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Todos temos um retrato: indivíduo, fotografia e memória no contexto do desaparecimento de pessoas* * Tradução do castelhano de Leda Beck.

Resumos

Como na construção de um origami, as imagens que representam o desaparecimento de pessoas na Argentina e a ação terrorista do Estado durante os anos 1970 dobram-se e redobram-se repetidamente, até compor uma nova figura. Essas dobraduras, como os papéis coloridos que são dobrados, têm a ver com as descobertas, as manipulações, a circulação e os usos de fotos que se propõem como representação da situação-limite do desaparecimento. Este texto percorrerá quatro cenas de análise sobre as modificações que as imagens sofrem a partir dos contextos de enunciação utilizados: o uso público da imagem do desaparecido como denúncia, a fotografia na esfera doméstica para diferenciar sua morte de outras, o uso do retrato do filho desaparecido sobre o corpo das Mães da Plaza de Maio e, finalmente, a circulação dos retratos fotográficos em instituições de memória, como museus e arquivos.

memória; situação-limite; fotografia; desaparecidos; Argentina.


As in an origami, images representing missing people in Argentina and actions of State terrorism during the 1970s are bent and folded multiple times, until they create another image. Such folds relate to the findings, manipulation, circulation, and uses of pictures proposed as representation of the extreme situation of the disappearance. This article covers four frames of analysis about the modifications that images undergo according to the discourse contexts in which they are used: the public use of the missing person's image as denunciation, the photography within the domestic sphere to differentiate his/her death from other deaths, the use of the missing relative's portrait over the body of the Mothers of the Plaza de Mayo, and finally the circulation of photographic portraits in memory institutions such as museums and archives.

memory; extreme situations; photography; missing persons; Argentina.


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  • *
    Tradução do castelhano de Leda Beck.
  • 1
    Parte desta abordagem foi publicada em SILVA CATELA, Ludmila da. Lo invisible revelado. El uso de fotografías como (re) presentación de la desaparición de personas en Argentina. In: FELD, Claudia; STITES MOR, Jessica (Ed.). El pasado que miramos. Memoria e imagen ante la historia reciente. Buenos Aires: Paidós. 2009. p. 337-361. O material empírico sobre o qual se reflete neste trabalho é parte de nossas investigações sobre situações-limite e memória e de nossos trabalhos de campo em La Plata, Jujuy e Córdoba. Resulta também de nossa experiência de trabalho, desde 2007, como diretora do Arquivo Provincial da Memória de Córdoba.
  • 2
    HALBWACHS, Maurice. La memoria colectiva. Prensas Universitarias de Zaragoza, 2004. p. 143.
  • 3
    HUYSSEN, Andreas. Prólogo. Medios y memoria. In: FELD, Claudia; STITES MOR, Jessica (Ed.). El pasado que miramos. Memoria e imagen ante la historia reciente. Buenos Aires: Paidós, 2009. p. 15-24.
  • 4
    Sabemos da força da fotografia como prova e, embora aceitemos que não pode ser analisada como um espelho da realidade, tampouco se lhe pode negar a relação com o caráter icônico e indicial, que, segundo Peirce, ao se tratar de uma representação por conexão física do signo com seu referente, não pode ser mais que a pegada de uma realidade. GARCIA DE MOLERO, Írida; FARIAS DE ESTANY, Jenny. La especificidad semiótica del texto fotográfico. Opción, v. 23, n. 54, p. 100-113, dez. 2007.
  • 5
    Durante o julgamento ocorrido em Córdoba, entre maio e julho de 2008, onde se julgaram oito militares por crimes de lesa-humanidade, os familiares de desaparecidos levaram as fotos e, no momento em que se leu a sentença, elas povoaram a sala.
  • 6
    Para uma reflexão sobre a ideia de que a noção de desaparecido passa a ser, na Argentina, uma nova noção de pessoa, moldada em leis e decretos, ver SILVA CATELA, Ludmila da. No habrá flores en la tumba del pasado. La experiencia de reconstrucción del mundo de los familiares de desaparecidos. La Plata: Al Margen Editorial, 2001.
  • 7
    BOURDIEU, Pierre. La fotografía: un arte intermedio. México: Nueva Imagen, 1989.
  • 8
    Diante da sensação estática, unitária e substantiva que costuma suscitar a ideia de lugar, a noção de território refere-se às relações ou ao processo de articulação entre os diversos espaços marcados e às práticas de todos aqueles envolvidos no trabalho de produção de memórias sobre a repressão; ressalta os vínculos, a hierarquia e a reprodução de um tecido de espaços que poderia ser representado por um mapa. Ao mesmo tempo, as propriedades metafóricas da noção de território levam-nos a associá-lo a conceitos como conquista, litígios, deslocamentos ao longo do tempo, variedade de critérios de demarcação, de disputas, de legitimidades, direitos, "soberanias". Ensaiamos o uso desta categoria em SILVA CATELA, Ludmila da. No habrá fl ores en la tumba del passado, op. cit.
  • 9
    Os trabalhos que analisam as representações da morte fazem uma distinção polar entre o que é considerado "boa" ou "má" morte. A primeira resulta da velhice, é a morte ao fi nal da vida. A segunda é associada às mortes violentas, prematuras ou inesperadas. Ver: ARIÈS, Philippe. Essais sur l'historie de la mort en Occident. Du Moyen Age à nos jours. Paris: Éditions du Seuil, 1975; _____. O homem diante da morte. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982; ELIAS, Norbert. La soledad de los moribundos. México: Fondo de Cultura Económica, 1989; e HERTZ, Robert. La muerte y la mano derecha. Madri: Alianza Universidad, 1990 [1917].
  • 10
    KOURY, Mauro (Org.). Imagem e memória. Ensaios em antropologia visual. Rio de Janeiro: Garamond, 2001. p. 71.
  • 11
    Ibidem.
  • 12
    Em outro texto, fi zemos uma análise pormenorizada da exposição "Identidade do detido desaparecido", mostra sobre a trajetória dos desaparecidos, contada em painéis com fotos e outros objetos que representavam suas vidas. SILVA CATELA, Ludmila da. Historias de vida y humor. Dos estrategias para exponer el pasado de violencia política en Argentina y Brasil. Entrepasados: Revista de Historia, Buenos Aires, n. 18-19, p. 89-111, 2000. De maneira mais breve, também analisamos a exposição sobre a "Busca da identidade" dos fi lhos de desaparecidos, exposta no Centro Cultural Recoleta, em BuenosAires, onde havia um espelho entre cada duas fotos de um casal desaparecido. Com essa mostra, as Avós da Plaza de Mayo pretendiam abrir a possibilidade de que jovens visitantes da mostra, ao ver refl etidos seus rostos nos espelhos, se identifi cassem com as fotos de seus possíveis pais. SILVA CATELA, Ludmila da. Un juego de espejos: violencia, identidades, nombres. Un análisis antropológico sobre las apropiaciones de niños durante la última dictadura militar argentina. Telar: Revista del Instituto Interdisciplinario de Estudios Latinoamericanos, Tucumán, v. 1, n. 2, [p. 89-100], 2005. Disponível em: <http://www.filo.unt.edu.ar/centinti/iiela/revista_telar/revistas/telar2-3.pdf>
  • 13
    Victor Melchor Basterra, então operário gráfico, foi sequestrado em 1979 e permaneceu preso clandestinamente na Esma até a restauração da democracia em 1983. Durante o período, entre outras tarefas que lhe eram ordenadas pelos sequestradores, devia tirar fotografias dos detidos para os arquivos policiais e, por isso, tinha acesso aos negativos. Quando saiu, levou consigo o material, depois apresentado como documentação da denúncia do que ali se passara.
  • 14
    Anteriormente Escola Superior de Mecânica da Armada (Esma), era uma unidade da Marinha que ficava em Buenos Aires, tornando-se o mais emblemático centro clandestino de detenção. (N. da T.)
  • 15
    Ver BRODSKY, Marcelo. Memoria en construcción. El debate sobre la Esma. Buenos Aires: La Marca Editora, 2005.
  • 16
    DIDI-HUBERMAN, Georges. Imágenes pese a todo. Memoria visual del Holocausto. Barcelona: Paidós, 2004.
  • 17
    Gíria policial argentina: pessoa com os olhos vendados. (N.T.)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Jun 2012

Histórico

  • Recebido
    23 Nov 2011
  • Aceito
    05 Abr 2012
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