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Infecção de goiabas por Colletotrichum gloeosporioides e Colletotrichum acutatum sob diferentes temperaturas e períodos de molhamento

Infection of guava by Colletotrichum gloeosporioides and Colletotrichum acutatum under different temperatures and wetting periods

Resumos

A antracnose, causada por Colletotrichum gloeosporioides e Colletotrichum acutatum, é uma das principais doenças pós-colheita em goiabas. Este trabalho teve por objetivo determinar a influência de fatores ambientais na germinação e na formação de apressórios de Colletotrichum gloeosporioides e C. acutatum e na infecção de goiabas 'Kumagai' por estes patógenos. A germinação e a formação de apressórios in vitro foram determinadas sob temperaturas de 10, 15, 20, 25, 30, 35 e 40ºC, com períodos de molhamento de 6, 12 e 24 horas. A infecção de goiabas foi determinada sob temperaturas de 15, 20, 25 e 30ºC e período de molhamento de 24 horas. Não houve germinação a 40ºC em nenhuma das duas espécies. A germinação e formação de apressórios foram bastante elevadas no intervalo de 15 a 30ºC para C. gloeosporioides, com máximo a 25ºC. Para a espécie C. acutatum, a germinação e a formação de apressórios foram mais sensíveis a variações da temperatura, com máximo a 20ºC. Os períodos de molhamento testados pouco influenciaram a germinação de C. gloeosporioides, enquanto que em C. acutatum a germinação foi significativamente menor com 6 horas de molhamento em relação a 12 e 24 horas. A infecção de goiabas, pelas duas espécies fúngicas, foi crescente com a temperatura, diferentemente da germinação de conídios e formação de apressórios. Incidências de 100% de frutos doentes ocorreram a 30ºC, para ambas as espécies, aos 10 dias após a inoculação.

Psidium guajava; antracnose; germinação; formação de apressórios; doenças pós-colheita


Anthracnose, caused by Colletotrichum gloeosporioides and C. acutatum, is one of the main post-harvest diseases in guavas. This study aimed to determine the influence of environmental variables on germination and appressorium formation of Colletotrichum gloeosporioides and C. acutatum and infection of "Kumagai" guavas by these pathogens. The germination rate and the apressorium formation rate in vitro were determined under temperatures of 10, 15, 20, 25, 30, 35 and 40ºC, with wetting periods of 6, 12 and 24 hours. The infection of guavas was determined under temperatures of 15, 20, 25 and 30ºC and wetting period of 24 hours. There was no germination at 40ºC for either species. The germination and apressorium formation rate were rather high in the range of 15 to 30ºC for C. gloeosporioides, with a maximum at 25ºC. For the species C. acutatum, germination and apressorium formation rates were more sensitive to variations in temperature, with a maximum at 20ºC. The wetting periods tested somewhat influenced the germination of C. gloeosporioides, whereas in C. acutatum the germination was significantly lower with 6 hours of wetting than 12 and 24 hours. The infection of guavas, for both fungal species, increased with the temperature, unlike conidium germination and apressorium formation. Incidences of 100% occurred with 30°C, at 10 days after the inoculation.

Psidium guajava; anthracnose; germination; appressorium formation; post-harvest diseases


RESEARCH ARTICLE ARTIGO

Infecção de goiabas por Colletotrichum gloeosporioides e Colletotrichum acutatum sob diferentes temperaturas e períodos de molhamento

Infection of guava by Colletotrichum gloeosporioides and Colletotrichum acutatum under different temperatures and wetting periods

Ana R. Soares; Silvia A. Lourenço; Lilian Amorim

Departamento de Entomologia, Fitopatologia e Zoologia Agrícola, Setor de Fitopatologia, ESALQ, Universidade de São Paulo, 13418-900, Piracicaba, SP, Brasil

RESUMO

A antracnose, causada por Colletotrichum gloeosporioides e Colletotrichum acutatum, é uma das principais doenças pós-colheita em goiabas. Este trabalho teve por objetivo determinar a influência de fatores ambientais na germinação e na formação de apressórios de Colletotrichum gloeosporioides e C. acutatum e na infecção de goiabas 'Kumagai' por estes patógenos. A germinação e a formação de apressórios in vitro foram determinadas sob temperaturas de 10, 15, 20, 25, 30, 35 e 40ºC, com períodos de molhamento de 6, 12 e 24 horas. A infecção de goiabas foi determinada sob temperaturas de 15, 20, 25 e 30ºC e período de molhamento de 24 horas. Não houve germinação a 40ºC em nenhuma das duas espécies. A germinação e formação de apressórios foram bastante elevadas no intervalo de 15 a 30ºC para C. gloeosporioides, com máximo a 25ºC. Para a espécie C. acutatum, a germinação e a formação de apressórios foram mais sensíveis a variações da temperatura, com máximo a 20ºC. Os períodos de molhamento testados pouco influenciaram a germinação de C. gloeosporioides, enquanto que em C. acutatum a germinação foi significativamente menor com 6 horas de molhamento em relação a 12 e 24 horas. A infecção de goiabas, pelas duas espécies fúngicas, foi crescente com a temperatura, diferentemente da germinação de conídios e formação de apressórios. Incidências de 100% de frutos doentes ocorreram a 30ºC, para ambas as espécies, aos 10 dias após a inoculação.

Palavras-chave:Psidium guajava, antracnose, germinação, formação de apressórios, doenças pós-colheita.

ABSTRACT

Anthracnose, caused by Colletotrichum gloeosporioides and C. acutatum, is one of the main post-harvest diseases in guavas. This study aimed to determine the influence of environmental variables on germination and appressorium formation of Colletotrichum gloeosporioides and C. acutatum and infection of "Kumagai" guavas by these pathogens. The germination rate and the apressorium formation rate in vitro were determined under temperatures of 10, 15, 20, 25, 30, 35 and 40ºC, with wetting periods of 6, 12 and 24 hours. The infection of guavas was determined under temperatures of 15, 20, 25 and 30ºC and wetting period of 24 hours. There was no germination at 40ºC for either species. The germination and apressorium formation rate were rather high in the range of 15 to 30ºC for C. gloeosporioides, with a maximum at 25ºC. For the species C. acutatum, germination and apressorium formation rates were more sensitive to variations in temperature, with a maximum at 20ºC. The wetting periods tested somewhat influenced the germination of C. gloeosporioides, whereas in C. acutatum the germination was significantly lower with 6 hours of wetting than 12 and 24 hours. The infection of guavas, for both fungal species, increased with the temperature, unlike conidium germination and apressorium formation. Incidences of 100% occurred with 30°C, at 10 days after the inoculation.

Keywords:Psidium guajava, anthracnose, germination, appressorium formation, post-harvest diseases.

INTRODUÇÃO

A antracnose, também conhecida como mancha chocolate, é a principal doença pós-colheita em goiaba (Psidium guajava L.) no Brasil (Piccinin et al., 2005). Colletotrichum gloeosporioides (Penz.) Penz. & Sacc. foi, por muito tempo, considerado o único agente causal da doença (Piccinin et al., 2005; Junqueira & Costa., 2002). Mais recentemente, no entanto, baseados em técnicas moleculares de identificação de espécies de Colletotrichum, Peres et al. (2002) identificaram Colletotrichum acutatum J.H. Simmonds associado a lesões de antracnose em goiaba. Assim a antracnose da goiaba pode ser causada por infecções simples ou múltiplas dessas duas espécies fúngicas.

As espécies de Colletotrichum apresentam uma ampla distribuição geográfica, particularmente em ambientes quentes e úmidos dos trópicos, onde causam danos em culturas diversas, os quais são principalmente severos em frutas. Em São Paulo, a incidência de antracnose varia com a época do ano em que a goiaba é produzida. A incidência média da doença em pomares da região de Campinas foi de 5% de frutos doentes, com picos de 10% nos frutos colhidos no final do verão (Amaral et al., 2007). Levantamento realizado no mercado atacadista paulistano também mostrou que a antracnose é uma das principais doenças da goiaba, sendo mais freqüente em frutos que foram ensacados na árvore, em relação àqueles que não receberam essa proteção (Martins et al., 2007). Como a comercialização no mercado atacadista é feita com frutos muito verdes, a incidência média da doença, nesse segmento da cadeia produtiva, é sempre baixa, menor que 1%.

Espécies de Colletotrichum infectam goiabas em diferentes estádios fenológicos, mesmo na ausência de ferimentos, permanecendo quiescentes até a maturação (Barkai-Golan, 2001; Moraes et al., 2008). Os sintomas da antracnose são caracterizados por áreas de formato mais ou menos circulares e de coloração escura. Em condições de umidade elevada, é possível observar, sobre as lesões, uma massa de esporos de cor alaranjada, correspondendo à matriz mucilaginosa do fungo. C. gloeosporioides pode sobreviver na superfície dos frutos de qualquer estádio fenológico na forma de apressório. A infecção, no entanto, só ocorre em frutos próximos à maturação (após 85 dias a contar da queda das pétalas), quando o "peg" de penetração se forma e uma vesícula invagina nas células superficiais da epiderme do fruto (Moraes et al., 2008). As condições de ambiente favoráveis à germinação e à formação de apressórios não foram determinadas para isolados de Colletotrichum causadores de antracnose em goiaba. Por sua vez, experimentos realizados com isolados de C. gloeosporioides e C. acutatum, causadores de antracnose em abacate, mostraram que as temperaturas mínimas para a germinação e formação de apressórios foram sempre maiores em C. gloeosporioides que em C. acutatum. Enquanto a germinação de conídios de C. gloeosporioides foi inibida em temperaturas inferiores a 13,7ºC, após incubação por 24 horas, a germinação de C. acutatum só foi inibida em temperaturas menores que 7,1ºC (Everett, 2003). Informações sobre os fatores ambientais que favorecem os processos de pré-penetração e de infecção são valiosos no desenvolvimento de sistemas de previsão de doenças e podem contribuir para direcionar ações de controle. Essas informações são desconhecidas no patossistema Colletotrichum-goiaba.

O controle da antracnose, no campo, é feito basicamente com métodos culturais e químicos. O controle cultural é feito por meio de poda de ramos com sintomas, plantios em espaçamento que permitam um bom arejamento das plantas, colheitas freqüentes sem deixar frutos na planta, adubações equilibradas controlando doses de nitrogênio. O controle químico é realizado com pulverização de fungicidas cúpricos quando os frutos estão com menos de 3 cm de comprimento (Piccinin et al., 2005), seguido de ensacamento ou de pulverização durante todo o crescimento do fruto (Junqueira & Costa, 2002). Entretanto, devido aos efeitos prejudiciais dos fungicidas ao meio ambiente e à saúde humana, e na tentativa de enquadramento dos cultivos ao sistema PIF (Produção Integrada de Frutas), a tendência é a redução no uso de agroquímicos, associada ao uso de sistemas de previsão e estratégias alternativas de controle.

Considerando a importância da antracnose em goiaba pós-colheita e a necessidade de redução no uso de agroquímicos com a implantação de sistemas de previsão de doenças, o objetivo deste trabalho foi determinar as condições ambientais favoráveis à pré-penetração e à infecção de C. gloeosporioides e C. acutatum em goiabas 'Kumagai'.

MATERIAIS E MÉTODOS

Obtenção e preparo da suspensão fúngica

Os isolados de C. gloeosporioides e C. acutatum foram obtidos de frutos doentes, da variedade Kumagai (polpa branca) e cultivados em meio de aveia-ágar (Tuite, 1969), o qual favorece a esporulação (Dhingra & Sinclair, 1985). As placas foram mantidas sob luz contínua e temperatura ambiente (± 25ºC). Para a diferenciação segura das espécies, realizou-se um teste de PCR utilizando-se os pares de primers CgInt/ITS4 e CaInt2/ITS4 e a metodologia descrita por Adaskaveg & Hartin (1997).

A suspensão de conídios foi obtida com inóculo produzido em dois frutos (um para cada espécie), sete dias após a inoculação. Conídios foram transferidos dos frutos, juntamente com a massa mucilaginosa, com agulha histológica, para um becker contendo 10 mL de água destilada esterilizada. Realizou-se a contagem de conídios em câmara de Neubauer e, em seguida, a suspensão foi ajustada para 104 conídios.mL-1.

Influência da temperatura e do período de molhamento na germinação e na formação de apressórios de C. gloeosporioides e C. acutatum, in vitro

A germinação dos conídios foi determinada após a deposição de três gotas, eqüidistantes, de 50 µL de suspensão de conídios, na concentração de 104 conídios.mL-1, em cada placa de poliestireno. As placas abertas foram colocadas dentro de uma caixa plástica tipo gerbox contendo papel filtro umedecido com 20 mL de água destilada e foram mantidas em câmaras de crescimento (Ação científica, modelo AC 71) nas temperaturas constantes de 10, 15, 20, 25, 30, 35 e 40ºC e 6, 12 e 24 horas de molhamento, sob escuro contínuo. Para a interrupção do processo de germinação, após o período de molhamento pré-determinado, foram adicionados 20 µL de lactoglicerol à gota da suspensão fúngica. A avaliação da porcentagem de germinação consistiu na contagem dos 100 primeiros conídios encontrados em cada gota, considerando germinado, o conídio que apresentou tubo germinativo de tamanho igual ou superior ao comprimento do mesmo, ou aquele que mesmo apresentando tubo germinativo menor formou apressório. Contou-se também o número de apressórios formados, e calculou-se a porcentagem relativa ao número de conídios germinados.

Uma vez determinada a combinação de temperatura e molhamento ideal para a germinação de C. gloeosporioides e C. acutatum, ensaio semelhante foi realizado, sob temperaturas de 20 e 25 ºC, utilizando períodos descontínuos de molhamento, sendo (i) 6 horas de câmara úmida + 18 horas sem câmara úmida, (ii) 6 horas de câmara úmida + 12 horas sem câmara úmida + 6 horas de câmara úmida, (iii) 12 horas de câmara úmida + 12 horas sem câmara úmida e (iv) 24 horas de câmara úmida. Em todos os tratamentos, as placas foram mantidas destampadas dentro do gerbox contendo papel filtro umedecido em 20 mL de água destilada durante o período de molhamento inicial. Em seguida, as placas foram retiradas de dentro do gerbox, colocadas na câmara de exaustão para secagem da gota, durante 30 minutos, permanecendo pelo tempo pré-determinado de secagem dentro das câmaras de germinação, tampadas e sem o gerbox. O período de molhamento foi restabelecido, colocando-se 50 µL de água destilada e esterilizada sobre os conídios. As placas de poliestireno foram novamente colocadas dentro do gerbox destampadas em câmara úmida pelo período de tempo restante.

O delineamento estatístico utilizado foi inteiramente ao acaso. Foram utilizadas três placas, contendo três gotas cada uma, para cada combinação de temperatura e molhamento, totalizando nove repetições por tratamento. O experimento foi realizado duas vezes, simultaneamente para C. gloeosporioides e C. acutatum.

Influência da temperatura na infecção de Colletotrichum gloeosporioides e Colletotrichum acutatum em goiabas 'Kumagai'

Para a realização dos experimentos in vivo, goiabas 'Kumagai', em ponto de comercialização, foram obtidas da propriedade de Ricardo Kumagai, em Campinas, SP. Os frutos foram higienizados em solução de hipoclorito de sódio 0,5% por cinco minutos e posteriormente lavados em água corrente para retirar o excesso do produto. Em seguida, os frutos secaram em temperatura ambiente e então foram colocados em embalagens plásticas individuais. Colocou-se uma porção de algodão úmido em cada recipiente e realizou-se o ferimento com uma agulha histológica na superfície do fruto.

A suspensão de conídios foi semelhante à utilizada nos experimentos in vitro, porém ajustada para 105 conídios.mL-1. Alíquotas de 50 µL desta suspensão foram depositadas sobre o ferimento realizado. Os recipientes foram tampados e incubados em câmaras de crescimento (Ação científica, AC 71) sob temperaturas constantes de 15, 20, 25 e 30ºC e 24 horas de molhamento, sendo o algodão umedecido retirado após este período. Em ensaios preliminares, testou-se o armazenamento a 10ºC.

Diariamente, a incidência da doença foi avaliada, a partir do aparecimento da primeira lesão até a senescência dos frutos. Realizou-se o cálculo da área abaixo da curva da incidência (Berger, 1988) para determinar a influência da temperatura no comportamento dessa variável no tempo.

O delineamento experimental foi inteiramente casualizado. Para cada tratamento utilizaram-se 10 frutos (repetições) totalizando 240 frutos para cada experimento. Foram realizados dois experimentos, simultaneamente, para as duas espécies de Colletotrichum.

Análise dos dados

Os resultados dos experimentos in vitro foram analisados estatisticamente por meio de regressões não-lineares, utilizando o software STATÍSTICA 6.0 (Statsoft, Tulsa). Os dados de germinação e formação de apressórios foram ajustados ao modelo beta-monomolecular (Hau & Kranz 1990), descrito pela equação Z=(b1*((T-b2)^b3))*((b4-T)^b5))*(b6*(1-b7*exp(-b8*M))), onde Z corresponde a germinação de conídios (%) ou formação de apressórios (% relativa ao número de conídios germinados), T corresponde à temperatura (ºC), M corresponde ao período de molhamento (horas), b2 e b4 representam, respectivamente, as temperaturas mínima e máxima, b5 representa a amplitude da curva em sua faixa assintótica, b8 está relacionada à velocidade de aumento da variável dependente em função do molhamento e b1, b3, b6 e b7 são parâmetros do modelo. A adequação do modelo aos dados foi analisada pelos coeficientes de determinação (R2), obtidos da regressão não-linear. Para cada experimento foi feito um ajuste e todos os parâmetros de cada experimento foram comparados com o de sua repetição. Como não houve diferença estatística significativa entre eles, novo ajuste foi realizado utilizando os dados dos dois experimentos. Os parâmetros b2, b4, b5 e b8, obtidos para C. gloeosporioides e C. acutatum foram comparados pelo "teste t" para verificar se houve diferença significativa destes parâmetros entre as espécies.

A análise estatística do período de molhamento descontínuo foi realizada através da análise de variância (teste F), utilizando-se a transformação arco seno da proporção da germinação, sendo as médias comparadas pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade, utilizando o software STATÍSTICA 6.0.

O progresso da incidência da doença no tempo foi expresso graficamente e as áreas abaixo da curva de cada tratamento foram calculadas por integração trapezoidal (Berger, 1988). A curva da área abaixo da curva da incidência em função da temperatura foi analisada por meio de regressão não-linear utilizando uma generalização do modelo beta (Hau & Kranz, 1990), descrito pela equação Y=(b1*((T-b2)^b3)*((b4-T)^b5)), onde Y corresponde a área abaixo da curva de incidência, T corresponde à temperatura (ºC), b2 e b4 representam, respectivamente, as temperaturas mínima e máxima, b5 representa a amplitude da curva em sua faixa assintótica, b1 e b3 são parâmetros do modelo.

RESULTADOS

Influência da temperatura e do período de molhamento contínuo na germinação e formação de apressórios de Colletotrichum gloeosporioides e Colletotrichum acutatum, in vitro

O fungo C. gloeosporioides germinou em todas as temperaturas e períodos de molhamento avaliados, exceto a 40ºC. A faixa favorável à germinação de C. gloeosporioides estimada pelo modelo Beta monomolecular ocorreu sob temperaturas de 20 a 25ºC acima de 6 horas de molhamento, correspondendo a germinações acima de 50,0% (Figura 1A). Porém, acima de 12 horas, essa faixa se estendeu de 15 a 30ºC. As temperaturas mínima e máxima para germinação do fungo, previstas pelo ajuste do modelo, foram de 9,5 e 44,1 ºC, respectivamente (Tabela 1). O período de molhamento mínimo foi de 6 horas.



Conídios de C. gloeosporioides formaram apressórios em todas as combinações de temperaturas e períodos de molhamento, exceto a 40ºC. Porém, a 10ºC com 6 horas de molhamento e a 35ºC, independentemente do período de molhamento, os valores foram muito baixos com médias entre 2,6 e 1,5% de apressórios formados, considerando apenas os conídios germinados. Na temperatura de 10ºC, em média, apenas 2,2% dos conídios germinaram e destes observou-se, em média, 2,6% de apressórios. A faixa mais favorável à formação de apressórios (relativa aos conídios germinados), estimada pelo ajuste do modelo Beta monomolecular, ocorreu no intervalo de temperaturas de 15 a 30ºC acima de 6 horas, com germinações superiores a 50%, exceto a 30ºC e 6 horas de molhamento (Figura 1B). A formação de apressórios aumentou com o aumento dos períodos de incubação para todas as temperaturas. As temperaturas mínima e máxima para formação de apressórios previstas pelo ajuste do modelo beta monomolecular foram de 7,8ºC e 35,4ºC, respectivamente (Tabela 1). O período de molhamento mínimo foi de 6 horas.

Colletotrichum acutatum germinou em todas as temperaturas e períodos de molhamento, exceto a 40 ºC. Porém, as germinações a 10ºC com 6 e 12 horas de molhamento e a 35ºC em todos os períodos de molhamento foram abaixo de 5,0%. A faixa favorável à germinação de C. acutatum, estimada pelo ajuste do modelo Beta monomolecular, ocorreu sob temperaturas de 20 a 25ºC acima de 12 horas, correspondendo a germinações acima de 40% (Figura 1C). As temperaturas mínima e máxima para a germinação do fungo, previstas pelo ajuste do modelo beta-monomolecular foram de 6,3ºC e 42,5ºC, respectivamente (Tabela 1). O período de molhamento mínimo foi de 6 horas.

Os conídios de C. acutatum formaram apressórios em todas as temperaturas e períodos de molhamento, exceto a 35 e 40ºC e a 10ºC nos períodos de molhamento de 6 e 12 horas. A faixa favorável à formação de apressórios de C. acutatum, estimada pelo ajuste do modelo Beta monomolecular, ocorreu sob temperaturas de 20 e 25ºC acima de 6 horas de molhamento, com média acima de 40,0% (Figura 1D). Porém, nas temperaturas de 20 a 30ºC acima de 12 horas houve formação de apressórios (relativa ao número de conídios germinados) acima de 40%. As temperaturas mínima e máxima para formação de apressórios previstas pelo ajuste do modelo foram de 9,2ºC e 35,1ºC, respectivamente (Tabela 1). O período de molhamento mínimo foi de 6 horas.

Não houve diferença significativa pelo teste t (P<0,05) entre os parâmetros b2, b4 e b5, correspondentes à temperatura mínima, máxima e faixa de amplitude da superfície, respectivamente, quando se compararam as variáveis germinação e formação de apressórios de C. gloeosporioides e C. acutatum.

O parâmetro b8 do modelo reflete a velocidade de aumento da variável dependente (germinação ou formação de apressórios) em função do período de molhamento. Ele foi significativamente diferente de zero apenas na germinação de conídios de C. acutatum. Assim, o aumento do período de molhamento implicou em significativo aumento na germinação de conídios de C. acutatum, mas não teve influência na germinação de C. gloeosporioides. Em ambas as espécies fúngicas a formação de apressórios foi indiferente ao período de molhamento (Tabela 1).

Influência da temperatura e do período de molhamento descontínuo na germinação e formação de apressórios de Colletotrichum gloeosporioides e Colletotrichum acutatum, in vitro

A germinação de conídios de C. gloeosporioides submetidos a períodos de seca mostrou que o fungo não suportou interrupções no molhamento e que períodos de molhamento superiores a 12 horas não provocam incrementos na germinação nem na formação de apressórios (Figura 2A-B). Os tratamentos 12 horas de molhamento seguido de 12 horas de seca (12h/12h) e 24 horas de molhamento proporcionaram os maiores valores, com médias entre 87,6 e 90,4% e diferiram estatisticamente dos demais tratamentos pelo teste de Tukey (P<0,05) nas temperaturas testadas. Os demais tratamentos não diferiram entre si (Figura 2A). Tendência semelhante foi encontrada na formação máxima de apressórios. Nesse caso, porém, a formação máxima de apressórios foi obtida com apenas 6 horas de molhamento (Figura 2B), não havendo diferenças entre os tratamentos a 20ºC. Apenas com períodos de molhamento de 24 horas e temperatura de 25ºC houve incremento significativo, proporcionando a máxima formação de apressórios (92,2%).



A germinação de conídios de C. acutatum foi mais sensível aos períodos sem molhamento que C. gloeosporioides. As maiores porcentagens de germinação (médias entre 69,5 e 76,0%) foram observadas no tratamento 12h/12h e 24 horas, as quais diferiram estatisticamente dos demais tratamentos, pelo teste de Tukey (P<0,05) (Figura 2C). Os tratamentos 6h/12h/6h e 6h/18h não diferiram entre si e as médias de germinação foram de 21,4 a 23,0%. Não houve diferença estatística entre as temperaturas testadas. Na formação de apressórios não houve diferença estatística entre as temperaturas e o tratamento 24 horas de molhamento apresentou os maiores valores (médias entre 75,9 e 82,6%), diferindo estatisticamente dos demais tratamentos (Figura 2D).

Influência da temperatura na infecção de Colletotrichum gloeosporioides e Colletotrichum acutatum em goiabas 'Kumagai'

A incidência de frutos doentes foi crescente com o aumento da temperatura. A maior incidência da doença (100%) ocorreu, 10 dias após a inoculação, sob temperatura de 30ºC para ambos os patógenos. Sob temperatura de 15ºC, as máximas incidências, alcançadas 14 dias após a inoculação, foram, em média, de 50 e 55%, para C. gloeosporioides e C. acutatum, respectivamente. Em testes preliminares, não houve infecção sob temperatura de 10ºC para nenhuma das espécies de Colletotrichum testada. As curvas das áreas abaixo das curvas de progresso da incidência de doença aumentaram com o aumento da temperatura até 30ºC, de forma semelhante para ambos os fungos (Figura 3). Os parâmetros b1, b2, b3, b4 e b5 das equações do modelo Beta ajustados aos dados da área abaixo da curva de incidência para C. gloeosporioides foram 0,19, 4,5, 1,5, 47,2, 1,18 e para C. acutatum foram 0,78, 1,2, 1,4, 45,0, 0,77, respectivamente. Os coeficientes de determinação (R2) dos ajustes para C. gloeosporioides e C. acutatum foram de 0,98 e 0,99, respectivamente


DISCUSSÃO

De modo geral, os requerimentos para o crescimento in vitro de ambos os fungos são similares. É importante observar que, embora a temperatura e molhamento favoráveis à germinação e formação de apressórios para C. gloeosporioides estejam entre 20 e 25ºC acima de 6 horas de molhamento, com 15 e 30ºC e 6 horas de molhamento obtém-se médias em torno de 40% de germinação, significante para a doença em campo.

Diferentemente de isolados causadores de antracnose em abacate, para os quais demonstrou-se mais tolerância de C. acutatum a temperaturas baixas, significativamente diferente de C. gloeosporioides (Everett, 2003), neste trabalho não foi constatada diferença estatística entre as espécies. A rápida germinação e formação de apressórios em ampla faixa de temperatura indicam habilidade das duas espécies em explorar condições noturnas, com temperaturas mais amenas e prolongado período de orvalho e diurnas, com altas temperaturas, que são características de situações de campo durante o verão.

Além da temperatura, o período de molhamento mostrou influência na germinação, principalmente de C. acutatum. Comparando-se com C. gloeosporioides, C. acutatum é mais sensível a períodos de molhamento mais curtos. Por outro lado, Estrada et al. (2000) constataram que a formação de apressórios de isolados de C. gloeosporioides de manga era altamente inibida em curtos períodos de molhamento e mostraram incremento significativo quando o período passava de 12 para 24 horas de molhamento. A duração do período de molhamento influencia o estabelecimento da infecção. Assim, molhamentos curtos podem impedir a ocorrência do fenômeno. A temperatura, por sua vez, determina rapidez e extensão da infecção, sendo, portanto, de influência quantitativa (Leite & Amorim, 2002).

Com 24 horas de molhamento e temperaturas acima de 30 ºC observou-se a formação de ramificações do tubo germinativo e formação de mais de um apressório por tudo germinativo somente em C. gloeosporioides. Dinh et al. (2003) também observaram, em estudo in vivo com mangas, que conídios de C. gloeosporioides apresentaram ramificações no tubo germinativo e produziram mais de um apressório após 48 horas de molhamento.

Nenhum dos patógenos recuperou a germinação após interrupção do molhamento. O efeito da interrupção do período de molhamento no desenvolvimento da doença depende de quando o período seco ocorre durante a infecção. A infecção pode não ocorrer se o período seco sobrevir o início da germinação, antes da formação de apressórios. Para Mycosphaerella pinodes, a umidade é essencial para a germinação, mas a formação de apressórios, a penetração e o desenvolvimento da doença podem progredir durante períodos secos (Roger et al., 1999).

O conhecimento das condições que favorecem a germinação e formação de apressórios in vitro é importante para se comparar com o que ocorre no fruto. Os frutos apresentam composição muito variável e por ser um fruto climatérico (Azzolini, 2002; Mercado-Silva et al., 1998), a goiaba passa por diversas transformações durante o amadurecimento, as quais podem influenciar no desenvolvimento do patógeno. Durante o amadurecimento ocorre a conversão de carboidratos insolúveis em açúcares solúveis necessários ao desenvolvimento do fungo, que sai da quiescência e entra em atividade patogênica (Barkai-Golan, 2001; Prusky, 1996).

Os patógenos apresentaram comportamento semelhante para as variáveis testadas, desenvolvendo-se melhor nos frutos sob altas temperaturas. Em temperaturas elevadas, com apenas 10 dias de incubação, 100% dos frutos mostraram sintomas. A redução na temperatura reduziu a incidência de 100 para 50% no mesmo período, conseqüentemente, prolongando o tempo de incubação, o que ocorreu com frutos armazenados a 15ºC.

A faixa favorável à doença foi bastante ampla coincidindo com as temperaturas que ocorrem nos campos de produção e com a presença de frutos no pomar. Porém, o período de molhamento favorável foi a partir de 6 horas, nos experimentos in vivo. Esta combinação permite a elaboração de sistemas de previsão, pois limita a época favorável de ocorrência da doença. Considerando que, através da poda e irrigação, os produtores de fruta de mesa colhem a goiaba o ano todo, poder-se-ia propor um sistema de previsão para realizar a aplicação de agroquímicos apenas nas épocas favoráveis à doença, associando a outros métodos de controle como recolhimento de frutos com sintomas do pomar, bem como manter os frutos sob refrigeração, logo após a colheita, entre 10 e 15ºC, dependendo do período tempo entre armazenamento e consumo. Segundo Jacomino et al. (2003), goiabas 'Kumagai' armazenadas a 10 ou 12ºC podem ser conservadas por 14 dias e se armazenadas a 8ºC podem ser conservadas por 21 dias. Como já mencionado, o armazenamento em baixas temperaturas logo após a colheita retarda o aparecimento e reduz o desenvolvimento de C. gloeosporioides e C. acutatum, podendo aumentar o tempo de comercialização, bem como reduzir a perda de frutos.

AGRADECIMENTOS

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo pela concessão de bolsa de estudos (Processo 05/57751-1) e financiamento da pesquisa (03/10025-9).

Recebido 18 Fevereiro 2008

Aceito 11 Agosto 2008

Autor para correspondência: Lilian Amorim, e-mail: liamorim@esalq.usp.br

TPP 8017

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Out 2008
  • Data do Fascículo
    Ago 2008

Histórico

  • Aceito
    11 Ago 2008
  • Recebido
    18 Fev 2008
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