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“Escarnece-se dos europeus por comerem grãos de leguminosas e verduras, considerados por eles como comida de cavalo”: alimentação e teoria dos quatro estágios na History of Brazil (1810-1819) de Robert Southey

RESUMO

Ao menos desde as teorias hipocráticas, a alimentação teve uma posição de destaque para o entendimento de algumas das transformações que ocorriam nas pessoas. Em finais do século XVIII e início do XIX, a justificativa da tradição greco-romana para o consumo ou não de certos alimentos havia perdido parte de sua força argumentativa, abrindo caminho para outras formas de entender os alimentos. A importância e o papel da alimentação foram reformulados para servir a outros contextos discursivos e a novas demandas. Nesse sentido, os hábitos alimentares, quando aliados à teoria dos estágios da sociedade, que considerava o modo de subsistência como fator central para explicar a diversidade das culturas e dos povos, já não diziam tanto sobre a mutabilidade do corpo, mas sim sobre o grau de civilização das sociedades. Este artigo evidencia o destaque dado à alimentação dentro da articulação da teoria dos quatro estágios feita por Robert Southey em sua History of Brazil (1810-1819) enquanto argumento discursivo sobre a civilização do indígena e a sobrevivência e/ou degeneração dos estancieiros platenses e gaúchos.

Palavras-chave:
Robert Southey; History of Brazil; teoria dos quatro estágios; alimentação

RESUMEN

Al menos desde las teorías hipocráticas, la alimentación tuvo una posición de destaque para el entendimiento de ciertas transformaciones que ocurrían en los individuos. Para finales del siglo XVIII e inicios del XIX, la justificativa de la tradición greco-romana sobre el consumo o no de algunos alimentos había perdido parte de su fuerza argumentativa, abriendo camino para otras formas de entender los alimentos. La importancia y el papel de la alimentación fueron reformulados para servir a otros contextos discursivos y a nuevas demandas. En ese sentido, los hábitos alimentarios, cuando aliados a la teoría de las etapas de la sociedad, que consideraba el modo de subsistencia el factor central para explicar la diversidad de las culturas y de los pueblos, ya no revelaban tanto sobre la mutabilidad del cuerpo, sino sobre el grado de civilización de las sociedades. Este articulo evidencia el destaque dado a la alimentación dentro de la articulación de las cuatro etapas hechas por Robert Southey en su History of Brazil (1810-1819) en cuanto argumento discursivo sobre la civilización indígena y la sobrevivencia y/o degeneración de los estancieros platenses y gauchos.

Palabras clave:
Robert Southey; History of Brazil; teoría de las cuatro etapas; alimentación

ABSTRACT

At least since the Hippocratic theories, a diet had a prominent position for the understanding of some of the people’s transformations occurring in individuals. In the late eighteenth and early nineteenth centuries, the justification of the Greco-Roman tradition about the consumption of certain foods had lost some of its argumentative force, and other understandings of food arose. The importance and role of food have been reformulated to serve other discursive contexts and new demands. In this sense, once allied to the theory of the stages of society, which considered the subsistence mode a central factor to explain the diversity of cultures and peoples, eating habits did not anymore explain just the mutability of the body, but rather the degree of civilization of societies. This article highlights the emphasis given to food within the articulation of the theory of the four stages made by Robert Southey in his History of Brazil (1810-1819) as a discursive argument about the civilization of Natives and the survival and/or degeneration of gauchos and platenses.

Keywords:
Robert Southey; History of Brazil; four stages theory; food

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Percebo que você tem [Luigi] Cornano [sic] como seu médico. Se eu tivesse feito o mesmo experimento que você, estaria mais inclinado a preferir uma dieta de raízes, frutas e plantas comestíveis ao invés de uma de pão, que é tão fácil de ser adulterado. Há tanta diferença nos estômagos dos homens como nos seus temperamentos e rostos; uma abstinência severa é necessária para alguns, enquanto outros se alimentam bastante e bebem muito e ainda alcançam uma robusta idade avançada; mas inquestionavelmente o sistema mais regrado tem mais fatos a seu favor (...).1 1 No original: “You have taken, I see, Cornano for your physician. Had I made the same experiment, I should have been disposed to prefer a diet of roots, fruits, and esculent plants to bread, which is so likely to be adulterated. There is as much difference in the stomachs of men as in their tempers and faces; severe abstinence is necessary for some, and others feed high and drink hard, and yet attain to a robust old age; but unquestionably the sparing system has most facts in its favour (...).” Disponível em: <https://www.rc.umd.edu/editions/southey_letters/Part_Five/HTML/letterEEd.26.3198.html>. Acesso em: 30 nov. 2016.

Robert Southey (1774-1843) escreveu essas palavras a seu amigo historiador Sharon Turner (1768-1847) em 21 de setembro de 1818. Turner estava bastante preocupado com sua saúde e resolveu adotar a restrição dietética proposta por Luigi Cornaro (1467/84-1566), que previa a ingestão de 400 gramas de comida sólida e meio litro de vinho por dia para quem desejasse restabelecer o equilíbrio corporal. Apesar de ter uma edição de 1768 do Art of Living Long e do sucesso da prescrição de Cornaro, a qual muitos acreditavam ter contribuído para que ele vivesse até uma idade bastante avançada, Southey não ficou empolgado a ponto de seguir os passos de seu amigo nessa mudança da alimentação em busca de uma melhora em sua saúde.2 2 Disponível em: <https://www.rc.umd.edu/editions/southey_letters/Part_Five/HTML/letterEEd.26.3198.html>. Acesso em: 30 nov. 2016. Não obstante, a conversa de Southey com Turner permite vislumbrar a importância atribuída à alimentação e como algumas prescrições da teoria humoral hipocrática-galênica sobre como alcançar a saúde do corpo permaneciam firmes em inícios do século XIX. De acordo com o sistema da fisiologia humoral, tudo que possui vida teria uma compleição própria marcada pela mistura de quatro humores - a bile negra, a bile amarela, o sangue e a fleuma. Assim, quando uma pessoa ingeria determinado alimento estava transferindo e assimilando ao seu corpo outra compleição que poderia alterar a sua. É dessa forma que a ingestão de um alimento poderia mudar o equilíbrio dos humores, seja causando uma doença ou restabelecendo a saúde.3 3 EARLE, Rebecca. “If You Eat Their Food...”: Diets and Bodies in Early Colonial Spanish America. American Historical Review, v. 115, n. 3, p. 688-713, 2010, p. 691; ALBALA, Ken. Eating Right in the Renaissance. Los Angeles: University of California Press, 2002, p. 78.

O entendimento médico e leigo baseado na teoria dos humores, quando se pensava em termos de nutrição, era bastante diferente do nosso cenário atual no qual os parâmetros balizadores de um corpo saudável são muitas vezes medidos em matéria de peso e/ou níveis de compostos químicos, em que existem quantidades médias estabelecidas que podem e devem ser seguidas por todos em busca de uma vida saudável.4 4 ALBALA, Ken. Eating Right in the Renaissance, op. cit., p. 5- 6. O valor nutricional da comida era definido de acordo com a sua digestibilidade, sendo que o modo de cozimento dos alimentos estava intimamente relacionado com a sua digestão, pois acreditava-se que um alimento mal cozido ou mal temperado seria menos nutritivo do que um preparado corretamente devido à dificuldade de assimilação pelo organismo, que gerava a sua putrefação no estômago. Era comum a acepção de que comidas mais bem cozidas seriam mais nutritivas e que comidas menos cozidas - ou mesmo cruas - tinham seu valor nutricional comprometido e poderiam fazer mal à saúde.5 5 Ibidem, p. 6.

Essas acepções baseadas na teoria hipocrática-galênica passaram por um amplo movimento de revisão e contestação entre 1570-1650, onde houve uma quebra na ortodoxia de suas práticas e novos modelos para entender a nutrição e digestão humanas começaram a despontar. Ao contrário da autoridade greco-romana em matéria de alimentação, os autores dietéticos iniciaram um apelo consciente à experiência e aos costumes alimentares locais. Conselhos práticos, baseados na experiência, começaram a ser mais valorizados do que os ensinamentos das autoridades dietéticas antigas. Esse questionamento, contudo, não levou ao abandono irrestrito dos princípios básicos da fisiologia humoral, como a carta de Southey citada acima nos permite vislumbrar, mas sim à flexibilização e mesmo à construção de teorias hibridas de diversos tipos.6 6 Ibidem, p. 36. De fato, a teoria humoral, apesar das novas escolas iatrofísicas, iatroquímicas e corpusculares, permaneceu incólume até boa parte do século XIX.7 7 Ibidem, p. 47.

Esse movimento de contestação e adaptação da teoria hipocrático-galênica contribuiu para que, no século XVIII, fosse possível pensar a comida fora da sua vinculação com a saúde ou doença do corpo. Comer deixou de ser progressivamente um ato de cura. Assim, dentro da teoria dos quatro estágios da sociedade a comida foi pensada, paralelamente a teoria dos humores, em sua associação com o estágio civilizacional em que a dieta passou a ser um reflexo do avanço ou atraso civilizacional de determinada sociedade. A teoria dos quatro estágios da sociedade, que despontou fundamentalmente na Escócia setecentista, situou o modo de subsistência como fator central para explicar a diversidade das culturas e povos, além de estabelecer ligação direta entre o modo de subsistência e o estágio civilizacional de uma sociedade. Dessa forma, a alimentação, subjugada ao modo de subsistência, passou a dizer sobre o polimento, a rusticidade ou selvageria dos povos tendo o desenvolvimento das sociedades - civilizadas ou não - como pano de fundo da grande macronarrativa da história universal. A formação da teoria dos quatro estágios, na metade do século XVIII, teve grande contributo das narrativas de descrição dos povos ditos selvagens, que viviam em muitos lugares da América, como um exemplo do estado de natureza. Elas permitiram o entendimento de que o estado de natureza não era estático, mas em movimento, e que os homens foram, antes de tudo, caçadores e coletores.8 8 MEEK, Ronald. Social science and the ignoble savage. Cambridge: Cambridge University Press, 2010, p. 9-16. Havia um consenso formulado de que a passagem de uma sociedade de caçadores para de pastores, para de agricultores e depois para de comerciantes e cidadãos polidos - movimento que consistia o progresso da sociedade em si - tinha ocorrido apenas na Europa.9 9 POCOCK, John Greville Agard. Barbarism and Religion: Narratives of Civil Government. Cambridge: Cambridge University Press, 2001, p. 328. V. II. Não obstante, a América, apesar da condição de seus habitantes ser, em larga medida, selvagem, foi extremamente importante para a teoria dos quatro estágios, pois era o grande exemplo, perdido na história europeia, do estágio primevo de caçador-coletor.

A relação entre o modo de subsistência, o estágio civilizacional e as maneiras tornou-se indissociável em finais do século XVIII britânico. Utilizar-se dos modos de subsistência como base teórica para a explicação do progresso do homem significava produzir macronarrativas pela comparação dos fatos das sociedades particulares. A história desenvolvia-se em estágios capazes de serem mapeados como sistemas organizados e que explicavam o desenvolvimento das sociedades.10 10 O’BRIEN, Karen. Narratives of Enlightenment: cosmopolitan history from Voltaire to Gibbon. Cambridge: Cambridge University Press, 2005, p. 133-134. Além de contribuir para um interesse profundo pelos costumes, a teoria dos estágios das sociedades proporcionava uma comparação entre civilizações bastante diferentes em tempo e espaço, assegurando a sua validade pela linearidade contida em suas bases. Todas as civilizações tinham passado ou passariam pelos estágios de caçador, pastor, agricultor e comerciante.

Essa nova forma de inter-relacionar sociedade e dieta abriu um caminho alternativo para pensar a especificidade americana não mais vista exclusivamente como fortemente devedora de seu clima, mas intimamente conectada com o estágio de desenvolvimento em que a sociedade estava. Dentro dessa nova chave interpretativa, a dissemelhança entre os povos ameríndios e europeus deixava de ser explicada por meio da condição climática em que viviam já que o clima não era mais considerado decisivo para explicar a diferença entre o Novo e o Velho Mundo. Ou seja, não era o impacto do clima temperado, quente ou frio nos corpos (humanos ou não) que produzia a diversidade e mesmo a inferioridade da vida americana. Para os etapistas setecentistas, a intrigante diferença de fisionomia e de costumes entre essas duas partes do globo advinha do estágio de desenvolvimento dessas sociedades, de seu modo de subsistência. A alimentação estava ligada, pelo vocabulário do progresso da civilização, ao estágio de desenvolvimento que cada sociedade estava. Uma tribo de caçadores e coletores, por exemplo, dificilmente teria uma dieta com grande quantidade de vegetais, pois ainda não tinha desenvolvido os aparatos de uma sociedade agrícola que permitiam o cultivo organizado da terra. Não obstante, é impossível afirmar que a discussão sobre a importância do clima e da mutabilidade dos seres humanos, extremamente vinculada à tradição hipocrático-galênica, tenha simplesmente desaparecido. Entre os etapistas setecentistas, por exemplo, a origem bíblica única dos diferentes povos era contestada na medida em que a existência de climas distintos exigia também, na origem, diferentes raças, que floresceriam ou degenerariam em novos climas.11 11 SEBASTIANI, Silvia. The Scottish Enlightenment: Race, Gender, and the Limits of Progress. Nova York: Palgrave Macmillan, 2013, p. 80. Contudo, essa divisão dos seres humanos em numerosos tipos, adequados a diversos climas, impulsionou uma visão etnológica da diversidade baseada na adaptabilidade, na capacidade de sobreviver a mudanças, que contrapunha e ia além da antropologia climática de Buffon (1707-1788) na qual a ação do clima sobre os animais e vegetais regia boa parte da diversidade encontrada na face da Terra.12 12 Ibidem, p. 80-81.

A teoria dos quatro estágios proporcionou uma visão diferente do papel dos alimentos, que ia muito além da dietética greco-romana e sinalizava para a importância do refinamento tanto dos hábitos alimentares quanto da comida. A alimentação foi, portanto, reenquadrada e reformulada pelos etapistas do século XVIII ao ser entrelaçada ao estágio de desenvolvimento das sociedades, ao próprio processo civilizador. Diferentemente de escritores como Buffon e Cornelius de Pauw (1739-1799), que articularam fortemente o discurso médico hipocrático-galênico, autores etapistas como William Robertson (1721-1793) explicavam a história americana por intermédio das mudanças relacionadas com o modo de subsistência.13 13 CAÑIZARES-ESGUERRA, Jorge. Como escrever a história do Novo Mundo: histórias, epistemologias e identidades no mundo Atlântico do século XVIII. São Paulo: Edusp, 2011, p. 70. Isso implicava dizer que os ameríndios, em sua quase totalidade catalogados como caçadores e coletores, tinham tendência a ter uma alimentação carnívora e pobre em refinamento e diversidade culinária. Tal entendimento da dieta ameríndia, proposto no interior da teoria dos quatro estágios, divergia do encontrado nos primeiros relatos sobre a América, em que os cronistas alegavam que a dieta indígena parecia ser muito mais vegetariana do que carnívora.14 14 VARELLA, Alexandre C. Receitas do regime: a dietética entre índios e espanhóis no México e Peru entre os séculos XVI e XVII. 2012. Tese (doutorado em história social) — Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p. 48. De acordo com o modelo forjado pelos etapistas setecentistas, apenas sociedades que haviam alcançado ou ultrapassado o estágio de agricultores, conseguindo o domínio do cultivo de diversos legumes, verduras e temperos, poderiam desenvolver uma dieta mais refinada, seja no gosto seja no modo de preparo dos alimentos. Os indígenas não poderiam ser, em grande medida, vegetarianos pelo simples fato de não terem ainda desenvolvido a agricultura. As preferências alimentares são importantes na History of Brazil (1810-1819) enquanto argumento discursivo sobre a civilização do indígena e a sobrevivência e/ou degeneração dos estancieiros platenses e gaúchos. O consumo ou não de carne vermelha e de verduras e legumes, para Southey, revelava o estágio civilizacional desses povos durante o período colonial.

Dessa forma, gostaria de chamar a atenção neste artigo para o destaque dado à alimentação dentro da articulação da teoria dos estágios civilizacionais feita por Robert Southey em sua History of Brazil. A alimentação não se restringia a uma necessidade biológica do homem, podendo carregar um complexo sistema simbólico de significados sociais, éticos, estéticos, entre outros.15 15 CARNEIRO, Henrique. Comida e sociedade: uma história da alimentação. Rio de Janeiro: Campus, 2003, p. 1. Essa multiplicidade de significados não consta apenas na History of Brazil. Em diversos de seus poemas situados em contextos exóticos, como Thalaba (1801) e Madoc (1805), Southey utiliza da comida e da alimentação como uma forma de destacar a diferença e os estranhamentos entre outras culturas e a europeia.16 16 JONES, Christine Kenyon. ‘Nor in my conscience, nor my stomach, rise’: food and eating in Southey’s verse. Romanticism, v. 12, n. 1, 2006, p. 20. O que se come também foi importante, na virada do século XVIII para o XIX, para forjar o discurso antiescravagista no que diz respeito ao consumo de açúcar. A retórica da abstinência do açúcar, principalmente nas décadas de 1780-1790, associava-o ao sangue (africano). Existia a proposição de que as pessoas poderiam viver sem muitas das comidas advindas da mão de obra escrava, como o chocolate, açúcar e café, vistos e tratados como produtos de luxo e, por isso, artificiais e não naturais.17 17 MORTON, Timothy. Blood sugar. In: FULFORD, Tim; KITSON, Peter J. (Ed.). Romanticism and colonialism: writing and Empire. 1780-1930. Cambridge: Cambridge University Press, 2000, p. 87-89. Dentro desse cenário é que vemos Southey, em seus Poems (1797), tratar o açúcar como um luxo superficial com uma história sangrenta, um emblema da dor, da morte e da escravidão.18 18 Ibidem, p. 101.

Em suma, o debate sobre a alimentação era algo que poderia se ramificar em diversas frentes que perpassavam as disputas sobre as mudanças corporais, a luta contra a escravidão e mesmo o vício produzido pelos artigos culinários luxuosos com a criação de hábitos alimentares artificiais. Pensando, contudo, na relação direta entre alimentação e estágio civilizacional de uma sociedade através do tipo de alimento produzido e consumido, vemos uma mudança radical no prestígio que os legumes tinham enquanto alimento. É possível verificar, pela análise de livros de culinária, que, de forma geral, durante a Idade Moderna houve um aumento progressivo no consumo de legumes, antes tidos como elementos de uma dieta mais popular.19 19 FLANDRIN, Jean Louis. Preferências alimentares e arte culinária (séculos XVI-XVIII). In: FLANDRIN, Jean Louis; MONTANARI, Massimo (Dir.). História da alimentação. São Paulo: Estação Liberdade. 1998, p. 641-664. Os legumes eram considerados, pela dietética greco-romana, alimentos grosseiros e de difícil digestão, devido à sua característica de crescimento no solo. Essa mudança de estatuto, além de poder ser vista como uma transgressão das normas médicas milenares que apontavam o seu consumo não saudável,20 20 Ibidem, p. 670. corroborou para a proposição de que sociedades que consumiam legumes eram mais avançadas em matéria de civilização do que outras, pois tinham desenvolvido técnicas agrícolas até então inexistentes. Esse reenquadramento permite que Southey coloque o hábito carnívoro dos estancieiros platenses e gaúchos, próprio do estágio de caçador-coletor, como aspecto de degeneração do estágio de desenvolvimento que deveriam estar. O gado é delineado na History of Brazil como um elemento de degeneração, enquanto as hortas demonstram certo grau de civilização. Essa construção permite, em última instância, que Southey avalie grupos indígenas com práticas agrícolas como superiores aos estancieiros sem, contudo, fazer uma apologia ao vegetarianismo.21 21 Para uma crítica de Southey ao vegetarianismo, ver SOUTHEY, Robert. Memoirs, Illustrative of the Life and Writings of John Evelyn. Quarterly Review, v. 19, n. 37, 1818, p. 1-54.

Ocorre um acentuado deslocamento - se bem que não uma completa exclusão - da comida enquanto instrumento de manutenção do equilíbrio e da saúde corporal, tradição legada da medicina hipocrática, para a comida como algo que deve não somente agradar ao paladar, mas também servir como símbolo de um gosto refinado ou rude. Na teoria dos humores a alimentação era um dos fatores que poderia alterar a compleição de uma pessoa visando o restabelecimento do tênue equilíbrio corporal de cada indivíduo, enquanto na teoria dos quatro estágios a preocupação maior era com o grau de civilização em que determinada sociedade estava e que poderia ser medido, entre outras coisas, pelos alimentos que consumia. A importância da comida, na época moderna, desloca-se gradualmente de sua função dietética para a gastronômica, tendo as proposições hipocráticas-galênicas pouco impacto nas diretrizes alimentares em início do século XIX.22 22 FLANDRIN, Jean Louis. Da dietética à gastronomia, ou a libertação da gula. In: FLANDRIN, Jean Louis; MONTANARI, Massimo (Dir.). História da alimentação. São Paulo: Estação Liberdade. 1998. A partir do século XVIII o consumo de determinado alimento passou a ter uma relação mais direta com o gosto e as preferências pessoais, secundarizando em parte o seu aspecto humoral ligado à compleição corporal.23 23 Ibidem, p. 688. Nesse sentido, a ideia corrente de que o que agradava o paladar deveria fazer bem ao corpo (e saúde) da pessoa pela nutrição e fácil digestão ficou em segundo plano, dando lugar à importância do refinamento do gosto, do próprio bom gosto alimentar. As mudanças ocorridas na arte culinária estavam, portanto, em acordo com a autoimagem que os homens modernos faziam da cozinha, enquanto o conjunto de novas práticas mais refinadas e delicadas praticadas por nações civilizadas.24 24 Ibidem, p. 684-685. É nesse deslocamento incompleto que encontramos as proposições de Southey, inscritas na History of Brazil, sobre o cozinhar com ervas aromáticas, a ingestão de alimentos mal cozidos ou crus e a falta de variedade da dieta. Apesar de não encontrarmos uma completa gastronomização da alimentação, é notória a relação do refinamento do paladar - manifesta na preferência pelo vinho em vez dos destilados, por exemplo - na construção da dieta dos homens civilizados.25 25 A associação de destilados com a ausência de refinamento e de hábitos indesejados às sociedades civilizadas é patente, por exemplo, na chamada “gin craze”. Veja: NICHOLLS, James. The politics of alcohol: A history of the drink question in England. Manchester: Manchester University Press, 2009.

Da mutabilidade do corpo ao estágio civilizacional: dieta e hábitos alimentares das tribos indígenas

{O último volume da História do Brasil} contém muito assunto curioso, contendo estágios da sociedade que até agora tinham obtido pouca atenção, mas que são elos importantes no nosso conhecimento da história do homem e da sociedade.26 26 WARTER, John Wood (Ed.). Selections from the Letters of Robert Southey. Londres: Longman, Brown, Green and Longmans, 1856, p. 110. v. 3 Carta de Robert Southey a Walter Savage Landor, Keswick, 3 de janeiro de 1819. No original: “contains much curious matter, containing stages of society which have hitherto obtained little notice, but are important links in our knowledge of the history of man and of society”. Tradução e grifos meus.

Os primeiros colonizadores da América encaravam a comida como remédio contra a tendência à morte que poderiam experimentar no Novo Mundo. O medo de morrer ou de degenerar por causa do clima insalubre contribuiu para que alimentos básicos da dieta europeia, como o pão, o vinho e a carne, fossem vistos como auxiliares à preservação da saúde. Esse entendimento, característico dos primeiros relatos sobre a América e da medicina hipocrática, não perdeu sua validade por completo ao longo da colonização e ajudou a pôr em relevo o papel da alimentação nas discussões sobre a saúde do colonizador, o corpo indígena e a colonização de povos distantes.27 27 EARLE, Rebecca. “If You Eat Their Food...”: Diets and Bodies in Early Colonial Spanish America, op. cit., p. 688.

Durante os séculos XVI e XVII, existia um receio patente de que habitar um meio ambiente não familiar entre pessoas não familiares talvez alterasse não apenas os costumes, mas os próprios corpos dos estrangeiros.28 28 Idem. O clima era um dos fatores a que os europeus creditavam mudanças na saúde e no temperamento, mas ele não estava isolado enquanto agente modificador do equilíbrio corporal. Existiam diversas outras instâncias que contribuíam para delimitar o que seria uma constituição europeia. A comida esteve no centro de muitos debates acerca da diferença entre europeus e ameríndios, que estruturavam os esforços europeus para a compreensão das Américas e de seus habitantes.29 29 Ibidem, p. 689.

Era comum que relatos dos séculos XVI e XVII sobre a colonização concordassem que os europeus, quando começavam a comer outros alimentos que não os próprios de sua dieta, geravam um sangue novo, que produzia um novo humor e que, por sua vez, criava novas habilidades e condições. A mudança na alimentação, como a mudança no clima, era susceptível de provocar uma mudança no corpo e temperamento das pessoas.30 30 Ibidem, p. 693. Nesse sentido, a teoria humoral ofereceu uma alternativa para explicar a inquietação colonizadora sobre a diferença entre os corpos indígenas e europeus, que, mesmo vivendo sob o mesmo céu e sobre a mesma terra, teimavam em não serem iguais.31 31 Um excelente panorama sobre a importância da alimentação na dieta hipocrática pode ser encontrado em: CAIRUS, Henrique F.; ALSINA, Julieta. A alimentação na dieta hipocrática. Classica, n. 20, v. 2, p. 212-238, 2007. Com isso, dizer que o clima ou as estrelas mudavam o temperamento e a constituição de um ser humano não era suficiente para explicar essa dessemelhança, e foi quando se recorreu também à comida. Eles eram diferentes uns dos outros, pois se alimentavam de forma diversa.32 32 EARLE, Rebecca. “If You Eat Their Food...”: Diets and Bodies in Early Colonial Spanish America, op. cit., p. 695.

Desde o século XVI, existia o encorajamento dos indígenas, por parte dos colonizadores e missionários, a adotarem hábitos europeus, sendo altamente desejável que houvesse uma europeização do que comiam, bebiam, vestiam e também da sua moral e de seus hábitos de higiene.33 33 Ibidem, p. 708. As plantas europeias eram introduzidas no Novo Mundo não apenas por causa do paladar europeu, que as valorizava, mas também como tentativa de não alterar a dieta e, consequentemente, o humor dos colonizadores e, de forma inversa, civilizar os indígenas. A carne, o pão de trigo, o vinho e o azeite eram sustentáculos da dieta ibérica e, muitas vezes, apontados pelos europeus como alimentos primordiais para a sobrevivência do colonizador no Novo Mundo.34 34 EARLE, Rebecca. The Body of the Conquistador: Food, Race and the Colonial Experience in Spanish America, 1492-1700. Cambridge: Cambridge University Press, 2013. Porém, exceto por alguma carne de caça, nenhum desses alimentos poderia ser encontrado imediatamente nas novas possessões. Por mais que a justificava do consumo de certos alimentos pela teoria hipocrática-galênica dos humores tenha perdido boa parte de sua força argumentativa em finais do século XVIII e início do XIX, muito por causa da grande experiência colonial acumulada sobre o corpo, e tenha sido muito pouco articulada por Southey no que tange à colonização ibérica, a diretriz alimentar considerada saudável - composta fundamentalmente por ingredientes e modos de preparo europeus - passou a responder por civilizada e contribuiu para que a comida permanecesse como aspecto analítico central das sociedades. Não devemos perder de vista que em meados do século XVIII o vocábulo civilização é forjado e junto com ele é criada uma intrincada teia argumentativa que visava identificar e catalogar as sociedades ditas civilizadas, bárbaras e selvagens.35 35 PIMENTA, Pedro Paulo. Refinamento e civilização: ou como se colocar à altura de seu tempo. In: PIMENTA, Pedro Paulo. A imaginação crítica: Hume no século das luzes. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2013, p. 123-134; POCOCK, John Greville Agard. Barbarism and Religion: Barbarians, Savages and Empires, op. cit. A dieta, quando aliada à teoria dos estágios civilizacionais, não dizia mais tanto sobre a mutabilidade do corpo, mas sobre o estado civilizacional das sociedades. Mapear e analisar o comportamento das pessoas em sociedade - aspectos que despertaram tanto interesse dos britânicos setecentistas que tornaram-se um grande legado para o século XIX - passava pela própria ressignificação da alimentação e de seus hábitos dentro do horizonte da história universal da humanidade articulado por meio da teoria dos quatro estágios.

No que diz respeito aos benefícios da passagem de uma sociedade de caçadores e coletores para uma sociedade agrícola, são inúmeros os exemplos, na History of Brazil, em que a ausência de vegetais e temperos na dieta é indicadora de deficiência civilizacional. Uma culinária não baseada na agricultura, mas no acaso, era vista pelos escritores coloniais europeus como fundamentalmente não civilizada, pois passava por uma ingerência do meio ambiente.36 36 Ibidem, p. 82. Os aimorés, por exemplo, na abordagem de Southey, estavam, como a maioria das tribos americanas, no estágio primevo de caçadores e coletores, comendo frutas silvestres que recolhiam e matando animais que encontravam na natureza.37 37 SOUTHEY, Robert. History of Brazil. Londres: Longman, Hurst, Rees, and Orme, Paternoster-row, 1810, p. 282. v. I. Sociedades no estágio caçador-coletor não poderiam se beneficiar das benesses advindas de uma sociedade formada por agricultores em que a alimentação ganhava certo refinamento e ares de convívio social. Assim, Southey argumentava que os goaitacaza guazu também “subsistiam principalmente, se não inteiramente de carne e peixe, que colocavam sobre as brasas, e comiam logo que estava quente, não importando se estivesse cru dentro”.38 38 Não utilizei a tradução por não incorporar a palavra “subsistiam” ao texto traduzido. No original: “subsisted chiefly, if not entirely upon flesh and fish, which they laid upon the coals, and ate as soon as it was hot, careless whether it were raw within”, em SOUTHEY, Robert. History of Brazil. Londres: Longman, Hurst, Rees, and Orme, Paternoster-row, 1817a, p. 666. v. II. A alimentação desvelava vários aspectos da selvageria, como a preponderância de uma dieta carnívora que não incorporava vegetais, obviamente ausente por não se tratar de sociedade agrícola, e a falta de refinamento com que o alimento era preparado, sem tempero - incluindo o sal - e com uma cocção desleixada. O modo de subsistência, aspecto central da teoria dos quatro estágios da sociedade, contribuiu para trazer a dieta dos povos como plano central de indicação do estágio de civilização na medida em que uma sociedade deveria necessariamente tornar-se agrícola para poder não mais ter sua vida governada pelo acaso e refinar os seus costumes, assim como o seu gosto.

Não obstante, se a história de um povo civilizado era marcada pela alimentação dada por certas comidas, ela era igualmente definida pela exclusão de outras. Os cayaguas, por exemplo, considerados por Southey como os mais rudes da raça guarani, viviam exclusivamente da caça e quando não achavam alguma presa contentavam-se “com cobras, ratos, formigas, minhocas, e toda a casta de répteis e vermes”,39 39 SOUTHEY, Robert. História do Brasil. Traduzida do inglês pelo Dr. Luiz Joaquim de Oliveira e Castro; anotada por J. C. Fernandes Pinheiro. Rio de Janeiro: Garnier, 1862b, p. 55. v. IV. todos esses alimentos vetados ao consumo de qualquer pessoa civilizada. A carne humana, igualmente, foi reiteradas vezes sublinhada como um dos alimentos que deveriam estar fora do horizonte das nações civilizadas. O combate ao canibalismo, julgava Southey, era um dos mais difíceis de serem travados por causa dos sentimentos de vingança e honra associados a ele: “era opinião geral entre os índios influir sobre a coragem a qualidade da carne que comiam, e talvez fosse esta uma das causa da antropofagia (cannibalism)”.40 40 Ibidem, p. 527. Para um panorama do surgimento da palavra canibalismo, e suas variantes, e sua predominância em relação à antropofagia para denominar o ato de seres humanos comerem outros da mesma espécie, nas Américas, veja MOTOHASHI, Ted. The Discourse of Cannibalism in Early Modern Travel Writing. In: CLARK, Steve. Travel and Empire: Postcolonial Theory in Transit. Nova York: Zed Books, 1999. Deveria haver um refinamento do gosto no que dizia respeito à comida na medida em que o que os habitantes comiam dizia muito sobre a sua inserção na sociedade civilizada. O canibalismo dos aimorés é inclusive salientado por Southey como mais selvagem por servir à alimentação e não como prática ritualística.41 41 SOUTHEY, Robert. História do Brasil. Traduzida do inglês pelo Dr. Luiz Joaquim de Oliveira e Castro; anotada por J. C. Fernandes Pinheiro. Rio de Janeiro: Garnier, 1862a, p. 397-398. v. I. Existia uma relação direta entre dieta e identidades locais, em que as diferenças eram articuladas por meio de ideias sobre as diferenças na dieta e seu impacto cultural.42 42 BEWELL, Alan. Romanticism and Colonial Disease. Baltimore: John Hopkins University Press, 1999, p. 134-138.

O que se comia e quando se comia era um indicador importante de civilização, barbárie ou selvageria. Os iaros, por exemplo, eram conhecidos por “não serem sociais as suas refeições, comendo cada qual quando tem vontade”.43 43 SOUTHEY, Robert. História do Brasil. Traduzida do inglês pelo Dr. Luiz Joaquim de Oliveira e Castro; anotada por J. C. Fernandes Pinheiro. Rio de Janeiro: Garnier, 1862c, p. 532, v. V, grifos meus. O mesmo observava-se entre os moxos. Das 29 tribos que habitavam entre 10 e 15 graus de latitude sul “estavam em diferentes graus de progresso, a partir do ínfimo estado da vida selvagem, contando-se os moxos entre as mais rudes”, pois, entre outras coisas, “as refeições não tinham lugar a horas fixas do dia, mas quando aparecia mantimento, que consistia principalmente em raízes e peixe”.44 44 Ibidem, p. 261, grifos meus. Comer separadamente, como os animais, e sem uma hora específica, para Southey, eram ausências de atributos civilizacionais que indicavam a selvageria desses povos americanos. Como ainda não eram povos estacionários, atributo fundamental do estágio de agricultor, em última instância não compunham uma sociedade com normas e regras a serem seguidas.

Por outro lado, os benefícios adquiridos por uma sociedade de agricultores, na percepção de Southey, eram visíveis em várias instâncias, que perpassavam a dieta, a organização urbana, favorecendo a socialização dos indivíduos. Os temperos, os legumes e as frutas, principalmente a uva, contribuíam para a civilização do homem. Assim lamentava Southey que:

em princípios do século décimo sétimo se cultivavam muitas vinhas e com grande proveito nas cercanias da Assunção, a ponto de se exportar vinho para Buenos Aires; hoje só se encontram algumas vides criadas em ramadas por causa da fruta. Quer o povo desculpar esta decadência de tão importante ramo de agricultura, atribuindo-as aos estragos causados por quadrúpedes e insetos, esquecendo que tanto uns como outros deviam existir nos tempos dos antepassados, quando floresciam as vinhas. Devemos pois buscar as verdadeiras causas na preguiça inata dos habitantes e no fato de eles, como índios e negros, perdendo a delicadeza do paladar ao passo que se embruteciam, preferirem ao vinho os espíritos ardentes.45 45 Ibidem, p. 545, grifos meus.

O vinho era um dos grandes símbolos de civilização, não só porque era cultivado em sociedades agrícolas ou que já houvessem ultrapassado este estágio, mas também porque simbolizava um refinamento no gosto. A qualidade dos alimentos consumidos incluía também a bebida e perpassava, inevitavelmente, os alcoólicos. Dessa forma, advertia Southey, “a embriaguez” era “o pecado mais vulgar entre homens selvagens, ou semicivilizados”.46 46 SOUTHEY, Robert. História do Brasil. Traduzida do inglês pelo Dr. Luiz Joaquim de Oliveira e Castro; anotada por J. C. Fernandes Pinheiro. Rio de Janeiro: Garnier, 1862d, p. 30. v. VI. Os mochos, “acérrimos bebedores”, preparavam “um licor de raízes fermentadas. Em certas ocasiões reuniam-se em choças para esse fim erguidas, dançavam desenfreadamente todo o dia, e embriagavam-se, concluindo de ordinário a festa com sangrentas rixas”.47 47 SOUTHEY, Robert. História do Brasil, op. cit., 1862c, p. 261-262. Preferiam os destilados, pois tinham um paladar embrutecido que não tolerava - ou mesmo não sabia apreciar - a delicadeza exigida pelo vinho. A bebida, na visão de Southey, também deveria ser consumida enquanto viver em sociedade, mas as sociedades não civilizadas desconheciam o potencial socializante do álcool, deixando-se inebriar e enfurecer na sua utilização. A embriaguez dos selvagens era, portanto, fatal à civilização, pois incentivava práticas contrárias às civilizadas:

na manhã bebem todos os espíritos que possuem, e nesse estado de feroz embriaguez que estas bebidas produzem, põem-se a beliscar uns aos outros a carne dos braços, pernas e coxas, quanto podem abarcar os dedos, cravando espetos de polegada em polegada de distância desde o tornozelo até ao quadril, e do punho até o ombro.48 48 SOUTHEY, Robert. História do Brasil, op. cit., 1862f, p. 218-219, grifos meus.

Os guanás, por outro lado, foram considerados por Southey uma das raças mais adiantada em civilização, inclusive porque “a [sua] bebida (...) era ou a água ou o sumo da cana de açúcar fervido e não fermentado, e sendo um povo sóbrio, viviam unidos entre si e respeitados dos vizinhos”.49 49 SOUTHEY, Robert. História do Brasil, op. cit., 1862b, p. 57, 59, grifos meus. Em vez de alimentarem o temperamento belicoso, suscitado pelo álcool, os guanás reforçavam os laços de amizade com as tribos vizinhas. Não se poderia chegar à civilização sem o abandono das práticas não baseadas no respeito e cooperação entre as pessoas com as quais se dividia o território e, nesse sentido, a ausência de bebidas destiladas era um elemento favorável ao desenvolvimento.

A passagem para uma sociedade de agricultores poderia contribuir com o refinamento do que os índios comiam ou bebiam, como tinha ocorrido com os yucunas, um “povo agrícola (...) e por isso acostumados a uma vida fixa, e não fazendo uso da mandioca senão debaixo da forma de tapioca, o que indica gosto algum tanto apurado (refinement in taste)”.50 50 SOUTHEY, Robert. História do Brasil, op. cit., 1862f, p. 346. A vida sedentária, condição primeira para poder cultivar o solo, contribuía também para que os ­índios ficassem mais dóceis por meio da domesticação dos animais: “criavam aves algumas das tribos sedentárias; entre estas progredia a população sempre mais dócil e menos feroz que as hordas errantes que do acaso confiavam a subsistência”.51 51 Ibidem, 1862d, p. 53. Desde os primeiros relatos sobre a colonização, no século XVI, a falta de experiência na criação de animais, que passava pela domesticação desses tanto para abate quanto para uso doméstico, era vista como evidência de que os americanos eram menos civilizados do que os europeus. Afinal, os animais domésticos eram tidos como absolutamente essenciais à sobrevivência humana.52 52 EARLE, Rebecca. The Body of the Conquistador: Food, Race and the Colonial Experience in Spanish America, 1492-1700, op. cit., p. 82.

A domesticação dos animais era também uma domesticação de si mesmo, uma espécie de humanização coletiva. Assim, próximo do rio Itapocu, habitavam os guaranis, “uma das tribos mais numerosas e adiantadas. Cultivavam a mandioca e o milho, que lhes davam duas colheitas por ano; criavam aves e patos, e tinham papagaios em casa”.53 53 SOUTHEY, Robert. História do Brasil, op. cit., 1862a, p. 163. A agricultura e a domesticação dos animais são também apontadas por Southey como um sinal de avanço civilizacional no que tange a tribo mapais: “uma tribo mais avançada em escravidão (servitude) e civilização. O povo tinha de servir os chefes, como os servos da gleba nos tempos feudais, eram [os mapais] agricultores; faziam uma espécie de prados e tinham domesticado a lhama”.54 54 Ibidem, p. 234, grifos meus. Igualmente o povo chiriguana “é o mais adiantado de todos os da raça guarani” e “vivem em habitações fixas, e criam ovelhas (provavelmente vicunhas) por amor da lã tão somente, abstendo-se muitos de comerem-lhes a carne com receio de se tornarem lanígeros”.55 55 SOUTHEY, Robert. História do Brasil, op. cit., 1862b, p. 55. Em outra tribo, no rio Guaporé, “havia fornos [para ser uma padaria], sendo a presença de uma grande ave domesticada deitada no seu ninho mais uma prova de vida fixa e costumes menos rudes”.56 56 SOUTHEY, Robert. História do Brasil, op. cit., 1862c, p. 404, grifos meus. Uma sociedade civilizada era, em larga medida, uma sociedade domesticada em que as pessoas seguiam condutas morais rígidas e não comiam seus semelhantes. O cultivo de plantas, assim como a culinária eram, em sua opinião, artes das mais humanizadoras.57 57 SOUTHEY, Robert. História do Brasil, op. cit., 1862b, p. 369-370. Com a passagem para o modo de subsistência baseado na agricultura, os ameríndios davam um passo à frente rumo ao desenvolvimento civilizacional adquirindo novas habilidades, refinando-se por meio do convívio social e deixando para trás a dieta carnívora e os hábitos típicos do estágio de caçador-coletor.

A degeneração pelo gado: as estâncias como um problema civilizacional

O impacto, na América, gerado pela introdução do gado na alimentação e nos costumes dos indígenas, dos colonizadores e de seus descendentes foi tópico de grande destaque e curiosidade por parte de Southey, sendo não apenas retomado ao longo da History of Brazil, mas também compondo todo o Capítulo 38, denominado “Efeitos da introdução do gado europeu - Tribos equestres”. De acordo com a teoria dos quatro estágios, existia uma tendência de melhoramento das sociedades trazida pelo excedente populacional e de produção, que permitiam a passagem para um estágio diferente do anterior. Contudo, para Southey, essa tendência não se mostrou efetiva aos estancieiros do Paraguai e do rio da Prata, que visivelmente degeneravam em todos os aspectos da vida civilizada. A facilidade com que o gado se multiplicou nesses locais foi tratada por Southey como um problema civilizacional que acarretou uma dieta quase que exclusivamente carnívora. Os estancieiros, em tese herdeiros de uma sociedade mais desenvolvida, a espanhola, chegaram a um grau de degeneração dos seus costumes que se assemelhavam, em vários aspectos, aos selvagens indígenas.

Southey argumentava que, no século XVIII, a situação dos estancieiros paraguaios era deprimente. Deu-se uma degeneração de seus costumes facilitada pela organização das estâncias - sempre bastante isoladas de outras e com baixo índice de urbanização das redondezas - e por uma dieta baseada na carne, sem verduras, legumes e mesmo temperos. Southey espantava-se com essa degeneração, já que “não havia parte da América do Sul que entre os seus conquistadores tivesse tantos homens de família nobre como o Paraguai; nenhum país do Novo Mundo, exceto talvez a Flórida, tanto desdisse das concebidas esperanças, nenhures teve lugar degeneração tão profunda”.58 58 SOUTHEY, Robert. História do Brasil, op. cit., 1862c, p. 548.

A origem da carne - se humana, de animais peçonhentos ou de nobres animais europeus - era um elemento que ajudava a identificar o tipo de dieta - selvagem, bárbara ou civilizada - das sociedades em geral. Também era claro que a dieta dos indígenas - povos tidos como selvagens em sua maioria e no estágio de caçador-coletor - muitas vezes era predominantemente carnívora. No Novo Mundo, porém, outro tipo de fenômeno acontecia com europeus ou seus descendentes que viviam em estâncias no Paraguai e no Prata e tinham sua alimentação baseada apenas na carne animal, regredindo para uma prática de sociedades de caçadores-coletores, ou seja, em uma escala em que o viver social ainda se mostrava como embrionário em vários aspectos. Essas pessoas, na perspectiva de Southey, tinham degenerado, pois eram herdeiras de um povo em escala de desenvolvimento civilizacional bastante superior aos selvagens americanos. A introdução de legumes na dieta, típica de uma sociedade de agricultores, não havia sido efetuada nas estâncias paraguaias pelo excesso de gado: “aqui se escarnece dos Europeus que comem legumes e hortaliça, pasto de cavalos, dizem estes miseráveis, que são meramente carnívoros”. Não apenas tinham sua dieta similar a dos indígenas, mas também a forma como cozinhavam o alimento e partilhavam-no eram sinais dessa degeneração: “à moda dos selvagens assam a carne num espeto de pau fincado a prumo no chão, comendo-a sem sal cada qual quando tem fome, não a horas certas, nem em refeições sociais”.59 59 Ibidem, p. 539, grifos meus. Não apenas o que se come é importante para perceber os hábitos alimentares de uma população, mas quando, onde, como e com quem se come também são dimensões constantemente em foco na tarefa de mapear as civilizações.60 60 CARNEIRO, Henrique. Comida e sociedade: uma história da alimentação, op. cit., p. 2. Os estancieiros, na visão de Southey, tinham degenerado por negar as benesses da civilização e voltar a um estágio civilizacional tido como inferior. Tinham voltado a ser meros caçadores-coletores, comendo quando achavam comida, sujeitos à generosidade da natureza. A dieta baseada na carne de gado cozida sem levar em conta nenhum refinamento do paladar, da forma mais simples possível, inclusive sem sal, juntamente com o escárnio das hortaliças e legumes foi um dos indícios construídos por Southey para evidenciar a degeneração desses estancieiros.

A dimensão da comida não estava exclusivamente no que a pessoa ingeria, mas também no ambiente que a circundava e que conduzia seus hábitos e costumes. No Paraguai, os bois, na perspectiva de Southey, tinham sido uma verdadeira praga para os estancieiros, não apenas porque a dieta deles centrava-se na carne, mas porque as estâncias, como grandes propriedades sem vizinho ou igreja por perto, levavam os seus habitantes a crescerem selvagemente entre as pastagens. O estancieiro não tinha educação, e a única que seu filho recebia dizia respeito ao manejo e abate de vacas, que o embrutecia em vez de refiná-lo. Existia um embrutecimento das pessoas provocado pelo que comiam na medida em que da relação com o meio ambiente e com os animais é que provinha grande parte do seu sustento: “tão brutais como os de Paraguai e Prata não são os guardadores de gado (herdsmen) do Rio Grande: não sendo exclusivamente carnívoros, também não são meros carniceiros”.61 61 SOUTHEY, Robert. História do Brasil, op. cit., 1862f, p. 525-526, grifos meus. Os pastores brasileiros não eram como os paraguaios, pois continuavam nutrindo a civilizadora arte do cultivo da terra e não degeneraram pela barbarização de suas práticas.

Na perspectiva de Southey, o gado selvagem (não domesticado), que se espalhava facilmente pelas pastagens paraguaias e argentinas, tinha gerado mudanças tão profundas quanto as produzidas pela descoberta das minas de ouro e diamante em Minas Gerais, e “cuja prodigiosa multiplicação modificara os hábitos de vida tanto da população índia como da crioula”.62 62 SOUTHEY, Robert. História do Brasil, op. cit., 1862c, p. 478. A introdução do gado “em uma terra onde antes da descoberta nenhuns existiam daquela espécie veio alterar até as características físicas do país. Desapareceram as plantas bulbosas e as numerosas espécies de pitas ou caraguatás que antes cobriam as planícies”.63 63 Ibidem, p. 480. O gado destruía a paisagem nativa e alterava “tanto o mundo vegetal como o dos insetos, adquiriram novos hábitos os animais indígenas do país, não só as aves mas também as bestas feras”.64 64 Ibidem, 480. Após a mudança na composição da paisagem, seguia-se a mudança nos hábitos e costumes. Porém, o gado não era necessariamente uma praga, pois poderia ser um “grande meio de civilização, onde ele se não multiplica tanto e tão facilmente que torne o povo meramente carnívoro”.65 65 SOUTHEY, Robert. História do Brasil, op. cit., 1862f, p. 327. Isso era, na opinião de Southey, precisamente o que não havia ocorrido no Paraguai, ao contrário lá:

à abundância de bois e cavalos se tem com razão atribuído a grande e geral degradação tanto de espanhóis como de índios. Necessariamente desfavorável à civilização, nenhures se viu a vida pastoral rebaixar e embrutecer tanto o homem como nos países criadores da América do Sul.66 66 SOUTHEY, Robert. História do Brasil, op. cit., 1862c, p. 537.

O estado das pessoas que viviam nas estâncias, mesmo que diferisse largamente do das tribos selvagens, havia se tornado, em sua essência, muito similar. Os espanhóis e os colonos tinham adquirido os hábitos dos selvagens em vez de civilizá-los por causa, também, do que comiam. Como os indígenas, não existia a proximidade de vizinhos que tanto contribuía para a prosperidade do local. O estágio da sociedade estancieira, alegava Southey, era “mais asqueroso ainda, se é possível, e mais vergonhoso para a pobre natureza humana” que o selvagem.67 67 Ibidem, p. 538. O mobiliário dos estancieiros, como o dos indígenas, era bastante escasso, consistindo de um barril de água, um chifre, que usavam para beber líquidos, espetos de madeira e um pote de cobre para ferver água para o mate. Crânios de gado e de cavalos tornavam-se assentos e a cama era um simples pedaço de couro cru. Como os indígenas, dormiam todos em um mesmo local: “em igual estado de bestial imoralidade se acham as chamadas espanholas, dormindo de ordinário num só quarto a família inteira, e afirmando Azara ser raro chegar intacta aos oito anos uma rapariga”.68 68 Idem, grifos meus. As estâncias no Paraguai normalmente mediam entre 16 e 20 quilômetros quadrados, e “no meio a tão vastos domínios têm suas choças os guardadores de gado (herdsmen), de modo que sem vizinhança, sem natural formação de aldeia, nenhum progresso (improvement) é possível”.69 69 Idem. A configuração cartográfica das estâncias, muito parecida com a das aldeias indígenas, facilitava a degeneração dos espanhóis, dada por causa do excesso de carne bovina à disposição.

O estágio civilizacional em que o modo de subsistência preponderante era o pastoreio estava dentro da teoria dos estágios civilizacionais em estágio inferior ao da agricultura. Era estranho, para Southey, portanto, que esses povos herdeiros de sociedades mais desenvolvidas não vissem no cultivo do solo oportunidade de melhoramento e continuassem sendo pastores:

nas vizinhanças do Prata desprezava o povo a agricultura, dizendo não ser necessário num país em que de carne só se podia viver. No Paraguai, porém, eram lavradores mais de metade dos habitantes, e quase todos os índios convertidos. Contudo, ali mesmo ninguém queria ser agricultor, podendo ser criador, nem havia quem servisse como jornaleiro agrícola podendo achar emprego como guardador de gado. Notável exemplo este da força do prejuízo, e do império de hábitos ociosos e viciosos, pois que o caseiro (husbandman) gozava de cômodos desconhecidos ao pastor, ficando acima dele em costumes, moralidade, decência, em quanto respeita à civilização ou a ela conduz, em tudo exceto na estima pública. Iam-lhe à mesa raízes, frutas, legumes, hortaliça e carne, tinha alguns conhecimentos culinários, que são uma das artes civilizadores [sic]; e tomava por conseguinte parte nos prazeres de uma refeição em companhia. E a agricultura produzia também a vizinhança.70 70 Ibidem, p. 544, grifos meus.

A passagem para uma sociedade agrícola, na perspectiva de Southey, só produziria benefícios às pessoas, inclusive estimulava o convívio social entre uma família ou grupo advindos da alimentação. A rudeza escondia-se em práticas alimentares que não haviam sido transformadas de mera necessidade fisiológica em prática de socialização. O que tinha ocorrido nas estâncias no Paraguai e no Prata era justamente o inverso do movimento em direção à civilização, em vez de domesticarem o gado, este, muitas vezes, vivia em condições selvagens, criado solto e capturado como uma besta fera.

Considerações finais

Na teoria dos quatro estágios a pesquisa sobre o progresso da sociedade passava pelo conhecimento dos costumes e das maneiras dos povos, que incluíam seus hábitos alimentares. A alimentação, entendida enquanto prática aglutinadora do alimento e da forma de ingestão dele, esteve associada ao grande leque de indícios sociais articulados para mapear as sociedades, um dos interesses centrais dos homens setecentistas britânicos, de forma a melhor entender a posição de cada uma dentro do progresso social. O interesse em conhecer e indicar o estágio civilizacional das nações, em seu sentido mais amplo, ia ao encontro da necessidade de conhecer as origens, para assim poder traçar a história, não apenas dos povos, mas também das coisas. Southey estava extremamente interessado em mapear, em detalhe, os costumes desenvolvidos para poder entender melhor o grau civilizacional das sociedades. A alimentação, dentro desse mapeamento, ilustrava e era ao mesmo tempo um sintoma do estágio de desenvolvimento ou degeneração dos indígenas e dos estancieiros do Paraguai e Prata na History of Brazil. Por meio da análise da dieta, por um lado, era possível verificar o lento processo de desenvolvimento das habilidades do viver em sociedade dos indígenas ressaltando o que comiam, como comiam e a que horas comiam. Assim, Southey, diversamente do que era comum dentro da teoria clássica dos quatro estágios, aponta uma grande diversidade dos estágios em que os ameríndios estavam, indicando inclusive que algumas tribos haviam ultrapassado a primeira fase de caçador-coletor.71 71 A diversidade humana era, acima de tudo, um produto da história e poderia ser vista apenas nas sociedades em estágios mais avançados. SEBASTIANI, Silvia. The Scottish Enlightenment: Race, Gender, and the Limits of Progress, op. cit., 2013, p. 73. Por outro lado, os estancieiros, ao mudarem a sua dieta para carnívora e rechaçarem os legumes e as verduras, demonstravam o grau de degeneração que haviam chegado, evidenciando o insucesso da colonização espanhola. A dieta, na History of Brazil, acompanha a linguagem da civilização ou da degeneração (sua contraface) de forma a compor o cenário analítico da sociedade colonial ibérica nas Américas.

Não há dúvida de que o modo de subsistência dos diversos estágios influía na ausência ou presença de certos atributos de civilização. Dentre um povo caçador e coletor raramente seria encontrado uma sociedade que cultivasse ervas aromáticas ou mesmo a videira. O progresso da sociedade era algo que precisava ser garantido diariamente, era uma delicada conquista. O estágio de agricultor era frágil, poderia sucumbir facilmente à introdução de alimentos de obtenção mais fácil e menos trabalhosa, como o gado. A investigação da alimentação ajudou Southey a construir uma história de luta contra a barbárie e a selvageria, perigos eminentes em todas as nações, não importando o quão civilizadas pudessem parecer.

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  • 1
    No original: “You have taken, I see, Cornano for your physician. Had I made the same experiment, I should have been disposed to prefer a diet of roots, fruits, and esculent plants to bread, which is so likely to be adulterated. There is as much difference in the stomachs of men as in their tempers and faces; severe abstinence is necessary for some, and others feed high and drink hard, and yet attain to a robust old age; but unquestionably the sparing system has most facts in its favour (...).” Disponível em: <https://www.rc.umd.edu/editions/southey_letters/Part_Five/HTML/letterEEd.26.3198.html>. Acesso em: 30 nov. 2016.
  • 2
    Disponível em: <https://www.rc.umd.edu/editions/southey_letters/Part_Five/HTML/letterEEd.26.3198.html>. Acesso em: 30 nov. 2016.
  • 3
    EARLE, Rebecca. “If You Eat Their Food...”: Diets and Bodies in Early Colonial Spanish America. American Historical Review, v. 115, n. 3, p. 688-713, 2010, p. 691; ALBALA, Ken. Eating Right in the Renaissance. Los Angeles: University of California Press, 2002, p. 78.
  • 4
    ALBALA, Ken. Eating Right in the Renaissance, op. cit., p. 5- 6.
  • 5
    Ibidem, p. 6.
  • 6
    Ibidem, p. 36.
  • 7
    Ibidem, p. 47.
  • 8
    MEEK, Ronald. Social science and the ignoble savage. Cambridge: Cambridge University Press, 2010, p. 9-16.
  • 9
    POCOCK, John Greville Agard. Barbarism and Religion: Narratives of Civil Government. Cambridge: Cambridge University Press, 2001, p. 328. V. II.
  • 10
    O’BRIEN, Karen. Narratives of Enlightenment: cosmopolitan history from Voltaire to Gibbon. Cambridge: Cambridge University Press, 2005, p. 133-134.
  • 11
    SEBASTIANI, Silvia. The Scottish Enlightenment: Race, Gender, and the Limits of Progress. Nova York: Palgrave Macmillan, 2013, p. 80.
  • 12
    Ibidem, p. 80-81.
  • 13
    CAÑIZARES-ESGUERRA, Jorge. Como escrever a história do Novo Mundo: histórias, epistemologias e identidades no mundo Atlântico do século XVIII. São Paulo: Edusp, 2011, p. 70.
  • 14
    VARELLA, Alexandre C. Receitas do regime: a dietética entre índios e espanhóis no México e Peru entre os séculos XVI e XVII. 2012. Tese (doutorado em história social) — Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p. 48.
  • 15
    CARNEIRO, Henrique. Comida e sociedade: uma história da alimentação. Rio de Janeiro: Campus, 2003, p. 1.
  • 16
    JONES, Christine Kenyon. ‘Nor in my conscience, nor my stomach, rise’: food and eating in Southey’s verse. Romanticism, v. 12, n. 1, 2006, p. 20.
  • 17
    MORTON, Timothy. Blood sugar. In: FULFORD, Tim; KITSON, Peter J. (Ed.). Romanticism and colonialism: writing and Empire. 1780-1930. Cambridge: Cambridge University Press, 2000, p. 87-89.
  • 18
    Ibidem, p. 101.
  • 19
    FLANDRIN, Jean Louis. Preferências alimentares e arte culinária (séculos XVI-XVIII). In: FLANDRIN, Jean Louis; MONTANARI, Massimo (Dir.). História da alimentação. São Paulo: Estação Liberdade. 1998, p. 641-664.
  • 20
    Ibidem, p. 670.
  • 21
    Para uma crítica de Southey ao vegetarianismo, ver SOUTHEY, Robert. Memoirs, Illustrative of the Life and Writings of John Evelyn. Quarterly Review, v. 19, n. 37, 1818, p. 1-54.
  • 22
    FLANDRIN, Jean Louis. Da dietética à gastronomia, ou a libertação da gula. In: FLANDRIN, Jean Louis; MONTANARI, Massimo (Dir.). História da alimentação. São Paulo: Estação Liberdade. 1998.
  • 23
    Ibidem, p. 688.
  • 24
    Ibidem, p. 684-685.
  • 25
    A associação de destilados com a ausência de refinamento e de hábitos indesejados às sociedades civilizadas é patente, por exemplo, na chamada “gin craze”. Veja: NICHOLLS, James. The politics of alcohol: A history of the drink question in England. Manchester: Manchester University Press, 2009.
  • 26
    WARTER, John Wood (Ed.). Selections from the Letters of Robert Southey. Londres: Longman, Brown, Green and Longmans, 1856, p. 110. v. 3 Carta de Robert Southey a Walter Savage Landor, Keswick, 3 de janeiro de 1819. No original: “contains much curious matter, containing stages of society which have hitherto obtained little notice, but are important links in our knowledge of the history of man and of society”. Tradução e grifos meus.
  • 27
    EARLE, Rebecca. “If You Eat Their Food...”: Diets and Bodies in Early Colonial Spanish America, op. cit., p. 688.
  • 28
    Idem.
  • 29
    Ibidem, p. 689.
  • 30
    Ibidem, p. 693.
  • 31
    Um excelente panorama sobre a importância da alimentação na dieta hipocrática pode ser encontrado em: CAIRUS, Henrique F.; ALSINA, Julieta. A alimentação na dieta hipocrática. Classica, n. 20, v. 2, p. 212-238, 2007.
  • 32
    EARLE, Rebecca. “If You Eat Their Food...”: Diets and Bodies in Early Colonial Spanish America, op. cit., p. 695.
  • 33
    Ibidem, p. 708.
  • 34
    EARLE, Rebecca. The Body of the Conquistador: Food, Race and the Colonial Experience in Spanish America, 1492-1700. Cambridge: Cambridge University Press, 2013.
  • 35
    PIMENTA, Pedro Paulo. Refinamento e civilização: ou como se colocar à altura de seu tempo. In: PIMENTA, Pedro Paulo. A imaginação crítica: Hume no século das luzes. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2013, p. 123-134; POCOCK, John Greville Agard. Barbarism and Religion: Barbarians, Savages and Empires, op. cit.
  • 36
    Ibidem, p. 82.
  • 37
    SOUTHEY, Robert. History of Brazil. Londres: Longman, Hurst, Rees, and Orme, Paternoster-row, 1810, p. 282. v. I.
  • 38
    Não utilizei a tradução por não incorporar a palavra “subsistiam” ao texto traduzido. No original: “subsisted chiefly, if not entirely upon flesh and fish, which they laid upon the coals, and ate as soon as it was hot, careless whether it were raw within”, em SOUTHEY, Robert. History of Brazil. Londres: Longman, Hurst, Rees, and Orme, Paternoster-row, 1817a, p. 666. v. II.
  • 39
    SOUTHEY, Robert. História do Brasil. Traduzida do inglês pelo Dr. Luiz Joaquim de Oliveira e Castro; anotada por J. C. Fernandes Pinheiro. Rio de Janeiro: Garnier, 1862b, p. 55. v. IV.
  • 40
    Ibidem, p. 527. Para um panorama do surgimento da palavra canibalismo, e suas variantes, e sua predominância em relação à antropofagia para denominar o ato de seres humanos comerem outros da mesma espécie, nas Américas, veja MOTOHASHI, Ted. The Discourse of Cannibalism in Early Modern Travel Writing. In: CLARK, Steve. Travel and Empire: Postcolonial Theory in Transit. Nova York: Zed Books, 1999.
  • 41
    SOUTHEY, Robert. História do Brasil. Traduzida do inglês pelo Dr. Luiz Joaquim de Oliveira e Castro; anotada por J. C. Fernandes Pinheiro. Rio de Janeiro: Garnier, 1862a, p. 397-398. v. I.
  • 42
    BEWELL, Alan. Romanticism and Colonial Disease. Baltimore: John Hopkins University Press, 1999, p. 134-138.
  • 43
    SOUTHEY, Robert. História do Brasil. Traduzida do inglês pelo Dr. Luiz Joaquim de Oliveira e Castro; anotada por J. C. Fernandes Pinheiro. Rio de Janeiro: Garnier, 1862c, p. 532, v. V, grifos meus.
  • 44
    Ibidem, p. 261, grifos meus.
  • 45
    Ibidem, p. 545, grifos meus.
  • 46
    SOUTHEY, Robert. História do Brasil. Traduzida do inglês pelo Dr. Luiz Joaquim de Oliveira e Castro; anotada por J. C. Fernandes Pinheiro. Rio de Janeiro: Garnier, 1862d, p. 30. v. VI.
  • 47
    SOUTHEY, Robert. História do Brasil, op. cit., 1862c, p. 261-262.
  • 48
    SOUTHEY, Robert. História do Brasil, op. cit., 1862f, p. 218-219, grifos meus.
  • 49
    SOUTHEY, Robert. História do Brasil, op. cit., 1862b, p. 57, 59, grifos meus.
  • 50
    SOUTHEY, Robert. História do Brasil, op. cit., 1862f, p. 346.
  • 51
    Ibidem, 1862d, p. 53.
  • 52
    EARLE, Rebecca. The Body of the Conquistador: Food, Race and the Colonial Experience in Spanish America, 1492-1700, op. cit., p. 82.
  • 53
    SOUTHEY, Robert. História do Brasil, op. cit., 1862a, p. 163.
  • 54
    Ibidem, p. 234, grifos meus.
  • 55
    SOUTHEY, Robert. História do Brasil, op. cit., 1862b, p. 55.
  • 56
    SOUTHEY, Robert. História do Brasil, op. cit., 1862c, p. 404, grifos meus.
  • 57
    SOUTHEY, Robert. História do Brasil, op. cit., 1862b, p. 369-370.
  • 58
    SOUTHEY, Robert. História do Brasil, op. cit., 1862c, p. 548.
  • 59
    Ibidem, p. 539, grifos meus.
  • 60
    CARNEIRO, Henrique. Comida e sociedade: uma história da alimentação, op. cit., p. 2.
  • 61
    SOUTHEY, Robert. História do Brasil, op. cit., 1862f, p. 525-526, grifos meus.
  • 62
    SOUTHEY, Robert. História do Brasil, op. cit., 1862c, p. 478.
  • 63
    Ibidem, p. 480.
  • 64
    Ibidem, 480.
  • 65
    SOUTHEY, Robert. História do Brasil, op. cit., 1862f, p. 327.
  • 66
    SOUTHEY, Robert. História do Brasil, op. cit., 1862c, p. 537.
  • 67
    Ibidem, p. 538.
  • 68
    Idem, grifos meus.
  • 69
    Idem.
  • 70
    Ibidem, p. 544, grifos meus.
  • 71
    A diversidade humana era, acima de tudo, um produto da história e poderia ser vista apenas nas sociedades em estágios mais avançados. SEBASTIANI, Silvia. The Scottish Enlightenment: Race, Gender, and the Limits of Progress, op. cit., 2013, p. 73.
  • 72
    Como citar - VARELLA, Flávia Florentino. “Escarnece-se dos europeus por comerem grãos de leguminosas e verduras, considerados por eles como comida de cavalo”: alimentação e teoria dos quatro estágios na History of Brazil (1810-1819) de Robert Southey. Topoi. Revista de História, Rio de Janeiro, v. 18, n. 36, p. 563-583, set./dez. 2017. Disponível em: <www.revistatopoi.org>.
  • Este artigo é resultado da minha tese de doutorado, que contou com o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    25 Jan 2017
  • Aceito
    07 Jul 2017
Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro Largo de São Francisco de Paula, n. 1., CEP 20051-070, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Tel.: (55 21) 2252-8033 R.202, Fax: (55 21) 2221-0341 R.202 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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