquanto o conflito ainda estava acontecendo.

Imagem 2
Vídeo do ataque postado em 18 de agosto de 201813 13 Disponível em: < https://glo.bo/2OI1ug7>. Acesso em: 11 out. 2019. .

O que se vê na imagem 2 e no título é uma cena das “roupas e pertences de venezuelanos [sendo] incendiados em Pacaraima”. A reportagem informou que todo o ato foi organizado pelas redes sociais e também divulgou fotos de uma barricada de pneus com fogo usada para fechar a fronteira. Ao longo do vídeo, há diferentes vozes de brasileiros narrando a participação no conflito, segue a transcrição de uma delas: “O pau tá comendo, menino, tamo expulsando os venezuelanos! É desse jeito agora. Se não tem governante, se não tem autoridade por nós, nós vamos fazer a nossa autoridade. Fora, venezuelanos, de dentro de Pacaraima! É assim que funciona a partir de agora!” (Voz masculina).

Como noticiado massivamente, a situação dos migrantes venezuelanos em Roraima é de instabilidade e vem sendo narrada como um problema para o estado desde 2015. Com destaque para as tentativas da governadora à época, Suely Campos (PP), em fechar as fronteiras e a sua edição do decreto restringindo serviços públicos aos venezuelanos. A governadora e candidata à reeleição, usou o ataque “Bota Fogo!” como argumento para solicitar novamente ao STF o fechamento da fronteira de Pacaraima, alegando atender ao pedido de seus eleitores (MARIN, 2018MARIN, Denise Chrispim. Governo federal vê motivação eleitoreira na ação de Roraima. Para fontes de Brasília, a governadora Suely Campos insiste em fechar a fronteira para os venezuelanos como meio de garantir sua reeleição. Portal Veja. Disponível em: <veja.abril.com.br/mundo/acao-de-roraima-contra-venezuelanos-tem-motivacao-eleitoreira/>. Acesso em: 08 set. 2019.
veja.abril.com.br/mundo/acao-de-roraima-...
). Além dela, outros candidatos também problematizaram o fluxo migratório venezuelano na campanha eleitoral de 2018 em Roraima. O candidato a governador pelo PSDB, José de Anchieta, defendeu em sua campanha a adoção de cota para regular a entrada de venezuelanos no estado. O empresário Antônio Denarium, do PSL, candidato apoiado por Jair Bolsonaro e eleito o governador de Roraima, também levantou a bandeira de restrição aos migrantes. Assim como Bolsonaro, Denarium colocou a questão migratória no tópico da segurança nacional em seu plano de governo e disse que iria implementar medidas que restringissem a entrada dos venezuelanos, como “obrigatoriedade de vacinação para todos, instalação de campos de refugiados pelo Exército e transferência de imigrantes para outras partes do país” (AGÊNCIA BRASIL, Brasília, publicado em 28/10/2018AGÊNCIA BRASIL, Brasília. Restrição a imigrantes é bandeira de governador eleito em Roraima. Denarium inclui fluxo de venezuelanos para estado em seu programa. Portal Agência Brasil. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2018-10/restricao-imigrantes-e-bandeira-de-governador-eleito-em-roraima>. Último acesso em: 08 set. 2020.
https://agenciabrasil.ebc.com.br/politic...
).

No período que antecedeu o evento “Bota Fogo!”, algumas notícias já alertavam sobre a disseminação deliberada de boatos e fakes news antivenezuelanos com intenções eleitoreiras. Conforme a reportagem do Estadão de 03 de agosto de 201814 14 Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/noticia-falsa-gera-ameacas-contra-organizacao-jesuita-que-atende-refugiados-venezuelanos/>. Acesso em 15 out. 2019. , circulou uma notícia falsa que afirmava que uma ONG estava dando atendimento jurídico aos venezuelanos sobre como invadir a casa dos brasileiros em Roraima. A fake news gerou ameaças de morte e linchamento virtual contra um integrante da ONG. Uma das ofensas foi desferida pelo candidato a deputado estadual pelo Partido Patriota, Ezequiel Calegari, que publicou em sua Página do FacebookRoraima sem Censura15 15 O nome de urna do candidato foi inclusive composto com o nome da página - Ezequiel Roraima sem Censura (nº. 51000). Disponível em: <https://eleicoes.poder360.com.br/candidato/447078#2018>. Acesso em: 08 set. 2020. , um vídeo em que ele entra na sede da ONG e ofende aos funcionários do local. Em outra notícia de 21 de agosto de 2018, a Folha de S.Paulo também cita o envolvimento do candidato em mais uma fake news. Dessa vez, ele compartilhou em sua Página anti-imigrantes a desinformação de que gestantes brasileiras estavam sendo retiradas da Maternidade Estadual de Roraima para abrir leitos para gestantes venezuelanas.

Mas qual teria sido o estopim para motivar o ataque dos brasileiros e a destruição dos alojamentos dos migrantes venezuelanos em Pacaraima? No dia anterior ao conflito, em 17 de agosto de 2018, informações falsas sobre um assalto e assassinato de um comerciante de Pacaraima cometido por migrantes venezuelanos teriam sido postadas na Página administrada pelo então candidato Ezequiel Calegari. Como se nota na reportagem de Mauro Donato de 20 de agosto de 2018DONATO, M. (2018). Com “fake news”, candidato do Patriota incentivou as ofensivas contra venezuelanos em Roraima. Portal Justificando. Disponível em: <https://portal-justificando.jusbrasil.com.br/noticias/615544613/com-fake-news-candidato-do-patriota-incentivou-as-ofensivas-contra-venezuelanos-em-roraima>. Acesso em: 15 out. 2019.
https://portal-justificando.jusbrasil.co...
, representada na imagem 3:

Imagem 3
Notícia de Mauro Donato de 20 de agosto de 201816 16 Disponível em: <https://portal-justificando.jusbrasil.com.br/noticias/615544613/com-fake-news-candidato-do-patriota-incentivou-as-ofensivas-contra-venezuelanos-em-roraima>. Acesso em: 15 out. 2019. .

Como se observa nas imagens 4 e 5, outras notícias também mencionaram em seus títulos e/ou subtítulos que o ataque aos venezuelanos teria sido estimulado por fake news e boatos.

Imagem 4
Notícia de Alcides Moreno de 20 de agosto de 201817 17 Disponível em: <https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2018/08/cultura-do-odio-e-fake-news-levaram-a-ataques-de-brasileiros-a-venezuelanos/>. Acesso em: 15 out. 2019. .

Imagem 5
Notícia de Patrícia C. Mello e Avener Prado de 21 de agosto de 2018”18 18 Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/08/boatos-alimentam-conflito-com-venezuelanos-em-regiao-de-fronteira.shtml>. Acesso em 27 out. 2019. .

Essas e outras notícias se referem, principalmente à fake news que circulou com o título: “Crime covarde na noite desta sexta-feira, dia 17, em que um comerciante de Pacaraima (Roraima) foi assaltado, espancado e esfaqueado por 4 “refugiados” venezuelanos, que queriam dinheiro, como ilustra a captura de tela da imagem 6.

Imagem 6
Vídeo compartilhado da Página Roraima sem Censura em 18 de agosto de 2018.

Na captura de tela da imagem 6, o vídeo compartilhado da Página Roraima sem Censura é narrado por uma voz feminina que diz: “Esse aqui é nosso amigo de Pacaraima, comerciante, minha gente, que foi esfaqueado e atacado por quatro venezuelanos”. Esse boato se espalhou rapidamente em outros grupos do Facebook, e logo os moradores de Pacaraima, revoltados com a situação, se organizaram (também por meio de sites de redes sociais e aplicativos móveis) para concretizar o ataque de 18 de agosto de 2018. Depois do episódio, descobriu-se que o assalto de fato aconteceu, mas o comerciante brasileiro não foi esfaqueado e nem assassinado, e a participação dos migrantes venezuelanos no assalto continua sob investigação.

Após ter contextualizado o evento “Bota fogo!” e sua possível relação com o impulsionamento de fake news anti-imigrantes no período eleitoral de 2018 em Roraima, na seção seguinte, analiso algumas entextualizações relacionadas ao ataque.

4. PRÓXIMA PARADA: ENTEXTUALIZAÇÕES DO EVENTO “BOTA FOGO!”

Considerando o objetivo deste artigo, nesta seção não é minha intenção analisar amplamente o percurso textual do evento “Bota Fogo!”. Por isso, selecionei para a análise um recorte de três capturas de tela de publicações referentes ao ataque, a saber: (i) o post (com comentários no Facebook) de uma moradora de Pacaraima sobre a situação dos venezuelanos na cidade; (ii) a publicação do relato intitulado Uma brasileira de Roraima diz a VERDADE que a Imprensa aética e sem noção esconde, no site do Jornal da Cidade Online; e (iii) o texto #Verificamos: Textos e imagens sobre a crise migratória em Roraima misturam dados certos e errados, publicado no site de fact-checking da Agência Lupa. Para a análise, considerei o conceito de entextualização (BAUMAN & BRIGGS, 2006), de ordens indexicais (BLOMMAERT, 2010BLOMMAERT, J. (2010).The Sociolinguistics of Globalization. Cambridge: University Press.) e as pistas indexicais (WORTHAM, 2001WORTHAM, S. (2001). Narratives in action. A strategy for research and analysis. New York/London: Teachers College; Columbia University.; BIZON, 2013BIZON, A. C. C. (2013). Narrando o exame Celpe-Bras e o convênio PEC-G: a construção de territorialidades em tempos de internacionalização. Tese de Doutorado em Linguística Aplicada. Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp, Campinas.).

i. Entextualização e posicionamentos interacionais em um post no Facebook

Como vimos anteriormente, é possível que uma fake news sobre o esfaqueamento de um comerciante roraimense tenha motivado o ataque ao acampamento dos migrantes venezuelanos no dia 18 de agosto de 2018 na fronteira de Pacaraima. A notícia do ataque circulou rapidamente em diferentes mídias e plataformas digitais, percorrendo, portanto, diferentes trajetórias textuais. Em reação ao episódio, no dia 19 de agosto de 2018, uma usuária19 19 Optei por não divulgar o perfil da autora do relato, apesar de ela ter feito a publicação em sua timeline no Facebook com o modo de visualização “público” ativado. Seu texto, amplamente divulgado em diferentes redes sociais online, foi compartilhado integralmente na página do Jornal da Cidade Online. do Facebook fez uma publicação compartilhando seu posicionamento sobre a presença dos migrantes venezuelanos em Roraima. O relato escrito em 94 linhas acabou viralizando, e sua postagem obteve 28 mil reações de apoio (cerca de 22 mil curtidas, uso de 3,1 mil emojis expressando “tristeza” e 2,9 mil de “amei”), 65 comentários e 29 mil compartilhamentos, sinalizando uma aprovação da audiência sobre o que a moradora relata. Os trechos que estão marcados em negrito na imagem 7 referem-se às fake news e/ou informações verificadas pela Agência Lupa e serão analisadas na última entextualização. Dado o escopo deste artigo, considerei apenas alguns trechos do relato e dos comentários para a análise.

Imagem 7
Relato postado no Facebook em 19 de agosto de 2018.

Narrativas como a desse relato publicado no Facebook são uma maneira “de compartilhar e dar sentido às experiências do passado recente ou remoto, e de contar eventos importantes, emocionais ou traumáticos e as minúcias da vida cotidiana” (DE FINA & TSENG, 2017DE FINA, A.; TSENG, A. (2017). Narrative in the study of migrants. In.: (Org.) CANAGARAJAH, S. The Routledge Handbook of Migration and Language. London, UK: Routledge, pp. 381-396., p. 381). Por isso mesmo, narrativas constituem-se como práticas essenciais para a compreensão de como identidades individuais e coletivas são construídas e acionadas para indexar identificações sociais e modos de ser. É importante acrescentar, como argumenta Wortham (2001)WORTHAM, S. (2001). Narratives in action. A strategy for research and analysis. New York/London: Teachers College; Columbia University., que as narrativas geralmente são coerentes apenas com referência à conversa anterior e à subsequente, isto é, a compreensão de seu significado é maior que a própria narrativa. Nesse sentido, analiso o discurso narrativo da imagem 7 a partir de três camadas: (1) a que se refere a e caracteriza objetos narrados; (2) a que indexa as vozes de pessoas e grupos que são representados; e (3) a que estabelece uma posição social para a própria narradora do relato.

Na primeira camada da narrativa, é possível perceber que a narradora está se referindo ao evento Bota Fogo!, ao caracterizar os atos dos estrangeiros em uma trajetória espaço-temporal (“Quando alguém de fora de Roraima nos chamar de xenófobos, vamos lembrar que semana passada venezuelanos mataram um homem”, linhas 3 e 4; “(...) três semanas atrás venezuelanos agrediram as ÚNICAS médicas plantonistas da única maternidade de Boa Vista”, linhas 7 e 8) que identifica e localiza o evento narrado nesse interstício (BLOMMAERT, 2010BLOMMAERT, J. (2010).The Sociolinguistics of Globalization. Cambridge: University Press.). Além disso, o Facebook registra sua postagem no dia 19 de agosto de 2018, um dia após atearem fogo ao alojamento dos venezuelanos em Pacaraima.

Sabemos que a narradora também entextualiza o ataque porque, em uma segunda camada, ela usa pistas de referência para indexar as vozes das pessoas por ela representadas, nesse caso, as pessoas de outros estados (Como me enoja ver gente de outros estados; Quando alguém de fora de Roraima), os venezuelanos (a caridade que por três anos jorramos em cima dos venezuelanos; semana passada venezuelanos mataram um homem (...) e também venezuelanos montaram uma emboscada; que três semanas atrás venezuelanos agrediram as ÚNICAS médicas plantonistas; Ainda falando em grávidas venezuelanas , (...) 40% dos partos na maternidade são de bebês filhos de imigrantes ; Quem nos julga não sabe que venezuelanos em massa já conhecem audiência de custódia) e os roraimenses, grupo em que ela se inclui ao utilizar a primeira pessoa do plural (cobrando de nós roraimenses a caridade; nos chamar de xenófobos; Quando disserem que somos cruéis vamos lembrar; Quando falarem que somos insensíveis; Nós nem sabíamos mais o que era sarampo; Mas eu não estava no Antigo Egito, estava num estado com 500 mil habitantes (...). Eu estava num estado onde vi o número de furtos (...); já falam que somos nós que temos que aprender espanhol e não eles o Português; Todo roraimense já sustentou a frase «mas nem todos» e todo roraimense sabe que isso não se aplica mais ao que vivemos).

E, na terceira camada, observamos o papel e os posicionamentos que a narradora assume dentro do evento narrado. Logo no início da narrativa, através da pista de modalização epistêmica (Como me enoja ver gente de outros estados cobrando de nós roraimenses a caridade que por três anos jorramos em cima dos venezuelanos), a narradora se posiciona com desprezo em relação ao que está sendo dito sobre os roraimenses. Nesse trecho, percebe-se que ela tem uma intenção muito clara ao compartilhar seu relato: responder às pessoas de fora de Roraima sobre o modo como os moradores de Pacaraima foram retratados (xenófobos) nas mídias sociais após o ataque ao alojamento dos refugiados (evento Bota Fogo!). Sua intenção se confirma quando analisamos sua interação com outros usuários nos comentários (“Eu estava até meio calma, até uma amiga do RS começar a falar das coisas que diziam sobre nós (...)”). Assim, a moradora começa a narrativa em tom de desabafo, dirigindo-se a uma audiência específica - às pessoas de outros estados que cobram empatia pelos venezuelanos - e, ao fazê-lo, caracteriza o contexto interacional fora da narrativa, citando os sucessivos eventos envolvendo a situação da migração em Roraima. Nesse prelúdio, ela parece performar dois papéis: a postura de narradora e a de porta voz de um grupo social (“nós roraimenses”), ao mesmo tempo que socialmente identifica e avalia seu referente (“os venezuelanos”).

A narradora usa diferentes índices avaliativos para se referir e caracterizar os roraimenses e os venezuelanos. Por meio da expressão temporal “quando” que precede os verbos no futuro do subjuntivo e as pistas indexicais de predicação (Quando alguém de fora de Roraima nos chamar de xenofóbos; Quando disserem que somos cruéis; Quando falarem que somos insensíveis), é possível inferir que a narradora está utilizando o recurso da ironia. O uso dessa figura retórica indica que, segundo a narradora, os moradores roraimenses deveriam ser caracterizados por predicações contrárias, como “tolerantes”, “bons” e “sensíveis”. Nesse sentido, acredito que o discurso narrado pela moradora é marcado por uma contradição entre os argumentos que usa para justificar que os roraimenses não são xenófobos e as avaliações sociais que ela faz dos migrantes de crise.

Os índices destacados nas linhas 18 a 19 (Nós nem sabíamos mais o que era sarampo e, nossos muros passaram a ser adesivados com ‘esta casa está imunizada’), assim como o medo “da meningite bacteriana que isolou áreas inteiras” (linhas 25 e 26) narrado pela moradora indexicalizam elementos comuns no discurso xenófobo, como o “medo do contato, da contaminação, da degenerescência, do adoecimento e da morte, (...) devido à presença de estrangeiros (...), frequentando os mesmos espaços dos nacionais” (ALBUQUERQUE JR., 2016ALBUQUERQUE Jr., D. M. de. (2016). Xenofobia: medo e rejeição ao estrangeiro. São Paulo: Cortez., p. 71). Esse trecho e o relato como um todo revelam o posicionamento que a narradora passa a ter do “território nacional” como foco de contaminação após a chegada dos venezuelanos portadores de doenças.

Nas linhas 34 e 35, utilizando índices avaliativos como “ruim, doente e ilegal” e a predicação “daqueles poucos que vieram trabalhar”, a narradora qualifica negativamente os migrantes venezuelanos como não produtivos. Na sequência, ela categoriza os migrantes venezuelanos em dois grupos diferentes: os que foram interiorizados para outros estados brasileiros (São Paulo, Mato Grosso e Rio de Janeiro já receberam venezuelanos com nível superior, solteiros, sem filhos, sem passagens pela polícia, com cartão de vacina em dia e passaporte em mãos) e os que permaneceram em Roraima (Os doentes, os que furtam, roubam, assediam, entram no crime e, ainda há os que defendem Chavez). As predicações destacadas para caracterizar o primeiro grupo sugerem, segundo a narradora, um tipo ideal/desejável de migrante, com boa escolarização, sem família, saudável e documentado. Em contraposição, de acordo com os verbos indexados, o que “sobrou” para os roraimenses (linha 37) foi um grupo indesejável de migrantes, composto por tipos sociais marginais (“portadores de doenças”, “ladrões”, “assediadores”, “criminosos” e “chavistas”). Os posicionamentos da narradora ratificam a ideia de que, em tempos de estabilidade política e econômica, migrantes e refugiados podem não ser um problema ou até mesmo serem desejados enquanto elemento “potencialmente produtivo”, mas, em tempos de crise, se transformam em objeto de rejeição e raiva e potenciais alvos de xenofobia e racializações (BIZON & CAMARGO, 2018BIZON, A. C. C.; CAMARGO, H. R. E. de (2018). Acolhimento e ensino da língua portuguesa à população oriunda de migração de crise no município de São Paulo: por uma política do atravessamento entre verticalidades e horizontalidades. In.: BAENINGER, Rosana et al. (Orgs.) Migrações Sul-Sul. Campinas, SP: Nepo/Unicamp, pp. 712-726., p. 713). Essa articulação evidencia, portanto, uma ordem de indexicalidade (SILVERSTEIN, 2003SILVERSTEIN, Michael. (2003). Indexical order and the dialectics of sociolinguistic life. Language & Communication, n. 23, pp. 193-229.; BLOMMAERT, 2010BLOMMAERT, J. (2010).The Sociolinguistics of Globalization. Cambridge: University Press.) que entextualiza o discurso xenofóbico estratificado na forma como a narradora mobiliza valores positivos, ao posicionar de um lado os “roraimenses”, e, de outro, negativos para os “venezuelanos”.

Entre as linhas 30 e 32, ao utilizar a pista de modalização epistêmica por meio dos verbos na primeira pessoa do plural “nos julga” e “somos nós que temos que aprender”, a narradora demonstra ter acesso onisciente e privilegiado da realidade linguística com relação ao evento narrado e, portanto, tendo total autoridade para falar (BIZON, 2013BIZON, A. C. C. (2013). Narrando o exame Celpe-Bras e o convênio PEC-G: a construção de territorialidades em tempos de internacionalização. Tese de Doutorado em Linguística Aplicada. Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp, Campinas.). Nesse movimento, ela retoma a ordem de indexicalidade (nós e eles) ao hierarquizar sentidos e valores em relação ao uso da língua dos brasileiros (Português, escrito em letra maiúscula) e da língua dos migrantes venezuelanos (espanhol). No trecho, a moradora se ressente/teme por ter que aprender “obrigatoriamente” a língua dos estrangeiros e não o contrário, entextualizando, assim, uma ideologia linguística monolíngue, geralmente incorporada a discursos oficiais ou discursos nacionalistas excludentes como um mecanismo de controle da cidadania (DE FINA & TSENG, 2017DE FINA, A.; TSENG, A. (2017). Narrative in the study of migrants. In.: (Org.) CANAGARAJAH, S. The Routledge Handbook of Migration and Language. London, UK: Routledge, pp. 381-396.; CAVALCANTI, 2013CAVALCANTI, M. C. (2013). Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In: MOITA LOPES, L. P. Linguística Aplicada na modernidade recente. São Paulo: Parábola.).

Ao longo da narrativa, por meio de pistas linguísticas como predicação, referência e modalização epistêmica foi possível identificar uma ordem de indexicalidade que registrou posicionamentos xenofóbicos em relação aos migrantes venezuelanos que vivem Roraima. Em seguida, analiso como o relato da imagem 7 acabou sendo entextualizado em outras plataformas digitais.

ii. Segundo enquadramento: o relato que virou notícia

Uma das características mais importantes das narrativas nas mídias sociais é seu potencial de circularem para além do contexto em que foram originalmente publicadas e de serem exponencialmente compartilhadas, tornando-se em pouco tempo virais (DE FINA & GORE, 2017DE FINA, A.; GORE, B. T. (2017). Online retellings and the viral transformation of a twitter breakup story. Storytelling In The Digital Age. John Benjamins Publishing Company. v. 27, n. 2, p. 235-260. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1075/ni.27.2.03def>. Acesso em: 23 fev. 2020.
http://dx.doi.org/10.1075/ni.27.2.03def...
). Essa quantidade de compartilhamento, segundo De Fina & Gore (2017)DE FINA, A.; GORE, B. T. (2017). Online retellings and the viral transformation of a twitter breakup story. Storytelling In The Digital Age. John Benjamins Publishing Company. v. 27, n. 2, p. 235-260. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1075/ni.27.2.03def>. Acesso em: 23 fev. 2020.
http://dx.doi.org/10.1075/ni.27.2.03def...
, multiplica não apenas o número de leitores da narrativa original, mas também a capacidade dos usuários de moldar a história. As imagens 8 e 9 exemplificam a mobilidade que caracteriza as narrativas na internet.

O relato da moradora de Roraima sobre o evento “Bota Fogo!”, como analisado anteriormente na imagem 7, teve um alto número de compartilhamentos (29 mil até a data da captura de tela), sendo rapidamente viralizado em diferentes plataformas digitais. Na imagem 8, vemos um desses compartilhamentos. O post foi feito pela página do Jornal da Cidade Online no Facebook, que, por sua vez, gerou 7,1 mil novos compartilhamentos, 3,4 mil reações e 371 comentários, sinalizando o endosso de uma nova audiência. No entanto, a página não compartilha o relato diretamente do perfil da usuária no Facebook, e sim por meio de um link externo que, ao ser clicado, leva ao site oficial do jornal (www.jornaldacidadeonline.com.br).

Imagem 8
Relato compartilhado na Página do Jornal da Cidade Online no Facebook em 20 de agosto de 2018.

Essa trajetória textual do evento nos mostra que o compartilhamento do relato como um novo post apresenta questões diferentes a serem analisadas na imagem 8. Algumas pistas indexicais apontam para duas entextualizações na página do jornal no Facebook: 1) do evento “Bota Fogo!” e 2) do relato da moradora roraimense sobre o evento. A primeira é recuperada pelo uso de pistas semióticas de referência (BIZON, 2013BIZON, A. C. C. (2013). Narrando o exame Celpe-Bras e o convênio PEC-G: a construção de territorialidades em tempos de internacionalização. Tese de Doutorado em Linguística Aplicada. Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp, Campinas.), como as duas imagens - do ataque e da foto de Maduro, presidente da Venezuela - incorporadas na postagem. E a pista indexical de citação direta de um trecho do relato (Quando disserem que somos cruéis vamos lembrar que três semanas atrás venezuelanos agrediram as ÚNICAS médicas plantonistas da única maternidade de Boa Vista) confirma a segunda entextualização do evento. Acredito que a escolha da página em citar esse trecho específico (venezuelanos agrediram as ÚNICAS médicas) enfatiza o posicionamento anteriormente relatado pela moradora de que os venezuelanos são agressores, indexando, assim, o discurso xenofóbico. Esse tipo de chamada com conteúdo de agressão ou violência, assim como o título exagerado da notícia, apontando para uma verdade que será revelada, são indícios de uma mensagem sensacionalista (SANTAELLA, 2018SANTAELLA, L. (2018). A Pós-Verdade é verdadeira ou falsa? São Paulo: Estação das Letras.). Dessa forma, os elementos contidos no post contribuem para intensificar a reação emocional do receptor, provocando, conforme Santaella (2018)SANTAELLA, L. (2018). A Pós-Verdade é verdadeira ou falsa? São Paulo: Estação das Letras., um efeito que deve ir bem além do simples ‘curtir’, pois instiga o leitor a usar a ferramenta “Saiba Mais” do Facebook, clicando no link para acessar o conteúdo na íntegra no site do jornal. O post capturado na imagem 8 é, portanto, uma entextualização do relato e do ataque ao acampamento dos venezuelanos, em que as pistas contextuais apontam para o texto original, mas que, ao ser descontextualizado e recontextualizado, transformou-se em um novo texto, e mobilizando uma nova audiência (BAUMAN & BRIGGS, 2006).

A imagem 9 ilustra uma entextualização de parte do relato da moradora de Roraima que foi reproduzido na íntegra (com as 94 linhas) no site do Jornal da Cidade Online. No entanto, quando o relato compartilhado no Facebook é publicado no site do jornal, a trajetória textual da história original também apresenta mudanças, principalmente, com relação às funções e ao formato de produção e recepção do texto. Entre as mudanças que apontam para essa direção, temos a criação de um título (Uma brasileira de Roraima diz a VERDADE que a Imprensa aética e sem noção esconde). Abaixo do título consta a data e o horário da publicação (20/08/2018 às 19:09) no site do jornal. Ao final do texto encontra-se a assinatura da autora (nome completo da narradora do relato da imagem 7) ao lado dos itens lexicais “de Roraima/da Redação”, sugerindo que foi atribuído à autora do relato o papel de redatora de uma matéria jornalística.

Imagem 9
Relato publicado no site do Jornal da Cidade Online em 20 de agosto de 201820 20 Disponível em: <https://www.jornaldacidadeonline.com.br/noticias/11101/uma-brasileira-de-roraima-diz-a-verdade-que-a-imprensa-aetica-e-sem-nocao-esconde>. Acesso em: 17 nov. 2019. .

Outras pistas de referência indiciam o caráter jornalístico da entextualização como: uso de fotografias (as mesmas da imagem 8) que ajudam a narrar o evento; o texto foi publicado dentro da aba “Tema Livre”, que emula o formato de uma coluna em um jornal impresso; e as chamadas na lateral para outras matérias. No entanto, apesar de apresentar elementos que indiciam uma reportagem, o texto da narrativa da moradora não foi alterado na publicação. Isso indica que o Jornal da Cidade (tanto a página do Facebook quanto o site do jornal online) reconhece que as informações sobre os migrantes venezuelanos citadas no relato pela “brasileira de Roraima” são verdadeiras. Além disso, o destaque da palavra “VERDADE” escrita em caixa alta no título aponta para essa interpretação. Do mesmo modo, o uso do descritor metapragmático “esconde” e das predicações “aética” e “sem noção21 21 É recorrente nas reportagens do Jornal da Cidade Online o uso de expressões negativas e sensacionalistas (“imprensalha”, “extrema-imprensa”, “imprensa contaminada”, “imprensa esquerdista”, “imprensa suja” etc.) para se referir e predicar a mídia convencional. escolhidas para adjetivar a Imprensa indexam uma possível visão que o jornal teria da mídia tradicional como um veículo não confiável, e, dessa forma, posicionando-se como uma fonte de informação alternativa.

Nessa entextualização (imagem 9), observo ainda que houve uma mudança com relação à função da linguagem do texto original, deixando de expressar os sentimentos de descontentamento de uma moradora sobre a situação da migração venezuelana em Roraima, para representar uma função referencial aproximando-se a um gênero textual da esfera jornalística. Essa interpretação nos ajuda a concluir que e os criadores de uma narrativa, embora ainda sejam tratados como os autores do que se tornou uma trajetória textual, praticamente não têm mais controle sobre os processos de re-entextualização (BAUMANN & BRIGGS, 2006BAUMANN, R; BRIGGS, C. (2006). Poética e Performance como perspectivas críticas sobre a linguagem e a vida social. Ilha Revista de Antropologia. v. 8, n. 1, 2, pp. 185-229.; BLOMMAERT, 2010BLOMMAERT, J. (2010).The Sociolinguistics of Globalization. Cambridge: University Press.).

No enquadramento aqui proposto, tentei mostrar como as narrativas na internet são móveis e percorrem diferentes trajetórias textuais. A partir da entextualizações ilustradas nas imagens 8 e 9, busquei analisar como o deslocamento do texto original (imagem 7) apresentou uma série de mudanças com relação à audiência, função e elementos formais do texto, reproduzindo e provocando novos posicionamentos sobre a situação migratória venezuelana em Roraima. A seguir focalizo a última entextualização dessa trajetória textual.

iii. Ponto de chegada: fact-checking das entextualizações narradas

Com a emergência das mídias digitais, vivemos em um cenário de pós-verdade em que o jornalismo profissional brasileiro se encontra em meio a uma crise de forma e de conteúdo, e tem perdido a autoridade de definir o que é notícia (SCOFIELD JR., 2019SCOFIELD JR., G. (2019). Desconstruindo as Fake News: o trabalho das Agências de Fact-Checking. In.: (Org.) BARBOSA, M. Pós-verdade e Fake News: reflexões sobre a guerra de narrativas. Rio de Janeiro: Cobogó, pp. 59-68.). Como reflexo dessa perda de credibilidade da mídia, as plataformas de checagem de fatos (fact-checking) têm crescido e contribuído para verificar as notícias falsas que circulam na internet. A próxima captura de tela (Imagem 10) mostra como a imprensa/o jornalismo convencional tem se filiado a sites de redes sociais (como o Facebook) para verificar as denúncias de fake news.

Imagem 10
Fact-checking do Relato publicado no site da Agência Lupa em 27 de agosto 08 de 201822 22 Disponível em: <https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2018/08/27/verificamos-roraima/ >. Acesso em: 25 jan. 2020. .

Na imagem 10, identificamos uma nova entextualização do evento “Bota Fogo!” a partir do fact-checking (#Verificamos: Textos e imagens sobre a crise migratória em Roraima misturam dados certos e errados) do relato compartilhado como reportagem no site do Jornal da Cidade Online. À primeira vista, é possível recuperar as referências entextualizadas a partir da reprodução das mesmas imagens (do ataque e de Maduro) compartilhadas na página do Facebook e no site do Jornal da Cidade Online. Nessa captura de tela, a checagem dos dados foi publicada em 27 de agosto de 2018 pelos jornalistas Clara Becker e Plínio Lopes, da Agência Lupa, hospedada no site da Revista Piauí. O título da notícia verificada aponta a crise migratória em Roraima como foco temático e antecipa o resultado da checagem como uma mistura de dados certos e errados.

A primeira informação que aparece abaixo do nome da empresa mostra que a Lupa se identifica como “a primeira Agência de Fact-Checking do Brasil”, projetando-se, por meio de um adjetivo numeral precedido de artigo, como a pioneira no mercado de verificação de dados online. No corpo do texto, a agência informa que a checagem do relato (com mais de 89 mil reações até aquela data) foi uma “solicitação de usuários do Facebook através do “projeto de verificação de notícias” (nesse trecho a matéria incorpora um hiperlink explicando que o projeto é uma parceria entre a Lupa e o Facebook).

No terceiro parágrafo da notícia, a agência informa que, segundo um levantamento da Sala de Democracia Digital, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o relato da moradora roraimense foi um dos “dez conteúdos de maior engajamento nas redes sociais23 23 “Entre 0h de quinta-feira (16) até as 11h desta terça (21), foram registradas 234,5 mil publicações no Twitter relacionadas ao contexto da imigração venezuelana em Roraima, impulsionadas pelos registros de ataques a imigrantes em Pacaraima, cidade na fronteira do estado com a Venezuela” (FGV, SALA DE DEMOCRACIA DIGITAL, 2018). Disponível em: <https://observa2018.com.br/posts/conflitos-em-roraima-geram-debate-polarizado-e-acentuam-problemas-da-politica-migratoria/>. Acesso em: 25 jan. 2020. ” entre os dias 16 e 21 de agosto de 2018. O engajamento que o texto teve nas redes sociais online, evidenciado pelo número de reações e interações no Facebook e no Twitter, indicia um dos argumentos para a realização do fact-checking do relato da moradora. A rigor, a Lupa parece ter verificado os dados do relato com base no destaque que o texto teve na imprensa e na internet. Mas também em função da relevância do tema, dado que a migração venezuelana era um assunto de interesse público recorrente, sendo inclusive pauta polêmica na plataforma de governo dos candidatos nas eleições de 2018 em Roraima.

As expressões destacadas com hiperlinks direcionados a informar sobre as parcerias da agência com outras plataformas sugerem a estratégia/necessidade da Lupa de se projetar como a agência com mais credibilidade para realizar o trabalho de fact-checking no país, por compor e ter a parceria de uma rede de instituições nacional e internacionalmente reconhecidas. Essa retórica da confiabilidade sugere uma tentativa, por parte da Agência, em recuperar a imagem tradicional da imprensa, reivindicando para si a empreitada de noticiar a “verdade factual” em meio a uma disputa de narrativas dominadas pelos mecanismos nebulosos do populismo digital na cena comunicativa (CESARINO, 2018CESARINO, L. (2018). Populismo digital: roteiro inicial para um conceito, a partir de um estudo de caso da campanha eleitoral de 2018. Disponível em: <https://www.academia.edu/42077568/Como_vencer_uma_elei%C3%A7%C3%A3o_sem_sair_de_casa_a_ascens%C3%A3o_do_populismo_digital_no_Brasil_Internet_and_Sociedade_2020>. Acesso em: 22 jan. 2020.
https://www.academia.edu/42077568/Como_v...
).

No corpo do texto, a Agência Lupa apresenta os resultados do fact-checking apenas de algumas informações citadas no relato da moradora de Roraima (destacadas em negrito na captura de tela da imagem 7). São 9 (nove) as etiquetas empregadas pela Lupa para categorizar as informações checadas: 1) verdadeiro; 2) verdadeiro, mas; 3) ainda é cedo para dizer; 4) exagerado; 5) contraditório; 6) subestimado; 7) insustentável; 8) falso; e 9) de olho (AGÊNCIA LUPA, 2018). O site verificou 8 dados apresentados no relato da moradora roraimense; em cada caso foram incluídos os documentos comprovatórios da checagem, de e-mails de especialistas consultados a dados estatísticos da Polícia Federal e outras instituições oficiais.

A declaração da narradora de que Pacaraima não tinha um homicídio há três anos foi etiquetada como “exagerada”, pois, segundo os dados do Atlas da Violência, até 2015 foram registrados quatro homicídios na cidade, atenuando a visão de que a criminalidade passou a ocorrer com a chegada dos venezuelanos no país. De acordo com o relato da moradora, 40% dos partos do hospital local eram de filhos de imigrantes: essa informação foi considerada “falsa”, pois em nota a Secretaria de Estado da Saúde de Roraima (SESAU/RR) informou que dos 9.358 partos realizados em 2017, 566 foram de imigrantes. A informação de que doenças como a Meningite bacteriana havia isolado o hospital (HGR) também foi verificada como falsa, o que ficou comprovado por entrevista coletiva com o médico infectologista e nota do hospital. Após a extensa análise, o resultado do fact-checking foi classificado como “misto” pela Agência, por apresentar uma mistura de fatos verdadeiros e falsos (AGÊNCIA LUPA, 2018). Essas são apenas algumas das informações do relato que foram verificadas pela Lupa. As demais checagens, assim como as fontes documentadas são públicas e podem ser acessadas em mais detalhes no site da agência.

Neste enquadramento, não há espaço para apresentar todos os dados do fact-checking, os exemplos citados apenas ilustram a sequência do conteúdo noticiado. O objetivo aqui foi apresentar as diferenças que produziram uma nova entextualização do relato da moradora roraimense.

Até pouco tempo o usuário do Facebook podia acessar e compartilhar o relato da moradora de Roraima e chegar ao site do Jornal da Cidade Online sem “obstáculos”. Agora, como se observa na imagem 11, quando o Facebook recebe uma denúncia de seus usuários sobre o compartilhamento de alguma fake news, a plataforma solicita a verificação do post às agências parceiras. Caso o conteúdo falso seja confirmado e alguém tente compartilhá-lo, o site da rede social emite um alerta de verificação, “com um link de um post da agência de checagem comprovando a falsidade” (SCOFIELD JR., 2019SCOFIELD JR., G. (2019). Desconstruindo as Fake News: o trabalho das Agências de Fact-Checking. In.: (Org.) BARBOSA, M. Pós-verdade e Fake News: reflexões sobre a guerra de narrativas. Rio de Janeiro: Cobogó, pp. 59-68., p. 65). Embora o compartilhamento da notícia com dados falsos não seja proibido, postagens como a do Jornal da Cidade Online (imagem 11) são sinalizadas e isso pode levar a uma menor circulação do post nos sites de redes sociais.

Imagem 11
Uso da ferramenta Fact-Check na Página do Jornal da Cidade no Facebook (Acesso em: 06 jan. 2020).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo, nos deparamos com um cenário de incertezas e de caos em que uma fake news sobre o esfaqueamento de um comerciante brasileiro por venezuelanos foi o estopim para dar origem ao ataque violento contra os migrantes na fronteira de Pacaraima em 2018. A veracidade das informações acabou ocupando um papel secundário, embora tenha desempenhado uma ação reativa e xenofóbica por parte dos moradores e de agentes políticos locais. O ataque, nominado “Bota Fogo!”, acabou virando noticia e circulou em diferentes plataformas digitais, percorrendo diferentes trajetórias textuais. Uma delas foi o desabafo em forma de narrativa de uma moradora de Roraima em que relatava vários acontecimentos envolvendo os migrantes venezuelanos em seu perfil do Facebook. O relato acabou viralizando na internet. O objetivo deste artigo foi analisar algumas narrativas e entextualizações sobre o evento “Bota Fogo!”, incluindo o relato da moradora roraimense. Com o auxílio de algumas pistas indexicais e semióticas, foi possível identificar alguns posicionamentos e uma ordem indexical que recupera características do discurso xenofóbico, como o medo e o desprezo por migrantes e refugiados venezuelanos (WORTHAM, 2001WORTHAM, S. (2001). Narratives in action. A strategy for research and analysis. New York/London: Teachers College; Columbia University.; SILVERSTEIN, 2003SILVERSTEIN, Michael. (2003). Indexical order and the dialectics of sociolinguistic life. Language & Communication, n. 23, pp. 193-229.; BIZON, 2013BIZON, A. C. C. (2013). Narrando o exame Celpe-Bras e o convênio PEC-G: a construção de territorialidades em tempos de internacionalização. Tese de Doutorado em Linguística Aplicada. Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp, Campinas.; ALBUQUERQUE, 2016ALBUQUERQUE Jr., D. M. de. (2016). Xenofobia: medo e rejeição ao estrangeiro. São Paulo: Cortez.). De igual maneira, o conceito de entextualização foi de grande importância para este trabalho ao mostrar o potencial criativo das narrativas quando são recontextualizadas, reorientadas, recontadas, reorganizadas, ou sejam, quando percorrem diferentes trajetórias textuais (BAUMANN & BRIGGS, 2006BAUMANN, R; BRIGGS, C. (2006). Poética e Performance como perspectivas críticas sobre a linguagem e a vida social. Ilha Revista de Antropologia. v. 8, n. 1, 2, pp. 185-229.; BLOMMAERT, 2010BLOMMAERT, J. (2010).The Sociolinguistics of Globalization. Cambridge: University Press.; DE FINA & GORE, 2017DE FINA, A.; GORE, B. T. (2017). Online retellings and the viral transformation of a twitter breakup story. Storytelling In The Digital Age. John Benjamins Publishing Company. v. 27, n. 2, p. 235-260. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1075/ni.27.2.03def>. Acesso em: 23 fev. 2020.
http://dx.doi.org/10.1075/ni.27.2.03def...
). A análise de diferentes entextualizações mostrou também que o simples ato de compartilhar um texto na íntegra não é neutro, pois ele carrega um contexto metadiscursivo que orienta nossa interpretação do texto em direções específicas e projeta uma nova audiência cada vez que é entextualizado. Por último, apesar do papel democrático das mídias sociais e das ferramentas que têm sido criadas para controlar o discurso de ódio, acredito que a disseminação de fake news pode extrapolar as redes e produzir efeitos negativos reais na vida das pessoas, a exemplo dos ataques xenofóbicos contra migrantes de crise.

  • Agradeço à Prof. Dra. Ana Cecília Cossi Bizon e aos pareceristas deste artigo pelas contribuições substanciais.
  • 1
    O Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio), em pesquisa realizada a partir da análise de grupos de WhatsApp, identificou o uso de bots na difusão de um grande volume de fake news no período eleitoral de 2018 (INTERVOZES, 2019INTERVOZES - Coletivo Brasil de Comunicação Social. (2019). Desinformação: ameaça ao direito à comunicação muito além das fake news. São Paulo: Intervozes.).
  • 2
    Utilizo o termo “migração de crise” para me referir a refugiados e migrantes no sentido de signatários deslocados, considerados, segundo Bizon e Camargo (2018BIZON, A. C. C.; CAMARGO, H. R. E. de (2018). Acolhimento e ensino da língua portuguesa à população oriunda de migração de crise no município de São Paulo: por uma política do atravessamento entre verticalidades e horizontalidades. In.: BAENINGER, Rosana et al. (Orgs.) Migrações Sul-Sul. Campinas, SP: Nepo/Unicamp, pp. 712-726., p. 712), com base em Baeninger e Peres (2017), BAENINGER, Rosana et al. (Orgs.). (2018). Migrações Sul-Sul. Campinas, SP: Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó” - Nepo/Unicamp.“os migrantes com a condição jurídica de refugiado, migrantes solicitantes de refúgio, migrantes com ‘refúgio humanitário’, crise humanitária e migrantes refugiados ambientais”.
  • 3
    A Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997, define refugiados como as pessoas que estão fora de seu país de origem devido a fundados temores de perseguição relacionados a questões de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um grupo social específico ou opinião política e não podem ou não querem valer-se da proteção de seu país, ou àquelas que foram obrigadas a deixá-lo devido à grave e generalizada violação de direitos humanos.
  • 4
    O Sul Global é uma categoria que coincide apenas parcialmente com o sul geográfico, pois visa caracterizar os espaços/territórios mais pelo seu posicionamento em relação à distribuição desigual de poder global. Sendo o Norte Global definido por sua centralidade e hegemonia, e o Sul Global por seu caráter periférico e subordinado (SOUSA SANTOS et. al., 2018SOUSA SANTOS, Boaventura de et. al. [Coordenação geral de Maria Paula Meneses; Karina Andrea Bidaseca]. (2018). Epistemologias do Sul. 1.ed. Buenos Aires: CLACSO; Coimbra: Centro de Estudos Sociais - CES.).
  • 5
    São as pessoas que solicitam ao Estado Brasileiro serem reconhecidas como refugiadas, mas que ainda não tiveram sua solicitação de reconhecimento deliberada pelo Comitê Nacional para os Refugiados, mas que, enquanto aguardam a decisão, encontram-se em situação migratória regular em todo o território nacional (CONARE, 2018CONARE - Comitê Nacional para os Refugiados. (2018). Relatório Refúgio em Números - 4ª Edição. Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública. Disponível em: <https://www.justica.gov.br/seus-direitos/refugio/refugio-em-numeros>. Acesso em 19 dez. 2019
    https://www.justica.gov.br/seus-direitos...
    ).
  • 6
  • 7
  • 8
    Essa onda conservadora que tem atingido países como Estados Unidos, Rússia, Itália, Polônia, Israel, entre outros, no Brasil tornou-se mais visível a partir das manifestações de 2013, intensificando-se em 2016 com o impeachment da presidente Dilma Rousseff, e culminando numa política deliberada de ódios e polarizações nas eleições de 2018 (SCHWARCZ, 2019SCHWARCZ, Lilia Moritz (2019). Sobre o autoritarismo brasileiro. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras.).
  • 9
    Mobility is something that has spatial as well as temporal features, and mobile text is text that has the capacity to travel through time and space.
  • 10
    (...) how semiotic agents access macro-sociological plane categories and concepts as values in the indexable realm of the micro-contextual.
  • 11
    Essa ferramenta foi utilizada para registrar todos os dados deste artigo. Para ter acesso às imagens e vídeos completos especificamente do Facebook, é necessário ter um perfil de usuário e se conectar com login e senha na plataforma.
  • 12
    Captura de tela da Página do Facebook da BBC News Brasil. Disponível também no canal da agência de notícias no Youtube: <https://www.youtube.com/watch?v=CrXBt9pVG4Q>. Acesso em: 11 out. 2019.
  • 13
    Disponível em: < https://glo.bo/2OI1ug7>. Acesso em: 11 out. 2019.
  • 14
  • 15
    O nome de urna do candidato foi inclusive composto com o nome da página - Ezequiel Roraima sem Censura (nº. 51000). Disponível em: <https://eleicoes.poder360.com.br/candidato/447078#2018>. Acesso em: 08 set. 2020.
  • 16
  • 17
  • 18
  • 19
    Optei por não divulgar o perfil da autora do relato, apesar de ela ter feito a publicação em sua timeline no Facebook com o modo de visualização “público” ativado. Seu texto, amplamente divulgado em diferentes redes sociais online, foi compartilhado integralmente na página do Jornal da Cidade Online.
  • 20
  • 21
    É recorrente nas reportagens do Jornal da Cidade Online o uso de expressões negativas e sensacionalistas (“imprensalha”, “extrema-imprensa”, “imprensa contaminada”, “imprensa esquerdista”, “imprensa suja” etc.) para se referir e predicar a mídia convencional.
  • 22
    Disponível em: <https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2018/08/27/verificamos-roraima/ >. Acesso em: 25 jan. 2020.
  • 23
    “Entre 0h de quinta-feira (16) até as 11h desta terça (21), foram registradas 234,5 mil publicações no Twitter relacionadas ao contexto da imigração venezuelana em Roraima, impulsionadas pelos registros de ataques a imigrantes em Pacaraima, cidade na fronteira do estado com a Venezuela” (FGV, SALA DE DEMOCRACIA DIGITAL, 2018). Disponível em: <https://observa2018.com.br/posts/conflitos-em-roraima-geram-debate-polarizado-e-acentuam-problemas-da-politica-migratoria/>. Acesso em: 25 jan. 2020.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    26 Maio 2020
  • Aceito
    06 Nov 2020
  • Publicado
    10 Nov 2020
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