RESUMO
À época da implementação do Tratado de Santo Ildefonso (1777), Espanha e Portugal enviaram expedições conjuntas para demarcar suas fronteiras sul-americanas, como haviam feito para as negociações do Tratado de Madri de 1750. Este artigo baseia-se na documentação das comissões espanhola e portuguesa da década de 1780 e do início da década de 1790, com ênfase em seu impacto sobre os povos indígenas e, sobretudo, nas ações por eles empreendidas. Ele enfatiza especialmente os registros produzidos pelo comissário espanhol Francisco Requena, que também atuou como governador de Maynas. O artigo mostra como as populações indígenas se aproveitaram das rivalidades ibéricas para negociar seu reassentamento e manter sua autonomia. Meu argumento é o de que as reivindicações nativas de territorialidade e aliança, ao tornarem a fronteira permeável, minaram as estratégias de demarcação dos comissários ibéricos.
Palavras-chave:
Amazônia; expedições de demarcação; povos indígenas; Francisco Requena; fronteiras
ABSTRACT
During the implementation of the Treaty of San Ildefonso (1777), Spain and Portugal dispatched joint expeditions to demarcate their South American borders, as they had previously done in 1750 for the Treaty of Madrid. This paper draws on documentation from both Portuguese and Spanish commissions from the 1780s and early 1790s, highlighting their impact on, and especially the actions of, Indigenous people. It especially emphasizes the records produced by Spanish commissioner Francisco Requena, who also served as the governor of Maynas. The paper highlights how Indigenous populations leveraged Iberian rivalries to negotiate their resettlement and maintain autonomy, arguing that native territorial and alliance claims created a permeable frontier, thus undermining the demarcation strategies of the Iberian commissioners.
Keywords:
Amazonia; Demarcation Expeditions; Indigenous Peoples; Francisco Requena; Frontiers
RESUMEN
En la época de implementación del Tratado de Santo Ildefonso (1777), España y Portugal enviaron expediciones conjuntas para demarcar sus fronteras suramericanas, como lo habían hecho para las negociaciones del Tratado de Madrid de 1750. Este artículo se basa en la documentación de las comisiones española y portuguesa de la década de 1780 y de inicios y de inicios de los años 1790, destacando su impacto sobre y, sobre todo, las acciones de los pueblos indígenas. El Tratado enfatiza especialmente los registros producidos por el comisario español Francisco Requena, que también actuó como gobernador de Maynas. El artículo muestra cómo las poblaciones indígenas se aprovecharon de las rivalidades ibéricas para negociar su reasentamiento y mantener su autonomía. Mi argumento es que las reivindicaciones nativas de territorialidad y alianza, al volver las fronteras permeables, minaron las estrategias de demarcación de los comisarios ibéricos.
Palabras clave:
Amazonia; expediciones de demarcación; pueblos indígenas; Francisco Requena; fronteras
Em uma carta do presidente da Audiência de Quito ao principal ministro espanhol, José de Gálvez, enviada em 1784, são referidos detalhes de uma viagem àquela cidade do chefe Mariano Comarivana, do grupo Yuri (do vale do rio Putumayo), “para confirmar sua indelével lealdade e vassalagem” ao império espanhol. Relata-se que, a pedido de Comarivana, foi decidido enviar um missionário para aquele grupo, que contava com cerca de 9.000 almas, “dispostas a abraçar a lei evangélica”1. Não há acordo sobre se a língua dos Yuri pode ser classificada como isolada, Aruaque, Caribe ou Ticuna (FRANCO, 2012, p. 123-124), mas é inegável que esses grupos, também referidos como Juri, se distinguiam por tatuagem e pintura preta ao redor da boca, sendo chamados pelos indígenas aldeados do lado português de Yurupixunas (yuru: boca; pixuna: negra) (FERREIRA, 1974 [1987], p. 85; cf. SPIX; MARTIUS, 2017, p. 365). Os Yuri haviam eludido a influência de missionários até 1764, quando os caciques Guayaracare e Amaneyo acompanharam um missionário até Popayán, onde receberam o batismo2. Quase dez anos depois, os franciscanos reuniram grupos Yuri na missão de Santa María no vale do Caquetá3. Contudo, como a missão não prosperasse e os Yuri continuassem sofrendo hostilidades de portugueses e indígenas Mura, passaram a requerer assistência militar espanhola desde 1781 (FRANCO, 2012, p. 29-36; CIPOLLETTI, 2017, p. 104-105). Comarivana e seu grupo transferiram-se para as proximidades de um destacamento militar chamado Camucheros, onde negociaram a viagem de Comarivana a Quito para se encontrar com o presidente da Audiência4.
Mais do que um exemplo de como as autoridades ibéricas atraíram estrategicamente os indígenas de grupos autônomos para garantir a soberania sobre as terras a serem demarcadas, esse episódio revela a iniciativa dos próprios chefes indígenas em capitalizar a rivalidade entre as potências ibéricas para obter benefícios para si mesmos e suas comunidades. Os documentos das expedições ibéricas de mapeamento na América do Sul no século XVIII foram, por muito tempo, entendidos como esforços limitados a confirmar as linhas traçadas nos tribunais europeus. Uma leitura mais atenta revela que a obsessão dos demarcadores era negociar as lealdades dos povos nativos para incorporar territórios cuja soberania era incerta. Estudos recentes mostraram que as populações indígenas aproveitaram as rivalidades ibéricas para negociar seu reassentamento e manter sua autonomia, desafiando os expedicionários europeus5.
Com o Tratado de Madri de 1750, os portugueses entregaram a Colônia do Sacramento aos espanhóis e, em troca, receberam as sete missões orientais dos Guarani e a confirmação de sua posse sobre vastos territórios no Mato Grosso e na Amazônia. Embora o tratado tenha se baseado no princípio do uti possidetis (o direito a um território com base na ocupação efetiva e prolongada), ele concedeu aos portugueses a soberania sobre espaços no extremo oeste que eram praticamente desprovidos de estabelecimentos coloniais. O Tratado Preliminar de Santo Ildefonso, de 1777, confirmou essas medidas e acentuou o problema sobre por onde a linha de demarcação passaria na bacia amazônica. Tanto na Amazônia quanto na fronteira entre o Mato Grosso e o Paraguai, os oficiais de demarcação enfrentaram reivindicações territoriais imprevistas e, acima de tudo, as demandas dos povos indígenas6.
No Tratado de Santo Ildefonso, Portugal obteve direitos exclusivos de navegação no rio Amazonas entre a foz do rio Japurá e o estuário atlântico. Espanha e Portugal compartilhariam a navegação entre a foz do Japurá e o rio Javari, um trecho de cerca de 400 km, enquanto a navegação rio acima do forte de Tabatinga seria exclusiva da Espanha. O mapa elaborado por Francisco Requena y Herrera, governador das missões de Maynas e comissário da demarcação em 1779, mostra em amarelo a pretensão portuguesa de estender a fronteira a oeste, e a visão espanhola, em vermelho, de reduzir os domínios lusitanos7.
Detalhe do mapa de Requena com a região disputada entre os rios Japurá e Negro (mapa contemporâneo adicionado à esquerda)
Nas últimas décadas do século XVIII, as autoridades ibéricas buscavam afirmar a soberania imperial sobre as fronteiras criando missões, cidades e fortificações, transformando esses territórios em espaços governáveis e lucrativos. Procuravam atrair povos indígenas autônomos para missões e cidades, além de exercer maior controle sobre os grupos em missões já instaladas por ordens religiosas. A expulsão dos jesuítas dos domínios espanhóis e portugueses, concluída em 1768, materializou esse esforço. A expedição de demarcação do tratado de 1777 foi um momento em que autoridades de ambas as coroas negociaram com povos indígenas sua transferência para assentamentos estratégicos. Do lado português, a legislação do Diretório dos Índios de 1758 colocou as missões sob diretores nomeados pelos governadores, incentivando o trabalho agrícola e o assentamento indígena em torno das fortificações8. Os espanhóis compartilhavam ideias semelhantes sobre como o estabelecimento de assentamentos urbanos “regulares”, a promoção da agricultura e a atração dos chamados “índios bárbaros” - aqueles que até então haviam se mantido independentes da colonização - poderiam consolidar e revigorar as áreas liminares (WEBER, 2005, p. 181-182).
Como se verá neste estudo, a área concretamente percorrida pela comissão demarcadora estava amplamente ocupada por diferentes povos indígenas. A presença europeia tinha até então se limitado a algumas poucas missões franciscanas espanholas nos vales dos rios Putumayo e Caquetá, de um lado, e a missões carmelitas e fortificações portuguesas, de outro. Apesar da proximidade das missões jesuíticas de Maynas, fundadas em 1638 em uma área multilinguística nos vales dos rios Marañón, Ucayali e Napo, a jurisdição espanhola sobre elas era menos problemática em 1777 do que sobre as áreas indicadas acima9.
Do lado português, após 1697, missionários carmelitas, apoiados por tropas escravistas, expulsaram os jesuítas espanhóis das terras dos Omágua e estabeleceram missões nos vales dos rios Solimões e Negro, incluindo a missão de Tefé, depois chamada Ega. Nas décadas de 1760 e 1770, várias fortificações foram estabelecidas no vale do rio Negro, incluindo São Gabriel da Cachoeira e São José de Marabitanas, ao passo que Tabatinga foi levantada no alto Solimões. Os diretores estabeleceram novas vilas de indígenas ao redor desses fortes10.
Apesar do tamanho e da importância da Amazônia Ocidental, poucos estudos foram dedicados à quarta partida mista, encarregada de mapear e demarcar essa região conforme o tratado de 177711. Da mesma forma, ainda carecemos de estudos sobre como os povos indígenas atuaram no sentido de garantir melhores condições para si quando confrontados com as reivindicações territoriais dos oficiais reais.
O presente trabalho sugere que a situação da Amazônia Ocidental revela aspectos importantes das demarcações nas fronteiras ibéricas no final do século XVIII. O objetivo é examinar a rivalidade entre autoridades ibéricas e suas relações com os povos indígenas, tanto autônomos quanto nas antigas missões jesuítas, franciscanas e carmelitas. Demonstro que as estratégias de espanhóis e portugueses eram mais semelhantes do que admitiam e que os indígenas aproveitaram a rivalidade imperial para defender sua autonomia, estimulando os fluxos populacionais na fronteira.
Longe de apenas confirmar o que estava nos tratados, os funcionários da demarcação intervinham nas sociedades, baseando-se na noção de que a soberania era definida pela lealdade monárquica e não por linhas em mapas. Assim, ao explorarem territórios, intervirem no comércio e na migração e seduzirem povos indígenas a aceitar a vassalagem, construíam a soberania imperial in loco. Não por acaso, os mais importantes desses funcionários atuavam como governadores (BENTON, 2010, p. 50-59, 232; HERZOG, 2015, p. 37-39, 73).
Nas ilustrações incluídas em seu Mapa de una parte de la América Meridional, elaborado em 1783, Francisco Requena parece ter representado a si mesmo em uma cena em que mantém conversações com uma família indígena, ao passo que na cena seguinte o mesmo guerreiro nativo aparece ajoelhado diante do escudo de armas da Coroa espanhola. Essas ilustrações demonstram que o que os demarcadores esperavam dos indígenas era não mais apenas uma conversão religiosa, mas antes de tudo uma conversão civil e política, com sua completa adesão à monarquia.
Em 7 de março de 1781, os comissários Teodósio Constantino de Chermont, representando Portugal, e Francisco Requena, representando a Espanha, se reuniram em Tabatinga para demarcar fronteiras conforme o tratado de 1777. No entanto, divergências surgiram rapidamente, especialmente quando Requena exigiu o abandono do forte de Tabatinga, o que Chermont só aceitaria mediante compensações. As comissões exploraram vários rios, mas não chegaram a um acordo e interromperam as atividades em 1782, permanecendo em Ega até 1791, esperando por expedições conjuntas que nunca ocorreram. Durante a coabitação, houve trocas de informações e negociações com indígenas, mas também rivalidade e aprendizado mútuo sobre políticas indigenistas. Os portugueses tinham mais recursos, e Requena, mesmo com limitações, produziu mapas e aquarelas documentando sua experiência12.
Nesse contexto, o presente estudo aprofunda a análise de dois aspectos essenciais. Em primeiro lugar, discute a crucial importância dos povos indígenas para a logística e abastecimento das expedições, mostrando que mesmo a lealdade dos grupos já incorporados em instituições coloniais podia ser negociada nessas disputas fronteiriças. Em seguida, trato das relações entre comissões demarcadoras e povos indígenas autônomos, mostrando que os indígenas foram muito mais do que meros informantes, pois atuaram ativamente no sentido de negociar situações mais vantajosas para suas comunidades.
Espero demonstrar que, se as comissões de limites não conseguiram demarcar as fronteiras, foi porque tornaram a fronteira ainda mais permeável, transformando-a em um palco de negociação de fluxos de pessoas, bens e trajetórias políticas. A ação conjunta dos funcionários demarcadores e outros oficiais reais não se limitou a reconhecer e demarcar limites estáveis para as soberanias ibéricas. Esses limites se tornaram porosos, espaços fluidos onde os povos indígenas impuseram suas próprias demandas de circulação e territorialidade. Os oficiais reais não eram apenas verificadores de linhas traçadas em gabinetes europeus, mas negociavam as lealdades monárquicas dos nativos. Da mesma forma, os povos indígenas não foram apenas fornecedores de informações hidrográficas ou demográficas, mas ativos nas negociações de seu reassentamento e autonomia. A demarcação, tal como empreendida no próprio terreno, constituiu-se de negociações entre oficiais reais e povos indígenas, facilitando o movimento de pessoas para além dos limites arbitrários que tentava instituir.
Povos indígenas e a logística e o abastecimento das expedições
Como o conhecimento e a familiaridade com o terreno eram cruciais para a demarcação, os comissários dependiam muito de guias locais. Neste ponto, a experiência do afrodescendente Fernando Rojas parece ter sido fundamental, pois ao que tudo indica ele tinha familiaridade com a língua dos indígenas “Omaguaes”. Tendo vivido na condição de escravizado em Nova Granada, Rojas obteve sua liberdade e passou a viver entre os indígenas Yuri do rio Putumayo desde 1776. Ocupando-se do comércio de cacau e salsaparrilha com os portugueses, foi levado preso ao Pará, mas liberado depois de algum tempo. Uma vez de volta a Maynas, foi recrutado pela partida demarcadora espanhola (ver Figura 5), juntamente com Juan de Silva, um africano originário de Angola que havia sido escravizado no Pará, com a patente de “capitão de conquista” (SWEET, 1987). Em maio de 1782, por meio da oferta de presentes, Rojas solicitou a ajuda dos “Omaguaes” ribeirinhos para realizar uma exploração do curso do rio Mesay13.
Em conversações com esses indígenas mediadas por Rojas, Requena soube que eles se chamavam Guaque e que já mantinham, há tempos, contatos com os franciscanos que vinham plantando missões nos vales dos rios Caquetá e Putumayo desde começos dos anos 171014. De fato, esses grupos também traficavam cativos para os espanhóis da cidade de Pasto (atual Colômbia). Os franciscanos haviam conseguido atrair indivíduos dessa etnia, a quem chamavam “Murciélagos” (morcegos), principalmente para o pueblo de Inmaculada Concepción no vale do Putumayo e San Francisco Solano no vale do Caquetá, duas das sete missões multiétnicas que os franciscanos tinham na região. Contando principalmente com grupos Encabellado, essas missões foram se esvaziando na década de 1770 devido à falta de recursos e às ações de escravistas lusitanos15. Os portugueses os chamavam de Umauá ou Mauá (FERREIRA, 1974 [1787], p. 31), e o nome Carijona, que em sua língua quer dizer gente, tornou-se mais comum na Colômbia durante o século XIX. Eles não devem ser confundidos com os Omágua, pois não falavam o Tupi - sua língua é geralmente associada ao Caribe. Não surpreende que pudessem guiar a Quarta Partida naquela região, pois os vastos territórios Carijona perpassavam, para mais da Serrania de Chiribiquete, os vales dos rios Yarí, Mesay, Cuñare, Ajajú, Macaya, Apaporis e Caquetá (FRANCO, 2002, p. 29-30, 42). Os Carijona levavam um cinturão apertado, cabelos longos e perucas de fibras vegetais. Requena contou entre eles 101 casas, localizadas entre os rios Mesay e Cuñare, que somariam até 20.000 indivíduos16. Os franciscanos os descreviam como antropófagos, ativos no comércio com espanhóis, fornecedores de veneno de caça e inimigos dos grupos Quiyoya (Witoto)17. De toda forma, todo o trabalho da expedição conjunta naquela região foi liderado por três guias Carijona, que aparecem à esquerda na Lamina XVI (ver Figura 6). Cinco anos depois, eles foram também retratados pelos artistas da expedição de Alexandre Rodrigues Ferreira.
Em seu diário, Requena mencionou com frequência os guias indígenas, a quem ele chamou de “práticos”. Atraídos de entre grupos ribeirinhos autônomos por meio da oferta de presentes, esses guias eram essenciais tanto para as atividades que espanhóis e portugueses realizavam juntos, como o reconhecimento do rio Amú, quanto para as explorações que cada parte fazia sem seus rivais, como a exploração do rio Yaviyá18.
Além de guias, as expedições de demarcação precisaram contar com um grande número de trabalhadores indígenas, tanto para a produção de alimentos quanto para as várias atividades da tripulação das canoas. Desse modo, tiveram um impacto significativo sobre os povos indígenas que já residiam em vilas e missões.
Do lado espanhol, a gente recrutada vinha das missões de Maynas. Após a expulsão dos jesuítas em 1768, padres seculares e franciscanos se alternaram naquelas missões; entre 1774 e 1790, eram os padres seculares quem estavam ali19. Maynas padeceu vários problemas com essas reformas: parte das produções era desviada pelos clérigos e administradores, e as condições de vida dos nativos pioraram devido à falta de treinamento dos padres, à sua falta de familiaridade com as línguas indígenas, ao curto período de residência e ao maior interesse em obter vantagens pessoais (PORRAS P., 1987, p. 58-59; BORJA MEDINA, 2000, p. 316).
É interessante notar que Requena se referia à tripulação indígena de sua expedição como mitayos, um termo que, durante a administração jesuíta de Maynas, se referia aos auxiliares indígenas dos missionários. Na maioria dos casos, esses mitayos não eram originários das comunidades em que residiam. O uso do termo na expedição espanhola é intrigante, e sua conotação estava mais próxima da noção andina de trabalho compulsório20. Os relatos da expedição espanhola dão uma ideia de como os povos indígenas eram mal remunerados por seu trabalho. Embora a expedição tenha contado com pelo menos seis vezes mais participantes indígenas do que soldados espanhóis, os primeiros consumiram cerca de 25% dos recursos destinados ao pagamento de pessoal21. Em seu diário, Requena mencionou que, para remediar a falta de caça no acampamento espanhol, ele havia distribuído oficiais indígenas que governavam os cabildos da missão entre as canoas para que eles incentivassem (ou coagissem) os povos indígenas a colaborar22.
Os remadores das canoas vinham dos pueblos de Jeberos e Pebas. A Lamina IV da série de Requena ilustra como o pueblo de Pebas foi afetado pela expedição: as canoas oficiais parecem tomar quase todo o porto (letra d), e a legenda ainda informa que foi necessário levantar um acampamento próximo à margem do rio (letra e), pois o tamanho reduzido do pueblo não comportava a gente da expedição (ver Figura 8). Já as missões de Jeberos e La Laguna dedicavam-se à fabricação de farinha de mandioca, que enviavam para Ega23. De fato, em todos os pueblos de Maynas havia lotes conhecidos como “plantações do rei”, destinados à produção de alimentos para a expedição de mapeamento. Os povos indígenas não trabalharam voluntariamente por essa causa: esperavam receber ferramentas e outros itens europeus como pagamento24.
Índio Mura e índio Miranha, retratados durante a expedição de Alexandre Rodrigues Ferreira
Entretanto, grupos inteiros recusaram-se a cooperar. Já em 1781, um cacique Jebero desertou com seu grupo25. Mais comumente, os povos indígenas reduzidos buscavam refúgio no lado português da fronteira, pois retornar aos seus antigos pueblos poderia significar punição (CIPOLLETTI, 2017, p. 97-98). Os portugueses incentivavam essas deserções, como quando os residentes do Pará atraíram nativos da missão espanhola de San Joaquín para seus novos assentamentos na fronteira26.
As exigências da expedição portuguesa recaíram sobre os povos indígenas que residiam nas vilas do Diretório. A maior parte da farinha de milho consumida em Ega vinha das vilas de Nogueira, Fonteboa, Maripí e Casayrá; os próprios espanhóis dependiam dessa farinha de milho, assim como dependiam de banha, ovos, galinhas, frutas e açúcar fornecidos pelos “diretores portugueses”27. As vilas do Diretório também forneciam remadores, guias, caçadores, pescadores, coletores, mensageiros, construtores de canoas e outros trabalhadores (TORRES, 2011, p. 74, 86). A aquarela Raudal Mirí en el Río Yapurá ilustra o que parece ser um trabalhoso descarregamento de uma das embarcações para a costa rochosa, supervisionado por ambos os comissários; à frente, do lado esquerdo, dois homens parecem preparar uma refeição.
Inconformados com o fato de serem solicitados a fazer tais trabalhos, grupos indígenas nos domínios portugueses desertavam para o lado espanhol. Henrique João Wilckens, segundo comissário da partida portuguesa, denunciava que os espanhóis atraíam para o seu lado grupos que já estavam sob a órbita dos lusitanos, como eram “todas as nações compostas de índios da boca ou cara preta”: ele se referia os Passé, Juri (ou Yuri), Mefori, Mariarana, Jupiuá, Chuhumaná, Tomira, Tauacana, Oecorú, Cuarasi. Lamentava, ainda, que continuando as coisas como estavam, os portugueses ainda perderiam as nações da margem ocidental do rio Apaporis (os Jaraíra, Macu, Cueruro e Tauoca). Concluía dizendo que o meio de evitar isso era deslocar os nativos para fora da influência espanhola e mantê-los bem alimentados e livres de doenças28.
Outros grupos parecem ter barganhado com as autoridades lusitanas sua transferência para locais mais coerentes com suas territorialidades nativas. No mapa de 1783, Requena observou que os portugueses haviam abandonado os assentamentos no rio Putumayo (marcado no mapa com a letra a) e perto da foz do rio Puapua, no Japurá (marcado com a letra d), enquanto recentemente haviam fundado novas comunidades no meio do Japurá com povos indígenas oriundos do lado espanhol (marcados com as letras e e h).
Uma situação semelhante ocorreu no Rio da Prata pois, como mostra Jeffrey Erbig Jr. (2020, p. 115), muitos dos assentamentos em áreas de fronteira foram criados precisamente durante as atividades de demarcação. Grupos indígenas que Requena tinha visto anteriormente em uma vila foram deslocados para outra devido ao medo dos portugueses de que a linha de fronteira alocasse certos territórios para a Coroa espanhola29. Mais uma vez, a comissão de limites incentivou os fluxos fronteiriços em vez de limitá-los.
As comissões demarcadoras e os povos indígenas autônomos
Durante a expedição de mapeamento, os espanhóis encontraram evidências de que os portugueses atraíam grupos indígenas independentes nos seus domínios. Por exemplo, navegando pelo Japurá em agosto de 1782, Requena descobriu uma nova vila portuguesa cujos moradores mantinham seus cultivos no rio Upé, que pela demarcação, no seu entender, pertencia à Espanha30. Um ano antes de começarem as demarcações, Wilckens incentivou a fundação da vila de Tauocas na margem norte do Japurá, realocando indígenas Tauoca, possivelmente do grupo Yuri (SPIX; MARTIUS, 2017, p. 356, 364), e Quaruna, falantes do Witoto e ligados aos Yuri por casamentos (FRANCO, 2012, p. 43). As mulheres Tauoca exibiam a tradicional pintura facial preta e os homens um botoque branco no lábio inferior (WILCKENS, 1994 [1781], p. 19, 28). Essas migrações devem ter sido motivadas pelas novas oportunidades abertas pelo acesso a ferramentas e pela expansão das redes de comércio de cativos e de parentesco. Para manter a lealdade dos povos indígenas sob a monarquia espanhola, Requena optou por presentear caciques e pagar prontamente pelos serviços prestados31.
As estratégias que os espanhóis e portugueses empregavam para atrair povos indígenas autônomos se assemelhavam mais do que ambos estavam dispostos a reconhecer. Nas últimas décadas do século XVIII, as autoridades ibéricas geralmente negociavam com os líderes indígenas a transferência de suas comunidades para vilas e missões, oferecendo tratados de paz, uniformes militares, bastões, ferramentas e a promessa de alimentos e instrução religiosa (WEBER, 2005, p. 178). Os nativos incorporavam tais alianças e itens à lógica de suas próprias redes diplomáticas, de afinidade e de comércio, que não necessariamente coincidiam com o atendimento dos desígnios coloniais (CARVALHO, 2022b, p. 65).
O caso dos Yuri é ilustrativo a esse respeito. Os Yuri, que falavam Aruaque, eram o grupo étnico mais numeroso nos vales dos rios Putumayo, Caquetá e Puríos32. Em 1773, os franciscanos, tentando instalar missões naquela região, observaram que os portugueses incitavam guerras entre grupos e obtinham escravizados em troca de armas. Alguns Yuri participavam dessas transações, utilizando arcabuzes junto aos seus dardos tradicionais. Apesar disso, os próprios Yuri eram frequentemente capturados por tropas escravistas33. Os franciscanos da missão de Inmaculada Concepción interrogaram alguns soldados portugueses que haviam chegado recentemente e tiveram notícia de que os lusitanos operavam a partir de uma paliçada na foz do rio Putumayo para extrair nativos cristianizados. Entre os capturados estavam inúmeros Yuri levados para Belém, além um “espanhol chamado Juan Antonio García e um africano chamado Fernando”, possivelmente o mesmo Fernando Rojas que se juntaria à expedição espanhola posteriormente34.
Em 1781, Requena obteve relatos concretos de que os portugueses continuavam a capturar “porções consideráveis de índios infiéis” no rio Putumayo. Para evitar essa ameaça e garantir a lealdade dos povos indígenas, Requena alegou usar o mesmo método que os portugueses aplicavam em outros lugares: “presentear os caciques com uniformes limpos e decentes, perucas, espadas e outros adornos de distinção que os seduzam e os cativem a entregarem-se com todos os seus vassalos”35. Requena atribuiu a viagem do cacique Mariano Comarivana a Quito a esse método, mas, na realidade, os Yuri estavam buscando ativamente garantir sua autonomia territorial diante dos avanços ibéricos36.
As relações dos grupos indígenas independentes com os oficiais de demarcação oscilavam entre aceitar vilas como núcleos de comunicação política e acesso a itens de interesse e iniciativas para reafirmar sua autonomia territorial e rejeitar os limites impostos pelos europeus. O contraste entre os grupos Yuri e Mura é ilustrativo. Os Yuri aproveitaram a rivalidade entre os ibéricos para estabelecer uma aliança mais vantajosa com os espanhóis, o que resultou na fundação, em 1786, do pueblo de Asunción, próximo à foz do rio Putumayo (CIPOLLETTI, 2017, p. 105-106). Os Mura, por outro lado, atacaram a comissão mista em 178237. Os Mura se estendiam do rio Madeira ao Putumayo, demonstrando que não reconheciam as demarcações ibéricas como válidas (SAFIER, 2009, p. 170-171). Em tempos recentes, eles haviam promovido uma série de incursões nos pueblos de Maynas, que provocaram a dispersão de seus moradores ou a sua fuga para o lado português38. No entanto, provavelmente devido à pressão dos Munduruku, os Mura se aliaram aos portugueses em 178439. Pelo ano de 1788, os Mura expandiram suas incursões no vale do Putumayo, especialmente contra os Yuri do pueblo de Asunción40. Em resposta, Requena deslocou tropas espanholas para a foz do rio41. Essas tropas castelhanas passaram a impedir que os Yuntana, Passé e Pariana (além dos próprios Mura) capturassem e vendessem cativos Yuri e Miranha aos portugueses42.
Não estou seguro sobre quem eram os Yuntana (Yauaná? SAMPAIO, 1985 [1775], p. 47) mencionados por Requena, mas os registros coloniais sobre os outros grupos são abundantes. Os Pariana tinham sido aldeados pelos carmelitas portugueses na missão de Maturá, no vale do rio Içá, juntamente com os Cayuishana, que se levantaram contra seu missionário em 1730 (HEMMING, 2007, p. 637). Em 1775, habitavam no vale do Tonantins e na vila de São Fernando, na margem setentrional do Amazonas, próxima à barra do Içá; naquele ano, uma comitiva de Pariana recebeu importantes presentes e negociou seu descimento para a vila de Castro de Avelãs (SAMPAIO, 1985 [1775], p. 70, 72, 82).
Em 1768, os Passé, conhecidos pela pintura facial negra, habitavam na margem direita do Japurá e no Içá (NORONHA, 1989 [1968], p. 498). Eram numerosos e, em 1775, encontrados nas vilas portuguesas de Arvellos, Fonte Boa, Olivença, Manaus, Poiares, Tomar, Coari, Ega, Nogueira, Alvarães, Santo Antônio, Imari e Barcelos (SAMPAIO, 1985 [1775], p. 36, 47, 48, 66, 72, 81, 85, 112); em 1820, Spix e Martius (2017, p. 391) os avistaram em Airão, Moreira, Moura e Poiares.
Os Munduruku foram hostis às povoações portuguesas no vale do Tapajós na década de 1770, mas iniciaram negociações de paz por volta de 1794 com o governador do Pará. Isso resultou em seu reassentamento em mais de uma dezena de aldeamentos entre os vales do Tapajós e Madeira (SAMPAIO, 1985 [1775], p. 42; HENRIQUE, 2018, p. 33; BELIK, 2018, p. 75 et seq.).
Quanto aos grupos Yuri ou Juri, estavam divididos: alguns se aproximaram dos espanhóis, incluindo um cacique que viajou até Quito, enquanto outros estavam em aldeamentos portugueses como Nogueira, Castro de Avelãs e Olivença (SAMPAIO, 1985 [1775], p. 47, 72, 81). Em 1820, Spix e Martius (2017, p. 391) registraram sua presença em Airão, Moura, Poiares e Moreira.
Os Miranha, falantes de uma língua da família Witoto, eram poderosos no baixo Japurá antes de serem escravizados pelos portugueses. O termo mira-nhané, de origem tupi, significa “pessoas que correm, que vagueiam” (CHAUMEIL, 1994, p. 288). Eram adversários dos Carijona, que capturavam suas crianças para redes comerciais interétnicas (SPIX; MARTIUS, 2017, p. 343). Requena observou que os Miranha escravizados pelos Carijona eram trocados por machados com os espanhóis e lamentou a fuga dos cativos que ele mesmo comprara, especulando que poderiam ser recapturados por seus inimigos43. Spix e Martius (2017, p. 330) testemunharam grupos Miranha envolvidos no tráfico de escravos indígenas para os portugueses. Entre os seus alvos estavam os Yuri e alguns grupos da própria etnia miranha (cf. MARTIUS, 1867, p. 539).
As alianças entre os oficiais de demarcação e os povos indígenas autônomos eram muitas vezes circunstanciais, sem obrigações definitivas para nenhum lado. À época das demarcações, houve uma aproximação dos Carijona, Yuri e Miranha aos espanhóis, e dos Mura, Yutaná, Passé e Pariana aos portugueses. Três décadas depois, alguns grupos Miranha estavam mais próximos dos portugueses, mas todos os povos mantinham autonomia, ignorando fronteiras nacionais. Spix e Martius (2017, p. 139, 169-171, 212) identificaram grande diversidade entre os Mura: alguns próximos aos assentamentos do Pará e do Rio Negro, outros incursionando no território espanhol. A aliança dos Mura com os lusitanos não garantia proteção contra ataques dos Munduruku, recentemente reduzidos (HENRIQUE, 2018, p. 49-50). Como demonstrado por Elisa Garcia (2009, p. 241), para a bacia do Prata, em um ambiente em constante mudança, todas as partes nas negociações de fronteira precisavam ajustar suas lealdades, alianças e identidades de acordo com as novas realidades.
Requena criticava os portugueses por tentarem influenciar a definição das fronteiras através de alianças com indígenas das margens dos rios a serem demarcados44, algo que ele também fazia, como revelado em seus diários e cartas. Durante uma expedição em 1782 ao rio dos Enganos, Requena entrou em contato com os Carijona liderados por Creteque45. Fernando Rojas foi crucial: conhecia as cabeceiras do Japurá e o idioma Caribe dos Carijona. A Lamina XVI de Requena mostra, da esquerda para a direita, os guias Carijona, os astrônomos portugueses e as negociações furtivas entre o comissário espanhol e o chefe Carijona mediadas pelo intérprete Rojas.
Certamente, os Carijona e os Yuri aproveitavam as rivalidades ibéricas para benefício próprio. Requena descobriu que os Carijona negociavam com pueblos franciscanos próximos a Popayán e Santa Fe, demonstrando simpatia pelos espanhóis e aversão aos portugueses, possivelmente devido a hostilidades passadas. Requena tentava atrair os Carijona para reivindicar suas terras para a Espanha, enquanto os Carijona buscavam expandir suas redes diplomáticas e comerciais em direção à Nova Granada46. O valor que eles davam a essas redes fica claro na transcrição do que disseram aos demarcadores. Os Carijona faziam comércio com as missões espanholas de San Juan de los Llanos. Eles navegavam pelo rio Cuñare até o rio Macaya, onde viviam indígenas da mesma etnia, continuando por doze dias até Maricoarí, uma povoação espanhola com colonos, soldados e missionários capuchinhos, além de outras duas povoações prósperas em pescado e gado. Os Carijona também negociavam com as missões franciscanas dos rios Putumayo e Caquetá, permitindo que os neófitos pudessem visitar pacificamente suas terras para obter veneno de caça47.
O depoimento dos Carijona consta em um “Instrumento”, assinado pelos comissários de ambas as partes para registrar a tradução de Fernando Rojas das informações hidrográficas e demográficas fornecidas pelos nativos. Esse documento confirma a verdadeira função dos demarcadores naquela região: não apenas verificar limites definidos em gabinetes europeus, mas, sobretudo, confirmar ou negociar as lealdades políticas das populações indígenas. Isso permitiria à Coroa reivindicar seus territórios, especialmente na ausência de colonos europeus, desde que os indígenas se declarassem vassalos, seguindo o critério do uti possidetis. Requena utilizou o depoimento dos Carijona para argumentar aos portugueses que os territórios sob influência castelhana podiam ser reivindicados pela Coroa espanhola.
Mas que tipo de influência era essa? O que os Carijona ofereciam aos espanhóis nessas redes comerciais? Cativos, veneno de caça e cera amarela: pelo menos é isso o que se depreende do relato de Martius, que visitou a cachoeira de Araraquara, no rio Japurá, em 1819 (SPIX; MARTIUS, 2017, p. 343). Alexandre Rodrigues Ferreira já observara em 1787 o comércio de contas de vidro por cera amarela, branca e negra (FERREIRA, 1974, p. 32).
Martius soube que Requena negociou com os Carijona para que permanecessem a oeste do rio dos Enganos e na Serrania de Chiribiquete (SPIX; MARTIUS, 2017, p. 343; -FRANCO, 2002, p. 42), mas a situação não se harmonizou como o demarcador espanhol esperava. Martius também soube que eles frequentemente desciam o Japurá em busca de veneno de flecha e cera amarela, e para dar guerra aos Miranha e a outros grupos Carijona (SPIX; MARTIUS, 2017, p. 343). O naturalista alemão foi informado que, na prática, os Carijona alternavam relações de comércio e predação com os próprios espanhóis, além de se movimentarem autonomamente por vasto território em frotas de canoas, de modo a cultivar suas antigas inimizades com grupos que estavam do lado português, como os Miranha (SPIX; MARTIUS, 2017, p. 342-343, 348). Curiosamente, um dos remeiros (guia?) da canoa de Martius era Carijona, como se vê no gravado que acompanha seu Reise in Brasilien.
Outro “Instrumento” foi elaborado conjuntamente durante os trabalhos de demarcação. Em julho de 1782, os trabalhos foram interrompidos devido à doença da maioria dos membros das partes envolvidas. O documento registra que eles pararam em um assentamento Curutu e decidiram retornar a Ega, diante da piora da situação. Antes de partir, entrevistaram os Curutu - que falavam tupi - sobre o curso do rio Apaporis e os habitantes locais48. Cinco anos depois, a expedição de Alexandre Rodrigues Ferreira produziu uma bela aquarela de uma maloca Curutu no vale do Apaporis. Na sua explicação do material, Ferreira (1974 [1787], p. 24-25) revela que, naquela conjuntura, o comissário da partida portuguesa propôs aos Curutu que se aldeassem rio abaixo nas proximidades do salto grande do Apaporis. Os Curutu
representaram-lhe que eles queriam ter na sua aldeia um vigário, para os instruir e batizar; que por conta deles deixassem o sustento do padre, e a fatura do negócio preciso para a sua côngrua; porém, que por nenhum modo se lhes mandasse diretor, porque das suas absolutas estavam eles informados; que sempre tinham tido e queriam ter amizade conosco; porém que ainda não estavam deliberados a mudar de estabelecimento para fora daquele rio, o que com o tempo se conseguiria.
Fica evidente por essa passagem o papel ativo que os Curutu, sob a direção do cacique Catiamani, jogaram durante as demarcações. Longe de serem meros informantes passivos cujas informações seriam autenticadas ou não pelos oficiais europeus, eles negociaram ativamente sua lealdade e barganharam condições especiais para estarem mais próximos dos portugueses, inclusive que não estivessem sujeitos ao sistema do Diretório. Ferreira aponta que esses grupos já vinham colaborando com os portugueses em descimentos desde a época do governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado (1751-1759), que já lhes tinha passado certos privilégios, como o de nunca serem hostilizados pelos lusitanos (FERREIRA, 1974 [1787], p. 24-25).
Há muito de iniciativa por parte dos próprios indígenas nessas negociações, mas geralmente os oficiais ibéricos recalcavam suas concessões para evitar transmitir uma imagem de fraqueza diante de seus superiores (ROULET, 2004, p. 316, 319-321). Havia, contudo, ocasiões em que a atitude voluntária dos indígenas era enfatizada: os portugueses, por exemplo, alegavam que não se esforçavam para atrair os nativos do lado espanhol para o seu lado, os nativos é quem vinham voluntariamente49; e que apesar de estarem em terras espanholas (como os dos rios Içá e Japurá), eram livres para “se sujeitar ao domínio que mais lhes agradar”50 - mas tais argumentos eram recebidos com ceticismo pelos espanhóis.
Os portugueses protestaram contra a fundação de Asunción em 1786 e as movimentações militares dos espanhóis; em retaliação, recusaram-se a vender alimentos à delegação castelhana de 350 pessoas que residia em Ega. Diante disso, Requena retirou-se daquela vila em 1791 e, assim, encerrou o processo de demarcação. Três anos depois, retornou à Espanha, onde apresentou seu rol de serviços, que foi avaliado positivamente (RÍO SADORNIL, 2003). Já o pueblo de Asunción, habitado pelos nativos Yuri e sem apoio espanhol, rapidamente se dispersou51.
Considerações finais
Na documentação das partidas demarcadoras, nota-se que espanhóis e portugueses mutuamente se acusavam de priorizar alianças indígenas em detrimento da demarcação territorial. Em vez de expedições conjuntas, optavam por incursões separadas para negociar com grupos nativos próximos, frequentemente adentrando território adversário52. Partindo de ambos os lados, tais críticas e as ações que elas escondiam revelavam que as partidas estavam lá menos para mapear e traçar limites do que para construir a própria soberania territorial in loco, por meio da conversão dos povos indígenas em súditos das suas respectivas monarquias53.
As expedições de mapeamento estavam muito longe de ser simples verificações no terreno de decisões tomadas em tribunais europeus. A complexidade das relações interétnicas não parece ter surpreendido os oficiais demarcadores, pois eles, de fato, tinham vindo exatamente com essa expectativa: atrair os indígenas para a soberania de seus respectivos monarcas, de modo que as relações entre os oficiais ibéricos e os povos indígenas continuaram marcadas pela negociação, que incluía não apenas grupos autônomos, mas também aqueles que já viviam nas vilas estabelecidas há muitas décadas.
Os povos indígenas não foram testemunhas passivas da demarcação. Os grupos independentes exigiam remuneração e benefícios para auxiliar as comissões e procuraram garantir sua autonomia por meio de alianças e da não identificação de seus territórios étnicos com nenhuma das coroas. Eles se aproveitaram da situação para negociar condições mais favoráveis para suas comunidades, aproximando-se daqueles que entendiam oferecer mais vantagens. Para os grupos que já estavam vivendo em missões ou vilas, negociar com o império rival podia sinalizar com possibilidades de encontrar refúgio das formas de controle estatal que já experimentavam; mas parece claro, também, que tão somente os rumores de tais conversações podiam estimular renegociações das condições presentes.
As autoridades ibéricas queriam reformar o sistema de missões para evitar as constantes deserções, mas, ao mesmo tempo, incentivavam os povos indígenas do outro lado da fronteira a irem para suas missões, a fim de reforçar as reivindicações territoriais. Longe de estabelecer limites fixos, as demarcações contribuíram para a porosidade das fronteiras e para o fluxo de pessoas. Os episódios narrados aqui confirmam estudos recentes que mostraram como a dinâmica social nas regiões de fronteira não pode ser entendida sem a compreensão da extrema fluidez dos grupos fronteiriços e de suas alianças, pois tanto os ibéricos quanto os povos indígenas renegociavam lealdades e identidades de acordo com as novas realidades.
O caso estudado é peculiar devido ao longo convívio das duas expedições por cerca de dez anos na mesma vila. A expectativa inicial de estabelecer limites imperiais estáveis logo deu lugar a uma situação em que a fronteira se tornou ainda mais porosa e imprecisa. Houve um intenso fluxo de bens, alimentos e informações entre as partes, além do movimento de pessoas atraídas pelos próprios demarcadores ibéricos. Como os povos indígenas persistissem em impor seus próprios padrões de circulação e territorialidade e como os oficiais ibéricos continuassem a promover intercâmbios políticos e comerciais, a demarcação revelou-se claramente artificial, pois facilitou a circulação de pessoas e mercadorias além dos limites arbitrários que pretendia delinear54.
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1
ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. [Carta de] Juan José de Villalengua a José de Gaúlvez. Fundo Audiência de Quito, Quito, 18 jun. 1784, AGI-Q 242. Audiências eram tribunais com jurisdição regional.
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2
[Carta de] T. Ruiz de Quijano et al. ao tenente de governador e oficiais reais, Popayán, 27 mar. 1765 (cf. Cuervo, 1894, v. 4, p. 227-230).
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3
[Carta de] B. de San Agustin Castillo et al. ao governador, Inmaculada Concepción, 17 set. 1773 (cf. Cuervo, 1894, v. 4, p. 252, 266).
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4
ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. [Carta de] Francisco Requena a Gálvez. Fundo Audiência de Santa Fe, Ega, 30 jan. 1784, AGI-SF 663b.
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5
Sobre a experiência de fronteira dos funcionários ibéricos na Amazônia, cf. Lucena Giraldo (1993, p. 32) e Bastos (2013, p. 169). Sobre a agência e a autonomia dos indígenas durante as demarcações, cf. Costa (2009, p. 122), Garcia (2009, p. 235) e Erbig Jr. (2020, p. 119-122).
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6
Para as franjas da Amazônia, cf. Torres (2011) e Bastos (2013). Sobre a fronteira Mato Grosso-Paraguai, cf. Costa (2009), Herreros Cleret de Langavant (2017) e Carvalho (2022b).
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7
Para discussão sobre o tratado e datação da cópia do mapa de Requena, cf. Beerman (1996, p. 30, 63 e 83).
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8
A literatura sobre o Diretório é extensa. Para os pontos acima mencionados, cf. Domingues (2000, p. 39, 68, 73, 75) e Roller (2014, p. 47-52).
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9
Para as missões de Maynas, cf. Carvalho (2022a). Para conflitos inter-imperiais na região, cf. Gómez González (2014). Para a influência dos escravistas e carmelitas portugueses, cf. Sweet (1974). Para o período após 1768, cf. Borja Medina (2000).
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10
ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. [Carta de] Requena a José Diguja. Fundo Audiência de Quito, Quito, 22 jul. 1777, AGI-Q 400. Para relação desses estabelecimentos, cf. Araujo (1998, p. 324-332) e Roller (2014, p. 213-216). Uso consistentemente o nome “Ega”, mesmo quando “Tefé” aparece nas fontes.
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11
Outros estudos trataram do papel de Requena na demarcação; cf. Smith (1946); Beerman (1996); e Bueno e Kantor (2015).
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12
ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. [Carta de] Requena a Teodósio Constantino de Chermont. Fundo Audiência de Santa Fe, Rio Japurá, 8 mar. 1782, AGI-SF 663b; ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. Requena, “Diario”. Fundo Audiência de Santa Fe, Ega, 1 ago. 1782, AGI-SF 663b; cf. Smith (1946, p. 44), Beerman (1986, p. 31-32), Torres (2011, p. 46-47, 53, 115-120) e Bueno e Kantor (2015, p. 254-256). Ainda sobre Requena, cf. Río Sadornil (2003).
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13
[Carta de] Requena a Gálvez, Ega, 25 ago. 1782 (cf. Quijano Otero, 1869, p. 154); ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO, Lisboa. [Carta de] Henrique João Wilckens a João Pereira Caldas. Fundo Capitania do Rio Negro, Barcelos, 29 jul. 1784, cx. 8, doc. 329.
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14
ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. Ynstrumento de las noticias adquiridas por los yndios omaguaes del Río de los Engaños, o Comiari. Fundo Audiência de Santa Fe, Río de los Engaños, 19 maio 1782, AGI-SF 663b, doc. 4.
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15
[Carta de] B. de San Agustin Castillo et al. ao governador, Inmaculada Concepción, 17 set. 1773 (cf. -Cuervo, 1894, v. 4, p. 250-257, 262); cf. Franco (2002, p. 66; 2012, p. 30-32). Há vasta bibliografia sobre a escravidão de indígenas na Amazônia portuguesa e as tropas envolvidas. Para uma síntese de um especialista, cf. Chambouleyron (2016). Exemplos das ações escravistas no vale do rio Japurá nas décadas de 1710 e 1720 em Sweet (1974, p. 476, 483). Sobre a participação indígena nas expedições, cf. Roller (2014, p. 69, 77, 95, 163).
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16
ARQUIVO HISTÓRICO NACIONAL, Madri. Requena, “Diario”. Fundo Estado, [s. l.], 1 ago. 1782, AHN-E 3386, exp. 7, fls. 26v-27r. Escrevendo em 1787, Alexandre Rodrigues Ferreira (1974, p. 31) não levantou objeção aos números da quarta partida.
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17
[Carta de] B. de San Agustin Castillo et al. ao governador, Inmaculada Concepción, 17 set. 1773 (cf. Cuervo, 1894, v. 4, p. 260).
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18
ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. Requena, “Diario”. Fundo Audiência de Santa Fe, [s. l.], 1 ago. 1782, AGI-SF 663b.
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19
ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. Consulta do Conselho das Índias. Fundo Audiência de Quito, Madri, 24 mar. e 12 jul. 1790, AGI-Q 600; Borja Medina (2000, p. 319).
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20
O termo quíchua mit’a significava “turno de trabalho”, uma obrigação que assumiu contornos específicos durante o período inca e sob o domínio espanhol. Cf. Carvalho (2022a, p. 220).
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21
Em 1783, a soma total para o pagamento de pessoal chegou a 11.225 pesos, dos quais 8.188 foram usados para pagar os salários dos soldados espanhóis e 3.037 os remeiros indígenas; as proporções de pagamento permaneceram semelhantes nos anos seguintes. Cf. ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. Cuentas. Fundo Audiência de Lima, [s. l.], 1781-1787, AGI-L 1510.
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22
ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. Requena, “Diario”. Fundo Audiência de Santa Fe, [s. l.], 1 ago. 1782, AGI-Q 663b.
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23
ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. Cuentas. Fundo Audiência de Lima, [s. l.], 1786, AGI-L 1510; ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. Relatório de Gaspar de Santistevan. Fundo Audiência de Santa Fe, Ega, 16 dez. 1782, AGI-SF 663b; Sobreviela (1924 [1790], p. 238, 243).
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24
ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. Cuentas. Fundo Audiência de Lima, [s. l.], 1781-1787, AGI-L 1510.
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25
[Carta de] Requena ao presidente da Audiência de Quito, Ega, 9 nov. 1791 (cf. Quijano Otero, 1869, p. 143).
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26
ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. [Carta de] Requena a Gálvez. Fundo Audiência de Santa Fe, Ega, 13 dez. 1782, AGI-SF 663b; ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. Requena, “Testimonio de los oficios”. Fundo Audiência de Santa Fe, [s. l.], 24 dez. 1782, AGI-SF 663b.
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27
ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. Cuentas. Fundo Audiência de Lima, [s. l.], 1781-1787, AGI-L 1510.
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28
[Carta de] Wilckens a Caldas, 29 mar. 1782 (apud Bastos, 2013, p. 217).
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29
ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. [Carta de] Requena a Chermont. Fundo Audiência de Santa Fe, Tabocas, 13 abr. 1782, AGI-SF 663b.
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30
ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. Requena, “Diario”. Fundo Audiência de Santa Fe, [s. l.], 1 ago. 1782, AGI-SF 663b.
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31
ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. [Carta de] Requena a Gálvez. Fundo Audiência de Santa Fe, Ega, 1 out. 1783, AGI-SF 663b.
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32
ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. Requena, “Diario”. Fundo Audiência de Santa Fe, [s. l.], 1 ago. 1782, AGI-SF 663b; Spix e Martius (1831, p. 1237).
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33
[Carta de] B. de San Agustín Castillo et al. ao governador, Inmaculada Concepción, 17 set. 1773 (cf. Cuervo, 1894, v. 4, p. 262, 266); cf. Franco (2012, p. 29-36).
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34
ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. [Carta de] B. de San Agustín Castillo et al. ao padre guardião. Fundo Audiência de Quito, [Concepción], c. 30 set. 1773, AGI-Q 400; cf. Sweet (1987, p. 241).
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35
ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. [Carta de] Requena a Gálvez. Fundo Audiência de Santa Fe, Ega, 1 out. 1783, AGI-SF 663b.
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36
ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. [Carta de] Requena a Gálvez. Fundo Audiência de Santa Fe, Ega, 30 jan. 1784, AGI-SF 663b; ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. [Carta de] Villalengua a Gálvez. Fundo Audiência de Quito, Quito, 18 jun. 1784, AGI-Q 242.
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37
ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. Requena, “Diario”. Fundo Audiência de Santa Fe, [s. l.], 1 ago. 1782, AGI-SF 663b.
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38
ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO, Lisboa. [Carta de] Requena a Chermont. Fundo Capitania do Rio Negro, Ega, 28 out. 1783, cx. 7, doc. 304.
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39
FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL, Rio de Janeiro. [Carta de] João Batista Mardel a Caldas. Nogueira, 26 jul. 1785, cod. 21,1,042. Para mais detalhes sobre essa aliança, cf. Roller (2021, p. 76-88).
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40
ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. [Carta de] Francisco Delgado a Requena. Fundo Audiência de Santa Fe, Asunción, 15 mar. 1789, AGI-SF 663b.
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41
ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. [Carta de] Requena a Antonio Valdés. Fundo Audiência de Santa Fe, Ega, 14 mar. 1789 e 14 ago. 1789, AGI-SF 663b.
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42
[Carta de] Requena a [Valdés?], Ega, 10 fev. 1791 (cf. LIBRO de correspondência..., 1900, p. 351-353).
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43
ARQUIVO HISTÓRICO NACIONAL, Madri. Requena, “Diario”. Fundo Estado, [s. l.], 1 ago. 1782, AHN-E 3386, exp. 7, fls. 31r-31v.
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44
ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. [Carta de] Requena a Chermont. Fundo Audiência de Santa Fe, Tabocas, 13 abr. 1782, AGI-SF 663b; ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. [Carta de] Requena a Gálvez. Fundo Audiência de Santa Fe, Ega, 13 set. 1782, AGI-SF 663b.
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45
ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. Ynstrumento de las noticias adquiridas por los yndios omaguaes del Río de los Engaños, o Comiari. Fundo Audiência de Santa Fe, [s. l.], 19 maio 1782, AGI-SF 663b, doc. 4.
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46
[Carta de] Requena a Gálvez, Ega, 25 ago. 1782 (cf. Quijano Otero, 1869, p. 154); cf. ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. Requena, “Diario”. Fundo Audiência de Santa Fe, [s. l.], 1 ago. 1782, AGI-SF 663b. É interessante notar que, um ano antes de começarem as demarcações, uma expedição portuguesa comandada por Wilckens (1994 [1781], p. 30 et seq.), que viria a ser o segundo comissário da partida lusitana, tinha explorado sorrateiramente o rio dos Enganos, sendo repelida por uma frota de seis canoas dos Carijona.
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47
ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. Ynstrumento de las noticias adquiridas por los yndios omaguaes del Río de los Engaños, o Comiari. Fundo Audiência de Santa Fe, Río de los Engaños, 19 maio 1782, AGI-SF 663b, doc. 4, fls. 2v-3v; cf. Franco (2002, p. 70).
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48
ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. Ynstrumento sobre las noticias adquiridas por los Yndios -Corotùs del río de Apaporis. Fundo Audiência de Santa Fe, assentamento dos Curutu, 15 jul. 1782, AGI-SF 663b, n. 5.
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49
ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. [Carta de] Diogo Luís Rebello de Barros a Diguja. Fundo Audiência de Quito, Tabatinga, 1 dez. 1776, AGI-Q 400.
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50
ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO, Lisboa. [Carta de] Chermont a Requena. Fundo Capitania do Rio Negro, Ega, 2 nov. 1783, cx. 7, doc. 304.
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51
[Carta de] Requena a [Valdés?], Ega, 10 fev. 1791 (cf. LIBRO de correspondência..., 1900, p. 351-353); ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO, Lisboa. [Carta de] Requena a Manoel da Gama Lobo d’Almada. Fundo Capitania do Rio Negro, Ega, 11 jul. 1791, cx. 16, doc. 613; ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO, Lisboa. [Carta de] d’Almada a Martinho de Melo e Castro. Fundo Capitania do Rio Negro, Rio Negro, 9 jan. 1792, cx. 16, doc. 617.
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Sobre explorações portuguesas sem a presença de espanhóis, cf. ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. Relatório de Santistevan. Fundo Audiência de Santa Fe, Ega, 16 dez. 1782, AGI-SF 663b. Sobre como portugueses atraíam povos indígenas das missões espanholas, cf. ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. [Carta de] Requena a Gálvez. Fundo Audiência de Santa Fe, Ega, 25 jun. 1783 e 1 out. 1783, AGI-SF 663b. Sobre a exploração dos vales dos rios Japurá e Putumayo, cf. ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. [Carta de] Requena a Valdés. Fundo Audiência de Santa Fe, Ega, 8 abr. 1790, AGI-SF 663b. Sobre explorações espanholas sem a presença de portugueses, cf. ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. Requena, “Descripción del país”. Fundo Audiência de Quito, Tabatinga, 12 mar. 1781, AGI-Q 241; ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO, Lisboa. [Carta de] Caldas a Requena. Fundo Capitania do Rio Negro, Ega, 13 jun. 1784, cx. 8, doc. 340; ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO, Lisboa. [Carta de] d’Almada a Requena. Fundo Capitania do Rio Negro, Barcelos, 21 maio 1791, cx. 16, doc. 605.
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Em 1782, Sebastián José López Ruiz explorou a área do Putumayo ao rio Negro e verificou a aliança dos portugueses com os Manoa e a oposição dos Witoto e Augustinillo aos espanhóis. Em 1785, Manoel da Gama Lobo d’Almada explorou o alto rio Vaupés e esvaziou uma roça que uma expedição espanhola anterior havia acordado com certos indígenas independentes para quando retornasse. Ambas as explorações fluviais foram feitas à revelia dos colegas ibéricos. ARQUIVO GERAL DAS ÍNDIAS, Sevilha. López Ruiz, “Relación del viaje”. Fundo Audiência de Santa Fe, Santa Fe, 30 set. 1783, AGI-SF, 597; [Carta de] d’Almada a Caldas, São Gabriel, 17 set. 1785 (cf. Reis, 1959, p. 419-423).
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Os limites do Brasil com a Colômbia só foram definidos no Tratado Vásquez Cobo-Martins, em 1907, e com contornos bastante distintos daqueles discutidos à época de Requena.
Agradecimentos
Esta pesquisa foi financiada pelos programas Prociência/Uerj e Jovem Cientista do Nosso Estado/Faperj, aos quais sou grato. Uma versão preliminar foi apresentada na 41st -Northeast Conference on Andean and Amazonian Archaeology and Ethnohistory (NCAAE), na Universidade de Rochester, nos Estados Unidos, em outubro de 2024.
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Editoras responsáveis:Kirsten Schultz e Silvia Liebel
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
21 Jul 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
17 Jun 2024 -
Aceito
26 Nov 2024














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