Acessibilidade / Reportar erro

Discursos “ímpios e sediciosos” em Portugal no final do século XVIII

“Impious and seditious” speeches in Portugal at the end of the 18th century

Discursos “impíos y sediciosos” en Portugal para fnales del siglo XVIII

RESUMO

Este artigo se volta para os discursos considerados ímpios e sediciosos que circularam, em Portugal, ao longo dos anos 1790. O seu objetivo é avançar na compreensão dos escritos que, para além de um corpus textual de livros proibidos hoje considerados clássicos, foram enquadrados no universo da sedição política. Para isso, foram selecionados dois casos específicos: o primeiro envolveu a publicação do livro Medicina Theologica, por Caetano Dragazzi; o segundo, os manuscritos escritos por Joaquim José Pedro da Veiga. Tanto um como o outro foram presos como sediciosos por causa de suas ideias sobre a religião. Pouco estudados, esses dois casos revelam não apenas os temores das autoridades régias perante determinados discursos, mas alguns dos debates e preocupações que consumiram a realidade lusitana ao final do século XVIII.

Palavras-chave:
sedição política; livros proibidos; Medicina Theologica; Iluminismo em Portugal; história do discurso político

ABSTRACT

This article adresses impious and seditious discourses that circulated in Portugal during the 1790s. Going beyond the textual corpus of forbidden books which is considered classic nowadays, the article aims to further the understanding of writings that have been framed as constitutive of political sedition universe. In order to do it, two specific cases were selected: the first one concerns the publication of the book Medicina Theologica, by Caetano Dragazzi; the second one refers to the manuscripts written by Joaquim José Pedro da Veiga. Both were arrested and considered seditious because of their ideas on religion. Even though few scholars have paid attention to them, these two cases reveal not only the fears of the royal authorities about certain discourses, but also some of the debates and concerns that characterized the Lusitanic reality at the end of the eighteenth century.

Keywords:
Political Sedition; Forbidden Books; Medicina Theologica; Enlightenment in Portugal; History of Political Speech

RESUMEN

Este artículo se vuelve hacia los discursos considerados impíos y sediciosos que circularon en Portugal a lo largo de los años de 1790. Su objetivo es avanzar en la comprensión de los escritos que, más allá de un cuerpo textual de libros prohibidos, considerados hoy clásicos, fueron encuadrados en el universo de la sedición política. Para eso, fueron seleccionados dos casos específicos: el primero, envolvió la publicación del libro Medicina Theologica, por Gaetano Dragazzi; el segundo, los manuscritos elaborados por Joaquim Pedro da Veiga. Tanto uno como el otro, fueron presos como sediciosos por causa de sus ideas sobre la religión. Poco estudiados, esos dos casos revelan no sólo los temores de las autoridades regias delante de determinados discursos, sino también los debates y preocupaciones que consumieron la realidad lusitana del siglo XVIII.

Palabras clave:
Sedición Política; Libros Prohibidos; Medicina Theologica; Iluminismo en Portugal; Historia del Discurso Político

***

Heterodoxia religiosa na senda revolucionária

Por volta dos anos 1790, um leque diverso de discursos foi considerado ímpio e sedicioso e, como tal, perseguido pelas autoridades portuguesas e, em especial, pela Intendência Geral de Polícia. Fizeram parte deste grupo argumentos e gêneros diversos: poemas satíricos, notícias históricas sobre a Revolução Francesa, discursos que abordavam a soberania popular, que defendiam a liberdade francesa, que ridicularizavam os religiosos ou que criticavam a Igreja Católica, suas práticas e seus dogmas. As suas mensagens estiveram longe de serem iguais, mas, de um modo geral, todos aqueles discursos tinham em comum o fato de adotarem ou possibilitarem a adoção de uma atitude transgressora perante a ordem política e/ou religiosa lusa: eles não apenas se debruçavam sobre a religião e a política de modo livre, contrariando os pressupostos que alicerçavam a monarquia portuguesa, mas expunham, conscientemente ou não, a linguagem da Revolução Francesa em seus discursos.

De fato, em Portugal, alguns dos novos princípios políticos, teológicos e filosóficos que circulavam pela Europa setecentista foram diretamente relacionados aos sucessos revolucionários e enquadrados dentro daquilo que se pode chamar de a linguagem da Revolução. Em 1794, no auge da radicalização política francesa, a preocupação com os escritos ímpios e sediciosos levara o governo de d. Maria I, já sob a tutela do seu filho d. João, a modificar, pela segunda vez em seu reinado, o órgão responsável pelo sistema de censura literária. Era preciso torná-lo mais eficiente e vigoroso na tarefa de repressão aos maus livros: diante da “temível Revolução Literária e Doutrinal”, responsável pelo questionamento das opiniões estabelecidas e pela propagação de “novos, inauditos e horrorosos princípios e sentimentos Políticos, Filosóficos, Teológicos e Jurídicos”, “toda a prudência religiosa e política” se fazia necessária. Disto dependia a sobrevivência “da Religião, dos Impérios e das Sociedades”.1 1 Carta de Lei de 17 de dezembro de 1794. Disponível em: <http://www.governodosoutros.ics.ul.pt/?menu=arquivo>. Acesso em: 19 jan. 2015.

Ao longo dos anos 1790, os supostos adeptos daquela nova linguagem foram identificados pelas autoridades régias a partir de atitudes bastante específicas: criticar e/ou ridicularizar as doutrinas, as práticas e as autoridades da religião católica; ter por hipócritas, fanáticos ou supersticiosos os cristãos e suas devoções; falar contra a autoridade régia, criticando seus ministros e, por fim, aprovar ou tão somente comentar sobre os sucessos da Revolução. Por vezes, o simples conhecimento da língua francesa, a leitura de gazetas estrangeiras ou de livros proibidos eram apontados como indícios de francesia.2 2 Autos da devassa — Prisão dos letrados do Rio de Janeiro — 1794. Rio de Janeiro: Eduerj, 2002. A inserção em sociedades secretas, sobretudo a maçonaria, completava a pintura dos indivíduos supostamente infecionados pelo espírito jacobino.3 3 Para uma discussão sobre a relação entre a maçonaria e a Revolução Francesa ver DIAS, Graça; DIAS, J. S. da Silva. Os primórdios da Maçonaria em Portugal. Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1986, v. 1, t. 1, p. 156-163 e p. 287-288. BARATA, Alexandre Mansur. Maçonaria, sociabilidade ilustrada e Independência do Brasil. São Paulo: Annablume, 2006. Qualquer elemento dessa equação já bastava para despertar suspeitas. Para as autoridades régias portuguesas cumpria evitar que aquela nova linguagem e os paradigmas político-sociais relacionados a ela se impusessem em Portugal e seus domínios da mesma forma que já tinham se imposto na França e algumas partes da Europa.4 4 HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções (1789-1848). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014, p. 134-154. CANFORA, Luciano. Bonaparte libertador. Estudos Avançados, v. 22, n. 62, p. 119-127, 2008.

Diogo Ignácio de Pina Manique, o intendente geral de polícia entre os anos de 1780-1803, devotou especial atenção a esses problemas. Para ele, era preciso estabelecer um cordão sanitário em torno do reino, vigiar atentamente todos os possíveis indícios de descontentamentos em relação à ordem política e religiosa e reprimir severamente a liberdade de falar e de escrever sobre a religião e a autoridade régia.5 5 ALVES, José Augusto dos Santos. A opinião pública em Portugal (1780-1820). Lisboa: Universidade Autónoma de Lisboa, 2000. “A minha responsabilidade”, dizia ele, “me faz depositário da segurança pública, da pureza dos costumes, da mantença da religião quanto entra na autoridade do estado civil”.6 6 ANTT, Intendência Geral de Polícia, livro 5, f. 320v-321. A ocorrência da Revolução Francesa e seus desdobramentos políticos intensificaram esses imperativos. Para o Intendente, o movimento revolucionário estava diretamente relacionado aos discursos críticos sobre a religião e a Igreja Católica que circularam na França durante o século XVIII. “Uma nação tíbia na religião que professa facilmente vem a cair infelizmente no mesmo que está experimentando a França”, relatou ao inquisidor-geral.7 7 ANTT, Intendência Geral de Polícia, livro 3, f. 148.

Por isso mesmo, a sua preocupação não se dirigia apenas para os discursos ímpios e sediciosos. Em seu entender, era preciso redobrar a atenção sobre os religiosos que andavam apóstatas de suas religiões e vigiar com particular atenção a situação dos párocos. Evitar o mau exemplo e garantir que os eclesiásticos cumprissem as suas obrigações eram, para ele, ações essenciais ao fortalecimento da religião no reino, minando quaisquer críticas que pudessem enfraquecer a sua legitimidade e a de seus ministros.8 8 ANTT, Intendência Geral de Polícia, livro 6, f. 108v-109. Em muitos casos, o mau comportamento dos eclesiásticos contribuiu para um processo de desgaste de sua imagem entre a população. O que, em última análise, refletia negativamente sobre a própria religião católica e a credibilidade de seus ensinamentos, uma vez que os eclesiásticos atuavam como intermediários entre o divino e os leigos. Por volta dos anos 1780, o mercador lisboeta José Chaves mencionou algumas ações menos retas dos religiosos para concluir, em tom de insatisfação: “e querem que estejamos subordinados a uns destes.”9 9 ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, liv. 318/129o Cadernos do Promotor (1740-1761), f. 368. Não foram raros os casos em que a percepção de que a Igreja estava permeada por práticas corruptas sustentou as dúvidas dos fiéis em relação aos dogmas e ritos, considerados invenções humanas. Parte do desrespeito aos preceitos estabelecidos pela Igreja Católica se assentou sobre essa ruptura.

Daí, portanto, as recomendações enfáticas que Pina Manique encaminhava aos prelados. Cobrava-lhes atenção ao catecismo que devia ser explicado aos domingos, tarefa que considerava fundamental à perfeita instrução dos povos nos dogmas do catolicismo. Porém não se esquecia de adverti-los que, paralelamente, era necessário que os religiosos, sobretudo os regulares, se fizessem amados e praticassem as suas obrigações corretamente, mostrando aos mesmos povos a sua utilidade. Estes eram os principais meios de conservar os portugueses “firmes na obediência ao príncipe que felizmente nos governa e de não entrarem os jacobinos com as suas máximas infames a pretender revoltar os povos, vendo que estes estão firmes no amor ao seu príncipe e na religião que professam”.10 10 ANTT, Ministério do Reino, mç. 453, cx. 568.

De todo modo, a atenção que o intendente dedicou aos desregramentos comportamentais entre os religiosos não significou uma maior tolerância às críticas que porventura se fizesse contra aqueles atos corruptos. Em março de 1800, ele alertou o marquês mordomo-mor sobre o risco que representava para a religião católica os discursos que denegriam o caráter dos ministros da religião, tais como os bispos: “um dos meios mais próprios para conservar a união e o estado é firmar o respeito que se deve assim aos ministros da religião que temos a fortuna de professar.” E prosseguiu, em tom de preocupação: “nunca foi tão necessário punir com a maior severidade semelhantes réus como na época presente, em que os jacobinos ou falsos iluminados têm espalhado por todo o orbe as suas máximas infames e sediciosas, procurando todos os meios de atacar a religião, aos seus ministros.”11 11 ANTT, Intendência Geral de Polícia, livro 6, f. 24v-25 e f. 54v-55.

O problema, portanto, não se restringia à esfera do sagrado ou ao simples combate da heresia, esta sob a responsabilidade da Inquisição. Enquanto o Santo Ofício se preocupava com os erros em matéria de fé, a Intendência voltava a sua atenção para as possíveis implicações políticas daqueles erros; em outras palavras, para a sedição, vocábulo que, ao final do século XVIII, era utilizado para retratar os casos de rebelião contra o governo e, consequentemente, contra a autoridade régia. No contexto de meados de Setecentos, a sedição não se encerrava unicamente nas revoltas e nos motins; mas incluía os discursos capazes de contrariar a ordem social monárquica, alterando os laços de obediência que uniam os vassalos ao seu soberano.12 12 DARNTON, Robert. Edição e sedição: o universo da literatura clandestina no século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 21. Após a Revolução Francesa e à medida que o processo político francês se radicalizava, heterodoxia religiosa e sedição política foram, cada vez mais, apresentadas como dimensões interligadas. O intendente, em tom de alerta, refletia sobre a gravidade do momento: “uma vez que se tem chegado até a insultar, desprezar e ultrajar a Divindade, que caso podem fazer dos Soberanos, que dela não são mais do que fracas imagens?”13 13 ANTT, Ministério do Reino, mç. 454, cx. 569.

Esse temor perpassou boa parte das autoridades régias do período. Em 1794, no auge da radicalização revolucionária francesa, foi aberta uma devassa, no Rio de Janeiro, para averiguar quais eram as pessoas que estariam mantendo conversas e práticas que, “envolvendo discursos os mais escandalosos e sacrílegos contra a nossa augusta religião, se dirigiam a persuadir e a justificar a rebelião da nação francesa e a deprimir e destruir a autoridade e poder dos reis, emanada dos princípios mais depurados da mesma religião”.14 14 Autos da devassa — Prisão dos letrados do Rio de Janeiro — 1794, op. cit., p. 70 No mesmo ano, o inquisidor-geral mandou tirar uma devassa em Vila Real, situada na região Norte de Portugal, sob a alegação de que a impiedade e a irreligião estariam aumentando na cristandade.15 15 ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 16094, f. 5. De forma similar pronunciou-se o comissário José Nunes Cabral ao remeter para o Tribunal uma denúncia contra algumas pessoas que, na cidade da Bahia, estariam desprezando a religião católica. O seu temor era que, enfraquecida a religião naquela cidade, ela ficasse à mercê dos princípios revolucionários franceses.16 16 ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 13541, f. 3v.

Dentro da lógica que estruturava a sociedade monárquica portuguesa não havia moral, virtude, felicidade e obediência política fora da religião católica. No entender de d. Rodrigo Mello e Castro, “sem religião não estavam seguros os Príncipes no Trono”. O “temor do inferno” e a “esperança do prêmio eterno”, alegava, eram “os dois princípios de coibição dos vícios dos homens” e de onde nascia o amor à virtude.17 17 ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 14048, f. 38. Francisco Joaquim Moreira de Sá, morador de Lisboa pelos anos 1780, pensava que, politicamente, um príncipe tinha “necessidade absoluta” de fazer observar a religião católica, “porque o Estado sem ela seria um caos, onde só poderiam habitar os crimes e as desordens”.18 18 ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 16335, f. 2. Havia, dentro dos paradigmas políticos que estruturavam a sociedade portuguesa, uma correlação direta entre a religião católica e a ordem política e social; mais do que uma relação, era praticamente uma simbiose. Até mesmo a obediência e a submissão que os súditos deviam devotar ao seu soberano derivavam de uma concepção religiosa fundada no amor cristão e nos preceitos bíblicos. A Igreja Católica não era apenas a detentora da verdade religiosa; ela ditava as regras morais (pública e privada), presidia a organização do tempo e era a responsável por regular aspectos decisivos da vida de cada sujeito como o nascimento, o casamento e a morte. Tendo em vista esses pressupostos, torna-se claro as profundas implicações políticas das críticas à Igreja, aos seus dogmas e à atuação dos seus ministros. Todo e qualquer discurso capaz de pôr em risco a sua legitimidade política e social era considerado particularmente perigoso à manutenção da estabilidade interna do reino. Falar livremente sobre a religião católica era um problema político.

Discursos ímpios e sediciosos

Não é fácil seguir os rastros dos discursos que foram considerados ímpios e sediciosos. Por um lado, as devassas efetuadas a pedido de Pina Manique contra os indivíduos suspeitos de sedição aparentemente não estão disponíveis nos arquivos portugueses. No caso de Lisboa, as averiguações costumavam ficar sob a responsabilidade dos juízes do crime dos respectivos bairros: Andaluz, Rossio, Romulares etc. No Arquivo Nacional da Torre do Tombo, há um fundo documental para cada um desses bairros, no qual, de fato, se encontram várias devassas, exceto as que foram efetuadas contra os indivíduos suspeitos de sedição. Essa documentação também não consta no fundo Ministério do Reino ou entre os papéis da Intendência. É possível, entretanto, encontrar informações sobre um ou outro caso nos arquivos da Inquisição.

Por outro, nem sempre os papéis ímpios e sediciosos que foram apreendidos pela Intendência Geral de Polícia estão disponíveis, o que torna difícil ter acesso aos escritos que fogem ao corpus textual clássico dos livros proibidos, de fácil acesso ao leitor atual, como são os dos filósofos Rousseau, Voltaire e Montesquieu, ou mesmo do poeta Bocage. Por exemplo, em março de 1798, Pina Manique comunicou a d. Rodrigo de Sousa Coutinho que um de seus espiões havia apreendido um “papel ímpio e sedicioso” com José Antônio Chaves, minorista português, que na ocasião estava em uma casa de bilhar no Rocio. O papel intitulava-se “Extracto dos caracteres de Epitetto” e havia sido traduzido do grego.19 19 ANTT, Intendência Geral de Polícia, livro 5, f. 188 e f. 207v-208. Provavelmente uma compilação parcial dos discursos estoicos do filósofo grego Epiteto (55-135), editados por seu discípulo Flávio Arriano. Essas informações superficiais, todavia, não permitem analisar o conteúdo dos Extracto e as suas possíveis transgressões discursivas. Noutra ocasião, foram apreendidos com Francisco Coelho da Silva vários papéis sediciosos, dentre eles: “Censura à constituição francesa”, “Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão”, “Notícia curiosa e chegada de fresco que eu faço gosto de participar ao público antes que saiba dela o correio da Europa”, além de uma crítica feita por ele ao breve que o papa expediu à Assembleia Nacional francesa. Segundo Pina Manique, todos haviam sido escritos por Francisco Coelho com a finalidade de espalhar entre a população.20 20 ANTT, Intendência Geral de Polícia, livro 3, f. 294v-297. Um ano depois, em janeiro de 1794, o intendente alertava que um dos panfletos de Francisco Coelho tinha voltado a ser espalhado entre o público, agora com novo título: “Análise sobre os errados princípios adotados pela Assembleia Nacional de França quando passou do seu estado feliz da monarquia para o estado infeliz da espantosa anarquia”. O espião responsável pela entrega informou-lhe que uns diziam que certo João Feliz era o seu autor, outros, porém, afirmavam ser uma cópia de outro escrito que havia sido feito por um bacharel que morava na Rua São José.21 21 ANTT, Intendência Geral de Polícia, livro 4, f. 240v-241.

Não há cópia de nenhum desses papéis, tudo o que restou foram os seus títulos. O que já é alguma coisa, tendo em vista os casos em que sequer foram mencionados os títulos. Praticamente nada se sabe sobre as supostas cartas anônimas que teriam sido enviadas por Manuel Telles de Negreiros para algumas paróquias, conventos e bispos.22 22 No Santo Ofício não consta nenhum processo, sumário ou denúncia em nome de Manuel Telles de Negreiros, mas há um material considerável sobre Manuel Felix de Negreiros. É bem provável que eles sejam a mesma pessoa. ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 15275. ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, liv. 319/130º Cadernos do Promotor (1769-1790), f. 5-5v e f. 79-79A. ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 16335. DIAS, Graça; DIAS, J. S. da Silva. Os primórdios da Maçonaria em Portugal, op.cit., p. 257-258. RAMOS, Luís A. de Oliveira. Um marginal do século XVIII: o jacobino Manuel Negreiros. In: Estudos de História contemporânea Portuguesa. Porto: Livros Horizonte, 1991, p. 83-91. De igual modo, é difícil avançar qualquer análise sobre o conteúdo de um “soneto sedicioso” apreendido a certo Ancelmo José dos Santos, o qual ele sabia de cor e dizia ter aprendido na aula do comércio.23 23 ANTT, Intendência Geral de Polícia, livro 7, f. 254v-255.

Por tudo isso, é preciso cautela ao analisar os supostos discursos ímpios e sediciosos que circularam em Portugal nos anos 1790. Além dos limites impostos pela documentação, há de se ter em mente o impacto gerado pelos acontecimentos revolucionários em homens como Diogo Ignácio de Pina Manique, responsável pela tranquilidade política e social do reino, mas igualmente entre a população, curiosa diante dos rumos e desdobramentos da crise revolucionária.

A falta de processos, da maioria dos escritos apreendidos e de informações sobre eventuais circulações impedem que se ultrapasse o véu pejorativo e desestabilizador que, em geral, se atribuiu àqueles discursos em busca dos seus significados políticos. Tudo o que sabemos é que as autoridades portuguesas os consideravam perigosos à manutenção da estabilidade política e social de Portugal. O que não deixa de ser compreensível. Aquelas falas faziam parte de um ambiente político europeu conturbado e de um contexto luso que, ao longo do último quartel do século XVIII, viu-se permeado por versos satíricos e por conversas críticas sobre a Igreja Católica, seus dogmas e seus ministros.24 24 Consultar a documentação produzida pela Inquisição Portuguesa, em especial, os Cadernos do Promotor. Tudo isso forma um conjunto que, em tempos de instabilidade, de revoltas e de profunda alteração dos paradigmas políticos, religiosos e morais não podia ser permitido, ainda mais quando, nos idos dos anos 1790, alguns chegavam a falar e escrever diretamente sobre o poder monárquico.

Neste ponto, há pelo menos dois casos sobre os quais dispomos de informações mais substanciais e que, por isso, permitem avançar na compreensão de algumas das ideias que, para além daquele corpus textual clássico de livros proibidos, foram consideradas ímpias e sediciosas, em Portugal, ao longo dos anos 1790. O primeiro deles envolveu a publicação do livro Medicina Theologica (1794) por Caetano Alberto Dragazzi. O segundo diz respeito à prisão de Joaquim José Pedro da Veiga (1798), autor do manuscrito “Respeitável Diretório, Sábios Iluminados e Magistrados” e de vários outros. Embora distintos, os dois casos têm em comum o fato de que seus autores versaram livremente sobre temáticas religiosas e incidiram sobre domínios que eram reservados à Igreja Católica e aos seus ministros. De certo modo, tanto um como o outro enxergavam a si próprios como reformadores da Igreja, ou pelo menos de parte dela. Além disso, todos os dois textos foram escritos por portugueses, os quais, por causa do teor de seus discursos, foram presos como sediciosos e considerados réus de Estado.

Caetano Alberto Dragazzi e a Medicina Theologica (1794)

No dia 22 de dezembro de 1794, Caetano Alberto Dragazzi foi preso a mando da Intendência Geral de Polícia por causa de um livro intitulado Medicina Theologica que havia escrito e feito publicar.25 25 ANTT, Ministério do Reino, mç. 453, cx. 567. Varnhagen, Inocêncio Francisco da Silva, Teófilo Braga e Sacramento Blake atribuíram ao médico mineiro Francisco de Mello Franco (1757-1822) a autoria da obra anônima Medicina Theologica. Entretanto, não há indícios que permitam confirmar essa autoria. De acordo com os documentos consultados, o seu autor foi o português, descendente de italianos, Caetano Alberto Dragazzi. Apesar da prisão de Dragazzi, a obra tinha sido publicada de forma anônima e contava com o aval dos órgãos responsáveis pelo sistema de censura portuguesa para circular. Em maio daquele ano, os censores da Real Mesa de Comissão Geral haviam permitido a sua impressão.26 26 ANTT, Manuscritos da Livraria, no 1.484. A permissão régia, entretanto, não impediu que o seu conteúdo fosse considerado suspeito. Não sabemos a data exata em que o livro começou a ser comercializado nem como Diogo Ignácio de Pina Manique chegou ao nome de Caetano Alberto Dragazzi, tudo o que sabemos é que, pouco tempo após ter sido lançada ao público, a obra foi confiscada e proibida de circular. Ana Dragazzi, esposa de Caetano Alberto, contaria, anos depois, que naquela ocasião foram apreendidos 2 mil exemplares.27 27 Collecção dos decretos, resoluções e ordens das côrtes geraes, extraordinárias e constituintes da nação portuguesa, desde a sua instalação em 26 de janeiro de 1821. Coimbra: Na Imprensa da Universidade, 1822, p. 209.

De todo modo, não era a primeira vez que Dragazzi se via em apuros com a Intendência. Ele já havia sido preso, três anos antes, em outubro de 1791, por causa de um papel manuscrito que estava copiando e que falava sobre o “Estado presente de Portugal e pretérito do Ministério passado”. Foi solto apenas na véspera do Natal e, ainda assim, sob a condição de sair do reino, termo que não cumpriu.28 28 ANTT, Intendência Geral de Polícia, livro 195, f. 167 e f. 176. Infelizmente, quase nada se sabe sobre esse manuscrito além das referências pontuais feitas por Pina Manique. Aparentemente ele está perdido. Pode ser que se tratasse de uma das cópias manuscritas do livro anônimo Lettres from Portugal on the Late and Present State of that Kingdom, impresso em Londres, em 1777, e atribuído a John Blanket (1740-1801), oficial da Marinha Real britânica.29 29 [BLANKETT, John]. Letters from Portugal on the Late and Present State of that Kingdom. Londres: Printed for J. Almon, [1777]. Para as cópias manuscritas ver ANTT, Manuscritos da Livraria, no 2.007; BNP, códices 13.032//2, 13.056 e 13.057. Formado por 17 cartas, supostamente escritas entre 26 de janeiro e 3 de junho de 1777, o livro fazia um breve panorama da história lusa e da sua situação econômica, política, religiosa e social. As cartas eram, ao mesmo tempo, elogiosas da atuação do marquês de Pombal durante o reinado de d. José I (1750-1777) e críticas da condição de Portugal, reduzido da grande consideração que gozara no passado a quase nada. Para Blanket, quando Sebastião José de Carvalho subiu ao governo, o estado luso era deplorável. Antes de o ministro pôr em prática suas reformas, a corrupção estava introduzida em cada ramo do governo: “their finances, their commerce, their agriculture and even the Church was in danger from its infection.”30 30 [BLANKETT, John]. Letters from Portugal on the Late and Present State of that Kingdom, op. cit., p. 35. Blanket, ao contrário de muitos contemporâneos que tendiam a culpar o clima quente pelos problemas políticos, sociais e econômicos enfrentados pelas regiões mais ao sul, responsabilizava diretamente a natureza do governo. E, nesse sentido, enquanto Portugal se tornara mais iluminado durante a administração pombalina, após a sua queda, grupos que tinham perdido espaço, como o clero e a nobreza, retomaram antigos postos.

O texto apresenta um panorama bastante funesto da situação portuguesa no século XVIII, apontando as falhas dos reis, a ambição e o poder dos religiosos e da nobreza, os problemas da Inquisição e o despreparo da maioria da população, em geral, supersticiosa e controlada pela Igreja. Apesar de louvar as reformas pombalinas, as cartas forneciam ao leitor uma imagem sombria de Portugal e tornavam públicas questões políticas internas, que só diziam respeito ao monarca. Não parece ter sido por acaso que algumas edições dos anos 1790 publicaram em conjunto o relato escrito pelo viajante Carrère, intitulado Tableau de Lisbonne, e o texto das Lettres, ambos os textos dotados de uma linguagem crítica e pessimista em relação ao reino luso.31 31 Tableau de Lisbonne en 1796; suivi de Lettres écrites de Portugal sur l’état ancien et actuel de ce royaume. Paris: H. J. Jansen, 1797. Pina Manique considerava o livro Tableau de Lisbonne ímpio e sedicioso. Por volta de 1798, ele confiscou dois exemplares do livro que pertenciam ao ministro da Suécia. ANTT, Intendência Geral de Polícia, livro 5, f. 245v-246. O próprio marquês, tendo recebido as 17 cartas, se dispôs a respondê-las. Julgava que elas não haviam sido escritas para louvá-lo e muito menos para instruir os seus leitores na história do reino. Para ele, as cartas queriam destruir “a reputação e o crédito ministerial”.32 32 BNP, códice 13.032//2.

As cartas, publicadas em inglês, logo foram traduzidas para o português. Difícil analisar a extensão de sua circulação na sociedade lusa, mas a existência de várias cópias manuscritas nos arquivos portugueses demonstra que não foi um escrito que ficou restrito ao mundo inglês. Por isso, não é impossível que a “Dissertação sobre o estado passado e presente de Portugal”, copiada por Caetano Dragazzi, fosse, na verdade, uma cópia das cartas inglesas. Afinal, segundo os relatórios de Pina Manique, ela, da mesma forma que as 17 cartas, falava sobre o ministério pombalino e o estado presente de Portugal. O que, diga-se bem, não era um tema estranho aos portugueses de finais do Setecentos. A morte do rei d. José I e a queda de Pombal foram acompanhadas pela elaboração de vários panfletos, em sua maioria, críticos, sobre o seu ministério.33 33 ALVES, Patrícia Woolley Cardoso Lins. D. João de Almeida Portugal e a revisão do processo dos Távoras: conflitos, intrigas e linguagens políticas em Portugal nos finais do Antigo Regime (c.1777-1802). 2011. 330f. Tese (Doutorado em História) — Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2011. Toda essa agitação literária-discursiva não passou despercebida aos contemporâneos. Foi justamente nesse clima que o bacharel lisboeta Joaquim José Pedro da Veiga ouviu de um militar a leitura de um papel manuscrito, traduzido do francês, “em que se elogiava o marquês de Pombal e se ridicularizava a nação portuguesa”, atacando ainda a Inquisição.34 34 ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 8.220. Não sabemos que papel era este, mas sabemos, por outro lado, que, em 1780, as cartas inglesas foram publicadas, com algumas alterações, em francês. Uma das alterações foi justamente a introdução de uma pequena biografia do marquês.35 35 Lettres écrites de Portugal sur l’état ancien & actuel de ce royaume. Traduites de l’anglais, suivies du portrait historique de M. le Marquis de Pombal. Paris: Chez l. Cellot, 1780.

Panorama diverso envolveu a segunda prisão de Dragazzi, em dezembro de 1794, a respeito da qual dispomos de mais informações, inclusive, sobre a Medicina Theologica, causa de toda a confusão. Ao contrário da “Dissertação”, indisponível aos leitores atuais e a respeito da qual só é possível fazer conjecturas soltas, ela está acessível. Além disso, há relatos de que ela circulou por algumas mãos, não obstante o confisco. José Luís Pinto, boticário-cirurgião na Vila da Barca, lera-a.36 36 VILLALTA, Luiz Carlos. Montesquieu’s Persian Letters and Reading practices in the luso-brazilian world (1750-1802)” In: PAQUETTE, Gabriel (Ed.). Enlightened Reform in Southern Europe and its Atlantic Colonies, c.1750-1830. Farnham: Ashgate, 2009, p. 130. O padre João de Almeida e Sá, morador de Vila de Cadaval por volta dos anos 1800, também se valeu da obra. Conseguira-a emprestada com o advogado José de Almeida, embora seu verdadeiro dono fosse certo Tomás Leitão.37 37 MARTINS, Maria Teresa Esteves Payan. A Censura Literária em Portugal nos séculos XVII e XVIII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005, p. 692.

O seu conteúdo era bastante peculiar. Tratava-se de uma súplica dirigida aos padres-confessores, ministros do sacramento da penitência, solicitando que os mesmos modificassem a sua forma de tratar os pecados da cólera, da lascívia e da bebedice. Segundo Dragazzi, esses três pecados se originavam de enfermidades do corpo. Por isso, os confessores, considerados médicos do espírito pela Igreja Católica, deviam se valer da medicina corporal e, mais precisamente, de remédios físicos, retirados da natureza, para curá-los. As penitências morais, usualmente prescritas pela Igreja, eram insuficientes. Somente por meio da aplicação dos remédios físicos seria possível moderar as paixões, curar as enfermidades da lascívia, da cólera e da bebedice e livrar o homem da tirania do pecado.

Ao longo do livro, o seu autor se valeu do discurso médico, racionalista e empirista para analisar o sacramento da penitência e postular as novas formas de atuação dos confessores na emenda do pecado. O francês Antoine Le Camus (1722-1772), o anatomista holandês Hermann Boerhaave (1668-1738), o suíço Samuel Auguste Tissot (1728-1797) foram apenas alguns dos nomes recuperados. O saber médico invadiu o campo da religião, ressignificando o próprio entendimento que a Igreja tinha sobre o pecado e as suas causas. Este deixou de estar relacionado às tentações do demônio e à natureza humana decaída para adentrar o mundo das causas físicas não controladas pelo homem. A virtude, e mesmo a salvação a ser alcançada pelo fiel ao confessar as suas culpas, não dependiam mais do seu sincero arrependimento ou do perfeito cumprimento das penitências espirituais, mas da correta administração dos remédios físicos pelos padres-confessores.38 38 ELDER, Flávio Coelho; FREITAS, Ricardo Cabral de. O “imperscrutável vínculo” corpo e alma na medicina lusitana setecentista. Varia História, Belo Horizonte, v. 29, n. 50, p. 435-452, maio/ago. 2013.

Apesar de ancorado nos postulados racionalistas e empiristas da medicina europeia moderna, Caetano Dragazzi fez o que nenhum dos autores que ele citou ousou fazer: ele levou para o terreno da confissão aqueles saberes, invadindo, com suas reflexões, domínios exclusivos da Igreja Católica e, mais precisamente, dos sacerdotes. Uma das cartas que ele recebeu, possivelmente de algum mercador, atestava o caráter inusitado e pouco útil do livro: “remeto pelo estafeta todos os seus livros. Não penseis de vendê-los, porque julgo tal lição não só inútil, mas prejudicial e nociva e não sei como houve quem metesse a VMce nestes gastos e cuidados tão alheios da sua profissão.”39 39 ANTT, Ministério do Reino, mç. 453, cx. 567.

Ele não conseguia entender como os censores régios haviam aprovado aquela obra de método e gosto “tão extravagante e irrisório”. A seu ver, ela tinha mais de teatro “que de seriedade cristã e religiosa, qual demanda o confessionário e suas funções”.40 40 Idem. Pina Manique também não aceitou aquelas ideias. Para ele, o livro atacava a religião católica em sua parte mais essencial.

De fato, a confissão ocupava um lugar central dentro da ortodoxia católica. Pelo batismo, o homem se via livre do pecado que trazia já ao nascer, descendente que era de Adão. Mas era por meio da confissão e do sacramento da penitência que o homem, ser pecador, expurgava as suas culpas diárias e se reconciliava com Deus. Por tudo isso, esse sacramento era considerado a segunda tábua de salvação.41 41 DELUMEAU, Jean. A confissão e o perdão: a confissão católica (séculos XIII a XVIII). São Paulo: Companhia das Letras, 1991. Caetano Alberto Dragazzi, um leigo sem qualquer formação teológica, reformulou todo o entendimento que a Igreja tinha sobre esse sacramento. Na verdade, ele via a si próprio como um reformador da Igreja. Incomodava-o “a desordem e a iniquidade” que, segundo ele, dominavam o cristianismo. “Ó meu Deus!”, clamava, “suspendei o furor das vossas iras, prendei com fortes diques a torrente do pecado, que transborda e inunda vossa Igreja”.42 42 FRANCO, Francisco de Melo. Medicina teológica. São Paulo: Editora Giordano, 1994, p. 4. Julgava que a confissão era o único meio de remediar a tantos males. Mas, também nesse ponto não podia ficar satisfeito, pois, olhando para o modo como os religiosos procediam, via que era tudo sem efeito, daí a resolução que tomara de escrever-lhes. Em seu livro, a confissão continuava sendo necessária para a salvação e para a obtenção da virtude, mas para isso era preciso mudar o modo de agir: os remédios físicos, os conhecimentos da ciência natural e da medicina corporal emergiam ao primeiro plano e se impunham aos confessores, caso eles quisessem cumprir corretamente as suas funções.

Este não era o único problema de sua obra. Ao longo da exposição, os religiosos foram tomados diversas vezes como exemplos de pessoas achacadas pela lascívia e pela bebedice. Nesse sentido, ele se posicionou contra a prática, executada por muitas famílias, ciosas de seu status, de enviarem seus filhos para a vida monástica sem que para isso eles tivessem vocação.43 43 Ibidem, p. 57. Lembrou-se igualmente dos escândalos que se originavam dos amores a que se entregavam muitos desses religiosos, arrependidos da vida religiosa celibatária. “Atrevia-me a dizer que não há convento em Portugal que não pudesse ministrar algum exemplo para instrução.”44 44 Ibidem, p. 48. Para reforçar a pouca força dos remédios morais na emenda dos pecados, apontou que nem mesmos os clérigos, frades e freiras que deviam ter por ocupação constante a lição teológica, a oração e a penitência assim o praticavam.45 45 Ibidem, p. 106. Noutro momento, o alvo foi a ociosidade de alguns eclesiásticos:

Que mais proveitosa penitência para os religiosos e eclesiásticos que a do estudo e escrever por tempo de três e quatro horas cada dia? O pintar, bordar, etc. e outras obras louváveis não pode ser uma penitência bem medicinal para muitas freiras, frades e clérigos e mesmo seculares, que vivem na relaxação e desordem, sempre ociosos e vagabundos?46 46 Ibidem, p. 146.

Por tudo isso, o discurso veiculado pela Medicina Theologica era altamente corrosivo para a Igreja Católica. Ele não apenas criticava o modo como os confessores agiam, defendendo a necessidade de estudarem a medicina corporal de sua época para só assim atuarem corretamente. O livro expunha as fraquezas morais dos mesmos religiosos e os seus desvios de conduta, minando a sua autoridade. Em tempos de Revolução Francesa, reflexões desse tipo não podiam ser toleradas. Independente de seus motivos, elas, ao desarticularem a perspectiva religiosa oficial, colocavam em perigo toda a estrutura política e social. Daí toda a confusão gerada por sua publicação. Para piorar a situação, Pina Manique tinha certeza de que Caetano Alberto Dragazzi frequentava o círculo do cônsul dos Estados Unidos em Portugal, homem que o intendente vigiava de perto por considerá-lo sedicioso e adepto dos princípios revolucionários. Em seu entender, a intenção de ambos era fazer o povo português vacilar na religião que professavam para então contaminá-lo com as máximas jacobinas francesas. Embora não cite o nome do cônsul, é provável que se tratasse de Edward Church, uma vez que ele desempenhava aquela função desde 1792.47 47 Em 1789, Edward Church publicou um poema satírico intitulado “The dangerous vice”, ironizando a figura de John Adams. O poema está publicado em KETTEL, Samuel. Specimens of American Poetry with critical and biographical notices. Boston: S.G. Goodrich and co., 1829, v.1, p. 343-347. O cargo de ministro residente, por sua vez, era exercido por David Humphreys.

Ao final de tudo, a publicação da Medicina Theologica rendeu a Caetano Dragazzi alguns dias de prisão e degredo para a vila Torres Vedras.48 48 ANTT, Intendência Geral de Polícia, livro 197, f. 174. A partir de então, nenhuma notícia a mais sobre ele. Segundo a sua esposa, ele contraiu uma doença na prisão, em razão da qual morreria tempos depois.

Os manuscritos de Joaquim José Pedro da Veiga

Quatro anos após a prisão de Caetano Alberto Dragazzi, foi a vez do bacharel Joaquim José Pedro da Veiga, homem que vivia dos seus negócios, ser preso a mando da Intendência Geral de Polícia por causa de um manuscrito que escrevera. Intitulado “Respeitável Diretório, Sábios Iluminados e Magistrados”, o escrito nada mais era do que uma carta endereçada ao governo revolucionário da França solicitando que o mesmo fizesse imprimir e traduzir, para o francês, alemão e italiano, a obra “Igreja Eucarística ou Catecismo das Nações sobre o Sacerdócio, os Sacramentos e a Moral dos Costumes”, também ela de sua autoria. A carta, apesar de pequena - continha três fólios in quarto - apresentava um conteúdo altamente suspeito. Nela, Joaquim José louvava o heroísmo dos franceses, povo que, segundo ele, tinha reparado os “Direitos do Homem e da Sociedade” e conclamava-os a fazerem o mesmo com o Direito Divino. Em seu entender, a Igreja Católica, e mais precisamente o sacerdócio, havia estabelecido direitos eclesiásticos “quiméricos e fantásticos” com o único fim de sustentar o seu luxo e regalo: era preciso colocar o Evangelho em seu devido Trono e a Igreja “no seu legítimo tribunal”. O “Catecismo das Nações”, alegava, cumpria esse duplo objetivo e não tinha outro fim senão elevar a “religião cristã ao seu estado ótimo”. Por isso considerava tão importante que a França, escolhida por Deus para ser “a luz do mundo”, apoiasse e sustentasse a publicação de sua obra. Além do mais, a difusão do seu conteúdo entre os franceses contribuiria para “desafrontar a vossa nação daqueles opróbrios com que o fanatismo e a irreligião pretendem escurecer e denegrir a sua glória”. Glória que a tinha feito “mestra das ciências”, “senhora das nações”, protetora dos pobres, exaltadora dos humildes e carrasco dos grandes, depondo-os do Trono. E finalizava protestando a sua submissão ao Diretório francês.49 49 ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 8.220, f. 608-609.

A mensagem veiculada pelo manuscrito era forte e assentava-se no tripé louvor à ação revolucionária francesa, submissão ao governo revolucionário e crítica à Igreja Católica. Não foi à toa que Diogo Ignácio de Pina Manique considerou-a ímpia e sediciosa. No dia 8 de julho de 1798, cumpriu-se a ordem de prisão. Na mesma ocasião, foram apreendidos vários outros manuscritos na casa de Joaquim José Pedro da Veiga, dentre eles a obra, em três volumes, “Catecismo das Nações”.50 50 Ibidem, f. 598-602v. A carta enviada ao governo francês era apenas a ponta do iceberg.

Joaquim José Pedro da Veiga era descrito, por aqueles que o conheciam, como um homem pensativo, melancólico - com certa pendência para a loucura - e muito aplicado aos estudos de Teologia e de Sagradas Letras. Boa parte de seu tempo dedicava aos livros de religião. Destes, fizera particular estudo da Bíblia na versão traduzida pelo teólogo português Antônio Pereira de Figueiredo (1725-1797). Não tinha outros amigos, além dos livros, os quais ele trazia sempre à mão juntamente com a pena. Às vezes se sentia atacado pelo Diabo e julgava que não havia outro modo de vencer esses ataques senão estudando e meditando sobre as matérias teológicas. Noutros momentos, via a si próprio como um mensageiro de Deus, um reformador da sua Igreja.

Por conseguinte, todos os seus escritos eram sobre a religião católica. Destes, apenas uma instrução sobre a Penitência e a Comunhão foi impresso. Com o aval dos órgãos responsáveis pelo sistema de censura português, o texto “Instrução sobre os Sacramentos da Penitência e da Sagrada Comunhão do Corpo de Jesus Cristo para aqueles que não têm maiores estudos” foi publicado, em 1789, na oficina de Lino da Silva Godinho.51 51 Ibidem, f. 623. Era um discurso ortodoxo do ponto de vista doutrinal; nele, não havia nada que contrariasse os ensinamentos da Igreja. Mas Joaquim José não se limitou a essas reflexões mais ortodoxas.

Ciente de que o rei da Espanha pretendia fazer uma reforma no clero espanhol, o bacharel tomou a resolução de enviar-lhe um folheto, de sua autoria, “Demonstração sobre o modo da reformação do clero de qualquer reino católico”. Preocupava-o, sobretudo, a resistência que o papa e os bispos poderiam oferecer ao monarca espanhol e, por isso, fez questão de alertá-lo a respeito dos direitos que, como príncipe soberano, tinha tanto sobre o bispo como as demais pessoas de seu reino.52 52 Ibidem, f. 231v-232. Escrito o discurso e convencido de sua importância, remeteu uma carta ao médico da câmara real espanhola pedindo que entregasse uma carta ao duque de Alcudia.53 53 Dom Manoel de Godoi Alvares de Faria, Conde de Godoy (1767-1828). A este, por sua vez, recomendou a entrega de outra carta, desta vez ao rei, dentro da qual inseriu o referido folheto. O corregedor do bairro dos Romulares, responsável pela devassa aberta a mando da Intendência Geral de Polícia, tentou, sem sucesso, trazer o folheto da Espanha; o próprio duque teria lhe dito que não tinha visto tampouco recebido aquele papel. Infelizmente as informações são fragmentadas: não se sabe sequer quando o folheto e as cartas foram remetidos.

Além desse folheto, escreveu outros sobre a comunhão, a confissão, a extrema-unção e a castidade, também eles remetidos a terceiros. Ao frei Mathias da Conceição, confessor do príncipe português e morador no Convento de São José de Ribamar, disse ter enviado um papel sobre a castidade em que defendia não ser pecado a relação sexual entre o homem e a mulher, desde que ambos fossem solteiros. Porém, de todos os papéis que escrevera, o que teve maior repercussão foi o manuscrito “Igreja Eucarística ou Catecismo das Nações sobre o Sacerdócio, os Sacramentos e a Moral dos Costumes”. O folheto “Respeitável Diretório, Sábios Iluminados e Magistrados”, causa inicial de sua prisão pela Intendência de Polícia, nada mais era do que uma propaganda da sua obra “Catecismo das Nações”. Ele queria, a todo custo, fazê-la imprimir e circular pelas nações que haviam se afastado da religião católica. Na verdade, o seu objetivo principal era imprimi-la em Amsterdã, na Holanda. Alegava que lá as impressões eram mais cômodas, além disso, pensava que a sua localização no meio dos países protestantes facilitaria o propósito catequizador de seu escrito. Mas para isso ele precisava de dinheiro para bancar o custo da viagem e da impressão, o que ele não tinha. Optou, então, pelas cartas. A sua esperança era que alguém se interessasse pela matéria e fizesse publicar o seu escrito. Além da carta para o Diretório, escrevera outras para a República Batava, para d. Juan Bautista Soldevilla, médico da câmara real espanhola, e para um ministro francês residente na Espanha, sempre tomando o cuidado de ocultar o seu nome, recurso de que também se valera ao escrever os outros manuscritos. O “Catecismo das Nações”, por exemplo, trazia como autor o nome de Ivage Lisbonense.54 54 ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 8220, f. 7. Apenas duas dessas cartas estão datadas: as remetidas a d. Juan Bautista e ao ministro francês. Ambas teriam sido escritas em dezembro de 1796.

Ele estava tão convencido da importância de sua obra que não se contentou apenas com as cartas. Antes mesmo de enviá-las, ele já havia tirado cópias de seu “Catecismo” e remetido para a Inglaterra, Espanha, Holanda e França. Um dos destinatários foi o negociante Caetano Dias Santos, residente em Londres. Junto com a obra, uma carta de 3 de setembro de 1795 e assinada com o mesmo codinome Ivage Lisbonense pedia que o manuscrito fosse entregue na Câmara dos Comuns. “Remeterá V.M, sem perca de tempo, o Papel incluso àquele Deputado da Câmara dos Comuns que bem lhe parecer, pois que o objeto do presente Papel incluso é assaz importante a toda a Nação”, escrevera na missiva.55 55 Ibidem, f. 3. Desconfiado, o negociante decidira remeter a obra para João Dias Santos, seu irmão, correspondente e sócio nos negócios que morava em Lisboa. João Dias, por sua vez, horrorizado com o conteúdo e teor das doutrinas propostas, entregou o escrito a seu primo, o padre Francisco Alves de Carvalho. Este, após lê-lo atentamente, decidira remetê-lo ao Santo Ofício, o que de fato fez.56 56 Ibidem, f. 236v e ss.

Joaquim José Pedro da Veiga ficou 112 dias presos na cadeia do Castelo, onde foi inquirido como inconfidente. De lá foi mandado para a Inquisição de Lisboa por causa dos papéis que havia escrito sobre a religião católica. Um novo processo foi aberto e Joaquim José permaneceu mais dez meses preso nos cárceres do Santo Ofício. Entre a prisão inicial pela Intendência Geral de Polícia de Lisboa no dia 8 de julho de 1798 e a sentença final da Inquisição de Lisboa publicada em 13 de agosto de 1799 transcorreu pouco mais de um ano. Ao longo desse período ele foi interrogado várias vezes. Todo o seu processo contém 691 fólios, o que dá 1.382 páginas! Uma exceção no conjunto dos processos inquisitoriais executados no mesmo período. De todos os casos analisados, o dele é o mais completo do ponto de vista documental: ele não se limita às investigações feitas pelos inquisidores. Além de um amplo anexo, no qual é possível encontrar a devassa feita pela intendência, algumas cartas e folhetos que ele escreveu, os autos do processo trazem ainda uma cópia do “Catecismo”, o que era extremamente raro.

Tudo isso permite que se forme um quadro mais complexo das ideias avançadas pelo bacharel. Lidos isoladamente, o folheto “Respeitável Diretório” e o ofício dirigido por Pina Manique ao inquisidor-geral levam a crer que Joaquim José não era apenas um crítico da Igreja Católica, mas um partidário da Revolução Francesa e das liberdades introduzidas por ela. Pois no manuscrito, além de louvar o heroísmo dos franceses, ele defendeu os direitos dos homens e as investidas políticas feitas pelos franceses contra os nobres e o trono, em particular. Porém, quando se analisa o conjunto do seu processo, percebe-se que o problema não era tão simples.

Assim, embora ele tivesse protestado, com todas as letras, a importância de garantir e restaurar os direitos dos homens, a sua compreensão desses mesmos direitos não passava, por exemplo, pela defesa da liberdade e menos ainda da tolerância religiosa. A única doutrina que considerava verdadeira era a que estava contida nas Escrituras Sagradas. O seu desejo era que os franceses revolucionários espalhassem pelo mundo as doutrinas do Evangelho, restaurando aquilo que julgava ser o direito divino. De igual modo, não concebia a religião e a política como esferas separadas e com objetivos distintos, tal qual já havia anunciado, mais de cem anos antes, John Locke em sua Carta sobre a tolerância.57 57 LOCKE, John. Carta sobre a tolerância. Lisboa: Edições 70, 1987. Mas isso não quer dizer que o seu discurso estava isento de tensões e de rupturas em relação aos paradigmas que estruturavam a sociedade monárquica portuguesa. Para tanto, basta uma leitura atenta do manuscrito “Catecismo das Nações”.58 58 Parte do “Catecismo” está no processo. ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 8.220, f. 7-107.

O “Catecismo” foi construído com base na ideia de que só era válido e verdadeiro o que estava contido nas Escrituras Sagradas. Nelas estariam escritas todas as matérias necessárias aos bons costumes, à fé e à salvação. Cabia ao fiel lê-la e julgar se o que a Igreja mandava constava ou não na palavra divina. Em seu entender, muitas vezes a Igreja Católica propunha como doutrinas dogmáticas questões que nas Escrituras eram disciplinares e como mera disciplina questões dogmáticas. A Igreja, por si só, não tinha autoridade e poder para impor leis e preceitos aos fiéis. Na verdade, todas as leis eclesiásticas não passavam de tradições humanas, enfim, de meros conselhos.

Ao longo do “Catecismo das Nações”, Joaquim José formulou uma teologia nova e própria, usurpando a autoridade da Igreja Católica na gestão do sagrado. A Escritura Sagrada, acessível a todos os cristãos, era a única regra de fé. A Igreja, por conseguinte, não perdeu apenas o seu posto de intérprete infalível da Bíblia, ela teve a sua autoridade, leis e preceitos desacreditados. O purgatório, as missas, os sufrágios e as indulgências não passavam de mero invento humano, uma vez que não constavam no texto divino. Além disso, destruíam a verdadeira piedade, servindo apenas para sustentar o luxo, o regalo e “o ócio da multidão sem número do quimérico e inútil sacerdócio”, tudo isto com grave dano e prejuízo da sociedade.59 59 Ibidem, f. 435v. O culto das imagens era outra prática inventada e inútil aos fiéis. Nem Deus nem a Igreja pediam-na. A confissão auricular não era preceito divino, pois também não estava presente no texto bíblico. Os concílios gerais, por sua vez, não eram infalíveis. O papa não tinha primazia de jurisdição e de poder sobre os outros bispos; sua primazia era de honra, associação e economia. A hierarquia eclesiástica era composta apenas de bispos e diáconos. Todos os cristãos eram ministros de todos os sacramentos, exceto os da Crisma e da Ordem. A fornicação simples, praticada entre solteiros, não era pecado. O mandamento “não desejarás a mulher do próximo” não era preceito imposto por Deus, mas um simples conselho evangélico. O casamento se dissolvia pelo adultério feminino. Por causa do livre-arbítrio, o homem podia, se quisesse, fazer o bem e evitar o mal. Não havia suplícios nem penas eternas para os maus. Na verdade, os que morriam em pecado iam para determinados lugares e lá permaneceriam até o dia último, para só então serem julgados. O mesmo valia para os justos. Estes só receberiam os prêmios após o Juízo Universal.

Raros foram os pontos sobre os quais Joaquim José não se debruçou em seu “Catecismo”. Nem mesmo o Concílio de Trento escapou das suas reflexões. Sem entrar em detalhes, declarou que o modo como Trento propôs os dogmas necessários para a salvação estava fora “de todos aqueles princípios que a boa e sã teologia ensina e a mesma Escritura prescreve”.60 60 Ibidem, f. 525. Ao mesmo tempo, não dava mostras de afeição aos eclesiásticos; alegava que as leis e as tradições humanas haviam criado um sacerdócio que, pelo seu despotismo, mais pareciam soldados do anticristo do que ministros do Evangelho. Alegava que nos primeiros séculos da Igreja não havia sacerdotes, o que demonstrava não serem eles de instituição divina. Via os sacerdotes como um corpo numeroso e, muitas vezes, ocioso. Enfim, o seu discurso atingia o essencial da religião católica: ele destruía a autoridade da Igreja Católica, a hierarquia eclesiástica, disciplinas e dogmas, colocando outros em seu lugar. Mas isso não era tudo. Ele mesclou às suas reflexões a respeito da religião argumentos que incidiam diretamente sobre a soberania régia.

Na verdade, toda a sua argumentação acerca da centralidade da Bíblia e da autoridade dos fiéis em julgá-la por si próprios tinha como base principal a ideia de que a sociedade era a única depositária dos foros divino e humano. Noutras palavras, Deus havia entregado o poder soberano e divino aos povos. Por isso, nem os bispos nem os supremos magistrados podiam exercitar legitimamente o seu poder sem o “consenso dos povos”.61 61 Ibidem, f. 164v e f. 352v. Do mesmo modo, caso quisesse, a sociedade podia depor e eleger as autoridades da Igreja e do Estado. Era exatamente isso que dizia a 15a regra de fé que estabelecera no “Catecismo”: “só a sociedade é devido eleger as potestades de um e outro foro, divino e humano, tanto por ser ela a quem Deus unicamente constituiu depositária dos dois foros, como por ser o todo maior que a sua parte.”62 62 Ibidem, f. 352v. Ao mesmo tempo, era lícito que os magistrados, como protetores e defensores do direito divino e representantes da sociedade, depusessem os bispos e elegessem outros em seus lugares. Pelo mesmo motivo, considerava importante que as autoridades civis participassem dos concílios promovidos pela Igreja.63 63 Ibidem, f. 386. Por fim, nem o príncipe nem a Igreja podiam impor leis aos seus vassalos que estivessem em desacordo com a lei divina: assim, uma vez que a Escritura dizia “não matarás”, estava vedada aos poderes eclesiástico e civil a imposição da pena de morte.64 64 Ibidem, f. 496.

O bacharel Joaquim José fez muito mais do que estabelecer uma nova teologia em seu “Catecismo das Nações”, ele formulou uma doutrina acerca do poder político completamente oposta à vigente em terras lusas. Em seu discurso, nem a Igreja Católica nem o monarca eram os verdadeiros detentores da autoridade eclesiástica e civil. A autoridade residia no povo que a recebera diretamente de Deus; ele antecedia e estava acima dos interesses da Igreja e do Trono. “As Potestades do Foro divino e humano”, dizia, foram feitas “por amor da Sociedade, e não a Sociedade por amor das Potestades do Foro divino e humano”.65 65 Ibidem, f. 267. Difícil precisar a origem dessas afirmações. Ao longo da época moderna, diferentes teóricos postularam o caráter popular da autoridade política, afirmando que o poder político residia no povo. O teólogo francês João Gerson (1363-1429) foi um deles. Para ele, o governante não podia estar acima da lei tampouco possuir direitos absolutos sobre os bens dos súditos: na verdade, ele era parte da comunidade e, enquanto tal, limitado por suas leis e obrigado a buscar o bem comum. Essas ideias sofreram diversas apropriações e aprofundamentos nos séculos seguintes. Por volta dos anos 1510, John Mair, teólogo na Sorbonne, argumentou que “os reis são instituídos pelo bem do povo e não o oposto”.66 66 Apud SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 400. Era o povo quem delegava o poder ao príncipe que o exercia em seu nome. Na esteira dessas ideias, Jacques Almain, um de seus discípulos na Sorbonne, concedia ao povo o poder para depor o monarca sempre que o seu governo não estivesse beneficiando a sociedade, concorrendo para a sua destruição. O mesmo problema da soberania popular perpassou a teoria política produzida pelos jesuítas, em especial, a elaborada por Francisco Suarez (1548-1617), embora de forma menos radical. Nesse ponto, ao contrário do que havia sido defendido por homens como Mair e Almain, para os teóricos da Companhia, de um modo geral o povo se privava da soberania ao entregá-la ao rei.67 67 Ibidem, p. 391-461.

Ao mesmo tempo, homens como Marsílio de Pádua (1275-1342) já haviam contestado a supremacia do governo papal inclusive sobre a própria Igreja. Para ele, não cabia ao papa e muito menos aos cardeais convocarem concílios ou preencherem os cargos da Igreja, estas eram tarefas que diziam respeito tão somente ao poder secular.68 68 Ibidem, p. 42-43.

É possível que algumas dessas tradições interpretativas tivessem chegado, direta ou indiretamente, ao conhecimento do bacharel e contribuído para a formulação de seu discurso. De fato, as suas ideias pareciam estar mais próximas dos debates travados no início da época moderna do que do pensamento formulado pelo filósofo francês Jean Jacques Rousseau (1712-1778), embora, na prática, ambas desarticulassem os pressupostos que davam vida à teoria do direito divino dos reis, postulando em seu lugar paradigmas contratualistas.

Ao todo, Joaquim José Pedro da Veiga estabeleceu 28 regras teológicas em seu “Catecismo das Nações”. Destas, 19 foram criadas por ele mesmo e as outras extraídas da leitura que fizera dos irmãos Pedro (1610-1675) e Adrião (1609-1669) de Walenburch, dos textos de Francisco Véron (1575-1623) e do livro Análise sobre a Profissão da Fé, escrito pelo teólogo português Antônio Pereira de Figueiredo. Mas boa parte de sua doutrina, explicou aos inquisidores, retirou-a das reflexões que tinha feito ao ler a Bíblia. Nesse ponto, não obstante as tentativas dos inquisidores de verem no seu discurso correspondências com as ideias defendidas por Pelágio, por John Wycliffe e pelos reformadores modernos como Lutero e Calvino, ele insistia que as doutrinas avançadas em seu “Catecismo” eram fruto da leitura que havia feito das Escrituras e dos teólogos cristãos e ortodoxos, como eram os padres Santo Ambrósio, São Jerônimo, Santo Agostinho e tantos outros que havia consultado.69 69 ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 8.220, f. 453v-454.

De fato, sempre que questionado sobre a origem de suas proposições, prontamente citava uma ou outra passagem bíblica, em geral, trechos do Evangelho para justificar os seus argumentos. Explicou aos inquisidores que a sua doutrina sobre a dissolubilidade do matrimônio em caso de adultério da mulher foi formulada a partir do que havia lido no livro de Matheus. É bem provável que estivesse se referindo ao capítulo 19, versículo 9. Nele, Jesus, falando aos fariseus, teria dito “que todo aquele que repudiar sua mulher, se não é por causa da fornicação, e casar com outra, comete adultério”.70 70 FIGUEIREDO, Antônio Pereira de (Trad.). A sancta Bíblia: contendo o velho e o novo testamento. Londres: Na Officina de B. Bensley, 1821, p. 791. Procedeu da mesma forma em relação às outras afirmações: eram raras as vezes que não recorria ao texto bíblico para justificar o discurso formulado em seu “Catecismo”.

Por isso mesmo não foi fácil aos inquisidores dissuadi-lo de suas ideias. Tinha certeza do que havia lido na Bíblia e nos teólogos cristãos e ortodoxos, ele estava convencido da importância da doutrina que havia formulado em seu “Catecismo”. Tanto assim que chegara a dizer que só iria responder as perguntas dos inquisidores após a sua obra ser avaliada por três religiosos escolhidos por ele. Apesar do caráter inusitado do pedido, o tribunal não se opôs. O manuscrito foi então enviado para o frei beneditino José de Santa Escolástica. Em março de 1799 o parecer ficou pronto. Para o censor, o texto continha doutrinas novas, absurdas e destrutivas da fé e dos seus fundamentos.

Não era este o entendimento de Joaquim José ao escrever a sua obra e tentar publicá-la a todo custo. Ele sempre supôs estar prestando um serviço relevante a Deus. Julgava que ao reduzir todas as verdades da religião às Escrituras Sagradas seria capaz de atrair para a Igreja os infiéis, pois entendia que a disciplina e as leis eclesiásticas eram a causa de toda a divisão nos assuntos da fé; era preciso mostrar a eles o que era de direito divino e o que era de direito humano. Da mesma forma que Caetano Dragazzi, ele via a si próprio como um reformador da Igreja, um homem que trabalhava para o bem de Deus e da sociedade. Quando estava preso, chegou a pensar que Pina Manique ou mesmo José Seabra da Silva fariam um grande uso do seu “Catecismo das Nações”. Embora não tivesse enviado nenhuma cópia de seu manuscrito ao ministro Seabra da Silva, achava que ele pudesse ter pego algum dos exemplares que ele tinha mandado pelos correios da Corte e que, após lê-lo, estaria determinado a abolir as capelas. “Talvez por ele agora, em Portugal, se emendasse uma grande parte da disciplina e do dogma e outras várias extravagâncias”, todas causadoras de grandes prejuízos.71 71 ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 8.220, f. 340v. Incomodava-o não só as leis eclesiásticas, o luxo, o regalo e a ociosidade dos sacerdotes, mas a forma como os fiéis vivenciavam a religião. Neste ponto, as avultadas esmolas dadas tanto pelo culto das imagens quanto pelos sufrágios das almas e bulas era uma das práticas que mais detestava. Porém, não obstante a radicalidade de suas ideias, ele não queria romper com o cristianismo e muito menos com a ordem política lusa. As doutrinas que formulou encaminhavam-se para o bem da religião católica e da sociedade, ele não tinha qualquer intenção de ruptura.

Tanto assim que, após a censura do beneditino frei José de Santa Escolástica, Joaquim José mudou de resolução. Considerou desnecessário que se continuasse com as censuras: estava convencido dos seus erros, o processo podia, enfim, continuar. A partir de então passou a negar tudo o que havia defendido em seu “Catecismo”, chegando ao extremo de renunciar a sua defesa. Limitou-se a dizer que “o ânimo com que queria dar à luz a sua obra e Catecismo era de beneficiar a Igreja”.72 72 Ibidem, f. 520v. No fim, foi condenado a usar hábito penitencial e carocha com rótulo de heresiarca e dogmatista, reclusão no mosteiro de São Bento pelo tempo que os inquisidores julgassem necessário e pagamento das custas do processo. Os seus manuscritos, por sua vez, deveriam ser queimados. A sentença foi ouvida em agosto de 1799. Dali seguira para o mosteiro, onde permaneceu por seis meses. Passado este período, um despacho régio concedeu-lhe o perdão da reclusão e de quaisquer outros castigos que pudessem ter sido impostos.73 73 Ibidem, f. 678. Ele finalmente estava livre para voltar para casa.

O processo de Joaquim José Pedro da Veiga impressiona pela abundância de detalhes. Os manuscritos que ele escreveu, os livros que leu e o teor das suas conversas demonstram uma preocupação profunda com os assuntos religiosos, de modo particular, e com o bem da sociedade, de um modo geral. Na verdade, as duas dimensões estavam interligadas. Ele buscava uma religião e uma religiosidade assentadas única e exclusivamente na palavra divina, ou seja, na Bíblia. Tudo o mais não importava: purgatório, indulgências, missas, confissão vocal, o poder do papa e a existência da Inquisição. Todos esses elementos foram instituídos por leis criadas pelos eclesiásticos em benefício próprio e em prejuízo da sociedade e da verdadeira religião. Por meio de uma leitura própria e particular da Escritura Sagrada e dos teólogos cristãos ortodoxos, o bacharel Joaquim José formulou uma nova teologia cujos princípios desafiavam não apenas a autoridade e a soberania da Igreja Católica na gestão do sagrado, mas do próprio monarca luso na condução dos assuntos terrenos. Tanto um como o outro não passavam de simples administradores, em nome do povo - real detentor da autoridade divina -, dos assuntos espirituais e temporais.

Tudo isso foi expresso em seu “Catecismo das Nações”: ali estava condensada toda a sua doutrina acerca da Igreja e da religião. Por isso mesmo, trabalhara nele de forma incessante, o que resultou em diferentes versões do texto. O manuscrito apreendido pela Intendência Geral de Polícia, em julho de 1798, não era totalmente igual ao que havia sido entregue pelo padre Francisco Alves de Carvalho à Inquisição de Lisboa por volta de 1795. Mudara o título e, com o passar do tempo, aperfeiçoara a doutrina. A versão mais completa e acabada era a que tinha sido apreendida pela intendência: eram três volumes in quarto, manuscritos, com as folhas exteriormente douradas e encadernadas com papel impresso, em capa de cetim carmesim. Leno da Silva Godinho, o mesmo livreiro responsável pela sua única obra impressa, encadernara-o.74 74 Ibidem, f. 600v.

Apesar de seus esforços, a obra nunca foi impressa. É bem provável que a sua circulação tenha se limitado às cópias manuscritas que enviara pelos correios. Mas, independente disso, a sua doutrina circulou, ainda que de forma parcial e pontual, por meio das conversas que travava com um e outro. Expusera a certo Quintino, bacharel e juiz de fora nas terras do Alentejo, boa parte de suas ideias. Este, por sua vez, lhe mostrou um manuscrito, traduzido do francês, em que se falava contra a Inquisição e outras matérias de piedade e religião. O juiz de fora também nutria os seus próprios descontentamentos em relação à Igreja Católica. Na verdade, ele dizia só seguir a religião natural, não admitindo mais do que a existência de um Deus. Todo o resto, alegava, não passava de quimeras e invenção humana.75 75 Ibidem, f. 318v. Joaquim José chegou a pensar em ir com Quintino para a França ou para a Holanda, mas acabou desistindo por perceber que o juiz de fora não passava de “um indiferentista formal”. Frequentou a casa de certo Fortunato José de Almeida, homem que falava com liberdade sobre a Inquisição, o sacerdócio e a abstinência de carne.76 76 Ibidem, f. 484. Conversara com muitos outros. Todos igualmente críticos da Igreja Católica.

Fontes

  • ANTT, Intendência Geral de Polícia, livros 3-7 e 197.
  • ANTT, Manuscritos da Livraria, nos 1.484 e 2.007.
  • ANTT, Ministério do Reino, mç. 453, cx. 567-568 e mç. 454, cx. 569.
  • ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, Cadernos do Promotor, livros 318/129o e 319/130o
  • ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processos 8.220, 13.541, 14.048, 15.275, 16.094, 16.335.
  • AUTOS AUTOS da devassa - Prisão dos letrados do Rio de Janeiro - 1794. Rio de Janeiro: Eduerj, 2002.
  • BNP, códices 13032//2, 13056 e 13057.
  • CARTA CARTA de lei de 17 de dezembro de 1794 1794. Disponível em:<Disponível em:http://www.governodosoutros.ics.ul.pt/?menu=arquivo >. Acesso em: 19 jan. 2015.
    » http://www.governodosoutros.ics.ul.pt/?menu=arquivo
  • COLLECÇÃO COLLECÇÃO dos decretos, resoluções e ordens das côrtes geraes, extraordinárias e constituintes da nação portuguesa, desde a sua instalação em 26 de janeiro de 1821 Coimbra: Na Imprensa da Universidade, 1822.
  • FIGUEIREDO, Antônio Pereira de(Trad.). A Sancta Bíblia: contendo o velho e o novo testamento. Londres: Na Officina de B. Bensley, 1821.
  • FRANCO, Francisco de Melo. Medicina Teológica São Paulo: Editora Giordano, 1994.
  • KETTEL, Samuel. Specimens of American Poetry with critical and biographical notices Boston: S.G. Goodrich and co., 1829, v.1.
  • KETTEL, Samuel. Lettres écrites de Portugal sur l’état ancien & actuel de ce royaume Traduites de l’anglais, suivies du portrait historique de M. le Marquis de Pombal. Paris: Chez l. Cellot, 1780.
  • LOCKE, John. Carta sobre a tolerância Lisboa: Edições 70, 1987.
  • LOCKE, John Tableau de Lisbonne en 1796; suivi de Lettres écrites de Portugal sur l’état ancien et actuel de ce royaume. Paris: H.J. Jansen, 1797.

Referências bibliográficas

  • ALVES, José Augusto dos Santos. A opinião pública em Portugal (1780-1820). Lisboa: Universidade Autónoma de Lisboa, 2000.
  • ALVES, Patrícia Woolley Cardoso Lins. D. João de Almeida Portugal e a revisão do processo dos Távoras: conflitos, intrigas e linguagens políticas em Portugal nos finais do Antigo Regime (c.1777-1802). 2011. 330f. Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2011.
  • BARATA, Alexandre Mansur. Maçonaria, Sociabilidade Ilustrada & Independência do Brasil (1790-1822). São Paulo: Annablume, 2006.
  • BLANKETT, John. Letters from Portugal on the Late and Present State of that Kingdom Londres: Printed for J. Almon, [1777].
  • CANFORA, Luciano. Bonaparte libertador. Estudos Avançados, v. 22, n. 62, p. 119-127, 2008.
  • DARNTON, Robert. Edição e sedição: o universo da literatura clandestina no século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
  • DELUMEAU, Jean. A confissão e o perdão: a confissão católica (séculos XIII a XVIII). São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
  • DIAS, Graça; DIAS, J. S. da Silva. Os primórdios da maçonaria em Portugal Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1986, v. 1.
  • ELDER, Flávio Coelho; FREITAS, Ricardo Cabral de. O “imperscrutável vínculo” corpo e alma na medicina lusitana setecentista. Varia História, Belo Horizonte, v. 29, n. 50, p. 435-452, maio/ago. 2013.
  • HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções (1789-1848). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014.
  • MARTINS, Maria Teresa Payan. A censura literária em Portugal nos séculos XVII e XVIII Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005.
  • PAQUETTE, Gabriel(Ed.). Enlightened Reform in Southern Europe and its Atlantic Colonies, c.1750-1830. Farnham: Ashgate, 2009.
  • RAMOS, Luís A. de Oliveira. Um marginal do século XVIII: o jacobino Manuel Negreiros. In: Estudos de história contemporânea portuguesa Porto: Livros Horizonte, 1991, p. 83-91.
  • SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
  • 1
    Carta de Lei de 17 de dezembro de 1794. Disponível em: <http://www.governodosoutros.ics.ul.pt/?menu=arquivo>. Acesso em: 19 jan. 2015.
  • 2
    Autos da devassa — Prisão dos letrados do Rio de Janeiro — 1794. Rio de Janeiro: Eduerj, 2002.
  • 3
    Para uma discussão sobre a relação entre a maçonaria e a Revolução Francesa ver DIAS, Graça; DIAS, J. S. da Silva. Os primórdios da Maçonaria em Portugal. Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1986, v. 1, t. 1, p. 156-163 e p. 287-288. BARATA, Alexandre Mansur. Maçonaria, sociabilidade ilustrada e Independência do Brasil. São Paulo: Annablume, 2006.
  • 4
    HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções (1789-1848). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014, p. 134-154. CANFORA, Luciano. Bonaparte libertador. Estudos Avançados, v. 22, n. 62, p. 119-127, 2008.
  • 5
    ALVES, José Augusto dos Santos. A opinião pública em Portugal (1780-1820). Lisboa: Universidade Autónoma de Lisboa, 2000.
  • 6
    ANTT, Intendência Geral de Polícia, livro 5, f. 320v-321.
  • 7
    ANTT, Intendência Geral de Polícia, livro 3, f. 148.
  • 8
    ANTT, Intendência Geral de Polícia, livro 6, f. 108v-109.
  • 9
    ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, liv. 318/129o Cadernos do Promotor (1740-1761), f. 368.
  • 10
    ANTT, Ministério do Reino, mç. 453, cx. 568.
  • 11
    ANTT, Intendência Geral de Polícia, livro 6, f. 24v-25 e f. 54v-55.
  • 12
    DARNTON, Robert. Edição e sedição: o universo da literatura clandestina no século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 21.
  • 13
    ANTT, Ministério do Reino, mç. 454, cx. 569.
  • 14
    Autos da devassa — Prisão dos letrados do Rio de Janeiro — 1794ANTT, Manuscritos da Livraria, nos 1.484 e 2.007., op. cit., p. 70
  • 15
    ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 16094, f. 5.
  • 16
    ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 13541, f. 3v.
  • 17
    ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 14048, f. 38.
  • 18
    ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 16335, f. 2.
  • 19
    ANTT, Intendência Geral de Polícia, livro 5, f. 188 e f. 207v-208.
  • 20
    ANTT, Intendência Geral de Polícia, livro 3, f. 294v-297.
  • 21
    ANTT, Intendência Geral de Polícia, livro 4, f. 240v-241.
  • 22
    No Santo Ofício não consta nenhum processo, sumário ou denúncia em nome de Manuel Telles de Negreiros, mas há um material considerável sobre Manuel Felix de Negreiros. É bem provável que eles sejam a mesma pessoa. ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 15275. ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, liv. 319/130º Cadernos do Promotor (1769-1790), f. 5-5v e f. 79-79A. ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 16335. DIAS, Graça; DIAS, J. S. da Silva. Os primórdios da Maçonaria em Portugal, op.cit., p. 257-258. RAMOS, Luís A. de Oliveira. Um marginal do século XVIII: o jacobino Manuel Negreiros. In: Estudos de História contemporânea Portuguesa. Porto: Livros Horizonte, 1991, p. 83-91.
  • 23
    ANTT, Intendência Geral de Polícia, livro 7, f. 254v-255.
  • 24
    Consultar a documentação produzida pela Inquisição Portuguesa, em especial, os Cadernos do Promotor.
  • 25
    ANTT, Ministério do Reino, mç. 453, cx. 567. Varnhagen, Inocêncio Francisco da Silva, Teófilo Braga e Sacramento Blake atribuíram ao médico mineiro Francisco de Mello Franco (1757-1822) a autoria da obra anônima Medicina Theologica. Entretanto, não há indícios que permitam confirmar essa autoria. De acordo com os documentos consultados, o seu autor foi o português, descendente de italianos, Caetano Alberto Dragazzi.
  • 26
    ANTT, Manuscritos da Livraria, no 1.484.
  • 27
    Collecção dos decretos, resoluções e ordens das côrtes geraes, extraordinárias e constituintes da nação portuguesa, desde a sua instalação em 26 de janeiro de 1821. Coimbra: Na Imprensa da Universidade, 1822, p. 209.
  • 28
    ANTT, Intendência Geral de Polícia, livro 195, f. 167 e f. 176.
  • 29
    [BLANKETT, John]. Letters from Portugal on the Late and Present State of that Kingdom. Londres: Printed for J. Almon, [1777]. Para as cópias manuscritas ver ANTT, Manuscritos da Livraria, no 2.007; BNP, códices 13.032//2, 13.056 e 13.057.
  • 30
    [BLANKETT, John]. Letters from Portugal on the Late and Present State of that Kingdom, op. cit., p. 35.
  • 31
    Tableau de Lisbonne en 1796; suivi de Lettres écrites de Portugal sur l’état ancien et actuel de ce royaume. Paris: H. J. Jansen, 1797. Pina Manique considerava o livro Tableau de Lisbonne ímpio e sedicioso. Por volta de 1798, ele confiscou dois exemplares do livro que pertenciam ao ministro da Suécia. ANTT, Intendência Geral de Polícia, livro 5, f. 245v-246.
  • 32
    BNP, códice 13.032//2.
  • 33
    ALVES, Patrícia Woolley Cardoso Lins. D. João de Almeida Portugal e a revisão do processo dos Távoras: conflitos, intrigas e linguagens políticas em Portugal nos finais do Antigo Regime (c.1777-1802). 2011. 330f. Tese (Doutorado em História) — Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2011.
  • 34
    ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 8.220.
  • 35
    Lettres écrites de Portugal sur l’état ancien & actuel de ce royaume. Traduites de l’anglais, suivies du portrait historique de M. le Marquis de Pombal. Paris: Chez l. Cellot, 1780.
  • 36
    VILLALTA, Luiz Carlos. Montesquieu’s Persian Letters and Reading practices in the luso-brazilian world (1750-1802)” In: PAQUETTE, Gabriel (Ed.). Enlightened Reform in Southern Europe and its Atlantic Colonies, c.1750-1830. Farnham: Ashgate, 2009, p. 130.
  • 37
    MARTINS, Maria Teresa Esteves Payan. A Censura Literária em Portugal nos séculos XVII e XVIII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005, p. 692.
  • 38
    ELDER, Flávio Coelho; FREITAS, Ricardo Cabral de. O “imperscrutável vínculo” corpo e alma na medicina lusitana setecentista. Varia História, Belo Horizonte, v. 29, n. 50, p. 435-452, maio/ago. 2013.
  • 39
    ANTT, Ministério do Reino, mç. 453, cx. 567.
  • 40
    Idem.
  • 41
    DELUMEAU, Jean. A confissão e o perdão: a confissão católica (séculos XIII a XVIII). São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
  • 42
    FRANCO, Francisco de Melo. Medicina teológica. São Paulo: Editora Giordano, 1994, p. 4.
  • 43
    Ibidem, p. 57.
  • 44
    Ibidem, p. 48.
  • 45
    Ibidem, p. 106.
  • 46
    Ibidem, p. 146.
  • 47
    Em 1789, Edward Church publicou um poema satírico intitulado “The dangerous vice”, ironizando a figura de John Adams. O poema está publicado em KETTEL, Samuel. Specimens of American Poetry with critical and biographical notices. Boston: S.G. Goodrich and co., 1829, v.1, p. 343-347. O cargo de ministro residente, por sua vez, era exercido por David Humphreys.
  • 48
    ANTTANTT, Intendência Geral de Polícia, livros 3-7 e 197., Intendência Geral de Polícia, livro 197, f. 174.
  • 49
    ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 8.220, f. 608-609.
  • 50
    Ibidem, f. 598-602v.
  • 51
    Ibidem, f. 623.
  • 52
    Ibidem, f. 231v-232.
  • 53
    Dom Manoel de Godoi Alvares de Faria, Conde de Godoy (1767-1828).
  • 54
    ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 8220, f. 7.
  • 55
    Ibidem, f. 3.
  • 56
    Ibidem, f. 236v e ss.
  • 57
    LOCKE, John. Carta sobre a tolerância. Lisboa: Edições 70, 1987.
  • 58
    Parte do “Catecismo” está no processo. ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 8.220, f. 7-107.
  • 59
    Ibidem, f. 435v.
  • 60
    Ibidem, f. 525.
  • 61
    Ibidem, f. 164v e f. 352v.
  • 62
    Ibidem, f. 352v.
  • 63
    Ibidem, f. 386.
  • 64
    Ibidem, f. 496.
  • 65
    Ibidem, f. 267.
  • 66
    Apud SKINNER, QuentinSKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 400.
  • 67
    Ibidem, p. 391-461.
  • 68
    Ibidem, p. 42-43.
  • 69
    ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 8.220, f. 453v-454.
  • 70
    FIGUEIREDO, Antônio Pereira de (Trad.). A sancta Bíblia: contendo o velho e o novo testamento. Londres: Na Officina de B. Bensley, 1821, p. 791.
  • 71
    ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 8.220, f. 340v.
  • 72
    Ibidem, f. 520v.
  • 73
    Ibidem, f. 678.
  • 74
    Ibidem, f. 600v.
  • 75
    Ibidem, f. 318v.
  • 76
    Ibidem, f. 484.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2019

Histórico

  • Recebido
    11 Out 2017
  • Aceito
    24 Fev 2018
Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro Largo de São Francisco de Paula, n. 1., CEP 20051-070, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Tel.: (55 21) 2252-8033 R.202, Fax: (55 21) 2221-0341 R.202 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: topoi@revistatopoi.org