RESUMO
Neste trabalho, partimos da compreensão de que uma das consequências contemporâneas mais drásticas do colonialismo é o dualismo radical entre razão e natureza, que forjou ideologias, práticas e políticas de uma humanidade alienada do organismo vivo que é a Terra, e que tem servido como justificativa para um intenso projeto de exaustão da natureza. Como constitutiva das relações entre os seres, entendemos que práticas de linguagem também foram profundamente afetadas pela racionalidade moderno/colonial, tendo sido isoladas da vida, da natureza e submetidas a regimes purificadores alegadamente universais, de modo a servir aos projetos coloniais/nacionalistas de dominação. Considerando que alternativas à modernidade não emergirão de dentro da própria modernidade, buscamos apresentar percursos da práxis de educação linguística intercultural, a partir de experiências co-construídas no curso de Educação Intercultural, da Universidade Federal de Goiás, fundadas na ideia de fricção com a Terra. Implementadas no âmbito do Estágio Pedagógico, numa escola indígena do povo Kuikuro, no Território Indígena do Xingu, buscamos demonstrar como a natureza e as relações entre os seres e o território tornam-se matriz epistêmica, por meio da qual recursos e práticas comunicativas são reconectados à vida, à cosmologia e às demandas contemporâneas por formas de existir mais sustentáveis e que, esperamos, possam inspirar experiências educativas em outros tempos-espaços.
Palavras-chave:
educação linguística intercultural; fricção com a Terra; povo Kuikuro.
ABSTRACT
In this work, we start from the understanding that one of the most drastic contemporary consequences of colonialism is the radical dualism between reason and nature, which has shaped ideologies, practices, and policies of a humanity alienated from the Earth living organism, and has served as justification for an intense project of nature exhaustion. As constitutive of relations between beings, we also understand that language practices were deeply affected by modern/colonial rationality, having been isolated from life and nature, and subjected to allegedly universal purifying regimes, to serve colonial/nationalist projects of domination. Considering that alternatives to Modernity will not emerge from within Modernity itself, we seek to present trajectories of praxis of intercultural language education, based on experiences co-constructed in the Intercultural Education undergraduate course, at the Federal University of Goiás, grounded in the idea of friction with the Earth. Implemented through a pedagogical internship at an Indigenous school of the Kuikuro people in the Xingu Indigenous Territory, we seek to demonstrate how nature and relationships between beings and the territory form an epistemic matrix, through which communicative resources and practices are reconnected to life, cosmology, and contemporary demands for more sustainable ways of existing that we hope might inspire educational experiences in other times-spaces.
Keywords:
intercultural language education; friction with the Earth; Kuikuro people.
“Deixe os pés tocarem o chão do território. [...] Somente com esse exercício podemos ampliar os horizontes e construir uma educação territorializada e inspirada nas experiências dos povos indígenas e, assim, efetivar as práticas decoloniais para além do discurso.” Célia Xakriabá (2023, p. 330)
INTRODUÇÃO
Na porta de sua ngüne, na aldeia Ipatse, no Território Indígena do Xingu (TIX), um sábio ancião conversava com as crianças sobre como, desde a cosmovisão kuhi ikugu, a percepção do tempo é profundamente conectada com a natureza e seus ciclos e com as atividades que as pessoas desempenham em suas vidas cotidianas nesta conexão.
Embora sempre tenha sido uma prática de interação intergeracional comum para o povo Kuikuro, a conversa foi, nesta ocasião, um evento planejado como parte de uma atividade pedagógica a partir da escola indígena e da universidade. Houve uma intencionalidade negociada para o encontro, portanto. Da mesma forma com que há uma intencionalidade na entextualização de um pedaço do discurso do ancião para dar título e sentido às reflexões aqui apresentadas.
“Sitühügü geleha itsuni kaengopenginhe” significa “tudo vem pela natureza”. Capturado num ponto de sua trajetória, entendemos que o pedaço de fala do ancião pode ser compreendido não apenas como um artefato, cujo fluxo conecta a aldeia Kuikuro, a escola indígena e a universidade, mas também como um conjunto de recursos que amalgama referências históricas, cosmológicas e (inter)culturais (Silverstein; Urban, 1996) e que indexicaliza, na superfície sintagmática do presente, o aqui-agora como um estrato de temporalidades múltiplas, inequivocamente marcado pelo fato colonial e cuja compreensão é fundamental em momentos de crise, quando “ocorrem simultaneamente a promessa da renovação e o risco da catástrofe” (Cusicanqui, 2018, p. 91).
Assumindo as múltiplas temporalidades que constituem o nosso aqui-agora, partimos da compreensãode que a iminência da catástrofe tem uma longa historicidade, cujos efeitos estruturam a contemporaneidade. Compreendemos, assim, que uma das consequências mais drásticas do colonialismo é o dualismo radical forjado pela modernidade ocidental que separa a “razão” da “natureza” e gera ideologias, práticas e políticas de uma humanidade racialmente hierarquizada, alienada do organismo vivo que é a Terra, e que tem servido, ao longo dos séculos, como justificativa para um intenso e destrutivo projeto de exaustão do planeta, ao qual podemos nos referir como colonialidade da natureza.
Como constitutiva de todos os seres e de suas relações, entendemos que a linguagem e suas práticas também foram profundamente afetadas pela racionalidade moderno/colonial, tendo sido isoladas da vida, da natureza, e submetidas a regimes purificadores alegadamente universais, de modo a servir aos projetos coloniais/nacionalistas de dominação de corpos e territórios.
Reconhecemos que os povos originários são os que mais sofrem com as consequências mais deletériasda crise planetária de exaustão da natureza. Por outro lado, como característica de sua resistência secular, reconhecemos, também, que são os que mantêm conhecimentos para um futuro comum possível no planeta. Entendendo que promessas de renovação críticas à modernidade não emergirão de dentro da própria modernidade e reconhecendo a educação escolar como um importante lócus de formação de consciência crítica, buscamos apresentar instâncias da práxis de educação linguística intercultural, a partir de experiências co-construídas no curso de Educação Intercultural para formação superior indígena, da Universidade Federal de Goiás (UFG), que mobilizam o princípio da vincularidade entre os seres viventes e o território, em outras palavras, de uma educação linguística intercultural em fricção com a Terra.
Implementadas no âmbito do Estágio Pedagógico, buscamos demonstrar como a conexão com o território pode se tornar matriz epistêmica, por meio da qual os recursos e as práticas comunicativas mobilizados nos processos educativos escolares são reconectados à vida, à cosmologia, à cultura e às demandas por formas de existir mais sustentáveis e que, esperamos, possam inspirar experiências em outros tempos-espaços.
Mais do que os resultados, nos interessa dar ênfase ao percurso praxiológico por nós percorrido demodo a gerar um enquadre para a educação linguística mais sensível à vida dos povos originários. Para isso, compartilhamos o sentido de práxis desenvolvido por Freire (2005), como a relação necessária entre a reflexão e a ação das pessoas sobre o mundo para transformá-lo.
Iniciamos este percurso apresentando as bases do curso e de como sua proposta político-pedagógica se abre para experiências educativas construídas com docentes indígenas e suas comunidades.
1. O CURSO DE EDUCAÇÃO INTERCULTURAL E O ESTÁGIO PEDAGÓGICO
Nossas trajetórias como autores destas reflexões têm como ponto de intersecção o Núcleo Takinahakỹ de Formação Superior Indígena da UFG, onde André atua como docente no campo dos estudos da linguagem e onde Pioni ingressou, em 2021, como estudante, na licenciatura em Educação Intercultural, e, a partir de 2023, iniciou suas atividades de Estágio Pedagógico, na habilitação específica das Ciências da Linguagem. Nesta relação de parceria acadêmica, unem-nos os interesses em fomentar concepções e práticas interculturais de educação linguística, tanto na universidade como na escola indígena.
Criado em 2007, o curso tem como objetivo atender à demanda das comunidades indígenas pela formação docente em nível superior. A partir de debates com muitas comunidades indígenas, sua implementação se funda num paradigma emancipatório, concebido a partir das diferentes dimensões das vidas dos povos originários e de suas relações com a sociedade não indígena. Atualmente, estão presentes no curso cerca de 300 estudantes pertencentes a 30 povos originários, que vivem em diferentes territórios, nos estados de Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais e Tocantins.
Orientam o projeto político-pedagógico do curso as concepções de interculturalidade crítica, transdisciplinaridade, decolonialidade e bilinguismo epistêmico que, em articulação, visam à co-construção de bases políticas, epistemológicas, metodológicas e pedagógicas que fundamentem a educação escolar indígena, em coerência com os interesses de suas comunidades.
Kügühütu tüipügü gele aitsingoi teloko ügühütu ake é uma expressão que pode ser utilizada para a tradução da ideia de “interculturalidade”, na língua kuikuro. A expressão destaca a relação entre culturas e conhecimentos diferentes, buscando construir a ideia de que as culturas existem em relação com as outras. Compreendemos, contudo, que a concepção de interculturalidade deve pressupor que essas relações nem sempre são harmoniosas e que, desde a invasão deste território, a partir do século XVI, são marcadas por conflitos e por relações assimétricas de poder que estruturam o aqui-agora. Assim, a proposta do curso assume a interculturalidade desde uma perspectiva crítica, que remete às lutas e demandas dos povos originários. Se funda, portanto, no reconhecimento da diferença étnico-racial, “como espaço de resistência cultural e como lugar de construção de novas identidades políticas” (Tubino, 2004, p. 151), de modo a possibilitar estratégias de enfrentamento à assimilação forçada e à perda de territórios ancestrais e direitos coletivos.
No campo educativo, a concepção de interculturalidade crítica se afasta de políticas fundadas na tolerância à alteridade e se engaja na formação de crianças e jovens para se afirmarem contra as forças de dominação e de se defenderem frente às constantes agressões vivenciadas por seus povos, parte de uma estrutura mais ampla de poder. Neste sentido, tem como compromisso contribuir com a formação de “sujeitos que sejam autônomos frente às forças da dominação e, como tal, assumam como própria a práxis de resistência de seus povos, sua sociedade e cultura” (Gaschè, 2008, p. 393, destaques no original). Essas forças de dominação se originam na invasão colonial e se caracterizam pelo controle exercido por uma matriz de poder que estrutura o sistema-mundo desde então e que continua atuando em múltiplas esferas, “sobre a humanidade e o ser, gênero e sexualidade, espiritualidade, produção de conhecimento, economia, natureza, existência e a vida em si mesma” (Walsh, 2018, p. 23).
Tal matriz não opera sem resistências, entretanto. Essa compreensão requer o reconhecimento de todas as formas de enfrentamento ao colonialismo e aos seus efeitos, o que entendemos ser a gênese do que passou a ser chamada de práxis decolonial. Decolonialidade denota, assim, formas de pensar, ser e fazer que visam à destruição das estruturas hierárquicas de raça, gênero, classe, espiritualidade, conhecimentos e cosmologias, que continuam controlando a vida e o pensamento nas sociedades moderno-capitalistas e gerando impactos brutais nas vidas das sociedades originárias. Como práxis, a decolonialidade busca “visibilizar, acessar e avançar radicalmente perspectivas e posicionalidades distintas que deslocam a racionalidade moderna como único enquadre e possibilidade de existência, análise e pensamento” (Walsh, 2018, p. 17). Na língua do povo Kuikuro, uma expressão que nos ajuda a pensar a ideia de decolonialidade é kagaiha heke kügühütu tüipügüpe ahakitoho, fundada na compreensão de que, se o colonialismo criou a ordem da dominação, a expressão na língua originária significa desfazer a ordem da política colonial, destruir o colonialismo, para a liberdade dos povos.
A apropriação ressignificada de ideia, na língua originária, para nós, significa mais do que uma tradução linguística. Ela reflete, também, nossa posição crítica de que enfrentar a colonialidade, em suas múltiplas dimensões, não pode ser apenas um exercício epistemológico acadêmico, ou habitar apenas o discurso, como nos lembra Célia Xakriabá, na epígrafe deste texto, mas se fundar nas experiências de vida e de resistência dos povos originários, como o povo Kuikuro. Coadunamos, assim, com a análise crítica de Cusicanqui (2018), para quem não deve haver separação entre o pensar e o fazer, ou seja, entre o pensar acadêmico e a reflexividade das gentes que vivenciam e enfrentam a colonialidade cotidianamente, de modo que decolonialidade não se torne uma palavra mágica, que não habita o que nomeia. Ao “buscar a teoria em outras fontes, mais próximas da experiência vivida”, Cusicanqui propõe a luta anticolonial como forma de resistir aos efeitos do colonialismo. Na mesma direção, Bispo dos Santos (2019) propõe a ideia de contracolonização como “todos os processos de resistência e de luta em defesa dos territórios dos povos contra colonizadores, os símbolos, as significações e os modos de vida praticados nesses territórios” (2019, p. 35). Para o pensador, o contracolonialismo é, precisamente, um modo de vida diferente do colonialismo, que emerge na confluência de experiências afropindorâmicas (Bispo dos Santos, 2023).
Nos limites da possibilidade de convergência dos conceitos, os quais não queremos disputar, situamos a ideia de decolonialidade adotada pelo curso, e por nós, precisamente nas lutas e resistências dos povos que enfrentam de forma mais violenta os diferentes efeitos do colonialismo. Acreditamos que são essas lutas que abrem fissuras e semeiam vida e esperança (Walsh, 2023), numa estrutura de opressão secular e por demais violenta para ser totalmente destruída no tempo do nosso aqui-agora. É, assim, desde essas experiências que desenvolvemos nossas reflexões, uma vez que entendemos que práticas educativas escolares indígenas podem se constituir, também, em enfrentamento e proposições de formas de vida outras, que semeiam esperança para as próximas gerações.
Em articulação, essas concepções ensejam a necessidade de uma comunicação interepistêmica (Quijano, 1992) que viabilize a revalorização de corpos e conhecimentos subalternizados, de modo que “diferentes formas culturais de produção de conhecimentos possam conviver sem estarem submetidas à hegemonia única da episteme da ciência ocidental” (Castro-Goméz, 2007, p. 87). No curso, essa comunicação se dá pela implementação da concepção de transdisciplinaridade, compreendida como uma forma de pensar e de produzir conhecimento que rompe com a fragmentação disciplinar e que se abre a relações simétricas com conhecimentos não ocidentais. Assim, busca se aproximar das percepções indígenas, conforme as quais os “conhecimentos nunca estão separados uns dos outros, mas sempre estão interligados entre si” (Tapirapé, 2020, p. 46-47). A ideia de transdisciplinaridade pode ser expressa como ngiko uhunügü ügühütu atühügü tuhugu aitsingoi gele, na língua kuikuro, conceito que dá ênfase à conexão entre os conhecimentos, que não se fragmentam para a percepção do mundo. Tomado como um exemplo, o trabalho na roça, prática ancestral desse povo, torna-se um lócus epistêmico e de aprendizagem no qual saberes sobre a natureza, cosmologia e práticas comunicativas se conectam e são repassados através da observação, reflexão e vivência entre as gerações.
Visando contextualizar os conhecimentos e conectá-los aos recursos comunicativos que indexicalizam as diferentes culturas, o curso adota a concepção de bilinguismo epistêmico, conforme a qual as línguas não são tomadas de forma isolada, mas ligadas aos conhecimentos que constituem e pelos quais são constituídas, dentro de enquadres cosmológicos particulares e situadas nas relações interculturais. A concepção possibilita apreender como as diferentes línguas em contato favorecem a circulação dos conhecimentos na escola e na comunidade, em articulação epistêmica e a serviço da coaprendizagem em práticas pedagógicas (Pimentel da Silva, 2019). Elaborada a partir de recursos da língua Kuikuro, essa concepção pode ser construída como aitsingoi gele kukakisü tepügü ngiko ügühütu kaenga, em referência à forte ligação entre língua e conhecimento.
Essas concepções são operacionalizadas por meio dos Temas Contextuais, que possibilitam a contextualização do conhecimento nas experiências indígenas. Assim, “os temas contextuais favorecem a complementaridade e diálogo entre saberes indígenas e não indígenas, [e] contribuem para o rompimento do reducionismo dos conhecimentos e línguas indígenas na escola” (Pimentel da Silva, 2016, p. 189). A organização dos conhecimentos por meio dos temas contextuais é uma das principais diretrizes para a implementação dos Estágios Pedagógicos, etapa fundamental na formação docente. No curso, o Estágio tem como principal meta a reflexão sobre a relação entre práticas pedagógicas e o cotidiano da comunidade, por meio da construção de uma educação contextualizada, que favoreça o diálogo permanente entre os saberes (Ufg, 2020).
As práticas de Estágio iniciam-se a partir do terceiro ano de curso e têm como principais objetivos as vivências de experiências didático-pedagógicas nas escolas indígenas. Neste sentido, têm se constituído como um lócus praxiológico fundamental para construção de epistemologias e metodologias que atendam aos interesses e especificidades das comunidades escolares dos/as/es1 docentes indígenas e também como um importante espaço de co-construção que, em termos epistemológicos, possibilita o estabelecimento de pontes entre enquadres conceituais indígenas e não indígenas, com o potencial de criar formas de teoria ainda pouco contempladas pela universidade (Rappaport, 2007).
2. A COLONIALIDADE DA NATUREZA E A EDUCAÇÃO SANITÁRIA APARTADA DA TERRA
A fala do ancião, conforme a qual sitühügü geleha itsuni kaengopenginhe, revela uma percepção cosmológica do povo Kuikuro. Contudo, quando analisada na superfície sintagmática do aqui-agora, performa, também, um alerta.
A aldeia Ipatse, onde vive o ancião, está situada na parte sul do TIX, localizado no nordeste do estadodo Mato Grosso, numa área de transição dos biomas Cerrado e Amazônia. O TIX compreende dezesseis povos indígenas, cada um com sua língua, sua cultura, suas tradições e religiões, que vivem em cerca de 120 aldeias, com mais de 8 mil pessoas. Criado em 1961, corresponde à primeira Terra Indígena demarcada no Brasil, com 2,8 milhões de hectares (Ikpeng, 2023, p. 283).
Neste universo multicultural, o povo Kuikuro habita a região leste da bacia hidrográfica dos rios Culuene, Buriti e Curisevo (Isa, 2021). Conforme Kuikuro (2010, p. 20), “o nome ‘Kuikuro’ surgiu, segundo as narrativas dos antigos, quando Mütsümü, chefe da aldeia Oti, primeira aldeia do povo Kuikuro, descobriu uma lagoa que tinha muitos peixes chamados kuhi, então, ele resolveu chamar seu povo de Kuhi ikugu, que significa, ‘o lugar do peixe kuhi’, hoje, Kuikuro”. A partir deste ensinamento dos antigos, percebemos como, desde sua autopercepção, a existência do povo Kuikuro se conecta profundamente à natureza.
Esta conexão tem sido, entretanto, cada vez mais ameaçada, o que se reflete na imagem de uma “ilha de florestas” da qual se acerca, cada vez com mais violência, um “abraço de destruição”, causado pela intensa ocupação do entorno do TIX, em função de atividades agropecuárias, que colocam em risco a biodiversidade e a sustentabilidade de suas comunidades (Isa, 2011). Como sintetiza Villas-Bôas (2017, p. 24), esses povos testemunham com apreensão “um desmatamento desenfreado, degradação dos rios, a formação de uma vasta malha viária e o surgimento de cidades que delinearam o ‘abraço de destruição’ que os conduz a um quadro de confinamento praticamente irreversível”. Ao longo dos últimos cinquenta anos, as cabeceiras do Rio Xingu têm sofrido com os impactos das atividades econômicas, como a exploração madeireira e a pecuária, entre as décadas de 1970 e 1990, e, mais recentemente, com a monocultura da soja e do milho (Villas-Bôas, 2017, p. 29). Um fator que aumenta sua vulnerabilidade se deve ao fato de as cabeceiras dos rios formadores do rio Xingu estarem situadas fora dos limites do TIX. Desta forma, “todos os impactos negativos sobre os rios formadores - poluição por agrotóxicos, desmatamento e movimentação de terra que produz assoreamento - deságuam na calha do Xingu e afetam as aldeias da TIX” (Villas-Bôas, 2017, p. 30).
Esses impactos já são sentidos pelo povo Kuikuro. É o que mostra a pesquisa de Cerqueira (2018), que analisou a contaminação das águas dos rios, seguindo uma solicitação do Cacique Afukaka Kuikuro, dada sua preocupação com o impacto na alimentação e na saúde das pessoas. A pesquisa identificou a presença de substâncias nocivas no rio Culuene e na lagoa Ipatse, concluindo que há traços de contaminantes orgânicos dentro do TIX. Como não há atividade agrícola de grande impacto dentro do território, “conclui-se que essas substâncias são originárias de lavouras extensivas que estão localizadas fora da Terra Indígena” (Cerqueira, 2018, p. 67).
No que diz respeito ao ar, dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), de setembro de 2022, registraram uma qualidade 53 vezes pior do que o considerado aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS), na aldeia Afukuri. Conforme a pesquisa, a aldeia ficou exposta “17 horas por dia à concentração de 795 microgramas de material particulado de fumaça de queimadas e poluentes, por cada metro cúbico de ar. A recomendação internacional estabelece esse limite até 15 μg/m3 para não prejudicar a saúde” (Garrido, 2022).
Os efeitos das atividades destrutivas do agronegócio afetam, também, as práticas culturais dos povos originários que habitam o TIX, desde o desaparecimento de espécies da fauna e da flora, entre elas o de árvores usadas pelo povo Kuikuro na construção de casas (Ipam, 2022), até a realização do Kuarup, um dos rituais mais importantes dos povos alto-xinguanos (Ribeiro, 2022).
Estes exemplos ilustram não apenas as ameaças sofridas pelo povo Kuikuro e demais povos xinguanos, como revelam, no aqui-agora, os efeitos de uma racionalidade forjada num escopo muito mais amplo, do qual se tornam continuidades daquilo que Krenak chama de “um projeto de exaustão da natureza” (2019, p. 41), fundado numa ideia de humanidade alienada do organismo vivo que é a Terra, a partir da qual “passamos a pensar que ele é uma coisa e nós, outra: a Terra e a Humanidade” (Krenak, 2019, p. 16), e que foi colocado em marcha, em escala global, a partir de finais do século XVI.
Esta ideia de humanidade tem uma longa historicidade. Como explica Mignolo (2018), a invenção eurocêntrica de um modelo de “humano” foi fundamental para a instituição e o controle da matriz colonial de poder, a partir da qual europeus se autodefiniram e se diferenciaram do “menos humano” e do “não humano” e do que também foi forjado como “natureza”, se impondo como uma subespécie superior a todos os outros corpos viventes e à própria energia vital da biosfera. Para Bispo dos Santos (2023), esta desconexão com a natureza é efeito da cosmofobia colonizadora, por meio da qual os humanos (colonizadores) passaram a não se sentir como entes do ser animal. Segundo Cusicanqui (2018, p.65), essa ruptura gerou o próprio “colapso da ideia de humano, talvez o legado mais duro da colonização”
Este dualismo radical que separou “razão” e “natureza” se firmou como um dos pilares da modernidade/ colonialidade e como “uma das ideias/imagens mais características do eurocentrismo: a ‘exploração da natureza’ como algo que não requer qualquer justificativa e que se expressa cabalmente na ética produtivista engendrada junto com a ‘revolução industrial’” (Quijano, 2019, p. 369). A ruptura metafísica das relações “humanas” como resto do universo é o que legitima a hegemonia do homo sapiens sobre os demais seres existentes e que tem sido a base sobre a qual “o capitalismo colonial/global pratica uma conduta cada vez mais feroz e predatória, que termina colocando em risco não apenas a sobrevivência de toda a espécie no planeta, como a própria continuidade e a reprodução das condições de vida, de toda a vida, na terra” (Quijano, 2019, p. 370).
Quijano destaca, ainda, como a ideia de raça é inerente à cisão razão/natureza, tornando-se justificativa, também, para a subjugação das “raças inferiores” (Quijano, 2019), que estariam situadas no polo da “natureza” e, consequentemente, passíveis de serem submetidas ao processo civilizatório ocidental. Trata-se de uma lógica de “discurso e prática que simultaneamente predica a inferioridade natural de sujeitos e a colonização da natureza, o que marca certos sujeitos como dispensáveis e a natureza como pura matéria-prima para a produção de bens no mercado internacional” (Maldonado-Torres, 2007, p.135). Esse dualismo funda uma dimensão perversa da modernidade, a colonialidade da natureza, que “pretende minar as cosmovisões, filosofias, religiosidades, princípios e sistemas de vida, ou seja, a continuidade civilizatória das comunidades indígenas e da diáspora africana” (Walsh, 2009, p. 3).
Embora localizada geopoliticamente, essa cisão foi imputada violentamente ao resto do planeta, desde o século XVI, tendo se atualizado nos séculos seguintes para sustentar o capitalismo como sistema políticoeconômico. Para nossas reflexões, interessa destacar como a separação entre “humano” e “natureza” também serviu para forjar ideologias e práticas de linguagem que perpetuam concepções “cujo ideal sustentador é fabricar uma língua pura, que poderia se tornar a língua de tal estado-nação, bem distante da sócio-história de seus falantes, escritores etc. e de suas ideologias linguísticas ou de como as línguas são entendidas nas práticas sociais” (Moita Lopes, 2013, 105).
Exemplar, neste sentido, é a relação que pode ser estabelecida com discursos modernos, que desde a racionalidade eurocentrada operaram na construção da “natureza” como “recurso”, separada da ideia de humano, por quem poderia ser explorada, parte do ideário científico secular que chega aos nossos dias (Mignolo, 2018). Não por acaso, esses mesmos discursos forjaram ideias de língua que, ao menos em seu estado “de natureza”, não poderia se tornar parte do projeto moderno. Neste aparato discursivo, “apenas descontextualizando a experiência de mundo de alguém frente às circunstâncias situacionais, discursivas, pessoais, sociais, políticas e históricas específicas, [a língua] poderia se tornar um meio confiável de obter informação cientificamente válida” (Bauman; Briggs, 2003, p. 202). Como analisam Szundy e Fabrício (2019), essa visão de linguagem que consagrou a Linguística Moderna como campo científico e que se fundou em “parâmetros de purismo, isolamento, isomorfismo e transparência desligou a fluidez do corpo, a variabilidade, a desordem e a inconstância do mundo social das práticas linguísticas” (Szundy; Fabrício, 2019, p. 64).
Essa “purificação” da língua buscou mascarar processos político-ideológicos que criaram, dentro e fora da Europa, “complexos associativos que ressonaram fortemente pelo pensamento social dos últimos trezentos anos: rural (ou aborígene), de classe baixa, ignorante, antiquado, indígena - em uma palavra, provinciano - versus urbano, elitizado, culto, cosmopolita, ou seja, moderno” (Bauman; Briggs, 2003, p. 3, destaques no original). Como parte de um projeto global de governabilidade, essas ideologias de linguagem (e de desigualdade), serviram aos interesses coloniais/nacionalistas, tendo sido fundamentais na invenção hierarquizada de línguas e comunidades linguísticas (Makoni; Pennycook, 2007). Foi precisamente esse complexo que gerou a ideia de “que certos corpos eram inferiores a outros e corpos inferiores carregam inteligência e línguas inferiores” (Mignolo, 2011, p. 143).
Krenak (2022) destaca como a educação contemporânea tem importante papel na manutenção dessas ideologias modernas e se projetam no que chama de “vida e educação sanitárias”. Como analisa o autor,
uma criança com sete, oito anos de idade já começa a ser treinada para ignorar o meio ambiente. É isolada em uma sala de aula para ser alfabetizada e vai sendo incutida nela, desde cedo, a ideia de uma vida sanitária [...], de uma mentalidade em que uma criança não deve mexer na terra para sujar as mãos. [...] Quando foi que a terra virou sujeira? Faz tempo que eu assisto a esse bombardeio sanitário na cabeça das crianças e não vejo nenhum educador questionar isso. Pois para mim isso está diretamente ligado com essa forma de ver o mundo como um almoxarifado e está no cerne da crise ambiental que estamos enfrentando hoje (Krenak, 2022, p. 109-110).
Ao buscar outras bases para a educação linguística, compreendemos que as percepções originárias sobre a vida com a Terra devam ser o centro da práxis educativa intercultural, num movimento de ruptura com ideologias e práticas moderno/coloniais, como buscamos apresentar na seção seguinte.
3. TATUTE GELEHA KUKAKISÜ ETSÜHÜGÜ ITSUNI KAENGOPENGINHE: EXPERIÊNCIAS DE EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA INTERCULTURAL EM FRICÇÃO COM A TERRA
Alinhados à proposta do curso, buscamos posicionar as cosmovisões originárias no centro das práticas educativas, nelas incluídas a práxis de educação linguística. Neste percurso, assumimos que a ideia de “humanidade” descolada da Terra, embora investida de poder, é e sempre foi enfrentada por sociedades que jamais se renderam à ideia de se relacionar com a Terra como uma mercadoria (Kopenawa; Albert, 2015). Trata-se de sociedades para quem a Terra continua sendo reconhecida como “mãe e provedora em amplos sentidos, não só na dimensão da subsistência e na manutenção das nossas vidas, mas também na dimensão transcendente que dá sentido à nossa existência” (Krenak, 2019, p. 43).
Nesta lógica, temos desenvolvido experiências nas quais o território se torna matriz epistêmica para a formação superior de docentes indígenas e para a educação escolar indígena. Compreendemos que essa matriz é uma via importante para a construção de uma educação territorializada, “que apresenta como ponto de partida e de chegada a potência da epistemologia nativa” (Xakriabá, 2023, p. 324). A ruptura com o dualismo moderno entre humanidade e natureza dá lugar, assim, ao princípio da vincularidade, que “é a consciência da relação integral e da interdependência entre todos os organismos viventes (na qual a humanidade é apenas uma parte) com o território ou a terra e o cosmos” (Walsh; Mignolo, 2018, p. 1). Assumimos, assim, a percepção crítica de Simpson (2014), conforme a qual “a educação indígena não é indígena nem educação, desde nossas tradições intelectuais, a menos que venha da Terra, a menos que ocorra num contexto indígena e use processos indígenas”.
Nos inspira, neste sentido, o que Krenak (2022) chama de práticas educativas em fricção com a terra, algo que constitui os processos educativos dos povos originários milenarmente e que buscamos potencializar na educação escolar indígena. Conforme Krenak, a educação em fricção com a Terra
[t]rata-se de sentir a vida nos outros seres, numa árvore, numa montanha, num peixe, num pássaro, e se implicar. [...] Essa potência de se perceber pertencendo a um todo e podendo modificar o mundo poderia ser uma boa ideia de educação. Não para um tempo e um lugar imaginários, mas para o ponto em que estamos agora (Krenak, 2022, p. 103).
Para nós, a ideia de fricção com a Terra significa que a vida das pessoas está relacionada com todo o planeta, com onde as pessoas se abrigam no ambiente, ou seja, com a natureza. Se uma pessoa fere uma árvore chamada uẽgühi, por exemplo, a madeira mais sagrada para o povo Kuikuro, com certeza, essa pessoa vai adoecer, porque o espírito dessa árvore avisa que ela não pode ser ferida ou derrubada de qualquer jeito. A madeira dessa árvore é utilizada para a festa Kuarup. Portanto, percebemos que os ferimentos na natureza causam os adoecimentos nas pessoas, porque somos parte dela. Certamente, a vida das pessoas está conectada com os conhecimentos da terra. Somos dependentes da natureza, como a natureza é dependente do povo. Tudo que aprendemos vem dela. Somos capazes de cuidar da Terra, uma vez que a natureza ensina o povo a valorizar aquilo ao qual pertence. Assim, a conexão com a Terra é importantíssima para a vida das pessoas, que são ensinadas desde crianças a como lidar com a natureza, por meio de vivências como ir pescar, fazer a roça, etc., para que saibam de todos os elementos necessários para a vida.
Desta forma, pensar uma educação em fricção com a terra significa reconhecer que a natureza e o território são importantes para a vida do povo Kuikuro e que todos os conhecimentos que vêm da relação com a natureza são necessários, como os marcadores de tempo, os costumes, enfim, toda sua cosmologia. A natureza é sagrada para o povo, pois os saberes vêm de lá. Sem a natureza, o povo Kuikuro não tem possibilidade de sobreviver, por isso, cuida tanto dela. Da mesma forma, a língua kuikuro está conectada com a natureza. Todos os saberes que expressam na linguagem estão ligados à natureza. Com a devastação do território, os conhecimentos ficam em desuso, assim como as práticas comunicativas, como, por exemplo, expressões relacionadas ao tempo e a todos os demais saberes relacionados aos ciclos da Terra. Com a destruição da riqueza da natureza, os conhecimentos morrem e o povo morre junto.
A partir deste enquadre, desenvolvemos experiências pedagógicas com foco na educação linguística intercultural, como parte das atividades desenvolvidas no âmbito do Estágio Pedagógico, das quais duas delas são aqui apresentadas. Essas experiências foram desenvolvidas na Escola Indígena Central Estadual Karib, no primeiro e no segundo semestres de 2023, respectivamente.
Seguindo a proposta pedagógica do curso, as atividades de Estágio iniciam-se com debates coletivos, entre orientador e estagiários/as/es, sobre as realidades de suas comunidades, a partir dos quais demandas são identificadas como relevantes para a sustentabilidade de seus povos. Neste primeiro movimento, essas situações passam a constituir os temas contextuais que servirão como ponto de partida para a organização dos conhecimentos que serão abordados na prática docente.
Nesta direção, a partir da observação da realidade de sua comunidade, Pioni Atsua Kuikuro identificou um problema advindo das relações interculturais vivenciadas por seu povo que diz respeito a sua relação com o ambiente, mas que gera impactos em suas práticas culturais e linguísticas. Tratam-se das formas de marcação do tempo tradicionais do povo Kuikuro, que se dão pela observação dos ciclos naturais, e que têm sido substituídas por formas não indígenas, fazendo com que não só a relação com o ambiente se altere, como também desapareçam das práticas comunicativas as codificações linguísticas dessas marcações.
Por exemplo, antigamente, o povo kuikuro utilizava o sol e as estrelas para saber os seus horários, para saber quando ir à roça, para pescaria, para caçadas, festas e para todo o trabalho da comunidade. Assim, conseguia organizar as atividades cotidianas. Atualmente, o horário tradicional está sendo desvalorizado por motivo da entrada da tecnologia do não indígena na comunidade. As crianças e jovens estão utilizando o celular e relógio para isso e não sabem mais como a comunidade denominava o horário na língua originária.
A partir desta situação, o tema contextual da primeira experiência de Estágio foi “Horário tradicional do povo kuikuro”, a partir do qual foi desenvolvido o planejamento das aulas que seriam ministradas na escola, para crianças de uma turma multisseriada de 2º e 3º anos do Ensino Fundamental. Os objetivos das aulas foram assim definidos: valorizar e registrar as denominações de horário tradicionais; ensinar as crianças sobre os horários tradicionais, para que conheçam a denominação na língua kuikuro; e colocar em prática esse saber na comunidade. Esses objetivos revelam nosso posicionamento educativo de intervenção na realidade da comunidade e se fundamentam em nossas concepções compartilhadas de linguagem como prática social, e, considerando a língua originária, em sua profunda conexão com todas as dimensões da vida de seu povo, como sintetiza Gersen Baniwa, ao propor que
[a]s línguas indígenas não estão relacionadas apenas às dimensões e capacidades mentais, cognitivas, biofísicas naturais, mas a todo processo sócio-histórico e sociocósmico. [...] Elas expressam e organizam cosmologias, epistemologias, racionalidades, temporalidades, espacialidades, valores, sentidos e significados existenciais e espiritualidades (Baniwa, 2022, p. 326).
A sequência didática inicialmente elaborada teve, então, como principais etapas i) uma conversa com o ancião da aldeia, em sua casa, para ouvir ensinamentos sobre o horário tradicional do povo Kuikuro e a posterior sistematização dessas informações pelas crianças; ii) atividade de representação multimodal dos movimentosdo sol e da lua como geradores de expressões de marcação de tempo na língua Kuikuro; e iii) socialização das produções das crianças e dos conhecimentos adquiridos por meio do tema contextual, no pátio da aldeia.
Uma dinâmica fundamental nas práticas de Estágio tem sido a consulta aos conhecedores e às conhecedoras de seus povos, normalmente, seus anciãos e anciãs. Nesta direção, a pedagogia dos temas contextuais possibilita esse diálogo, já que, quase sempre, é por meio dessas pessoas que detêm saberes especializados que as epistemologias originárias podem ser acessadas e socializadas, inclusive, por meio da escola indígena. Como analisa Tapirapé (2022, p. 105), “o Tema Contextual é muito mais desenvolvido, até porque a participação dos sábios é direta, não só durante uma entrevista, mas os sábios fazem parte do desenvolvimento dos alunos”.
Depois de uma conversa inicial com as crianças, Pioni levou sua turma até a casa do senhor Haitsehü Kuikuro2. Todos os estudantes foram com seus cadernos para anotar o que o ancião tinha a dizer. Formaram uma roda e o ancião contou as histórias sobre o horário tradicional e a marcação do tempo no passado (Figura 1). A importância desta atividade está no fato de o ancião ser um conhecedor da cosmologia Kuikuro e pelo evento reforçar a transmissão intergeracional dos saberes originários e, desde a perspectiva da educação linguística, fortalecer as práticas comunicativas orais na língua Kuikuro, que servirão, posteriormente, como base para práticas de letramentos, compreendidas como um dos objetivos da escola indígena.
Segundo os ensinamentos do ancião, o povo Kuikuro usava a natureza para marcar e se referir ao tempo, como pelo movimento do sol, suas sombras, a posição da lua e das estrelas, ciclos esses que orientam atividades socioculturais importantes, que se transformam, também, em marcadores temporais, dada sua prática reiterada, como o momento de contar as histórias para os filhos/as/es e netos/as/es, das lutas corporais, da busca de lenha na mata, da chegada do rapaz da roça, etc.
Esses ensinamentos nos possibilitaram trazer para a experiência pedagógica uma concepção de cultura que emerge da relação indissociável entre as pessoas e seu meio como partes de um todo, centrada nas atividades socioculturais da comunidade. Como elabora Gaschè (2008), podemos pensar a cultura como aquilo que as pessoas produzem “em seu processo vivencial diário, no qual criam seus meios de subsistência, transformando a natureza, cooperando, interatuando e se comunicando”. Para Sartorello (2016), este modelo de cultura compreende, ainda, os discursos que dão significado social às atividades, tornando-se um exercício da racionalidade própria de uma comunidade que se opõe radicalmente à racionalidade moderno/colonial, uma vez que se funda na integração entre sociedade e natureza para a constituição de uma matriz cultural. Nos ensinamentos do sábio Kuikuro, podemos perceber esta integração em atividades como contar histórias para os/as/es netos/as/es, a luta tradicional, a busca da lenha na mata, a chegada do rapaz da roça; todas profundamente interconectadas com o meio, tornando-se marcadores temporais e sendo repassadas de geração a geração em interações que se constituem por práticas orais.
Os discursos são constitutivos desta concepção de cultura e de grande importância como fundamento para a educação linguística, uma vez que foi precisamente pelo discurso do ancião que recursos linguísticos que codificam a compreensão do tempo foram transmitidos às crianças e se tornaram o foco das práticas pedagógicas. O senhor Haitsehü Kuikuro ensinou, por exemplo, que o movimento do sol é um importante marcador de tempo. Enquanto falava, ia demonstrando com gestos o movimento do sol e como este movimento é codificado com recursos da língua kuikuro, em expressões como giti ihatilü hata mitote (sol + saindo + na hora + de manhã - o sol nascendo), giti ikühagatilü hata (sol + subindo + na hora - a hora que o sol está subindo), hãpuga (meio-dia), giti ẽdühügü atai (sol + escurecido + estava - quando o sol está se pondo).
Também as atividades que se dão em interdependência com o meio tornam-se referências temporais, codificadas na língua originária em expressões como uãgi etĩbelü kea (rapaz trabalhador + chegada + na hora - hora da chegada do rapaz da roça), ikidene kea (luta + na hora - hora de treinamento da luta huka-huka), ikato telü kea (lenhador + ir + na hora - hora em que a pessoa vai buscar a lenha). Já no período da noite, os antepassados usavam referências como as estrelas para marcar o tempo, em expressões como ünkgünge kea (dormir + na hora - quando as pessoas dormem), sahuingi ugingagü-koko igihükügüte (do rio de constelação + da noite + ao meio - céu cheio das estrelas/no meio da noite), minügü enhügü hata (madrugada + vinha - quando vinha a madrugada), minügü atsagahehijü hata (madrugada + o sol começando a iluminar - o sol começando a iluminar pela madrugada), kupakilü kea (acordar + na hora - quando as pessoas começam a acordar); bem como as atividades socioculturais interdependentes, codificadas em expressões como haidene heke akinha ihanügü kea tülimo inha õ tühigü inha (ancião + história + contando na hora + filhos/as + para + ou + netos/as - hora em que o avô/avó conta a história para o/a seu/a filho/a ou para os/as seus/as netos/as).
Estes ensinamentos do ancião Kuikuro assumem uma relevância ainda maior quando pensamos as práticas comunicativas por meio de epistemologias indígenas. Como destacam as intelectuais originárias Engman, Hermes e Schick (2023, p. 95), “quando as línguas indígenas são pensadas em termos de uma epistemologia relacionale quando recriam consistentemente a relacionalidade em uso, mais-que-humanos são imediatamente invocados como parte do processo de produção de sentido”. Desde nossa compreensão, o que o senhor Haitsehü nos ensina é que a existência e uso dessas expressões da língua kuikuro são profundamente dependentes da vincularidade estabelecida entre as pessoas e os entes mais-que-humanos que geram seu próprio sentido, como o Sol, as Estrelas, o Rio, a Terra.
Já no pátio da escola, Pioni propôs uma roda de conversa para que as crianças socializassem o que haviam aprendido com o ancião, dando oportunidade para que cada uma expressasse sua compreensão, suscitando a problematização das mudanças que vêm ocorrendo na comunidade e o fato de, consequentemente, as expressões serem desconhecidas, até então, por elas. Após a sistematização oral desses conhecimentos, o professor propôs uma atividade com o objetivo de promover o registro escrito das informações aprendidas (Figura 2). Esta atividade reflete a compreensão de que a escola tem, também, o papel de promover práticas de letramentos a partir de recursos das línguas originárias. Obviamente, não para substituir práticas orais, mas como uma forma de ampliação de registros para a reativação de memórias pelas gerações futuras (Xakriabá, 2023).
Sistematização escrita das expressões de marcação de tempo do povo Kuikuro. Foto: Pioni Atsua Kuikuro (2023).
Esta atividade de sistematização escrita serviu como base para a representação multimodal dos conhecimentos repassados pelo ancião. Assim, as crianças trabalharam na elaboração de mapas tendo como referência a aldeia, de modo que pudessem representar o movimento do sol e as marcações de tempo na língua kuikuro, como exemplificam as Figuras 3 e 4, a seguir.
Representação multimodal das marcações de tempo para o povo kuikuro. Foto: Pioni Atsua Kuikuro (2023).
Representação multimodal das marcações de tempo para o povo Kuikuro. Foto: Pioni Atsua Kuikuro (2023).
Nesta atividade, as crianças também tiveram de utilizar o seu próprio conhecimento sobre o espaço onde vivem. Desta forma, no centro dos desenhos, representaram as casas que constituem a aldeia Ipatse, em sua tradicional organização circular e, no entorno da aldeia, entes fundamentais para a vida do povo Kuikuro, como a Lagoa Ipatse, à direita das imagens; e a floresta circundante à aldeia, representada pelas árvores. Sob orientação do professor, as crianças também marcaram nos mapas algumas representações das atividades humanas em seu meio, como a roça (Figura 3, lado esquerdo), fonte tradicional de alimentos; e os caminhos abertos na mata para a locomoção das pessoas. Como ponto principal da atividade, construíram representações dos ciclos baseados no Sol, na Lua e nas estrelas, bem como as expressões linguísticas que codificam os marcadores de tempo. A atividade de construção de mapas socionaturais tornou-se uma importante oportunidade de reflexão não só sobre a constituição da biorregião das crianças, como também de fortalecimento da cosmovisão originária que coloca as pessoas de volta na natureza e não acima dela (Berg, 2006, p. 157).
Depois de finalizados os mapas, Pioni organizou um evento comunitário para que as crianças socializassem seus trabalhos e todo o conhecimento adquirido no tema contextual. A apresentação se deu no centro da aldeia Ipatse (Figura 5) e reuniu estudantes de outras turmas da escola, bem como pessoas da comunidade, tornando-se mais um importante contexto de aprendizagem e fortalecimento de práticas comunicativas na língua originária.
Apresentação dos trabalhos pelas crianças no centro da aldeia. Foto: Pioni Atsua Kuikuro (2023).
O mesmo percurso praxiológico foi seguido na segunda atividade de Estágio, desenvolvida no semestre seguinte, com a mesma turma de estudantes. Entendido como um processo gradual e cumulativo, no Estágio,as experiências positivas da etapa anterior são reforçadas e expandidas nas etapas seguintes, nas quais novos conhecimentos e possibilidades didático-pedagógicas são incorporados. Nesta direção, o tema contextual foi elaborado como “Alimento tradicional e alimento industrializado na comunidade kuikuro” e, mais uma vez, foi definido com base na observação das dinâmicas socioculturais da comunidade.
A definição do tema contextual se deu pelo fato de, antigamente, o povo kuikuro consumir apenas os alimentos tradicionais como, peixes assados, beiju, caldo de mandioca e outras comidas exclusivamente oriundas da natureza e do trabalho com a Terra. Quando o povo Kuikuro entrou em contato com o não indígena, a comida industrializada começou a entrar na comunidade. Hoje, o alimento industrializado tem provocado doenças, como diabetes, pressão alta e outras doenças que não tinham sido vistas antes. Então, esta prática de Estágio serviu para comparar o consumo destes alimentos na comunidade kuikuro hoje, fortalecendo as comidas saudáveis e evitando as doenças dentro da comunidade.
A escolha do tema responde a uma demanda societária importante que se refere diretamente às condições da relação com o meio, ou seja, entre a segurança territorial, que envolve a conservação ambiental, e a soberania alimentar e nutricional. Nesta intersecção, o tema contextual possibilitou uma importante discussão sobre a saúde do povo Kuikuro. Estudos apontam como há uma relação direta entre a preservação do meio ambiente e a produção de alimentos entre as populações originárias, tendo em vista que a redução dos territórios tradicionalmente ocupados, a delimitação de suas terras em áreas degradadas, a perda de cobertura vegetal e a poluição gerada pelo entorno são responsáveis pela baixa produtividade nas comunidades, o que leva muitos povos a uma situação de carência alimentar. Quanto menos condições de produzir seus alimentos, maior é a necessidade de consumo de alimentos industrializados, gerando uma transição nutricional que, no geral, é altamente prejudicial, pois se baseia numa dieta rica em gorduras, alimentos refinados, e alto teor de açúcar e sódio. Consequentemente, doenças que não faziam parte da vida das comunidades se tornam mais frequentes, como a desnutrição infantil, anemia, obesidade, hipertensão arterial e diabetes tipo 2 (Ribas; Leite; Gugelmin, 2007).
No planejamento das aulas, os objetivos definidos para o tema foram: valorizar os alimentos tradicionais produzidos na/pela natureza, de acordo com seus ciclos; conscientizar as crianças e comunidade quanto aos riscos do consumo de alimentos industrializados e, assim, evitar doenças; e promover a ampliação de recursos linguísticos orais e escritos na língua Kuikuro relacionados aos hábitos alimentares da comunidade. A metodologia estabelecida para o trabalho iniciou-se, mais uma vez, com conversas com um ancião da comunidade, nesta ocasião, também em forma de uma entrevista, que gerou uma base de conhecimentos para o professor indígena; debates; produções multimodais; e uma palestra com um profissional da saúde indígena.
A entrevista com o ancião Jakalu Kuikuro, grande cacique de seu povo, foi feita em sua casa, na aldeia Ipatse, em novembro de 2023 (Figura 6). Há muito tempo, o cacique vem analisando e comparando as diferenças entre a comida tradicional e industrializada na comunidade. A partir de sua sabedoria, o ancião contou que, antigamente, sua comunidade comia apenas alimentos vindos da natureza, comidas saudáveis, que fortalecem o corpo, dão energia e estimulam o bem viver, ou hekite geleha kutsomi, na língua kuikuro, como peixes, mingau de beiju, beiju, pequi, frutas, raízes, que não provocam doenças, não são produzidas pelas máquinas e não são misturadas com outros produtos. Os antepassados faziam suas roças, pescavam e caçavam para o sustento da família. Conforme o cacique, os hábitos mudaram e a comunidade consome comidas que vêm das mercadorias produzidas pelos brancos, o que está prejudicando a saúde das pessoas. O ancião atribui essas mudanças ao contato com não indígenas, que chegaram ao seu território, há muitos anos, levando alimentos diferentes, como café, açúcar, biscoito, rapadura, entre outros.
Desde então, essas comidas industrializadas vêm se misturando com as comidas típicas do povo Kuikuro. O ancião lembrou que seu pai, Nahu Kuikuro, já alertava a comunidade quanto aos riscos desta mudança, dizendo “não comam muito as comidas dos não indígenas, esses alimentos causam as doenças, se não vocês pegam diabetes, verme e outras doenças”. A comunidade não acreditava nele, porque eles não tinham visto esses efeitos ainda. Hoje em dia, as pessoas estão adoecendo, porque os alimentos já não são a mesma coisa, são comidas que vem da cidade, da mercadoria e que são químicas. Como analisa o grande cacique Kuikuro, “as pessoas já morreram por causa disso. Por esse motivo, nós temos que evitar esse consumo dessa comida. Temos que comer comidas naturais que vêm da natureza”.
Após a entrevista, Pioni iniciou seu trabalho em sala de aula com as crianças. No primeiro momento, explicou a importância do tema, perguntando às crianças o que sabiam sobre as comidas tradicionais e as comidas industrializadas. Neste momento, foi contando como eram os hábitos alimentares, com base nas informações transmitidas pelo cacique. As crianças não conheciam essas histórias, mas, no debate que se seguiu, identificaram mudanças em sua própria alimentação. Também compartilharam a compreensão de que essas mudanças nos hábitos alimentares têm se espalhado por toda a região do Xingu, provocando o enfraquecimento das comidas típicas e riscos para a saúde da população.
Na aula seguinte, o professor levou as crianças para a casa do ancião, buscando, mais uma vez, promover um contexto de interação direta com o sábio, fortalecendo esse vínculo e os conhecimentos originários transmitidos oralmente (Figura 7). Depois de dar boas-vindas e agradecer à turma pelo trabalho, o senhor Jakalu ressaltou a importância daquele momento para as crianças, uma vez que são o futuro do seu povo. Em seguida, contou seu conhecimento sobre os alimentos tradicionais e como eram produzidos em atividades conectadas com a natureza, como nas roças, na pesca e na coleta de frutas na mata. Destacou, entre os principais hábitos alimentares, o beiju, o peixe moqueado, o caldo de mandioca e o mingau de beiju, já consumidos desde o período da manhã. O ancião também falou sobre as mudanças nesses hábitos e como isso tem afetado drasticamente a saúde da comunidade. As crianças ficaram preocupadas com essas mudanças, pois puderam fazer, de forma orientada e mais ampla, uma relação entre a alimentação e a saúde da comunidade. Neste momento, iniciaram as primeiras anotações escritas sobre o tema, para serem desenvolvidas posteriormente nas aulas (Figura 8, a seguir).
Conversa com o cacique Jakalu Kuikuro sobre a alimentação do povo Kuikuro. Foto: Pioni Atsua Kuikuro (2023).
Sistematização escrita na língua originária sobre a conversa com o ancião. Foto: Pioni Atsua Kuikuro (2023).
Já na escola, a turma pôde aprofundar a compreensão das consequências das mudanças dos hábitos alimentares em sua comunidade, como o adoecimento. Pôde, ainda, reconhecer em seus próprios hábitos alimentares o consumo de muitos alimentos prejudiciais, como refrigerante, açúcar, biscoito, suco industrializado, entre muitos outros. Depois do debate, as crianças sistematizaram o que aprenderam em pequenos relatórios escritos na língua kuikuro e iniciaram a produção de cartazes sobre o tema (Figuras 9 e 10, a seguir).
Produção de cartazes para representação multimodal de alimentos tradicionais do povo Kuikuro. Foto: Pioni Atsua Kuikuro (2023).
Produção de cartazes para representação multimodal de alimentos industrializados consumidos pela comunidade. Foto: Pioni Atsua Kuikuro (2023).
Nos cartazes, as crianças foram orientadas a representarem com desenhos e palavras escritas os alimentos tradicionais do povo Kuikuro, na língua originária, tais como kanga, ala, lisinhü, ĩbe, agatü, hikutaha, aná, kopu, ihũi, homi, kuigiku, ĩbene, sahũdu, ikine, kuigi etc.; e os principais alimentos industrializados que fazem parte de seu cotidiano, na língua portuguesa, dos quais foram destacados pirulito, açúcar, refrigerante, óleo, biscoito, bombom, café, Nescau, arroz, pipoca, biscoito recheado, feijão, pão, tomate, salgadinho, macarrão, miojo, sal, balinha entre outros.
No dia seguinte, o trabalho foi no pátio da escola, quando as crianças, juntamente com outras turmas, puderam assistir a uma palestra ministrada pelo agente de saúde Kauti Kuikuro. Como técnico em enfermagem, Kauti reforçou o que o ancião já havia ensinado, afirmando como os alimentos tradicionais são mais saudáveis e fornecem os nutrientes essenciais para o organismo quando consumidos cotidianamente, ao passo que o consumo diário de alimentos industrializados tem provocado muitas doenças. A fala do agente de saúde despertou preocupação na comunidade, gerando uma reflexão mais ampla sobre a importância da manutenção de hábitos alimentares tradicionais. Na ocasião, as crianças puderam apresentar seus cartazes e o que aprenderam no tema contextual, numa situação que promoveu, ainda, o exercício da fala pública na língua originária (Figura 11).
Palestra com agente de saúde indígena e apresentação das crianças. Foto: Pioni Atsua Kuikuro (2023).
O trabalho com o tema contextual encerrou-se, em sala de aula, com a apresentação das crianças de seus trabalhos. Nesta apresentação, puderam retomar e reforçar todo o conhecimento adquirido nas atividades e, mais uma vez, refletir sobre os riscos à saúde da mudança nos hábitos alimentares. Puderam, assim, exercitar práticas discursivas importantes, como a formulação e expressão de opiniões e argumentos sobre o tema e, coletivamente, estabeleceram o compromisso de valorizar os alimentos saudáveis em suas famílias, cumprindo com o objetivo do tema contextual de, a partir da escola indígena, intervir na realidade da comunidade para melhores condições de vida, o que envolve, necessariamente a reconexão com a natureza e seus ciclos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No momento em que concluíamos este texto, o estado brasileiro do Rio Grande do Sul vivenciava uma das maiores tragédias climáticas da história. As fortes chuvas que acometeram o estado causaram inundações e deslizamentos que afetaram mais de dois milhões de pessoas. Diante da tragédia, o Cacique Raoni Metuktire, do povo Mẽbêngôkre, também habitante originário do TIX e uma das maiores vozes mundiais pela preservação do meio ambiente e defesa dos direitos originários, ao se pronunciar sobre o evento climático extremo, demonstrou desalento ao afirmar que não sabia se as pessoas iriam acordar depois disso e, desde a mesma perspectiva cosmológica do ancião Haitsehü Kuikuro, sentenciou: “Eu conheci muitos espíritos de água e floresta. E o discurso deles é o mesmo: se eles continuarem sendo ameaçados, vão atacar. Isso não é bom para nós. É preciso cuidar melhor” (apud Cardoso, 2024, online).
Diante desta situação de catástrofe, efeito no aqui-agora de um sistema-mundo construído na cisão entre humanidade e natureza, nos alinhamos às interpretações que entendem que a crise climática é consequência direta da racionalidade moderno/colonial que gerou e mantém a lógica da produção capitalista, para a qual a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento desenfreados continuam sendo fundamentais. Neste sentido, nos parece urgente compreender, conforme Leff (2009, p. 18), que “a crise ambiental é uma crise da razão, do pensamento, do conhecimento”. Ao problematizar a crise, o autor propõe um outro tipo de saber social, que “emerge de um diálogo de saberes, do encontro de seres diferenciados pela diversidade cultural, orientando o conhecimento para a formação de uma sustentabilidade partilhada” (Leff, 2009, p.19).
A práxis pedagógica que buscamos apresentar nestas reflexões, co-construídas desde o diálogo entre saberes, a qual nomeamos educação linguística intercultural em fricção com a Terra, é um exercício na direção de pensar a vida desde outras racionalidades, através da educação escolar. Buscamos, assim, colocar “nos centros das preocupações pedagógicas a forma de vida indígena, concreta, ativa, produtiva, social, discursiva, com suas próprias formas de exercício da racionalidade, que sempre foi ignorada e marginalizada” (Gaschè, 2008, p. 351). Trata-se, também, de um exercício de descentralização epistemológica, de modo a romper com a hierarquização dos conhecimentos forjada como condição e efeito da modernidade eurocentrada. A catástrofe em curso, que tem se mostrado de forma cada vez mais severa, aparentemente, tem impulsionado, ainda que de forma periféricana geopolítica mundial de produção de conhecimento, algumas instâncias desse diálogo de saberes entre as racionalidades ocidental e originárias, como “pontos de esperança” para algum futuro comum possível no planeta, tendo em vista as relações respeitosas de reciprocidade estabelecidas pelos povos originários entre seres humanos e outros seres que constituem a biodiversidade da Terra, incluindo os não humanos (Levis et al., 2024), o que aqui chamamos de relações de vincularidade.
Vislumbramos este movimento em direção a um diálogo interepistêmico também em alguns campos dos estudos da linguagem. Como exemplo, nos parece significativa a perspectiva de uma Linguística Aplicada Póshumanista, como proposta por Pennycook (2018), que abre caminhos para ideias alternativas de humanidade, de linguagem, de contexto, de cognição e comunicação e, consequentemente, para novas possibilidades para a pesquisa e a educação linguística. Para esses novos caminhos, o autor aponta a necessidade de promover uma melhor compreensão do lugar do humano num mundo mais-que-humano, incluindo uma abordagem ecológica para a linguagem, que redirecione as formas nas quais o humano está situado nos sistemas mais amplos que dão suporte à vida (Pennycook, 2018, p. 143). Neste sentido, propõe reflexões que centralizam uma concepção de linguagem corporificada, situada, performada e profundamente relacionada ao espaço, ao lugar, que é constituído e protagonizado por entes que vão além da ideia eurocêntrica de humano. Como base fundante desta perspectiva está a ideia de que “[c]onsiderar as línguas e conhecimentos indígenas seriamente [...], trata-se de repensar a relação com o lugar, com o mundo ao redor; é sobre ouvir, compreender o mundo, agindo com humildade, mostrando respeito” (Pennycook, 2018, p. viii).
Pennycook e Makoni (2020) argumentam, por sua vez, que uma perspectiva do “Sul” para a Linguística Aplicada necessita não apenas descolonizar o pensamento sobre linguagem, como também sobre educação e como, para isso, torna-se fundamental a centralidade das cosmovisões indígenas nas epistemologias do Sul, uma vez que “abrem possibilidades para uma linguística aplicada muito mais ampla, na qual a interação e a comunicação com não-humanos sejam também parte da disciplina” (Pennycook; Makoni, 2020, p. 110). Neste sentido, propõem que o campo necessita, ao menos, o “reconhecimento das terras sobre as quais as instituições estão construídas, uma apreciação de outras formas de conhecimento sobre linguagem, aprendizagem e educação, e a possibilidade de engajamento com outras ontologias de linguagem” (Pennycook; Makoni, 2020, p. 131).
Embora reconheçamos a importância dessas proposições teóricas para os estudos da linguagem, bem como as convergências com as reflexões que aqui apresentamos, o percurso praxiológico que seguimos foi outro, originado no chão de um território indígena e em cosmovisões originárias, potencializadas na educação escolar indígena e na universidade. Buscamos seguir, assim, a proposição de Cusicanqui (2018), de teorizar a partir e com as experiências reais de vida dos povos originários, nelas incluindo as relações interculturais nas quais se engajam na contemporaneidade. Em outras palavras, buscamos potencializar essas cosmovisões para demandas que são sentidas muito antes de se tornarem parte de projetos críticos de revisão epistemológica, que, em nossa compreensão, não deixam de ser hegemônicos, pois quase sempre desconsideram e/ou abordam de forma superficial experiências construídas desde o que chamamos de “o sul do Sul Global”, como as desenvolvidas no âmbito da formação e da atuação de professores/as/ies indígenas em suas comunidades, desde onde entendemos que fissuras e semeaduras reais têm ocorrido, há bastante tempo.
Desta forma, para pensar o que chamamos de educação linguística intercultural em fricção com a Terra, nos faz mais sentido a afiliação com intelectuais originários/as/ies, como Krenak, mas também como Simpson (2014, p. 14), para quem “a terra deve, mais uma vez, se tornar a pedagogia”, uma vez que, desde suas perspectivas, “é o lugar onde nossos ancestrais residem, onde os seres espirituais existem, e onde os espíritos viventes de plantas, animais e humanos interagem”. Tratam-se de perspectivas que reconhecem a confluência holística do que foi separado pela razão ocidental e que nos possibilitam, no aqui-agora, pensar esta reconexão como matriz epistêmica na universidade e na escola indígena, de modo que, conforme Engman, Hermes e Shick (2023, p. 95), “a Terra se mova do pano de fundo para o primeiro plano como uma interlocutora e co-conspiradora para a produção de sentido”.
Nestas bases, acreditamos, a ideia de uma educação linguística intercultural em fricção com a Terra abre caminhos reais para o tensionamento e mesmo para a ruptura de concepções moderno/coloniais de linguagem ao reconstituí-las a partir de epistemologias relacionais, reconectando-a à vida da/na biosfera e às suas dinâmicas, como percebidas desde sensibilidades e epistemologias originárias.
Esperamos que as experiências e reflexões aqui apresentadas contribuam também com a práxis de educação linguística intercultural não apenas na formação docente e na educação escolar indígenas, já que nos parece uma certeza que intervir no mundo diante da catástrofe seja uma necessidade coletiva para um futuro compartilhado. Esperamos, assim, que os princípios que orientaram nossa práxis sejam considerados, em outros tempos-espaços e em outras formas de relações com o meio ambiente, inclusive em contextos urbanos, para a formação crítica de uma nova consciência de sustentabilidade, não como algo individual, mas que diga respeito “à ecologia do lugar em que a gente vive, ao ecossistema em que a gente vive” (Krenak, 2020, p. 9). Nesta direção, as lições ensinadas e aprendidas junto aos anciãos e às crianças kuikuro nos parecem muito inspiradoras quanto ao cuidado com a natureza e como, desde a cosmovisão de seu povo, podemos aprender sobre tudo aquilo do que fazemos parte, sobre a importância da conexão com a natureza para manutenção dos conhecimentos e da própria vida.
-
1
Adotamos a marcação da variabilidade de registros em reconhecimento e respeito à diversidade cultural, de corpos e de identidades sociais que existe, e sempre existiu, entre os povos originários.
-
2
As entrevistas orais e imagens geradas nas práticas de Estágio Pedagógico aqui descritas foram feitas por Pioni Atsua Kuikuro, em sua comunidade da Aldeia Ipatse, com o consentimento prévio e informado das pessoas participantes, de forma oral e na língua kuikuro.
DECLARAÇÃO DE DISPONIBILIDADE DE DADOS DA PESQUISA
Declaramos, para os devidos fins, que o artigo intitulado “ ‘Sitühügü geleha itsuni kaengopenginhe’: práxis de educação linguística intercultural em fricção com a Terra”, utiliza dados não públicos, que referem-se, basicamente, aos dois relatórios de Estágio Pedagógico desenvolvidos pelo segundo autor, em sua comunidade, sob orientação do primeiro autor, e entregues como requisito para a conclusão do curso de licenciatura em Educação Intercultural da Universidade Federal de Goiás. O acesso aos relatórios de Estágio dos quais originam-se os dados utilizados neste artigo podem ser solicitados diretamente ao segundo autor.
REFERÊNCIAS
- BANIWA, Gersem L. (2022). Saberes indígenas e resistência linguística. In: Landulfo, Cristiane; Matos, Doris. (orgas.), Suleando conceitos e linguagens: decolonialidades e epistemologias outras. Campinas: Pontes, p. 323-331.
- BAUMAN, Richard; BRIGGS, Charles. (2003). Voices of Modernity: language ideologies and the politics of inequality. Cambridge: Cambridge University Press.
- BERG, Peter. (2006). Como mapear a sua própria biorregião. In: Stone, Michael; Barlow, Zenobia. (orgs), Alfabetização ecológica: a educação das crianças para um mundo sustentável. São Paulo: Cultrix, p. 157-162.
- BISPO DOS SANTOS, Antônio. (2019). Colonização, Quilombos: modos e significações. 2ª ed. Brasília: Ayô.
- BISPO DOS SANTOS, Antônio. (2023). A terra dá, a terra quer São Paulo: Ubu, Piseagrama.
-
CARDOSO, Rafael. (2024). Tragédia no RS é consequência de destruição humana, diz cacique Raoni. Agência Brasil online, 07 de junho de 2024. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-06/tragedia-no-rs-econsequencia-de-destruicao-humana-diz-cacique-raoni, acesso em: 15 jun. 2024.
» https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-06/tragedia-no-rs-econsequencia-de-destruicao-humana-diz-cacique-raoni - CASTRO-GÓMEZ, Santiago. (2007). Decolonizar la universidad: la hybris del punto cero y el diálogo de saberes. In: Castro- Gómez, Santiago; Grosfoguel, Ramon. (orgs.). El giro decolonial: Reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores, p.79-91.
- CERQUEIRA, Tiago. (2018). Levantamento do uso de agrotóxicos nas cabeceiras do rio Xingu e monitoramento das águas do Parque Indígena do Xingu Dissertação de Mestrado em Ciências, Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas, Universidade Federal de São Paulo, Diadema.
- CUSICANQUI, Silvia R. (2018). Un mundo ch’ixi es posible: ensayos desde um presente em crisis. Buenos Aires: Tinta Limón.
- ENGMAN, Mel M.; HERMES, Mary R.; SCHICK, Anna. (2023). Co-conspiring with Land: what decolonizing with Indigenous land and language have to teach us. In: Makoni, Sinfree; Kaiper-Marquez, Anna; Mokwena, Lorato. (eds.). The Routledge Handbook of language and the global South London/New York: Routledge, p. 95-109.
- FREIRE, Paulo. (2005). Pedagogia do Oprimido Rio de Janeiro: Paz e Terra.
-
GARRIDO, Bibiana A. (2022). Por queimadas, Xingu tem ar 53 vezes pior do que recomendado pela OMS. IPAM Amazônia, 10 out. 2022. Disponível em: https://ipam.org.br/por-queimadas-xingu-tem-ar-53-vezes-pior-do-que-recomendado-pela-oms/, acesso em: 15 abr. 2024.
» https://ipam.org.br/por-queimadas-xingu-tem-ar-53-vezes-pior-do-que-recomendado-pela-oms/ - GASCHÉ, Jorge. (2008). Niños, maestros, comuneros y escritos antropológicos como fuentes de contenidos indígenas escolares y la actividad como punto de partida de los procesos pedagógicos interculturales: un modelo sintáctico de cultura. In: BERTELY, Maria; GASCHÉ, Jorge; PODESTÁ, Rossana. (eds.). Educando en la diversidade cultural: Investigaciones y experiencias educativas interculturales y bilingües. Quito: Abya Yala, p. 279-366.
- IKPENG, Oreme. (2023). Aqueles que andam juntos. In: Carnevalli, Felipe et al (orgs.), Terra: uma antologia afro-indígena. São Paulo/Belo Horizonte: UBU/Piseagrama, p.277-288.
-
INSTITUTO DE PESQUISA AMBIENTAL DA AMAZÔNIA - (IPAM). (2022). Desaparecimento de árvores e de plantas preocupa indígenas no Xingu. Notícias, 4 jan. 2022. Disponível em: https://ipam.org.br/desaparecimento-de-arvorese-de-plantas-medicinais-preocupa-indigenas-no-xingu/, acesso em: 26 abr. 2025.
» https://ipam.org.br/desaparecimento-de-arvorese-de-plantas-medicinais-preocupa-indigenas-no-xingu/ -
INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL - ISA. (2021). Kuikuro. Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Kuikuro#:~:text=Os%20Kuikuro%20s%C3%A3o%2C%20hoje%2C%20o,TI%20Parque%20Ind%C3%ADgena%20do%20Xingu , acesso em: 26 abr. 2025.
» https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Kuikuro#:~:text=Os%20Kuikuro%20s%C3%A3o%2C%20hoje%2C%20o,TI%20Parque%20Ind%C3%ADgena%20do%20Xingu - INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL - ISA. (2011). Almanaque Socioambiental Xingu 50 anos São Paulo: ISA.
- KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. (2015). A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. Trad. Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo: Cia das letras.
- KRENAK, Ailton. (2019). Ideias para adiar o fim do mundo São Paulo: Cia das Letras.
- KRENAK, Ailton. (2020). Caminhos para a cultura do Bem Viver Rio de Janeiro: Cultura do Bom Viver.
- KRENAK, Ailton. (2022). Futuro ancestral São Paulo: Cia das Letras.
- KUIKURO, Mutuá M. (2010). A morfologia do plural na língua kuikuro. In: Franchetto, Bruna (orga.), Pesquisas indígenas na Universidade. Rio de Janeiro: Museu do Índio, p.19-31.
- LEFF, Enrique. (2009). Complexidade, racionalidade ambiental e diálogo de saberes. Educação & Realidade, vol. 34, n. 3, p. 17-24.
- LEVIS, Carolina et al (2024). Contributions of human cultures to biodiversity and ecosystem conservation. Nature ecology & Evolution, vol. 8, n. 5, p. 866-879.
- MAKONI, Sinfree; PENNYCOOK, Alastair. (2007). Disinventing and reconstituting Languages. In: MAKONI, Sinfree; PENNYCOOK, Alastair. (orgs.). Disinventing and reconstituting languages Clevedon: Multilingual Matters, p. 1-41.
- MALDONADO-TORRES, N. (2007). Sobre la colonialidad del ser: contribuciones al desarrollo de un concepto. In: CASTRO-GÓMEZ, S.; GROSFOGUEL, R. (orgs.), El giro decolonial: Reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Universidad Javeriana-Instituto Pensar, Universidad Central-IESCO, Siglo del Hombre Editores, p. 127-167.
- MIGNOLO, Walter. (2011). The darker side of Western Modernity: global futures, decolonial options. Durham: Duke University Press.
- MIGNOLO, Walter. (2018). The invention of the Human and the three pillars of the colonial matrix of power. In: Mignolo, Walter; Walsh, Catherine. On decoloniality: concepts, analytics, praxis. Durham, London, Duke University Press, p. 153-176.
- MIGNOLO, Walter; WALSH, Catherine. (2018). On decoloniality: concepts, analytics, praxis. Durham, London, Duke University Press.
- MOITA LOPES, Luiz Paulo. (2013). Como e por que teorizar o português: recurso comunicativo em sociedades porosas e em tempos híbridos de globalização cultural. In: Moita Lopes, Luiz Paulo. (org.). O português no século XXI: cenário geopolítico e sociolinguístico, São Paulo: Parábola, p. 101-119.
- PENNYCOOK, Alastair. (2018). Posthumanist Applied Linguistics London/New York: Routledge.
- PENNYCOOK, Alastair; MAKONI, Sinfree. (2020). Innovations and challenges in Applied Linguistics from the global South London/New York: Routledge.
- PIMENTEL DA SILVA, Maria do Socorro. (2016). Possíveis caminhos para a autonomia da educação escolar indígena. In: Pimentel da Silva, Maria do Socorro; Nazário, Maria de Lurdes; Dunck-Cintra, Ema Marta (orgs.). Diversidade cultural indígena brasileira e reflexões no contexto da educação básica Goiânia: Espaço Acadêmico.
-
PIMENTEL DA SILVA, Maria do Socorro. (2019). Políticas de retomada de línguas indígenas em diferentes contextos epistêmicos. Revista Articulando e Construindo Saberes, v. 4. Disponível em: https://revistas.ufg.br/racs/article/view/59089 , acesso em 15 dez. 2023.
» https://revistas.ufg.br/racs/article/view/59089 - QUIJANO, Aníbal. (1992). Colonialidad y modernidad-racionalidad. In: H. BONILLA (comp.), Los conquistados: 1492 y la población indígena de las Américas. Bogotá, Tercer Mundo, Flacso, p.437-447.
- QUIJANO, Aníbal. (2019). “Bien vivir”: entre el desarollo y la des/decolonialidad del poder. In: MIGNOLO, Walter (org.), Aníbal Quijano: ensayos en torno a la colonialidad del poder. Buenos Aires: Ediciones del Signo, p. 361-375.
- RAPPAPORT, Joanne. (2007). Más allá de la escritura: la epistemología de la etnografía en colaboración. Revista Colombiana de Antropología, 43, p. 197-229.
- RIBAS, Dulce; LEITE, Maurício; GUGELMIN, Silvia. (2007). Perfil nutricional dos povos indígenas do Brasil. In: Barros, Denise; Silva, Denise; Gugelmin, Silvia. (orgas.), Vigilância alimentar e nutricional para a saúde indígena v. 1. Rio de Janeiro: Fiocruz, p. 211-236.
-
RIBEIRO, Maria Fernanda. (2022). Crise climática ameaça o Quarup, ritual ancestral dos indígenas do Xingu, Mongabay: notícias ambientais para informar e transformar, 6 dez. 2022. Disponível em: https://brasil.mongabay.com/2022/12/crise-climatica-ameaca-o-quarup-ritual-ancestral-dos-indigenas-do-xingu/, acesso em 10 mai. 2024.
» https://brasil.mongabay.com/2022/12/crise-climatica-ameaca-o-quarup-ritual-ancestral-dos-indigenas-do-xingu/ - SARTORELLO, Stefano C. (2016). Política, epistemología y pedagogia: el Método Inductivo Intercultural em uma escuela tseltal de Chiapas, México. Revista Limiar, v. 14, n. 1, p. 121-143.
- SILVERSTEIN, Michael; URBAN, Greg. (1996). Natural histories of discourse Chicago: The University of Chicago Press.
- SIMPSON, Leanne Betasamosake. (2014). Land as pedagogy: Nishnaabeg intelligence and rebellious transformation. Decolonization: Indigeneity & Society, vol. 3, n. 3, p. 1-25.
- SZUNDY, Paula T. C.; FABRÍCIO, Branca F. (2019), Linguística Aplicada e indisciplinaridade no Brasil: promovendo diálogos, dissipando brumas e projetando desafios epistemológicos. In: Szundy, Paula; Tilio, Rogério; Melo, Glenda. (orgs). Inovações e desafios epistemológicos em Linguística Aplicada: perspectivas sul-americanas. Campinas, SP: Pontes, p.63-89.
- TAPIRAPÉ, Gilson Ipaxi’awyga. (2020). Takarã: centro epistemológico e sistema de comunicação cósmica para a vitalidade cultural do mundo Apyãwa. Dissertação de Mestrado em Linguística. Programa de Pós-graduação em Linguística, Universidade Federal de Goiás, Goiânia.
- TAPIRAPÉ, Tenywaawy. (2022). Visão metodológica para vitalidade dos saberes culturais. In: Herbetta, Alexandre; Nascimento, André. (orgs.). Oferenda: políticas interculturais de cocriação e novos espaços epistêmicos. Goiânia: Cegraf, p.111-115.
- TUBINO, Fidel. (2004). Del interculturalismo funcional al interculturalismo crítico. In: Samaniego, Mario; Garbarini, Carmem (eds.), Rostros y fronteras de la identidad Temuco: Universidad Católica de Temuco, p.151-164.
- UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS. (2020). Projeto Político-pedagógico do curso de Educação Intercultural, Goiânia: UFG.
- VILLAS-BÔAS, André. (2017). O TIX e o desafio de um negócio dos índios. In: Villas-Bôas, André et al (org.), Xingu: histórias dos produtos da floresta. São Paulo: ISA, p.21-56
- XAKRIABÁ, Célia. (2023). Amansar o giz. In: Carnevalli, Felipe et al (orgs.), Terra: uma antologia afro-indígena. São Paulo/Belo Horizonte: UBU/Piseagrama, p. 319-330.
- WALSH, Catherine. (2009). Interculturalidade Crítica e Pedagogia Decolonial: in-surgir, re-existir e re-viver. In: Candau, Vera M. (org.), Educação Intercultural na América Latina: entre concepções, tensões e propostas Rio de Janeiro: 7 Letras, p.12-43.
- WALSH, Catherine. (2018). The decolonial for: resurgences, shifts, and movements. In: Mignolo, Walter; Walsh, Catherine. On decoloniality: concepts, analytics, praxis. Durham, London: Duke University Press, p. 15-32.
- WALSH, Catherine. (2023). Rising up, living on: re-existences, sowings, and decolonial cracks. Durham, London: Duke University Press.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
15 Set 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
27 Ago 2024 -
Aceito
17 Fev 2025 -
Publicado
24 Abr 2025






















