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O Brasil e a questão colonial: Liberato e O Campeão Português em Lisboa (1822-23)

Brazil and the colonial issue: Liberato and O Campeão Português em Lisboa (1822-23)

Brasil y la cuestión colonial: Liberato y O Campeão Português em Lisboa (1822-23)

RESUMO

O século XIX iniciou como tinha terminado o anterior, com as lutas pela independência das colônias americanas face às monarquias coloniais europeias. As ideias de nação e de povo que a constitui, de opinião pública que lhes dá uma identidade conjunta, transpareciam ou davam uma nova consistência à literatura de todos os publicistas liberais dos inícios do ­Oitocentos, isto é, a ligação imediata entre pensamento e ação. Esta ligação era o embasamento do conceito de mudança na nova forma de encarar a política, como saber e como método de compreensão do mundo. A Independência do Brasil no contexto mundial em que aconteceu, contribuiu para a teorização e debate da ideia colonial, de império e imperialismo. Sem pretendermos esgotar o assunto, procuramos estabelecer aqui uma ponte de compreensão entre esse debate na atualidade, e na época em que aconteceu.

Palavras-chave:
Independência do Brasil; colonialismo; liberalismo; constitucionalismo; jornalismo de opinião

ABSTRACT

The 19th century began as the previous one had ended, with the struggles for the independence of the American colonies against the European colonial monarchies. The ideas of the nation and of the people that constitute it, of public opinion that gives them a joint identity, were or gave a new consistency to the literature of all the liberal publicists of the early eight hundred, that is, the immediate link between thought and action. This connection was the basis of the concept of change in the new way of looking at politics, as knowledge and as a method of understanding the world. The independence of Brazil in the world context in which it happened contributed to the theorization and debate of the colonial idea, of empire and imperialism. Without wanting to exhaust the subject it is intended to establish here a bridge of understanding, between this debate today and at the time it happened.

Keywords:
Independence of Brazil; colonialism; liberalism; constitutionalism; opinion journalism

RESUMEN

El siglo XIX comenzó como había terminado el anterior, con las luchas por la independencia de las colonias americanas de las monarquías coloniales europeas. Las ideas de nación y pueblo que la constituyen, de opinión pública que les da una identidad conjunta, transpiraron o dieron una nueva consistencia a la literatura de todos los publicistas liberales de principios del siglo XIX, es decir, la conexión inmediata entre pensamiento y acción. Esta conexión fue la base del concepto de cambio en la nueva forma de ver la política, como conocimiento y como método de comprensión del mundo. La Independencia de Brasil en el contexto global en el que se dio, contribuyó a la teorización y debate de la idea colonial, imperio e imperialismo. Sin pretender agotar el tema, buscamos establecer aquí un puente de entendimiento entre este debate de hoy, y en el momento en que ocurrió.

Palabras clave:
Independencia de Brasil; colonialismo; liberalismo; constitucionalismo; periodismo de opinión

A complexidade das relações políticas e culturais que explicam o mundo moderno, tem vindo a ser estudada e aprofundada sob diversas perspectivas ou mundivisões, e de forma transdisciplinar por diferentes áreas do saber. A metodologia do artigo adotará, pois, a transdisciplinaridade própria de uma história intelectual e das ideias. Na relação dinâmica entre fato e ideia, temos como objetivo central a compreensão da experiência humana num dado momento, pressupondo um contexto social, bem como uma tradição intelectual (KELLEY, 1987KELLEY, Donald. Horizons of Intellectual History: Retrospect, Circunspect, Prospect in History of Ideas, cannons and variations. Journal of the History of Ideas, v. 48, n. 1, p. 143-169, jan.-mar. 1987.). Nessa linha estabeleceremos diálogos entre autores através de várias fontes escritas, centralizando, porém, na fonte escolhida, o jornal O Campeão Português em Lisboa.

Se os impérios antigos foram dando lugar ou coexistindo com os Estados-nação, a verdade é que estes últimos não se abstiveram das chamadas conquistas traduzidas em expansão marítima e territorial, criando novas formas de império comerciais e/ou coloniais com ou sem a figura tradicional do imperador. Do diálogo entre as práticas imperiais milenares e os vários tipos de nacionalismo (BURBANK; COOPER, 2016BURBANK, Jane; COOPER, Frederick. Império, direitos e cidadania, de 212 a 1946. In: XAVIER, Angela Barreto; SILVA, Cristina Nogueira da. O governo dos outros - poder e diferença no Império Português. Lisboa: ICS. 2016.), interessa-nos aqui circunscrever àqueles impérios que se foram construindo a partir de estados-nação estruturados em torno do conceito de soberania, e da leitura que dela fez o liberalismo com as várias fragmentações, transferências e representatividades, abrindo o caminho aos impérios coloniais por duas vias em simultâneo, a do princípio do comércio livre e a da expansão territorial noutros continentes. Este processo complexo, iniciado nos séculos XV/XVI (ALEXANDRE, 2004ALEXANDRE, Valentim. O Império português (1825-1890): ideologia e economia. Análise Social, Lisboa, v. XXXVIII, n. 169, p. 959-979, 2004., p. 959), com resultados idênticos a ritmos diferenciados para as regiões envolvidas, fez coincidir temporalmente vários tipos de organização política, algumas em decadência como alguns dos impérios dinásticos, outros a florescer enquanto estruturas culturais e políticas, os impérios coloniais e as várias formas de dominação política e econômica de imperialismo globalizado. O conceito de império engloba os de colonialismo e imperialismo: impérios são organizações políticas expansivas, militarizadas, e multinacionais, e que colocam limites na soberania política dos governos da sua periferia. No colonialismo, os governos ou povos conquistados não foram só governados por conquistadores estrangeiros, mas configurados como inferiores aos ocupantes, inferiores em termos legais, administrativos, sociais e culturais. O imperialismo, por seu lado, envolve controle político de terras estrangeiras, sem a anexação de terra ou soberania (STEINMETZ, 2019STEINMETZ, George. Empire and Colonialism. Oxford Bibliographies. Disponível em:Disponível em:https://www.oxfordbibliographies.com/view/document/obo-9780199756384/obo-9780199756384-0090.xml . Acesso em: 10 dez. 2021.
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).

Este movimento desigual e combinado entre os vários pontos do globo foi o motor das interconexões e da dinâmica de mudança que carateriza a história contemporânea, cuja análise e síntese se procura, enquanto princípio científico, tenha uma posição crítica quanto à aplicação de categorias universais, não enquanto tais, mas pela forma como têm sido usadas pela historiografia tradicional, como espelho do Ocidente, para avaliar as histórias de outros povos. Acompanhando Frederick Cooper, devemos ir além de tratar a modernidade, o liberalismo, a cidadania ou a igualdade burguesa como se fossem doutrinas fixas contidas em si mesmas, não afetadas pelas apropriações e reformulações a elas dadas, pelos processos de mobilização política em todos os continentes (COOPER, 2008COOPER, Frederick. Conflito e conexão: repensando a História Colonial da África. Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 27, 2008., p. 56).

O século XIX iniciou como tinha terminado o anterior, com as lutas pela independência das colônias americanas face às monarquias coloniais europeias. Se a Guerra dos Sete Anos (1756-1763)1 1 A Guerra dos Sete Anos decorreu de 1756 a 1763. Uniu os principais reinos europeus contra a França de Luís XV, acabando por envolver as respectivas possessões ultramarinas. veio demonstrar a existência de um mundo globalizado, no qual uma guerra iniciada na Europa envolveu outros continentes e as respectivas colônias; veio, também, demonstrar a existência de elites coloniais dispostas a lutar e contribuir para o governo das metrópoles, ao mesmo tempo que se capacitavam do seu poder, enquanto agentes de mudança. A paz entre a Inglaterra e os Estados Unidos da América estabelecida no Tratado de Versailles de 1783, que culminou na declaração de Independência daquela colônia americana feita em 1776, veio, em termos coloniais, pôr um término nas disposições iniciadas no Tratado de Paris no final da mencionada Guerra dos Sete Anos. Mais importante, veio demonstrar a possibilidade de independência a todas as colônias, bem como, dar uma ideia dos que seriam os excluídos desse processo de capacitação.

As revoluções, americana, haitiana, e sul americana aconteceram num mundo configurado por impérios com as suas políticas internas e externas. O ‘homem livre inglês’ da América do Norte declarou os seus direitos de inglês contra o parlamento inglês e quis criar um ‘império da liberdade’. Índios e escravos não teriam lugar nesse novo governo (BURBANK, 2012BURBANK, Jane. Empires and Transformation. In: TOMOHIKO, Uyama(ed.). Comparing Modern Empires: Imperial Rule and Decolonization in the Changing World Order. Hokkaido University, 2012., p. 20-21).2 2 Tradução nossa. No original: “The American, Haitian, and Latin American revolutions took place in a world configured by empires and their internal and external politics. The ‘freeborn Englishman’ in North America claimed his English rights against the English parliament and sought to create an ‘Empire of Liberty’. Indians and slaves were not to have a place in the new polity.”

Se os Estados Unidos optaram por uma República Federal, Napoleão do outro lado do Atlântico procurava erguer o seu império, por todas as formas de organização política conhecidas. “O império de Napoleão tinha uma política diferenciada: partes incorporadas numa estrutura central, outras governadas pelos seus parentes, por dinastias antigas cooperando com o regime, por autoridade militar direta, ou por sistemas de alianças” (­BURBANK, 2012BURBANK, Jane. Empires and Transformation. In: TOMOHIKO, Uyama(ed.). Comparing Modern Empires: Imperial Rule and Decolonization in the Changing World Order. Hokkaido University, 2012., p. 21).3 3 Tradução nossa. No original: “Napoleon’s empire was a differentiated polity: parts incorporated into a core structure, others ruled by his relatives, by old dynasties cooperating with the regime, by direct military authority, or by systems of alliances.”

O que fundamentava a modernidade desta ideia de império era a tentativa de centralização político/administrativa através do chamado código de Napoleão, espécie de Carta Constitucional, que a partir da ideia de equidade perante a lei, procurava acabar com os privilégios da sociedade do Antigo Regime. Mencionar aqui Napoleão torna-se importante por duas vias: em primeiro lugar, a ideia de outorga de um texto constitucional, que menorizava o poder das representatividades parlamentares. Em segundo lugar, o fato de esta tentativa de expansão territorial ter chegado à Península Ibérica, com a invasão militar francesa, primeiro em Espanha, e depois em Portugal. Essa invasão provocou a fuga do Rei e Corte portugueses para o Brasil, carregando dessa forma a soberania da metrópole para a colônia. Este acontecimento, e a posterior resistência à ocupação francesa de portugueses e espanhóis, veio a ter profundas consequências no outro lado do Atlântico (ARAÚJO, 1992ARAÚJO, Cristina. O Reino Unido de Portugal, Brasil, Algarves. Revista de História das Ideias, Coimbra, v. XIV, p. 233-26, 1992., p. 233-261).

Francisco Liberato Freire de Carvalho (CARVALHO, 1982CARVALHO, José Liberato Freire de. Memórias da vida de José Liberato Freire de Carvalho. Lisboa: Assírio & Alvim, 1982.; CLUNY, 2002CLUNY, Isabel. José Liberato Freire de Carvalho. In: CASTRO, Zília Osório de (dir.). Dicionário do Vintismo e do primeiro Cartismo (1821-1823 e 1826-1828), v. I. Assembleia da República: Edições Afrontamento, 2002. p. 418-424., p. 418), liberal e jornalista exilado em Londres, escrevia no jornal que dirigia desde 1814, O Investigador português em Inglaterra (1811-1819)4 4 Este jornal será referido nas citações ao longo do artigo pelas iniciais IP. , que o Brasil não podia continuar a ser governado como uma colônia (MACHADO, 2019MACHADO, Adelaide Vieira. A importância de se chamar português: José Liberato Freire de Carvalho na direção do Investigador Português em Inglaterra, 1814-1819. Coimbra: Lema d’Origem Editora, 2019., p. 272). A ida da Corte para o Brasil, bem como a abertura dos portos brasileiros ao comércio livre, tinham alterado a realidade brasileira, e eram os primeiros passos para que o Brasil ultrapassasse o estatuto de colônia. Aconselhava ainda, que fosse decretada a liberdade de culto, que encorajaria a imigração para o Brasil de colonos europeus de países não católicos. A partir de 1815, com a subida do Brasil a reino: “Sim, para que o Reino do Brasil seja verdadeiramente um reino não basta só que tenha esse título, é preciso que novas leis e instituições o governem, e se risquem para sempre todos esses regulamentos que o governavam como colónia”.5 5 IP, Reflexões, v. XV, mar. 1816, p. 103. Freire de Carvalho continuou sempre a defender um programa de desenvolvimento cultural e político, que conduzisse a novas relações entre Portugal e Brasil, para evitar todos os erros cometidos pela Inglaterra e pela Espanha:

O governo do Brasil era até agora verdadeiramente militar, e na mão de governadores e capitães generais estava na realidade a absoluta soberania de todo aquele imenso território […] Nós já o dissemos, e ainda o repetimos, o governo o e despotismo militar só é bom para soldados; as nações não se podem nem devem governar como um exército. Logo o primeiro passo que deve tentar o governo do Brasil, e uma das primeiras obrigações que contraiu o nosso Príncipe, é de dar um governo puramente civil ao seu novo reino. É preciso, que de hoje em diante todos os brasileiros sejam cidadãos; até agora eles eram pouco mais ou menos avaliados e tratados como soldados, dispersos em diversas guarnições. E que tem daqui resultado? Que os despotismos militares têm sido atrozes em algumas capitanias; e que a povoação e a cultura do riquíssimo terreno do Brasil não têm feito metade dos progressos que deveriam fazer.6 6 Ibidem, p. 103-104.

Criticando o fato de o Parlamento britânico, por maioria e, posteriormente, os liberais espanhóis do governo de Cádis, sobretudo, o rei absoluto que se seguiu Fernando VII; se recusarem a qualquer tipo de cedências ou a estabelecer diálogo com os independentistas.

Teimando em querer governar sempre as terras transatlânticas como na época em que as tinham descoberto, isto é, debaixo de princípios de inferioridade política, e de um modo servil, um pouco superior aquele que os americanos governavam os negros, resultou daqui, que uma parte desse novo mundo, denominado com o apelido de Colónias, se julgasse indignamente tratada, e se rebelasse contra sua própria mãe e irmãos, só porque ela e eles não a queriam tratar exatamente como genuína e legítima porção da mesma família. A esta causa é devida a separação dos Estados Unidos da América; quanto não dariam hoje os ingleses da Europa se pudessem emendar os desacertos e até as injustiças que produziram aquela separação de seus irmãos? À mesma causa é ainda devida a insurreição que hoje lavra em todas as Américas espanholas, e mais cedo ou mais tarde os governos de Cádis e de Madrid lamentarão debalde a má política que deu motivo a tais insurreições.7 7 IP, Reflexões, jan. 1818, p. 396.

O jornalista liberal português advogava, por essas razões, que o rei de Portugal tomasse um rumo diferente, em continuidade com a ideia de que o Brasil deixara de ser uma colônia: “Por colónias entendiam-se até aqui, certas províncias, situadas longe da mãe pátria, que eram governadas menos liberalmente do que ela, e não gozavam de todas as prerrogativas políticas e civis de que ela também gozava”.8 8 Ibidem, p. 395. Admirador da nova Constituição norte-americana afirmava que o Brasil se devia guiar por aquele exemplo. Os Estados Unidos tinham estabelecido a Independência em conjunto com vários outros pressupostos que o autor português defendia, os quais passavam pela existência de uma elite dirigente letrada e empreendedora, cultural e politicamente alinhada com a Europa; e principalmente, que continuasse a respeitar acordos comerciais e de livre circulação com o continente europeu.

O Brasil está por agora dependente da indústria estrangeira para a coisas de primeira necessidade da vida; não tem mesmo para o adiantamento da lavoura, nem os braços precisos, nem a ferraria e máquinas que lhe são indispensáveis. Se quiser, pois, que os capitalistas, ou artistas nacionais, e estrangeiros levem para lá os seus cabedais e indústria, é preciso convidá-los não só de palavra, mas por obra. Necessita proclamar a inviolabilidade de pessoas e bens, sem outro limite mais que as leis exatamente cumpridas; necessita dar a paz de consciência e livre exercício da sua religião a todos os estrangeiros que forem de diversa comunhão religiosa; e por esta forma muitos desses ramos da indústria, que vão crescer e prosperar nos Estados Unidos da América, hão-de ir com preferência buscar o abençoado terreno do Brasil.9 9 IP, Reflexões, v. XX, dez. 1817, p. 261.

Para o Brasil, enquanto Reino unido, Liberato defendia uma sociedade liberal, isto é, com liberdade de expressão e tolerância religiosa, para precisamente evitar o que acontecera e continuava a acontecer, no continente americano.

O Abade de Pradt foi um dos teóricos que o jornalista seguiu, traduziu e publicou em vários dos jornais que dirigiu. Foi um dos pioneiros da questão colonial, à qual dedicou vários trabalhos. Pela obra Des Trois Derniers Mois de L’Amerique Méridionale et du Brésil (Os últimos três meses da América do Sul e do Brasil, tradução nossa) escrita em 1817, uma espécie de diário dos acontecimentos, envolvidos em reflexões várias sobre o problema das colônias americanas; podemos contextualizar o enquadramento mundial, no qual a luta pelas independências sul-americanas vinha a ocupar os publicistas europeus: “As Colónias tomaram o lugar, que a revolução ocupou durante vinte e cinco anos, preenchendo a atenção universal” (DE PRADT, 1817DE PRADT(Abade). Des trois derniers mois de l’Amérique Méridionale et du Brésil. Paris, 1817., p. 88).10 10 Tradução nossa. No orginal: “Les Colonies ont pris la place que la révolution, pendant vingt-cinq ans, a remplie dans l'attention de l'univers.” Segundo este autor francês, que vivera o período da Revolução Francesa, enquadrando os princípios, quer dos que aboliram a escravatura em 1794 e estiveram a favor da Independência do Haiti (São Domingos) em 1804; quer dos tempos de Napoleão que pôs termo à dita abolição logo em 1802, a questão colonial era a que estava na ordem do dia:

Nos últimos vinte anos, publicámos vários escritos sobre questões coloniais. Uma vez que entramos nesta estrada em que o acaso, ou eu não sei que instinto nos tinha carregado, não nos foi dado mais para sermos capazes de sair dela [...] Fomos despertados pelo som da imensidade dos acontecimentos que acabam de ocorrer na ordem colonial (DE PRADT, 1817DE PRADT(Abade). Des trois derniers mois de l’Amérique Méridionale et du Brésil. Paris, 1817., p. 1, 4)11 11 Tradução nossa. No orginal: “Depuis vingt ans, nous avons publié plusieurs écrits sur les questions coloniales. Une fois entré dans cette route dans laquelle le hasard, ou je ne sais quel instinct nous avait porté, il ne nous a plus été donné d'en pouvoir sortir […] Nous avons été réveillés au bruit des événements vraiment immenses qui viennent de se passer dans l'ordre colonial”. O autor francês equacionava, nesta obra, os principais pontos que agitavam a agenda colonial, que considerava ter-se tornado numa questão mundial: a disputa da Corte do Brasil com Espanha, relacionada com a ocupação de Montevidéu. Com a possibilidade de intervenção das cinco maiores potências europeias. A Independência proclamada em Pernambuco. A tentativa feita em Portugal, não contra o rei de Portugal, mas contra o rei do Brasil, reinando do Brasil para Portugal. A derrota e a morte do General Morillo, e a renovação da guerra nas sete províncias que compunham o Reino de Terra firme. A vitória de Buenos Ayres sobre o Chile, a agregação deste país à Independência, e a influência desta vitória na emancipação do Peru, de modo a completar a destruição, o apagamento do poder espanhol na América do Sul.

Seguindo o padrão do desenvolvimento das elites coloniais, De Pradt defendia que o caminho natural era o da independência das colônias. Acusava os governos europeus de não entenderem o equilíbrio que a globalização provocara, ao tornar a América e a Europa interdependentes quanto à defesa e manutenção de interesses mútuos.

Seria inútil e perigoso fazer-se cego quanto ao estado das Colónias; aqueles que persistem em ver apenas crianças, apenas súbditos da Europa, tão inferiores a ela, que só teriam de recorrer à sua clemência, estão longe de conhecer a sua verdadeira posição. Se a guerra da América, se a da Espanha com as suas colónias não for suficiente para esclarecê-los sobre o verdadeiro estado das coisas; Bem, que aprendam que, em grande número de aspetos, as Colónias são iguais à Europa, que são superiores a ela em alguns outros. A civilização andou mais rápido do que na Europa [...] não há mais colonos propriamente ditos, isto é, homens cujo pensamento, ações, toda a existência, dependiam da metrópole, e pareciam ser inspirados e criados por ela (DE PRADT, 1817DE PRADT(Abade). Des trois derniers mois de l’Amérique Méridionale et du Brésil. Paris, 1817., p. 90-91).12 12 Tradução nossa. No orginal: “Il serait inutile et dangereux de s'aveugler sur l'état des Colonies ; ceux qui s'obstinent à n'y voir que des enfants, que des sujets de L’Europe, tellement inférieurs avec elle, qu'ils n'auraient qu'à recourir à sa clémence, sont loin de connaître leur position véritable. Si la guerre d'Amérique, si celle de l'Espagne avec ses colonies ne suffisent point pour les éclairer sur le véritable état des choses ; eh bien, qu'ils apprennent que, sous un grand nombre de rapports, les Colonies sont égales à l'Europe, qu'elles lui sont supérieures en quelques autres. La civilisation a marché plus rapidement qu'en Europe […] il n'y a plus de colons proprement dits, c'est-à-dire d'hommes dont la pensée, les actions, toute l'existence, dépendaient de la métropole, et avaient l'air d'être inspirées et créées par elle.”

O perigo do envolvimento militar das potências europeias na questão das independências sul-americanas foi uma das razões que levaram o abade a escrever e divulgar esta obra, para demonstrar que a direção independentista das colónias através das elites conhecedoras dos seus direitos era irreversível a curto e médio prazo, e que o único modo de a Europa não se isolar deste processo era legitimá-lo, através de um congresso colonial de todas as potências. Defendia o diálogo construtivo, e não a força (DE PRADT, 1817DE PRADT(Abade). Des trois derniers mois de l’Amérique Méridionale et du Brésil. Paris, 1817., p. 91-92).

A incompreensão em acompanhar a renovação dos tempos levava governos e apoiantes conservadores a identificar todos os movimentos em prole de mudanças como parte do, então chamado, espírito revolucionário. Os exemplos da Inglaterra e da Espanha ilustravam bem o erro de querer obrigar as colónias a permanecer sob o jugo das metrópoles quando estas se desenvolveram ao ponto de puderem governar-se a si próprias: “A opinião pública é uma rainha cujo exército se forma lentamente, mas que é invencível quando se assume, porque quando se mostra, já invadiu tudo” (DE PRADT, 1817DE PRADT(Abade). Des trois derniers mois de l’Amérique Méridionale et du Brésil. Paris, 1817., p. 103).13 13 Tradução nossa. No orginal: “L'opinion publique est une reine dont l'armée se forme lentement, mais qui est invincible quand elle est rassemblée, et qui a déjà tout envahi lorsqu'elle se montre.”

Contextualizando, o abade interrogava-se sobre a justeza daquilo que era o espírito revolucionário na América do Sul. Nessa demonstração lembrava os vários ataques sofridos pela Argentina e as outras colônias espanholas, bombardeadas, bloqueadas e arruinadas com falta de tudo, como resultado de combinações e contrapartidas falhadas, entre os reis espanhóis e os seus congêneres europeus. Perguntava, também, para o caso do Brasil e Portugal se seriam revolucionários os pernambucanos que queriam apenas deixar de ser tratados como capitania sob comando militar e procuravam o desenvolvimento que a presença do rei no Brasil lhes deveria proporcionar; e se seriam revolucionários os revoltosos de Lisboa da Conspiração de Gomes Freire de 1817, que queriam o regresso do rei a Portugal, ou os brasileiros que queriam a sua permanência no Rio de Janeiro. Terminava com a ideia de que o mal não estava no espírito de resistência e insurreição, mas nas causas que lhe davam espaço de existência: “O espírito revolucionário é, portanto, apenas um efeito; a causa está em outro lugar, e é aí que se tem que ir para extingui-la. Tenhamos cuidado para não imitar o animal estúpido e feroz, que descarrega a sua raiva e espuma na pedra que lhe chega saltando, e quem não vê a mão que a jogou” (DE PRADT, 1817DE PRADT(Abade). Des trois derniers mois de l’Amérique Méridionale et du Brésil. Paris, 1817., p. 112).14 14 Tradução nossa. No orginal: “L'esprit révolutionnaire n'est donc qu'un effet ; la cause est ailleurs, et c'est là qu'il faut l'aller chercher pour l'éteindre. Gardons -nous d'imiter l'animal stupide et féroce, qui décharge sa rage et son écume sur la pierre qui arrive à lui en bondissant, et qui ne voit pas la main qui l'a lancée.”

As revoluções norte-americana e francesa tinham trazido consigo a concretização de várias teorias e doutrinas discutidas, durante os séculos XVII e XVIII, por todos os pensadores e filósofos iluministas. As ideias de nação e de povo que a constitui, de opinião pública que lhes dá uma identidade conjunta, transpareciam ou davam uma nova consistência à literatura de todos os publicistas liberais dos inícios de oitocentos, isto é, a ligação imediata entre pensamento e ação. Esta ligação era o embasamento do conceito de mudança na nova forma de encarar a política, como saber e como método de compreensão do mundo.

Hoje em dia os homens sabem demasiado para considerarem os governos apenas pelo lado da satisfação dos titulares; também querem encontrar nele a satisfação das necessidades da sociedade. Por outro lado, as colónias que se tornaram fortes, ricas, povoadas, sabem tanto como as metrópoles, são tão exigentes como elas são, e querem ser governados por si próprias, e não por assistentes enviados de outro mundo, e sempre pronto para voltarem para lá. Neste conflito, quem vai ceder, colónias ou metrópoles? Então toda a velha ordem desmoronou... (DE PRADT, 1817DE PRADT(Abade). Des trois derniers mois de l’Amérique Méridionale et du Brésil. Paris, 1817., p. 43-44).15 15 Tradução nossa. No orginal: “Aujourd'hui les hommes en savent trop pour ne considérer les gouvernements que du côté de la satisfaction des titulaires ; ils veulent aussi y trouver la satisfaction des besoins de la société. D'un autre côté, les colonies devenues fortes, riches, peuplées, en savent autant que les métropoles, sont aussi exigeantes qu'elles, et veulent être gouvernées pour elles, et non plus par des préposés envoyés d'un autre monde, et toujours prêts à y retourner. Dans ce conflit, qui cédera, des colonies ou des métropoles ? Tout ce vieil ordre a donc croulé.”

Tal como o publicista francês, Liberato Freire de Carvalho tinha em mente para o Reino do Brasil um modelo de sociedade liberal, hierarquizada, cuja elite seria avaliada não pelos títulos de nobreza, mas pelo sistema capacitário, isto é, em que cada um seria premiado pelo montante de esforço individual que colocava ao serviço da sociedade, cruzando sucesso acadêmico e sucesso econômico e financeiro. O seu diálogo com De Pradt conheceu várias etapas, que foram do elogio às análises do abade, sobre precedentes e consequências para a Europa e o mundo do Congresso de Viena;16 16 Obra do Abade sobre o Congresso foi publicada no Investigador Português em Inglaterra. Abade de Pradt (1759-1837), O Congresso de Viena. Publicação iniciada no Investigador Português em Inglaterra, v. XVI, p. 153-157, saiu em todos os números seguintes, e terminou no v. XXII, p. 146-158. ao repúdio pela análise do autor francês feita ao caso da inversão das relações entre Portugal e o Brasil. A originalidade dessa situação levara De Pradt à afirmação de que Portugal tinha passado de metrópole a colônia. Liberato respondera que as relações do Reino Unido só a Portugal e ao Brasil diziam respeito17 17 IP, v. XX, Reflexões, jan. 1818, p. 393-397. , mas a verdade é que a sua posição sobre o Brasil e as relações com Portugal foram sofrendo alterações várias, ao longo do período que aqui tratamos. Se no início aplaudiu a ida da Corte para o Brasil e a sua subida a Reino, que ia de encontro ao que defendia no Investigador Português em Londres, e apoiou a corrente que tinha planos de estabelecer um Império brasileiro; pouco depois da publicação da afirmação do abade De Pradt, Liberato alterou a sua posição, devido, como o próprio admitiu, à leitura da obra de José Soares de Azevedo, Considerações sobre a sede da monarquia portuguesa.18 18 IP, v. XXI, dez. 1818, p. 409-449. Esta obra não só explicava a importância da localização do centro do poder ser em Lisboa como surgia como alternativa ao modelo colonial português proposto por Rodrigo Sousa Coutinho, conde de Linhares,19 19 Sobre a União das três Guianas Portuguesa, Francesa e Holandesa para formarem um reino anexo ao Império do Brasil. IP, v. VIII, ago. 1813, p. 255-263. que visionava um Império brasileiro como a sede da monarquia. O Investigador Português defendera, por esta via, que a localização da Corte era indiferente, desde que a nação se mantivesse enquanto conjunto identitário.

A verdade é que Soares de Azevedo propunha um outro modelo que, à semelhança dos EUA se constituísse uma federação liderada a partir de Lisboa e, é essa posição e os seus desdobramentos que Liberato, regressado a Lisboa do exílio londrino, vai defender e explanar em doutrina ao longo dos números do Campeão Português em Lisboa (1822-1823). Convém aqui abrir um parêntesis sobre o que aconteceu, durante esse período que antecedeu o primeiro número desse jornal.

A representação das colônias no primeiro parlamento liberal foi uma das discussões que abriram o debate nas Cortes Constituintes a partir de 6 de janeiro de 1821, e que pudemos acompanhar através do Diário das Cortes.20 20 Diário das Cortes. Consultado só para o período de janeiro a maio de 1821. Este jornal será referido nas citações ao longo do artigo pelas iniciais DC. De acordo com a comissão editorial, este jornal oficial foi criado para ser uma fonte fiável, e assim manter as pessoas informadas sobre o que estava a acontecer no Parlamento; e, por outro lado, para evitar que calúnias se espalhassem na imprensa, sobre o que fora ou não dito na Câmara dos Representantes.

Em 30 de janeiro de 1821, pela mão do deputado Bento Pereira do Carmo foi lançada à discussão uma proposta sobre a inclusão de representações das colônias no parlamento. A proposta e a memória anexadas, revelaram muitas das linhas do debate sobre a questão colonial e o conceito de império que passou pelo século XIX, e se renovou no início do século XX, durante o período da primeira República Portuguesa (1910-1926).

Manter a integridade do Império português, e evitar situações revolucionárias como na Grã-Bretanha e em Espanha, foram as principais razões expostas pelo autor da Memória para colocar a sua proposta à discussão. Essas razões foram sendo desdobradas noutras, que apontavam para a história partilhada do Império, e para os interesses comuns que deveriam unificar as elites coloniais e da metrópole, em torno das leis fundamentais que estavam a ser feitas no Parlamento. Os interesses comuns foram resumidos pelo deputado que temos vindo a comentar, isto é, as colônias deviam comprar os produtos metropolitanos, e Lisboa devia voltar a ser novamente o empório europeu que outrora fora, antes dos tratados que concediam a liberdade comercial externa, de e para o Brasil. Fernandes Tomás, o patriarca do liberalismo português, interveio nesse sentido no relatório sobre o estado da nação, apresentado no parlamento nessa altura.21 21 DC, 5 fev. 1821.

O preâmbulo da proposta de Bento do Carmo Pereira sobre a necessidade da representação colonial adotou o discurso liberal em defesa da liberdade individual contra o despotismo das monarquias absolutas. O autor defendeu que só com a derrota do despotismo seria possível terminar com revoluções, isto é, como De Pradt e a maioria dos liberais, defendeu que a revolução não era a causa, mas uma consequência. Por essa via, a presença de deputados das colônias era essencial.

Como o tempo de viagem da Ásia, África e América do Sul era incompatível com o calendário planejado e a pressa de aprovar as Bases da Constituição, o cerne da proposta de Bento do Carmo era que fosse preparada uma lista de deputados substitutos de cada colônia, mas que residissem em Portugal, e que eles fossem chamados à Assembleia de representantes, até a chegada dos deputados eleitos. Vários membros do Parlamento manifestaram o seu acordo com a eleição de representantes coloniais, mas a ideia de encontrar substitutos no reino até que os eleitos chegassem a Lisboa, foi rejeitada. Conforme noticiado pelo Diário das Cortes, as bases ou os princípios fundamentais da futura Constituição foram finalmente aprovados em abril de 1821, sem a representação das colônias.

A Nação foi, então, definida como a união de todos os portugueses de ambos os hemisférios, cuja soberania residia na Nação enquanto tal. A lei fundamental da nação foi assumida como tendo sido feita pelos representantes de Portugal metropolitano, mas que seria comum a todas as outras partes do mundo, assim que os seus representantes a aceitassem, e declarassem ser essa a sua vontade. Os excluídos do processo eleitoral seriam definidos mais tarde pela Constituição, mas foi decidido que haveriam exclusões censitárias, derivadas da posição econômica e social. Todas essas discussões começaram a circular por todo o Império por meio da imprensa, e causaram vários movimentos de apoio à revolução liberal. Chegou notícia através do Diário das Cortes que, na Bahía, no Pará e em Pernambuco o novo regime vingara, e que os seus dirigentes se preparavam para enviar representantes a Lisboa. No final de abril, o rei que ainda estava no Brasil, aceitou e reconheceu finalmente o poder Constituinte da Assembleia Liberal em Portugal, ao que se seguiram várias outras manifestações de adesão às bases da nova Constituição, e ao iniciar dos processos de eleição dos respectivos representantes às Cortes Constituintes.

O Grão-Pará foi um dos primeiros estados a apoiar a Revolução Liberal. Após o derrube do governador português defensor do absolutismo, foi constituída uma Junta Provisória em defesa do regime liberal parlamentar, iniciando de seguida a campanha de eleição de representantes. Alberto Patroni, paraense, que estudava direito em Coimbra, atravessou o Atlântico para levar a boa nova a Belém do Pará, chegando já depois da instalação da Junta. Procurou apoiar o trabalho da eleição de uma representação, mas o processo foi sofrendo vários reveses (LUSTOSA, 2021LUSTOSA, Isabel. Em 1822, o povo mal ouviu falar da Independência do Brasil. Folha de São Paulo, 10 out. 2021., p. C9), e a Junta acabou por nomear uma delegação que fosse a Lisboa expressar o apoio do estado paraense às iniciativas do parlamento. Dessa delegação fizeram parte o alferes Domingos Simões da Cunha, que chefiara a revolta, e Patroni, que acabou por ser o primeiro americano a falar na Assembleia liberal, mas não como deputado. O seu discurso refletiu o desejo do Pará enquanto província do Império português, alargar a sua autonomia política. Articulou, sempre nesse sentido, a autonomia do estado do Pará com a ideia da possibilidade de independência, caso houvesse retrocessos no processo autonômico. Fê-lo, estabelecendo metaforicamente o paralelo entre o rio Amazonas e o rio Delaware22 22 A lembrar, sem referir, o episódio da travessia do Delaware de George Washington como episódio fundamental da guerra da Independência. usados como símbolos de liberdade e independência.

E pela primeira vez se ouviu o doce nome da Liberdade murmurar nas cristalinas águas do soberbo Amazonas, que jazendo havia duzentos anos agrilhoado pelo mais fero despotismo, soube enfim desprender-se, e como verdadeiro Monarca, erigir-se um trono a par do portentoso Delaware, o fecundo solo, o país natal da perfeita ingenuidade, e depurada filantropia.23 23 DC, 5 abr. 1821, p. 481.

Continuando a estabelecer paralelos entre Rios, Patroni contou dessa forma a história da revolução liberal de agosto de 1820, afirmando que esta nascera no Douro (Porto), correra impetuosa pelo Mondego (Coimbra) para rebentar no Tejo (Lisboa). Lamentava que a grande extensão do Grão-Pará impedisse uma maior rapidez na eleição dos representantes, mas enquanto isso não acontecia, explicava a importância da sua missão de libertar a sua pátria dos grilhões do despotismo:

Pelo Governo do Grão-Pará eu sou encarregado de manejar nesta Capital os negócios concernentes aos interesses da minha Pátria […] manifestando a V. Majestade os atentos desejos que tem o Governo da minha Província e todos os meus compatriotas de ver já unidos, o Amazonas com o Tejo […] Animados dos mesmos sentimentos; apreciando os mesmos direitos; vinculados com o mesmo sangue; os Paraenses devem querer, e querem efetivamente fazer um só corpo com os Lusitanos.24 24 Ibidem, p. 483.

O desejo de uma paridade equitativa, como garante do que chamava a união moral de ambos os mundos, esteve presente em todo o discurso, independente da retórica apropriada à oratória da época. Em resposta, o presidente da Assembleia reiterou todos os pontos apresentados por Patroni, em nome da Junta Provisional do Pará, demarcando a diferença entre o passado absolutista e o presente liberal:

Sobre esta união, sobre estes preciosos sentimentos, e sobre a recíproca igualdade de direitos, e ofícios é que há-de repousar de hoje avante a prosperidade geral da nossa casa, e pátria comum, e a particular felicidade dos Paraenses (e ousamos esperá-lo) das outras Províncias do Brasil, a quem o sistema colonial tinha até agora privado dos incomparáveis benefícios que amplamente lhe prometia a prodigiosa fecundidade e riqueza do seu país, e o nobre carater dos seus dignos habitantes.25 25 Ibidem, p. 481.

De forma mais estruturada, abrangendo os três níveis da orgânica do Império, a representação de São Paulo foi exemplarmente instruída, sobre a melhor forma de articular o nível imperial com o de Reino Unido. Lembranças e apontamentos… de 1821,26 26 O documento aparece assinado, entre outros, por João Carlos Augusto Oeynhausen, José Bonifácio de Andrada e Silva e Martim Francisco Ribeiro de Andrade. resumia uma visão para o Brasil, enquanto Reino autônomo num Império que se pretendia confederado, que correspondesse à visão política de uma grande parte da elite brasileira, naquele preciso momento da história conectada entre Portugal e o Brasil.

Nas instruções para os representantes de São Paulo, no capítulo primeiro intitulado Negócios da União, defendiam-se a integridade e a indivisibilidade do Reino Unido, no que implicava de paridade e de autonomia política e administrativa: “Igualdade de direitos políticos, e dos Civis…” que se estendia à exigência da sede da Monarquia ser alternada entre Brasil e Portugal, e de leis orgânicas de União, que incluíam Tratados e o resguardo de proveitos comuns, quanto ao “Comércio tanto externo como interno que sem tolher a liberdade de ambos os Reinos, possa conciliar, quanto possível for seus recíprocos interesses”.27 27 Lembranças e apontamentos; do Governo Provisório para os senhores deputados da Província de São Paulo; mandadas publicar por ordem de Sua Alteza Real, o Príncipe Regente do Brasil; a instâncias dos mesmos Senhores Deputados. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1821, p. 6.

Em termos político-administrativos dentro da divisão tripartida dos poderes, a paridade ao nível dos tribunais superiores era uma das lembranças importantes, pela qual os deputados de São Paulo se deveriam bater. Demonstrando uma visão transversal a todo o Império, exigiam paridade absoluta para o número de deputados:

Para que haja justiça e igualdade nas decisões das Cortes gerais e ordinárias da Nação Portuguesa, parece necessário que os seus deputados tanto do Reino de Portugal, como do Ultramar sejam sempre em número igual qualquer que seja para o futuro a População dos Estados da União.28 28 Ibidem, p. 7.

Enquanto Reino do Brasil, estimulavam a ideia de um Brasil autônomo e liberal, com um governo executivo central, ao qual estariam sujeitos os governos provinciais. Este Brasil tinha em conta a sua diversidade social constituinte, a qual exigia, por si só, uma legislação específica, estratificada, em acordo com essa componente que não permitia ainda a equidade de tratamento jurídico, com consequências imediatas nos direitos de cada um. Dizia o ponto 6 das Lembranças e apontamentos…:

Que se cuide em Legislar e dar as providências mais sábias enérgicas sobre dois objetos: o 1º sobre a catequização e civilização geral e progressiva dos índio bravos, que vagueiam pelas matas e brenhas, […] o 2º requer imperiosamente iguais cuidados da Legislatura sobre melhorar a sorte dos escravos, favorecendo a sua emancipação gradual e conversão de homens imorais e brutos em Cidadãos ativos e virtuosos; vigiando sobre os senhores dos mesmos escravos para que estes os tratem como homens e Cristãos, […] mas tudo isto com tal circunspeção que os miseráveis escravos não reclamem estes direitos com tumultos e insurreições, que podem trazer cenas de sangue e horrores.29 29 Ibidem, p. 8.

Salientavam, neste projeto de governo do reino, mais um importante aspecto do programa liberal da época, a necessidade de expandir a educação ao maior número, mas a diversos níveis. Propunham a criação de escolas provinciais pelo método Lancastre, usado nos EUA para educar crianças e jovens desfavorecidos. Propunham um estabelecimento de ensino médio em cada província do Reino, e uma Universidade na cidade de São Paulo. Quanto à capital, a proposta era que fosse erigida uma nova cidade no interior do Brasil.

O ano de 1821 começou com o debate das bases da Constituição e terminou com a discussão da Constituição delas derivada. Este processo de decompor os princípios gerais em leis mais específicas veio trazer a certeza de que não havia intenção da parte da maioria do Parlamento em abdicar da supremacia econômica metropolitana, e a ela sacrificar as promessas de reciprocidade e paridade, demonstrando, através da legislação aprovada, a vontade de desmantelar o que fora o Reino Unido, e coartar à nascença o projeto da futura união de estados ou reinos ultramarinos. Assim, várias províncias brasileiras foram desistindo de se representarem em Lisboa, como por exemplo, a de Minas Gerais, que era a mais numerosa com 13 deputados (FAORO, 1972FAORO, Raymundo. A Revolução Constitucionalista de 1820: a representação brasileira às Cortes Gerais. In: MONTELLO. Josué (dir.) História da independência do Brasil. Rio de Janeiro: A Casa do Livro, 1972. p. 217-265., p. 217-265; BOSHI, 2002BOSHI, Caio. Os Deputados brasileiros das Cortes de 1821. In: CASTRO, Zília Osório de (dir.). Dicionário do Vintismo e do primeiro Cartismo (1821-1823 e 1826-1828), v. I. Assembleia da República: Edições Afrontamento, 2002. p. 11-23., p. 11-23; CASTRO, 2002CASTRO, Zília Osório de. Portugal e Brasil: debates parlamentares, 1821-1836. Lisboa: Assembleia da República, 2002.).

A ideia de Independência cruzando com a ideia de Império brasileiro encontrou nas elites brasileiras um chão fértil (LUSTOSA, 2019LUSTOSA, Isabel. O jornalista que imaginou o Brasil: tempo, vida e pensamento de Hipólito da Costa (1774-1823). Campinas: Editora Unicamp, 2019.; MALERBA, 2005MALERBA, Jurandir. As Independências do Brasil: ponderações teóricas em perspectiva historiográfica. História, São Paulo, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, v. 24, n. 1, p. 99-126, 2005. Disponível em: Disponível em: http://hdl.handle.net/11449/28397 . Acesso em:11 dez. 2021.
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). O rei voltara a Portugal, e o seu filho mais velho, que ficara como regente no Brasil, recusou regressar a instâncias das Cortes liberais, ponderando quais os moldes da sua permanência no Brasil (VIANNA, 2018MALERBA, Jurandir. As Independências do Brasil: ponderações teóricas em perspectiva historiográfica. História, São Paulo, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, v. 24, n. 1, p. 99-126, 2005. Disponível em: Disponível em: http://hdl.handle.net/11449/28397 . Acesso em:11 dez. 2021.
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, p. 44-64; PIMENTA, 2008PIMENTA, João Paulo Garrido. A Independência do Brasil e o liberalismo português: um balanço da produção acadêmica. Revista de História Iberoamericana, v. 1, n. 1, p. 70-105, 2008., p. 70-105). É nesse contexto que Liberato Freire de Carvalho lança o seu jornal O Campeão Português em Lisboa,30 30 Este jornal será referido nas citações ao longo do artigo pelas iniciais CPL. que tinha como subtítulo ser amigo do povo e do rei constitucional.

Duas grandes coisas, terá ele sempre diante dos olhos - a Causa, e os homens, que a dirigem: e, por conseguinte, nunca confundirá um objeto com outro. A causa que temos entre mãos é santa, é justa, e a mais honrada e virtuosa das causas, porque é para sustentação de direitos eternos que da mão de Deus recebemos quando nos criou: os homens, que a dirigem, são homens, isto é, criaturas sujeitas ás paixões, aos erros, e a todas as fraquezas humanas quer representem a soberania delegada da Nação, e são estes os que compõem os três poderes - Legislativo, Executivo e Judicial; quer sejam agentes subalternos dos mencionados poderes, como não sejam politicamente impecáveis, não podem ser por justa consequência invioláveis; e estão de direito e de facto sujeitos à suprema Censura do supremo tribunal da opinião.31 31 CPL, v. I, n. I, 6 abr. 1822, p. 4-5.

Ao mesmo tempo, no desenrolar do subtítulo demonstrava qual era, afinal, a causa que ocupava as suas preocupações enquanto publicista afamado e liberal reconhecido: “Semanário político, publicado para advogar a Causa e interesses da Nação Portuguesa em ambos os mundos”.32 32 Ibidem, Cabeçalho.

Foi à questão brasileira que dedicou grande número de páginas por número, batalhando pela defesa do Reino Unido. Salvaguardando, como soberana, a vontade dos brasileiros, foi explanando ao mesmo tempo, a sua posição a favor da união, criticando muitas vezes a atuação das Cortes, rebatendo também as acusações dos brasileiros, mas sem conseguir concordar em absoluto com as condições exigidas pelo Brasil, para que o Reino Unido continuasse a ser uma realidade. Foi contando a história dos dois povos, o período de despotismo vivido pelo Brasil enquanto colônia e a sua libertação enquanto reino e mais recente com a Revolução Liberal, a conquista de espaço e representação no Portugal livre. Comparando colonialismos, Portugal com Inglaterra ou Espanha, lembrava que em nenhum dos outros casos fora permitida a representação ultramarina no Parlamento Nacional, e daí que ficava difícil aceitar a posição de afastamento, que o ano de 1822 viu ser concretizado com a convocação de uma Assembleia Constituinte Brasileira.

As razões apresentadas contra o fim do Reino Unido abriam para um vasto leque de argumentos,33 33 Todo este conjunto de argumentos valeu ao Campeão Português uma crítica de arraso, ao estilo da época, por parte do Pe. Perereca (Luís Gonçalves dos Santos). Ver O Campeão Português em Lisboa derrubado por terra a golpes da verdade, e da justiça/ por um brasileiro natural do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Tipografia de Torres e Costa, 1822. que iam desde o perigo da possibilidade de uma revolta de escravos e o consequente banho de sangue, a lembrar a revolta de São Domingos,34 34 Revolta de escravos vitoriosa, que durou de 1794 até 1804, terminando nessa data com a declaração de Independência do Haiti. mencionada por todos os autores da época, incluindo De Pradt; até a ausência de apoio europeu incluído o inglês35 35 CPL, v. I, n. III, 1822, p. 47. ; e terminava na necessidade de o Brasil construir a sua Independência de forma faseada sob a proteção da Constituição Liberal Portuguesa de 1822. “E é prudente que a uma ideia abstrata, qual é a independência, se sacrifique a tranquilidade e o progressivo adiantamento do Brasil, debaixo de um suave e regular sistema Constitucional, que só com o tempo pode preparar essa independência?”.36 36 CPL, v. I, n. VI, 1822, p. 82.

Finalmente, estava em completo desacordo com o desejo brasileiro do estabelecimento de duas cortes no Império português, ou com a sua alternância. A sede da monarquia, como já vinha a explicar desde o tempo dos outros jornais que dirigira, O Investigador Português em Inglaterra e de O Campeão Português em Londres (1919-1922), teria de ser europeia, e naturalmente localizar-se em Lisboa.

O Brasil como parte do Reino Unido Português, não pode deixar de ser um país Américo-Europeu; e neste caso, aonde podem melhor ser tratados seus negócios do que dentro da Europa? E acresce ainda mais uma ponderosa circunstância, e vem a ser: Se a Monarquia Portuguesa nunca pode renunciar a qualidade de Europeia, a não querer renunciar a posse de seu nobre e antigo berço, o mui honrado e distinto Portugal; como será útil e político que a Sede do governo de toda a Monarquia esteja fora da Europa? Logo parece evidentíssimo, que para conservar a união, se requer uma Corte só, e que esta esteja na Europa.37 37 CPL, v. I, n. VI, 1822, p. 82.

Meses mais tarde, já em junho de 1822, Liberato procurava ainda convencer os brasileiros de que os políticos portugueses tinham vindo a corrigir atuações, no sentido de contemplarem as ideias dos deputados brasileiros que não chegavam a acordo entre si, ao que se juntava a enorme distância e impossibilidade de contatos agilizados com os seus constituintes no Brasil.

Pois se vossos próprios Deputados nem sabem pedir, nem ainda mesmo sabem o que querem, como pode haver justiça para acusar os Deputados Europeus de intenções maliciosas? Brazilienses! Portugal não quer outra cousa senão saber exatamente quais são vossos desejos, por que desde o princípio de nossa comum Regeneração não tem querido outra cousa senão satisfazê-los uma vez que legal e claramente lhe sejam conhecidos: falai pois, dizei o que quereis ou diretamente pelo órgão das vossas províncias; ou indiretamente pela voz de vossos Deputados: só este é o caminho direito para bem nos entendermos.38 38 CPL, v. I, n. X, 1822, p. 153.

Assumindo-se contra o que chamava a facção aristocrática, que segundo ele dirigia o Brasil, alertava para os perigos, quer do despotismo, quer do aproveitamento futuro dos eternos privilegiados que cercavam o príncipe D. Pedro (LUSTOSA, 2006LUSTOSA, Isabel. D. Pedro I: um herói sem nenhum caráter. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.). Lembrava que o processo do Ato Adicional brasileiro à Constituição ainda decorria no Parlamento.

Tão longe estão os Deputados Europeus de guardarem em si ocultos pensamentos contra vossa justa e racionável liberdade; e tão opostas são as suas ideias a tudo isso que os facciosos agora com muita enfase denominam - colonização do Brasil; que por um dos mais conhecidos Deputados da Europa foi apresentada uma indicação para que se formasse uma Comissão só, e exclusivamente composta de Deputados Brazilienses, a qual desse o projeto de um Artigo adicional de Constituição, relativo às localidades e aos desejos do povo do Brasil . Foi aprovada esta indicação; e em virtude dela vão estar autorizados vossos Representantes para formarem esse artigo adicional da Constituição.39 39 Ibidem, p. 154.

Com os seus intentos gorados e a Independência declarada a 7 de setembro de 1822, terminou o assunto relativo ao Brasil com um artigo que sumarizava magistralmente a doutrina liberal e o modelo cultural e político moderado por que se guiava, no qual tudo era faseado para evitar rupturas, e em que as exclusões (escravos, índios) eram vistas como possibilidades de inclusão futura; daí decorrente a enorme capacidade do mesmo modelo em se adaptar às várias realidades, que se iam apresentando. Rapidamente nos apercebemos pelas palavras do autor, a razão porque este texto se tornou necessário, urgente mesmo, por estar em preparação uma frota armada para ir confrontar o Brasil na sua decisão de independência de Portugal. Num artigo dirigido mais a Portugal que ao Brasil, Liberato condena veementemente a intenção de um ataque armado, e seguindo vários caminhos, começa por lembrar aos leitores as razões da Revolução Liberal, e quais os objetivos por ela definidos:

O dia 24 de Agosto de 1820, ratificado pelo dia 15 de setembro do mesmo ano, estabelecendo irrevogavelmente a nossa liberdade política, e dizendo ao antigo Poder arbitrário - tu não voltarás outra vez pelo menos como até agora existias, decretou e sancionou ao mesmo tempo, bem que tacitamente, a separação do Brasil. A força da união política da América com a Europa era de facto uma união violenta; e só podia durar enquanto não chegasse o termo irrevogável de ela ser quebrada pelos efeitos necessários e poderosos ou de um pesado despotismo ou de uma generosa liberdade. A união das Américas Inglesa e Espanhola quebrou-se pelos efeitos da primeira causa, isto é, de um despotismo mais ou menos disfarçado: a nossa união com o Brasil quebrou-se irremediavelmente pelos efeitos necessários da segunda causa, isto é, de uma franca, e generosa liberdade.40 40 CPL, v. II, n. XLVI, 1823, p. 306-307.

A partir do seu ponto de vista, recorda, em reforço da sua posição, o artigo 21 das bases da Constituição que afirmava o respeito pela vontade expressa pelos representantes do ultramar, no que respeitava o acordo e o juramento da Constituição liberal.41 41 Ibidem, p. 313. Reiterando a sua posição, isto é, de que o Brasil deveria ter esperado mais uns anos de convívio constitucional para assumir de forma amadurecida a sua Independência, a verdade é que esta fora a expressão da vontade do povo brasileiro, e não havia justiça no recurso à força para obrigar a uma união não desejada. Assim sendo, salientava que a opinião pública portuguesa não se manifestara favorável a essa ação, e que os comerciantes tinham recusado o seu contributo para a causa de uma guerra sem proveito. Liberato afirmava que estava na hora de rever, e retomar noutros moldes, as relações com o Brasil.

Que é inútil ou infrutuosa, política e mercantilmente falando; porque dela não se podem tirar vantagens, quer políticas, quer comerciais, superiores ás que podemos seguramente alcançar sem aquela guerra odiosa e fratricida; antes, muito pelo contrário, pode acontecer, que essas mesmas vantagens hajam por fim de diminuir-se com grande perda nossa. Que a temerária, ousada e impolítica empresa de uma guerra entre Portugal e o Brasil seja por sua natureza e por suas particulares circunstâncias notavelmente injusta, sem muita dificuldade se pode provar pelas próprias declarações que já fez a Nação por meio de seus Representantes, nas Cortes Constituintes.42 42 Ibidem, p. 312-313.

Defendia, portanto, um maior entendimento e aceitação das vontades manifestadas, para que se procurasse manter uma certa preferência no que dizia respeito a trocas comerciais. Estava na altura de negociar tratados em benefício de Portugal, e não de fazer guerra: “O nosso estado atual com o Brasil é o de irmãos que estão no ato de partilhas, e que sobre elas começa a ter todas as diversas pretensões que são próprias de uma tal qualidade de negócios. Não seria melhor arranjar todas essas diferenças sem demandas, do que depois de muitas, e longas, e renhidas?”43 43 Ibidem, p. 317.

Na verdade, Portugal vivia um momento difícil na afirmação do regime constitucional. Na Europa, ao abrigo da Santa Aliança, preparava-se uma expedição militar a Portugal para repor a antiga ordem de coisas. O reforço do comércio e amizade com o Brasil era, nesse enquadramento, um trunfo a não desperdiçar.

Temos na Europa inimigos certos, e irreconciliáveis, e que abertamente se preparam para invadir e assassinar as nossas liberdades. E nós que fazemos? As forças, que devíamos guardar para resistirmos a inimigos declarados, vão ser por nós debilitadas e divididas para com elas convertermos amigos em inimigos! Oh! Deus! até onde chega a política dos homens!44 44 Ibidem, p. 319-320.

Sem dúvida que as histórias conectadas entre o Brasil e Portugal iriam ainda encher muitas páginas e que a Independência do Brasil elevou o debate em torno da questão colonial para outro patamar. Provocando transversalidades insurgentes em África e na Índia, mas a história, na perspectiva da pós-colonialidade entre os países que falam português, está ainda por fazer. Naquela altura, porém, a ideia de Império liberal continuava em construção; depois da Índia e do Brasil, estava na hora de virar para a África. O próprio Liberato o afirmava no nº 6 do Campeão, dizendo que “sem invejarmos os destinos de nossos irmãos Brazilienses, iremos criar em nossas ilhas e em Africa um poder tão sólido e tão rico, que talvez bem cedo seja capaz de dar tardios arrependimentos a quem for causa dele aí se ir estabelecer”.45 45 CPL, v. I, n. VI, 1822, p. 93.

Periódicos

  • Diário das Cortes, jan.-abr., 1821.
  • Investigador Português em Inglaterra (18011-1819).
  • O Campeão Português em Lisboa (1822-1823).
  • O Campeão Português em Lisboa derrubado por terra a golpes da verdade, e da justiça/ por um brasileiro natural do Rio de Janeiro Rio de Janeiro: Tipografia de Torres e Costa, 1822.
  • O Paraense (1822-1823).

Referências

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  • MACHADO, Adelaide Vieira. A importância de se chamar português: José Liberato Freire de Carvalho na direção do Investigador Português em Inglaterra, 1814-1819. Coimbra: Lema d’Origem Editora, 2019.
  • PIMENTA, João Paulo Garrido. A Independência do Brasil e o liberalismo português: um balanço da produção acadêmica. Revista de História Iberoamericana, v. 1, n. 1, p. 70-105, 2008.
  • STEINMETZ, George. Empire and Colonialism. Oxford Bibliographies Disponível em:Disponível em:https://www.oxfordbibliographies.com/view/document/obo-9780199756384/obo-9780199756384-0090.xml Acesso em: 10 dez. 2021.
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  • TOMÁS, Manuel Fernandes. Relatório acerca do Estado Público de Portugal. Diário das Cortes, p. 32-40, 2 maio 1821.
  • VIANNA, Jorge Vinícius Monteiro. A Independência como conceito: o processo de emancipação política do reino do Brasil no interior do Império lusitano. Faces da História, Assis-SP, v. 5, n. 1, p. 44-64, jan.-jun. 2018.
  • 1
    A Guerra dos Sete Anos decorreu de 1756 a 1763. Uniu os principais reinos europeus contra a França de Luís XV, acabando por envolver as respectivas possessões ultramarinas.
  • 2
    Tradução nossa. No original: “The American, Haitian, and Latin American revolutions took place in a world configured by empires and their internal and external politics. The ‘freeborn Englishman’ in North America claimed his English rights against the English parliament and sought to create an ‘Empire of Liberty’. Indians and slaves were not to have a place in the new polity.”
  • 3
    Tradução nossa. No original: “Napoleon’s empire was a differentiated polity: parts incorporated into a core structure, others ruled by his relatives, by old dynasties cooperating with the regime, by direct military authority, or by systems of alliances.”
  • 4
    Este jornal será referido nas citações ao longo do artigo pelas iniciais IP.
  • 5
    IP, Reflexões, v. XV, mar. 1816, p. 103.
  • 6
    Ibidem, p. 103-104.
  • 7
    IP, Reflexões, jan. 1818, p. 396.
  • 8
    Ibidem, p. 395.
  • 9
    IP, Reflexões, v. XX, dez. 1817, p. 261.
  • 10
    Tradução nossa. No orginal: “Les Colonies ont pris la place que la révolution, pendant vingt-cinq ans, a remplie dans l'attention de l'univers.”
  • 11
    Tradução nossa. No orginal: “Depuis vingt ans, nous avons publié plusieurs écrits sur les questions coloniales. Une fois entré dans cette route dans laquelle le hasard, ou je ne sais quel instinct nous avait porté, il ne nous a plus été donné d'en pouvoir sortir […] Nous avons été réveillés au bruit des événements vraiment immenses qui viennent de se passer dans l'ordre colonial”. O autor francês equacionava, nesta obra, os principais pontos que agitavam a agenda colonial, que considerava ter-se tornado numa questão mundial: a disputa da Corte do Brasil com Espanha, relacionada com a ocupação de Montevidéu. Com a possibilidade de intervenção das cinco maiores potências europeias. A Independência proclamada em Pernambuco. A tentativa feita em Portugal, não contra o rei de Portugal, mas contra o rei do Brasil, reinando do Brasil para Portugal. A derrota e a morte do General Morillo, e a renovação da guerra nas sete províncias que compunham o Reino de Terra firme. A vitória de Buenos Ayres sobre o Chile, a agregação deste país à Independência, e a influência desta vitória na emancipação do Peru, de modo a completar a destruição, o apagamento do poder espanhol na América do Sul.
  • 12
    Tradução nossa. No orginal: “Il serait inutile et dangereux de s'aveugler sur l'état des Colonies ; ceux qui s'obstinent à n'y voir que des enfants, que des sujets de L’Europe, tellement inférieurs avec elle, qu'ils n'auraient qu'à recourir à sa clémence, sont loin de connaître leur position véritable. Si la guerre d'Amérique, si celle de l'Espagne avec ses colonies ne suffisent point pour les éclairer sur le véritable état des choses ; eh bien, qu'ils apprennent que, sous un grand nombre de rapports, les Colonies sont égales à l'Europe, qu'elles lui sont supérieures en quelques autres. La civilisation a marché plus rapidement qu'en Europe […] il n'y a plus de colons proprement dits, c'est-à-dire d'hommes dont la pensée, les actions, toute l'existence, dépendaient de la métropole, et avaient l'air d'être inspirées et créées par elle.”
  • 13
    Tradução nossa. No orginal: “L'opinion publique est une reine dont l'armée se forme lentement, mais qui est invincible quand elle est rassemblée, et qui a déjà tout envahi lorsqu'elle se montre.”
  • 14
    Tradução nossa. No orginal: “L'esprit révolutionnaire n'est donc qu'un effet ; la cause est ailleurs, et c'est là qu'il faut l'aller chercher pour l'éteindre. Gardons -nous d'imiter l'animal stupide et féroce, qui décharge sa rage et son écume sur la pierre qui arrive à lui en bondissant, et qui ne voit pas la main qui l'a lancée.”
  • 15
    Tradução nossa. No orginal: “Aujourd'hui les hommes en savent trop pour ne considérer les gouvernements que du côté de la satisfaction des titulaires ; ils veulent aussi y trouver la satisfaction des besoins de la société. D'un autre côté, les colonies devenues fortes, riches, peuplées, en savent autant que les métropoles, sont aussi exigeantes qu'elles, et veulent être gouvernées pour elles, et non plus par des préposés envoyés d'un autre monde, et toujours prêts à y retourner. Dans ce conflit, qui cédera, des colonies ou des métropoles ? Tout ce vieil ordre a donc croulé.”
  • 16
    Obra do Abade sobre o Congresso foi publicada no Investigador Português em Inglaterra. Abade de Pradt (1759-1837), O Congresso de Viena. Publicação iniciada no Investigador Português em Inglaterra, v. XVI, p. 153-157, saiu em todos os números seguintes, e terminou no v. XXII, p. 146-158.
  • 17
    IP, v. XX, Reflexões, jan. 1818, p. 393-397.
  • 18
    IP, v. XXI, dez. 1818, p. 409-449.
  • 19
    Sobre a União das três Guianas Portuguesa, Francesa e Holandesa para formarem um reino anexo ao Império do Brasil. IP, v. VIII, ago. 1813, p. 255-263.
  • 20
    Diário das Cortes. Consultado só para o período de janeiro a maio de 1821. Este jornal será referido nas citações ao longo do artigo pelas iniciais DC.
  • 21
    DC, 5 fev. 1821.
  • 22
    A lembrar, sem referir, o episódio da travessia do Delaware de George Washington como episódio fundamental da guerra da Independência.
  • 23
    DC, 5 abr. 1821, p. 481.
  • 24
    Ibidem, p. 483.
  • 25
    Ibidem, p. 481.
  • 26
    O documento aparece assinado, entre outros, por João Carlos Augusto Oeynhausen, José Bonifácio de Andrada e Silva e Martim Francisco Ribeiro de Andrade.
  • 27
    Lembranças e apontamentos; do Governo Provisório para os senhores deputados da Província de São Paulo; mandadas publicar por ordem de Sua Alteza Real, o Príncipe Regente do Brasil; a instâncias dos mesmos Senhores Deputados. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1821, p. 6.
  • 28
    Ibidem, p. 7.
  • 29
    Ibidem, p. 8.
  • 30
    Este jornal será referido nas citações ao longo do artigo pelas iniciais CPL.
  • 31
    CPL, v. I, n. I, 6 abr. 1822, p. 4-5.
  • 32
    Ibidem, Cabeçalho.
  • 33
    Todo este conjunto de argumentos valeu ao Campeão Português uma crítica de arraso, ao estilo da época, por parte do Pe. Perereca (Luís Gonçalves dos Santos). Ver O Campeão Português em Lisboa derrubado por terra a golpes da verdade, e da justiça/ por um brasileiro natural do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Tipografia de Torres e Costa, 1822.
  • 34
    Revolta de escravos vitoriosa, que durou de 1794 até 1804, terminando nessa data com a declaração de Independência do Haiti.
  • 35
    CPL, v. I, n. III, 1822, p. 47.
  • 36
    CPL, v. I, n. VI, 1822, p. 82.
  • 37
    CPL, v. I, n. VI, 1822, p. 82.
  • 38
    CPL, v. I, n. X, 1822, p. 153.
  • 39
    Ibidem, p. 154.
  • 40
    CPL, v. II, n. XLVI, 1823, p. 306-307.
  • 41
    Ibidem, p. 313.
  • 42
    Ibidem, p. 312-313.
  • 43
    Ibidem, p. 317.
  • 44
    Ibidem, p. 319-320.
  • 45
    CPL, v. I, n. VI, 1822, p. 93.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    09 Fev 2020
  • Aceito
    09 Maio 2022
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