Acessibilidade / Reportar erro

Brasília classificada: novos espaços de classe média na capital federal

Classified Brasília: new spaces of middle classes in the federal capital of Brazil

Resumo

Este artigo tem como proposta pensar aspectos do “fazer-cidade” (Agier, 2015) a partir do estabelecimento de áreas residenciais destinadas a membros das camadas médias em Brasília. Iniciamos com uma discussão acerca da história de proposição e ocupação residencial do Plano Piloto para em seguida pensar com base em duas experiências de trabalho de campo antropológico vividas em anos recentes, notadamente nos condomínios horizontais estabelecidos no início do presente século e no recém-inaugurado Setor Noroeste, cuja construção foi possibilitada pelo Plano Diretor de Ordenamento Territorial aprovado em 2009. O argumento central é que, em seu processo de consolidação e expansão, a “nova capital” brasileira vem se caracterizando, cada vez mais, pela condição de classe de seus moradores, em processo que denominamos de classificação do espaço.

Brasília; Classificação do espaço; Expansão urbana; Classe média

Abstract

This article aims to consider aspects of “city making” (Agier, 2015) from the establishment of residential areas for members of the middle strata in Brasília. We begin with a discussion about the history of proposition and residential occupation of the Pilot Plan and discuss two experiences of anthropological fieldwork carried out in recent years, notably in the horizontal condominiums established at the beginning of this century and in the recently settled Northwest Sector, whose constructions were made possible by the Territorial Master Plan approved in 2009. The central argument is that, in its consolidation and expansion process, the “new capital” of Brazil has been increasingly characterized by the class condition of its inhabitants, in a process that we call classification of space.

Brasília; Classification of space; Urban expansion; Middle class

Introdução

Este artigo tem como proposta pensar aspectos do “fazer-cidade” (Agier, 2015AGIER, Michel. (2015), “Do direito à cidade ao fazer-cidade: o antropólogo, a margem e o centro”. Mana , 21, (3): 483-498.) a partir do estabelecimento de áreas residenciais destinadas a membros das camadas médias em Brasília que, ao serem estabelecidas, transformam os espaços que ocupam no sentido de torná-los classificados , ou seja, identificados como territórios cujos direitos de ali viver estão vinculados a uma classe social específica. Dialogamos, assim, com a proposta do dossiê no sentido de pensar transformações no espaço ao longo do tempo, em processo que institui também temporalidades modernas ao instituir e consolidar a capital do Brasil.

Nos casos discutidos, identificamos processos que procuram estabelecer determinadas configurações residenciais – superquadras e condomínios – como espaços territorializados de classe média. Argumentamos que esses processos, para além das áreas onde realizamos pesquisas etnográficas, vêm ocorrendo no sentido mais amplo com a cidade de Brasília, a começar pelo Plano Piloto, idealizado originalmente para abrigar os trabalhadores assalariados da burocracia federal.

Iniciamos com uma discussão acerca da história do Plano Piloto para, em seguida, pensar com base em duas experiências de trabalho de campo antropológico vividas em anos recentes, notadamente nos condomínios horizontais estabelecidos desde o final do século XX na área do chamado Grande Colorado e no recém-inaugurado Setor Noroeste, cuja construção foi possibilitada a partir do Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT), aprovado em 2009. O argumento central é que a atual capital brasileira vem se caracterizando, cada vez mais, pela condição de classe de seus moradores, em diálogo com o conceito de espacialização da classe proposto por Li Zhang (2010)ZHANG, Li. (2010), In search of paradise: middle-class living in a Chinese metropolis . Londres, Cornell University Press. para caracterizar espaços destinados à nova classe média urbana no sudoeste da China2 2 . O entendimento de “classe social” do qual partimos é uma conjunção de nível educacional, ocupação profissional e nível de renda, dando continuidade à linhagem weberiana, cujo foco está mais na estratificação social do que no conflito dado pela oposição de classe dominante e dominada, que seguiria a escola marxista. Do ponto de vista antropológico/etnográfico, Gilberto Velho (1994, 1997) criticou a ideia de homogeneidade de classe e, enfatizando a heterogeneidade de estilos de vida e visões de mundo, propôs utilizar a noção de “camadas médias urbanas” em seus trabalhos com residentes da Zona Sul do Rio de Janeiro. Embora reconheçamos a heterogeneidade de valores entre os membros das camadas médias, o foco na classe está relacionado com motivações em um mercado de consumo e produção de territórios que adquirem características simbólicas pelo perfil socioeconômico compartilhado por seus moradores. Assim, quando falamos de pessoas, em geral, as caracterizamos como membros das “camadas médias”, mas, ao falarmos dos espaços, os qualificamos como destinados e classificados como espaços de “classe média”. Para além da heterogeneidade de visões de mundo e estilos de vida, também identificamos semelhanças entre a posição estrutural da “classe média” no Brasil e na China, contexto no qual Li Zhang propõe o conceito de espacialização de classe. Em ambos os países, a maioria estatística da população se enquadra abaixo da “classe média” e, portanto, a identidade da mesma adquire contornos de elite, ainda que assalariada e não detentora dos meios de produção. Assim, a “classe média” no Brasil, como na China, distingue-se em termos de status da maior parte do “povo”. Essa situação é muito diferente do caso de países europeus e dos Estados Unidos, onde o termo “classe média” tem o sentido de retratar a média ( avera ge) da sociedade e está relacionado com concepções de igualdade e democracia (Zhang, 2010) .

No viés sociológico e antropológico, estudos vêm procurando entender diferentes experiências, valores e significados atribuídos pela multiplicidade de sujeitos que vivem no Distrito Federal e se organizam em termos de atividade no mundo do trabalho, de relações de parentesco, de origem regional, de circuitos de lazer, de adesões políticas e de tensores de classe, raça e gênero, bem como de processos de configuração identitária (Borges, 2003BORGES, Antonádia. (2003), Tempo de Brasília: etnografando lugares-eventos da política . Rio de Janeiro, Relume Damará.; Lasevitz, 2008LASEVITZ, Rafael. (2008), O jogo das cadeiras: o aqui fora e o lá dentro no pontão do Lago Sul . Monografia de bacharelado em antropologia social. Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília.; Cassemiro, 2012CASSEMIRO, Bruno Cesar Medeiros. (2012), Urbanidades e Ruralidades em Brasília: história da transformação de Vicente Pires – DF: chácaras, condomínios e cidade . Monografia de bacharelado em antropologia social. Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília.; Patriota de Moura e Vasconcelos, 2012PATRIOTA DE MOURA, Cristina & VASCONCELOS, Larissa. (2012), “Trajetos, Trajetórias e ‘motilidade’ na Universidade de Brasília”. Antropolítica , 32: 87-112.; Santarém, 2013SANTARÉM, Paulo Henrique da Silva. (2013), A Cidade Brasília (DFE): conflitos sociais e espaciais significados na raça . Dissertação de mestrado em antropologia. Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília.; Saraiva, 2014SARAIVA, Leila. (2014), Nem vítima nem algoz: mulheres de bicicleta em Brasília . Monografia de bacharelado em antropologia social. Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília., 2017SARAIVA, Leila. (2017), Não leve flores: crônicas etnográficas junto ao Movimento Passe Livre-DF . Dissertação de mestrado em Antropologia. Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília.)3 3 . Em relação a Brasília, do ponto de vista do urbanismo, encontramos defesas e ataques ao modelo de planejamento cuja ênfase está na singularidade da cidade-avião com suas escalas, superquadras, áreas verdes e monumentos. Essa cidade autoral, assinada por indivíduos específicos (como Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Athos Bulcão, Roberto Burle Marx) e reconhecida como patrimônio da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) desde 1987, é ao mesmo tempo avaliada em sua singularidade criativa e funcionalidade racionalista, conjugando o binômio obra/produto proposto por Lefebvre (2011) de maneira a problematizar o “direito à cidade” em uma configuração social nacional cujos índices de desigualdade chegam a desafiar os limites de qualquer perspectiva democrática. Outra aproximação frequentemente trilhada em debates acadêmicos é a da geografia regional, na qual a Brasília-metrópole, conforme problematizada nos escritos de Aldo Paviani e seus colaboradores (Paviani et al. , 2010), configura-se para além das fronteiras do quadrado delimitado pelo Distrito Federal, inclui conurbações com municípios goianos e evidencia processos “tipicamente brasileiros” de precariedade e má distribuição de renda e recursos. .

Propor em particular uma “antropologia da cidade” em Brasília implica, necessariamente, dialogar com múltiplas narrativas acerca da cidade-obra, cidade-produto, cidade-processo e cidade-ambiente em um campo discursivo em que a cidade é sempre objetivada, escalonada, projetada e mensurada. Ao contrário das cidades naturalizadas produzidas pelos “semeadores” descritos por Sérgio Buarque de Holanda (1982)HOLANDA, Sérgio Buarque. (1982), Raízes do Brasil . Sao Paulo, Jose Olympio., ou construídas como produto “espontâneo” do familismo patriarcal descrito por Gilberto Freyre (1990)FREYRE, Gilberto. (1990), Sobrados e Mucambos. Decadência do Patriarcado Rural e Desenvolvimento do Urbano . Rio de janeiro, Record., ou mesmo contrariamente à cidade abarcada pela lógica da “casa”, problematizada por Roberto DaMatta (1991)DAMATTA, Roberto. (1991), “Espaço: Casa, a rua e outro mundo: o caso do Brasil”. In: DAMATTA, Roberto. A Casa e a Rua . Rio de Janeiro, Guanabara Koogan., Brasília está sempre desconfortavelmente consciente de sua artificialidade e, por isso mesmo, sujeita a avaliações e escrutínios constantes. Para além de um “ambiente de intervenção” (Patriota de Moura, 2013PATRIOTA DE MOURA, Cristina. (2013), “O urbano e suas múltiplas dimensões”. Anuário Antropológico , 38 (2): 9-15.), Brasília guarda a marca de sua origem recente como intervenção em si mesma. Talvez justamente por isso seja tão interessante pensar o “fazer-cidade” (Agier, 2015AGIER, Michel. (2015), “Do direito à cidade ao fazer-cidade: o antropólogo, a margem e o centro”. Mana , 21, (3): 483-498.) em Brasília como movimento contínuo de composição (Patriota de Moura, 2012PATRIOTA DE MOURA, Cristina. (2012), Condomínios no Brasil Central: expansão urbana e antropologia . Brasília, Letras Livres/Editora Universidade de Brasília.) em que se sobrepõem projetos de diferentes intensidades e alcances.

Tanto os condomínios horizontais da região do Grande Colorado4 4 . O Grande Colorado se constitui a partir do desmembramento da Fazenda Paranoazinho e se localiza entre Sobradinho e o chamado Plano Piloto, na porção norte do território do Distrito Federal. quanto as superquadras do Setor Noroeste configuram novas áreas residenciais ocupadas por membros da chamada classe média brasiliense, composta em grande parte por sujeitos com curso superior completo e empregos estáveis conquistados por meio de concurso público. No caso da expansão em forma de condomínios, os trabalhos de Cristina Patriota de Moura (2010aPATRIOTA DE MOURA, Cristina. (2010a), “Condomínios horizontais no DF: elementos e composições”. Revista Antropolítica , 29: 47-68., 2010bPATRIOTA DE MOURA, Cristina. (2010b), “‘Condomínios’ no DF: clubes, favelas ou cidades?” In: PAVIANI, Aldo; BARRETO, Frederico; FERREIRA, Ignez; CIDADE, Lúcia & JATOBÁ, Sérgio. Brasília 50 anos: da capital à metrópole . Brasília, Editora UnB, pp. 281-306., 2012PATRIOTA DE MOURA, Cristina. (2012), Condomínios no Brasil Central: expansão urbana e antropologia . Brasília, Letras Livres/Editora Universidade de Brasília., 2013PATRIOTA DE MOURA, Cristina. (2013), “O urbano e suas múltiplas dimensões”. Anuário Antropológico , 38 (2): 9-15.) já evidenciaram o acoplamento de narrativas acerca de trajetórias pessoais e familiares a discursos públicos em torno da figura do “pioneiro” e do “candango”, em que a conquista de um pedaço de terra na capital para construir uma casa opera como elemento de participação (no sentido dado por Lucien Lévy-Bruhl) entre o pessoal e o urbano. Já no que tange ao Setor Noroeste, a valorização do “céu de Brasília” e do acesso aos recursos do Plano Piloto figuram como elementos que se destacam nas narrativas de proprietários de apartamentos situados nas mais novas superquadras.

Em meio a conquistas de parcelas de chão e céu por parte de sujeitos que se estabelecem como componentes de uma classe média brasiliense, outros lutam para sobreviver coletiva ou individualmente, de maneiras mais ou menos evidentes e sonoras, sob o mesmo firmamento e sobre pedaços de chão localizados nas mesmas coordenadas espaciais. Firmamento e chão se transformam, porém, em outras terras e paisagens, ao serem capturados por urbanidades que, argumentamos, dependem de processos de classificação do espaço atrelados a possibilidades de espacialização da classe média autorrepresentada como destinatária legítima da capital do Brasil.

Dividimos nossa discussão em quatro seções. Na primeira parte, fazemos uma breve recapitulação de trabalhos que analisaram a ocupação do Plano Piloto como espaço crescentemente destinado às camadas médias, com valores e prioridades atrelados às suas “condições de classe” (Bourdieu, 2013BOURDIEU, Pierre. (2013), A Distinção : crítica social do julgamento . 2. ed. Tradução de Daniela Kern e Guilherme J. F. Teixeira. Porto Alegre, Zouk.). Em uma segunda seção, retomamos as pesquisas feitas e orientadas por Patriota de Moura (2010PATRIOTA DE MOURA, Cristina. (2010), “Condomínios e Gated Comunitties: por uma antropologia das novas composições urbanas”. Anuário Antropológico , 32 (2): 209-232. e 2013) acerca da expansão urbana em forma de condomínios horizontais no Distrito Federal e seus significados até o momento da aprovação do Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT) em 20095 5 . Tais condomínios contam, em sua maioria, com “irregularidades” em diversos níveis, desde a ocupação ilegal de terras pertencentes à União (governo federal) a parcelamentos irregulares de glebas rurais pertencentes a pessoas físicas e loteamentos sem plano de urbanização. . Na terceira parte, tratamos particularmente do Setor Noroeste, cuja construção foi autorizada a partir do PDOT de 2009, em consonância com o plano “Brasília Revisitada”, trazendo apontamentos de pesquisa etnográfica realizada entre 2014 e 2016 no bairro (Januzzi, 2016JANUZZI, Vinicius Prado. (2016), O céu e a terra: o Setor Noroeste e seus primeiros moradores . Dissertação de mestrado em antropologia social. Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília.).

Argumentamos, por fim, que Brasília é atravessada por processos de classificação do espaço que configuram maneiras de apropriação do chão abaixo e do céu acima das moradias. Esses processos, a partir da percepção de segmentos de camadas médias, privilegiam o discurso da conquista pelo mérito de lugares que dão acesso à terra e ao céu da capital, em formulações simbólicas que classificam novos espaços, territorializando-os e tornando-os tangíveis e negociáveis em uma economia de mercado, ao passo que apagam e fazem esquecer formas de vida pré-existentes nas mesmas localidades, ao criarem noções de “vazios” a serem conquistados e contemplados (Figura 1).

Figura 1
: Fotografia feita em maio de 2018 de dentro de um automóvel, em área que faz parte do entroncamento central da capital. O texto que estampa a lateral de um dos viadutos é uma intervenção presente há meses. Céu, concreto e automóveis dão suporte ao individualismo espacializado na distância entre os corpos (© Patriota de Moura)

A cidade modernista e a praticidade individualista no Plano Piloto

Desde os primeiros anos da construção da nova capital, evidenciou-se a contradição fundamental entre o projeto urbanístico com inspirações igualitárias e a falta de provisão de local de moradia para os operários que empenharam seus corpos no serviço braçal da grande obra. Já na primeira década, a etnografia de David Epstein (1973)EPSTEIN, David. (1973), Brasília, plan and reality: a study of planned and spontaneous urban development . Berkeley, University of California Press. evidenciava a contradição entre o “plano” do Plano Piloto e a “realidade” dos acampamentos, vilas e “invasões” com construções precárias. A saga dos chamados candangos, excluídos dos planos de assentamento do urbanismo das superquadras e mansões dos setores de habitação individual, oferece elementos simbólicos importantes para pensar as contradições de Brasília (Ribeiro, 2008RIBEIRO, Gustavo Lins. (2008), O capital da esperança: a experiência dos trabalhadores na construção de Brasília . Brasília, Editora UnB.; Béu, 2013BÉU, Edson. (2013), Expresso Brasília: a história contada pelos candangos. Brasília, Editora UnB.).

James Holston, em seu livro A cidade modernista (1993), evidencia contradições na própria execução do projeto nas áreas residenciais das superquadras. Por um lado, o urbanista Lucio Costa anunciara que o filho do ministro estudaria na mesma escola que o filho do motorista, em uma convivência ineditamente democrática para a experiência social brasileira. Ambas as famílias (a do ministro e a de seu motorista) habitariam a mesma superquadra, ainda que em apartamentos de tamanhos diferentes, e a possibilidade de ascensão social pela educação estaria assegurada pelo plano educacional de Anísio Teixeira, que daria oportunidades de formação igual a ambos os “filhos” desde o jardim de infância até a universidade6 6 . Holston aponta que se, por um lado, motorista e ministro ocupavam posições de subordinação e comando respectivamente, ambos eram funcionários públicos e, portanto, membros de um estamento burocrático para o qual a cidade fora pensada. Assim, ainda que o motorista desempenhasse uma função subalterna, ele seria membro de um segmento seleto de trabalhadores vinculados ao aparato burocrático, diferentemente dos trabalhadores migrantes da construção civil, por exemplo. . Entretanto, para além do perfil “burocrático” dos moradores da nova capital, as próprias plantas dos apartamentos das superquadras traziam, por exemplo, dependências para empregadas domésticas, tidas como remanescentes das “senzalas” de nosso passado escravocrata.

Holston demonstra como o Plano Piloto se tornou, ao longo das duas primeiras décadas de sua ocupação, cada vez mais o local de moradia dos escalões superiores do serviço público, enquanto servidores “subalternos” tais quais motoristas, garçons, contínuos e copeiras, ainda que concursados e estáveis no serviço público, foram sendo empurrados para loteamentos nas cidades-satélites. Assim, mesmo com a predominância de imóveis funcionais, as chamadas Asas do avião-Brasília passaram a abrigar não somente membros da burocracia, mas cidadãos escolarizados, com rendas relativamente elevadas e funções qualificadas, cujos filhos estudavam em escolas particulares. Brasília acabou por se tornar a cidade com maior renda per capita do país, uma verdadeira “ilha da fantasia”. Essa nova configuração do Plano Piloto seria decorrente da inserção do Distrito Federal em processos mais amplos de desigualdade social em nível nacional, bem como de expropriações urbanas conduzidas por agentes imobiliários estatais e privados que decidiriam quem deveria ficar em determinadas porções do território.

Nas décadas de 1980 e 1990, temos dois trabalhos que indicam elementos de uma “mentalidade” atrelada à condição de classe dos moradores do Plano Piloto: a tese de Themis Quesado de Magalhães (e o artigo com Lia Zanotta Machado, 1985) e o livro de Brasilmar Ferreira Nunes, Brasília, a fantasia corporificada (2004). Esses trabalhos apontam para ideais individualistas atrelados à valorização do estudo e da meritocracia entre os habitantes do Plano Piloto, bem como valores como a praticidade e racionalidade. Brasília seria valorizada por seus habitantes de classe média não pela estética ou sociabilidade induzida por uma morfologia espacial, mas por proporcionar boas condições para a realização de projetos de ascensão social individuais e familiares (com foco na família nuclear). O espaço aparece , preferencialmente, como meio de acesso e suporte para o crescimento em suas carreiras, estabelecimento de núcleos familiares e aquisição de propriedades7 7 . “O espaço urbano tem, assim, a conotação de instrumentalidade. É percebido como o conjunto de equipamentos que propiciem o desenvolvimento individual e que estejam disponíveis ao núcleo familiar, para que esse possa gerir seus próprios fins – a qualificação de seus membros” (Machado e Magalhães, 1985, p. 295). .

Condomínios e os interstícios das camadas médias em expansão

Pensar em habitação para camadas médias em Brasília exige que levemos em conta a história da cidade em diversas de suas dimensões. Muito já foi dito a respeito do caráter utópico da construção da cidade e das motivações dos migrantes que vieram habitar a capital federal com elementos messiânicos em seu simbolismo. Inicialmente, havia uma clara divisão entre aqueles para quem a cidade fora projetada – os funcionários públicos – e aqueles que tornaram a cidade possível , mas que não deveriam permanecer no Plano Piloto – principalmente pequenos comerciantes e trabalhadores braçais.

Entre a última década do século XX e a primeira do presente milênio, houve acelerado crescimento da área urbana do Distrito Federal. Surgiram áreas residenciais para a população de baixa renda, em grande parte de migração recente, novas “cidades” para segmentos menos abastados de classe média, como Águas Claras, e uma profusão de loteamentos irregulares ocupados por meio de autoconstrução por sujeitos de diferentes estratos sociais. Esses loteamentos, em grande parte murados e designados como “condomínios”, marcaram um processo percebido como “crescimento desordenado”, em oposição ao ordenamento da cidade planejada.

A pesquisa coordenada por Patriota de Moura acerca da proliferação de condomínios horizontais no Distrito Federal8 8 . Trata-se do projeto “Os condomínios horizontais no DF e a proliferação global de áreas residenciais mudadas”, que contou com financiamento da FAP-DF em 2009. envolveu diversos trabalhos de orientandos, realizados em interação com moradores de diferentes regiões administrativas de Brasília, principalmente na região do Grande Colorado, Ceilândia e Vicente Pires (Patriota de Moura, 2010PATRIOTA DE MOURA, Cristina. (2010), “Condomínios e Gated Comunitties: por uma antropologia das novas composições urbanas”. Anuário Antropológico , 32 (2): 209-232. e 2012; Almeida, 2011ALMEIDA, Ranna. (2011), Os sentidos da casa: dinâmicas entre histórias de vida e mercado imobiliário em um condomínio horizontal . Monografia de bacharelado em antropologia social. Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília.; Patriota de Moura e Vasconcelos, 2012PATRIOTA DE MOURA, Cristina & VASCONCELOS, Larissa. (2012), “Trajetos, Trajetórias e ‘motilidade’ na Universidade de Brasília”. Antropolítica , 32: 87-112.; Cassemiro, 2012CASSEMIRO, Bruno Cesar Medeiros. (2012), Urbanidades e Ruralidades em Brasília: história da transformação de Vicente Pires – DF: chácaras, condomínios e cidade . Monografia de bacharelado em antropologia social. Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília.). As entrevistas e incursões etnográficas realizadas identificaram a construção da casa própria como um valor que, nas narrativas, se acoplava à invocação da figura do “pioneiro”, com suas lutas para conquistar o direito a um lugar na “nova capital”. Pessoas de diferentes classes sociais, moradoras de loteamentos irregulares, justificavam a construção de suas casas como forma de participar de uma cidade em elaboração, onde as edificações “ordenadas” do Plano Piloto não ofereciam mais novas oportunidades por conta das restrições ao adensamento colocadas pela patrimonialização9 9 . As irregularidades eram de diversas ordens: desde dúvidas sobre a titularidade de terras até o parcelamento em unidades menores do que as autorizadas em área rural (dois hectares no Distrito Federal), fechamento não-autorizado com muro perimetral e “urbanização” sem plano aprovado ou relatório de impacto ambiental. (Figura 2)

Figura 2
: Propaganda de agência imobiliária em maio de 2009, anunciando casas em regiões com “condomínios”. A ponte que aparece na fotografia, abaixo da frase “Realizando Sonhos”, é a que leva do chamado eixo monumental ao Lago Sul, área de mansões prevista no projeto original de Lucio Costa. Em destaque o céu, tanto na fotografia publicitária quanto na da autora. Na parte inferior da imagem, construções “desordenadas” em via externa a condomínios na região do Grande Colorado, com estabelecimentos comerciais (© Patriota de Moura)

As casas em condomínios com diferentes graus de informalidade forneciam, à época, opções para construção de mansões em áreas passíveis de apropriação nos moldes de distinção desejados por novos segmentos de classe média. Assim, grande parte das narrativas ouvidas pela equipe de pesquisa destacavam processos de ascensão social por mérito (principalmente relacionado com a escolarização e aprovação em concurso público) de famílias nuclearizadas saídas das cidades satélites ou de outros estados brasileiros. Em ambos os casos, sujeitos se concebiam como pioneiros e passavam a constituir mais vínculos de participação com Brasília ao adquirir terras e construir casas com materiais nobres o mais próximo possível ao Plano Piloto, morando em condomínios que se distanciavam do estigma da “cidade-satélite” ou “invasão” por se aproximarem geograficamente do Plano Piloto e esteticamente das mansões do Lago Sul10 10 . A proximidade à região central de Brasília se dá, principalmente, em comparação com a localização de cidades-satélites como Sobradinho, Taguatinga e Gama, por exemplo, que ficam a mais de vinte quilômetros do Plano Piloto. A maioria dos condomínios foi construída em áreas de zoneamento rural que deveriam formar, como previa o planejamento modernista, o “cinturão verde” ao redor do Plano Piloto, seja a partir de áreas de preservação ambiental ou de abastecimento de produtos agrícolas. (Figura 3).

Figura 3
: Casa dentro de condomínio em processo de regularização, na região do Grande Colorado, em junho de 2009 (© Patriota de Moura)

Para além das irregularidades de ações privadas “desordenadas”, apontadas como possivelmente deletérias à obra-prima do urbanismo protegida pelos defensores do plano de Lucio Costa, as ações ordenadoras do Estado também deixaram suas vítimas, apagadas por camadas da terraplanagem governamental.

O principal interlocutor de uma das pesquisadoras da equipe, por exemplo, demonstra isso de forma emblemática. “Seu Chiquinho” tinha documentação de posse de terreno adjacente ao muro perimetral do condomínio Bela Vista, situado na região do Grande Colorado, entre o final da Asa Norte do Plano Piloto e a região administrativa de Sobradinho. Morava na área havia trinta anos e vira o terreno se transformar de grande fazenda “aberta” em loteamento de chácaras de final de semana e, mais recentemente, em condomínio fechado com guaritas e terrenos com gramados frontais e muros de vidro temperado ao redor das casas unifamiliares. Trabalhava como jardineiro no condomínio que vira surgir. Chegara a possuir dois terrenos dentro do mesmo condomínio e os vendera por não conseguir pagar as taxas de manutenção. Continuava morando ao lado, em sua “chacrinha” e se locomovendo pela região em sua bicicleta, cuidando das plantas das áreas comuns e fazendo serviços esporádicos nas casas dos moradores de classe média que deixavam suas residências durante o dia para trabalhar em diferentes órgãos da burocracia federal. No dia 23 de julho de 2009, seu Chiquinho decidiu sair de casa para dar um de seus tão comuns passeios. Nesse dia a sorte não estava do seu lado. A DF 150 estava e ainda está em obras. Seu Chiquinho foi atingido por um caminhão em uma das curvas da estrada, o impacto foi forte e faleceu na hora (Almeida, 2011ALMEIDA, Ranna. (2011), Os sentidos da casa: dinâmicas entre histórias de vida e mercado imobiliário em um condomínio horizontal . Monografia de bacharelado em antropologia social. Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília., p. 19).

A urbanização da estrada DF 150, que leva do Plano Piloto ao Grande Colorado (ainda em andamento em 2018), apagou a vida de Seu Chiquinho e, com ela, seu testemunho corporificado das transformações que subjazem ao estabelecimento de novos espaços ocupados pelas camadas médias brasilienses. A sequência de transformações que dividiram e fecharam as terras da fazenda Paranoazinho, até hoje alvo de contestações entre herdeiros de antigos fazendeiros e a Secretaria do Patrimônio da União, impossibilitaram a sobrevivência daquele “baiano pioneiro” que trocou o cavalo pela bicicleta e a roça plantada pelos gramados e garagens do condomínio, de onde carros de luxo entram e saem todos os dias11 11 . A alegação de que tal condomínio estaria nas terras anteriormente pertencentes à fazenda Paranoazinho foi do próprio Seu Chiquinho, valendo-se de sua memória de uso e ocupação das terras. Há, no entanto, contendas legais em relação à propriedade das terras e, apesar de a maior parte da região do Grande Colorado se situar em terras privadas hoje atribuídas aos herdeiros da fazenda, o condomínio Bela Vista, já regularizado, situava-se em terras anteriormente pertencentes à União (ainda que ocupadas pela fazenda), como ficou estabelecido judicialmente. . A nova escala da rodovia “desordenadamente” construída arrebatou seu deslocamento, sem direito a esperança de socorro.

Setor Noroeste: processos de mudança, de luta e de invisibilização

O conceito de “superquadra” como extensão residencial aberta ao público, em contraposição ao de “condomínio” como área fechada e privativa, foi inovador e revelou-se válido e civilizado.

(COSTA, 1985 apud Ferreira e Gorovitz, 2009FERREIRA, Marcílio Mendes & GOROVITZ, Matheus. (2009), A invenção da superquadra . Brasília, Iphan/Superintendência do Iphan no Distrito Federal., capa)

No texto Brasília revisitada , Lucio Costa (1987)COSTA, Lucio. (1987), Brasília revisitada . In: Anexo I do Decreto nº 10.829/1987 - GDF e da Portaria nº 314/1992 – Iphan. defende, a fim de solucionar questões urbanísticas que julgava cruciais para o bom “desenvolvimento” da capital, novas regiões de ocupação no território do Distrito Federal. Uma delas seria um novo bairro Oeste Norte, com superquadras destinadas a “responder uma demanda” por habitação por parte de camadas médias da população brasiliense. Somada a mais algumas localidades, essa região supriria o déficit habitacional no território distrital. Entre outras questões a serem resolvidas estavam também o adensamento populacional, considerado irregular e não uniforme, e o crescimento não controlado da região – em termos de população e de espaços construídos. Contra isso, o arquiteto afirma que “a Brasília não interessa ser grande metrópole” (Costa, 1987COSTA, Lucio. (1987), Brasília revisitada . In: Anexo I do Decreto nº 10.829/1987 - GDF e da Portaria nº 314/1992 – Iphan., p. 13). Se à capital federal não competia entrar no rol dos grandes aglomerados urbanos brasileiros, competia cumprir o propósito urbanístico original de ocupação territorial. Se Brasília deveria expandir-se em sua dimensão residencial, deveria fazê-lo via “superquadras”, estas retratadas como índice de civilização no discurso de Costa (1957COSTA, Lucio. (1957), “O relatório do Plano Piloto de Brasília” [edição em várias línguas]. Módulo , 8: 10-25., 1987COSTA, Lucio. (1987), Brasília revisitada . In: Anexo I do Decreto nº 10.829/1987 - GDF e da Portaria nº 314/1992 – Iphan.).

Em 2009, foi aprovado um novo PDOT para o espaço urbano do Distrito Federal. Dos novos espaços aprovados para construção, entretanto, o que mais se destacou foi o chamado Setor Noroeste, pela abrangência territorial, pela clientela a quem atendia e, mais ainda, por onde seria instalado. É importante notar que o Noroeste não somente foi aprovado pelo PDOT, como o próprio plano foi proposto, em grande medida, para permitir a construção daquele bairro.

Com a aprovação do plano diretor, o novo setor de superquadras passou a ser formalmente incluído na Região Administrativa do Plano Piloto. Isto é, não se tratou somente da proximidade geográfica e simbólica do novo bairro, mas de sua inclusão oficial como parte das Asas de Brasília, tendo como referência-base o documento Brasília Revisitada , assinado por Lucio Costa (1987)COSTA, Lucio. (1987), Brasília revisitada . In: Anexo I do Decreto nº 10.829/1987 - GDF e da Portaria nº 314/1992 – Iphan. 12 12 . O documento foi instrumento de inúmeras intervenções desde sua publicação. Serviu como suporte legitimador do processo de transformação da área central de Brasília em patrimônio mundial [Decreto nº 10.829/1987 – do Governo do Distrito Federal (GDF) e da Portaria nº 314/1992 – do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)] e, uma década e meia à frente, como uma das justificativas para a necessidade da construção do Setor Noroeste. . Uma cidade moderna e agora ecológica , em consonância com o passado e com o futuro que se pretendia para o Distrito Federal. Uma revisitação dos aspectos tidos como positivos de Brasília, acrescida de atualizações feitas para contemplar preocupações de um novo tempo13 13 . Outros documentos se somaram ao propósito de tornar a área onde se situaria o Noroeste uma região habitável, como o Manual Verde (Distrito Federal, 2009) e mesmo os croquis originais do projeto da capital federal (Costa, 1957). .

Ao contrário do que pretendiam os documentos e propagavam muitos dos idealizadores do PDOT, a região onde seria construído o novo bairro, a oeste da Asa Norte e ao norte do Eixo Monumental, não era um espaço vazio. Habitavam aquele ambiente14 14 . Beneficiamo-nos, aqui, da “perspectiva habitante” ( dwelling perspective ) de Tim Ingold (2011), quando este distingue entre noções homogêneas de espaço e ambientes vividos ( environments ), constituídos como emaranhados ( meshwork ) de relações entre seres (humanos ou não), que, ao se movimentarem, estabelecem seus próprios percursos ( wayfaring ). , há muito tempo, diferentes povos indígenas15 15 . Há indícios de ocupação por mais de quatro décadas, como destaca, por exemplo, Brayner (2013). . Fulni-Ô, Tuxá, Guajajara, Pankararu e Kariri estão congregados em torno do que denominam Santuário dos Pajés, configurado cosmologicamente como nódulo de trajetórias e caminhos entrelaçados, articuladores de vivos e mortos em passagens, pela topografia, de significados compartilhados, e pelas coordenadas estreladas do céu noturno, singrado por espíritos de antepassados indígenas.

Embora em nenhum mapa do PDOT o Santuário estivesse presente, marcando-se a região como “limpa” para a construção, e o mesmo não figurasse como preocupação governamental em nível distrital, o fato é que havia um ambiente vivido e significado passível de demarcação como terra indígena (TI). Quando, logo após a aprovação do Plano Diretor, vieram as máquinas, engenheiros e pedreiros para a edificação de estacas, blocos e ruas, havia um obstáculo: o Santuário dos Pajés e a comunidade indígena a ele vinculada. Formou-se, então, o movimento conhecido como “Santuário não se move”, composto por lideranças e membros da comunidade residente na área, indígenas com vínculos com a comunidade por rotas de diferentes alcances, nas articulações entre aldeias em outras terras e a capital federal e entre estudantes universitários e membros de diferentes coletivos de ação política.

O movimento de resistência à construção do Setor Noroeste já foi estudado academicamente (Brayner, 2013BRAYNER, Thais Nogueira. (2013), É terra indígena porque é sagrada: Santuário dos Pajés, Brasília/DF . Dissertação de mestrado em antropologia social. Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília.; Penhavel, 2013PENHAVEL, Pedro Felix do Carmo. (2013), Urbanização por expropriação: o caso do Setor Noroeste (Brasília-DF) . Dissertação de mestrado em sociologia. Faculdade de Ciências Sociais, Universidade Federal de Goiás.; Crevels, 2014CREVELS, Christian Ferreira. (2014), A semente pesada nas terras da discórdia: o Santuário dos Pajés e o signo móvel . Monografia de bacharelado em antropologia social. Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília.). Importa, para esta discussão, que o Setor Noroeste não foi (nem está sendo) construído em espaço vazio, mas em torno da e sobre a TI. Nas palavras de uma senhora indígena com quem Januzzi (2016)JANUZZI, Vinicius Prado. (2016), O céu e a terra: o Setor Noroeste e seus primeiros moradores . Dissertação de mestrado em antropologia social. Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília. conversou, “esses monstros estão crescendo sobre nós”.

Em 2012, do ponto de vista dos proprietários de apartamentos na área, “chegaram” os “primeiros” moradores do Setor Noroeste. Naquele momento, começaram a ser aprovadas as primeiras licenças de ocupação dos prédios. Famílias que haviam comprado apartamentos desde o início da construção do bairro, quando ainda somente havia “ideias na planta” (como diziam os corretores), passaram a ocupar suas novas moradias. Daí até 2014, quando Vinicius Januzzi (2016)JANUZZI, Vinicius Prado. (2016), O céu e a terra: o Setor Noroeste e seus primeiros moradores . Dissertação de mestrado em antropologia social. Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília. iniciou sua pesquisa de campo, encaminharam-se 10 mil pessoas em direção ao novo espaço “aberto” pelo PDOT16 16 . Esse número foi fornecido pelos membros da Associação de Moradores do Noroeste (Amonor). Até a redação deste artigo, em agosto de 2018, os números beiravam os 15 mil, em estimativa dada pela própria Associação. (Figura 4).

Figura 4
: Blocos de apartamentos no Setor Noroeste em 2016: seis pavimentos, assentados sobre pilotis, como no modelo original de superquadras (© Januzzi)

Foi para esse bairro atravessado por discursos governamentais, projetos individuais e familiares (Velho, 1994VELHO, Gilberto. (1994), Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas . Rio de Janeiro, Zahar.) e por interesses do mercado imobiliário que se mudaram os Montenegro17 17 . Os nomes foram alterados com o intuito de preservar relativamente o anonimato dos anfitriões em campo (Januzzi, 2016). . Seu grupo doméstico é formado por quatro pessoas: o casal Rose e Marcos, funcionários públicos de alto escalão, e seus dois filhos homens, estudantes universitários. Januzzi foi recebido por todos numa noite de junho de 2015. Estavam instalados no Edifício Côte D’Azur, instalado na SQNW 111, quadra em que já estão, em 2018, construídos os blocos que abrigam o crescente comércio da região.

Quando chegou à capital, ainda nos anos de 1990, o casal já tinha seus dois filhos. Instalaram-se na Asa Norte, na 316, em um apartamento maior que o atual, mas “mais velho e menos completo”. Por lá viveram ininterruptamente até 2013, antes de se deslocarem um pouco mais ao norte e a oeste do Plano Piloto, no Noroeste. Decidiram mudar-se por vários motivos, sendo o principal o “conforto”. Um apartamento no Setor Noroeste despontou como peça fundamental nessa engrenagem de projetos de escalada que tinham para suas vidas. Não se tratou só do apartamento “completo e bem equipado”; os Montenegro queriam mais espaço. O prédio em que moravam tem cobertura de uso coletivo, salas próprias para lazer, vagas privativas para até três carros, espaço gourmet para realização de festas, sala de cinema para todos os moradores, além de pilotis mais amplo e ventilado.

Em determinado momento da conversa com o casal e seus filhos, Rose apontou para a janela do quarto dos filhos e pediu que o pesquisador a acompanhasse. Do Setor Noroeste “dá pra ver tudo, aqui é um lugar privilegiado, perto de tudo, mas bem mais acessível”. Disse “olha esse céu e vê se isso aqui não é uma maravilha?!”. Continuando o diálogo, Rose afirmou que “o Noroeste já é uma realidade pra gente e pra cidade”. Em tom provocativo, à época, o pesquisador perguntou ao casal se aquela “realidade” também era válida para os indígenas do Santuário. A resposta foi negativa. Os indígenas, se estavam ali antes do bairro, se tinham a área como terra deles, deveriam permanecer onde estavam, buscando-se o consenso necessário para isso, com diálogo pacífico entre as partes: “Com paciência e conversa, resolve-se tudo”.

Processos de classificação do espaço

Na crítica de Holston (1993)HOLSTON, James. (1993), A cidade modernista: uma crítica de Brasília e sua utopia . São Paulo, Companhia das Letras. à capital modernista, elenca-se como fator primordial para a segregação espacial em Brasília o simples, mas nem sempre óbvio, fato de que a cidade estava sendo inaugurada em um país de desigualdades gritantes. Somente pela ação estatal ou por conjunções entre essa e outros agentes (capital imobiliário, imprensa etc.), Brasília – ou antes, seu centro administrativo e urbano, o Plano Piloto – iria se manter como capital do funcionalismo público. Assim, desde a inauguração, passando pelas primeiras décadas de ocupação, o Plano se manteve como espaço marcado mais pelo status e menos pela classe .

Diante do crescimento populacional da capital e do fato de a estrutura de emprego ser marcada pela presença maciça do funcionalismo público, o Plano Piloto e seus arredores foram se tornando, para além do espaço em que os burocratas moravam, um espaço destinado àqueles que tinham mais condições econômicas para arcar com as exigências de um mercado imobiliário inflacionado. Nosso principal argumento neste artigo é que cada vez mais, Brasília foi sendo atravessada pela perspectiva de classe, não somente em seu sentido econômico, embora este seja o principal, mas também em seus aspectos simbólicos.

Na obra In search of paradise (2010), a antropóloga Li Zhang analisa novas moradias e novos estilos de vida em Kunming, metrópole chinesa com cerca de 3 milhões de habitantes. Seu foco está nos novos complexos de moradia habitados por pessoas de classe média. Com o conceito de espacialização da classe, presente na obra, o intuito de Zhang é unir as perspectivas da cultura e da economia relativas ao espaço. A ocupação de determinada área é feita, segundo mostra em sua etnografia, por pessoas detentoras de um conjunto de posses suficientemente necessário para a aquisição de parcelas daquele espaço, e que pretendem compartilhar estilos de vida configurados em um crescente mercado de consumo. Trata-se de uma “nova” classe média que se define, em larga medida, pela própria espacialização em áreas “novas”, disponíveis no mercado imobiliário (Figura 5).

Figura 5
: Imagem de satélite com o “avião” do Plano Piloto ao centro e, marcados na parte superior, o Setor Noroeste e os condomínios do Grande Colorado. Fonte: Google Earth, 22 de maio de 2018

Na área do Setor Noroeste, antes ocupada por indígenas e por pessoas sem residência fixa ou moradia própria, os novos moradores chegam para configurar um território previsto e vendido para ser habitado, no mínimo, por membros de estratos médios. Em diálogo com a narrativa de Zhang, consideramos que tanto o Setor Noroeste quanto os condomínios horizontais da região do Grande Colorado podem ser entendidos pela ótica da espacialização de classe. Pelas idiossincrasias que apresentam, entretanto, falamos de classificação do espaço . Por essa noção, entendemos os processos de intervenção e subjetivação de determinado meio que envolvem significações e agências de múltiplas ordens (Figura 6).

Figura 6
: Folheto publicitário do Setor Noroeste em maio de 2018. Estão retratadas as superquadras das Asas Sul e Norte, a Universidade de Brasília e o Congresso Nacional, com exclusão de diversas outras áreas construídas. Disponível em <http://www.paulopop.com/perfectt-noroeste-cobertura-duplex-de-3-quartos-nosetor-noroeste-brasilia-df_i-282.html> [link “Imagens”; última figura]; acesso em 24.5. 2018

Aproveitando-nos ainda do duplo sentido da palavra “classificar”, afirmamos que espaços em disputa são classificados porque imbuídos de novas qualidades (ecológicas, urbanas, administrativas, arquitetônicas etc.), mas, sobretudo, porque são identificados com segmentos de classe específicos. Quando um novo grupo de pessoas aporta naquele espaço “vazio” por meio da lógica do mercado imobiliário para torná-lo seu, particularizando-o, distingue-o dos demais e o classifica . As qualidades com as quais se identificam (sejam elas já incorporadas ou almejadas por meio de projetos) se tornam características atribuídas àquele espaço, assim como as qualidades daquele espaço são incorporadas ao seu conjunto de valores de vida. No caso de Brasília, vale ressaltar, para além da questão da terra, tem-se a inclusão do céu como espaço de apropriação simbólica.

Lucio Costa tomou o céu como um dos pilares da composição artística da capital modernista. “A cidade é deliberadamente aberta aos 360 graus do horizonte que a circunda”, afirma (1987, p. 10). Em complemento a esse título, já houve quem propusesse, inclusive, que o céu ganhasse uma insígnia patrimonial própria (Paranhos e Pinheiro, 2014PARANHOS, Thaís & PINHEIRO, Roberta. (2014), “Proposta de ‘tombamento’ do céu de Brasília ganha força e adeptos na cidade”. Correio Braziliense , 23/4. Disponível em: < http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2014/04/23/interna_cidadesdf,424235/proposta-de-tombamento-do-ceu-de-brasilia-ganha-forca-e-adeptos-nacidade.shtml> . [fev. 2016].
http://www.correiobraziliense.com.br/app...
)18 18 . A reportagem (Paranhos e Pinheiro, 2014) do Correio Braziliense em que o arquiteto Carlos Fernando Delphim defende a proposta está disponível em: < http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2014/04/23/interna_cidadesdf,42423 5/proposta-de-tombamento-do-ceu-de-brasilia-ganha-forca-e-adeptos-na-cidade.shtml>; acesso em 16.1.2016. . A experiência de estar sob o céu e apropriar-se deste, contudo, é mediada por onde se está, como se está e com quem se está. Isso se deu por decisões tomadas ao longo das trajetórias desses mesmos moradores, invocadas em suas narrativas para justificarem o mérito de terem chegado e permanecerem onde estão. A expansão das novas superquadras, com seus blocos sustentados em pilotis elevados, situa os que ascendem à condição de moradores de lugares de maior acesso à abóbada celeste “civilizada” (Costa, 1987COSTA, Lucio. (1987), Brasília revisitada . In: Anexo I do Decreto nº 10.829/1987 - GDF e da Portaria nº 314/1992 – Iphan.) pelo projeto modernista, ao passo que dinâmicas de segregação revelam outros significados ou, antes, novos horizontes. Para dar asas aos sonhos de alguns, outros indivíduos e grupos são simbólica e fisicamente expropriados de suas possibilidades de existência como habitantes de ambientes cuidadosamente estabelecidos, ao longo do tempo, por processos de entrelaçamento em relações humanas, espirituais e ecológicas.

O condomínio que substituiu a fazenda Paranoazinho, onde viveu Seu Chiquinho, também se situa em lugar privilegiado em relação ao horizonte do Planalto Central. O terreno elevado em que se localiza é avistado, ainda hoje, desde o Santuário dos Pajés, com importante significado cosmológico para as movimentações de espíritos ancestrais por entre as estrelas, nos termos daqueles que habitam a TI. Estabelecido na região mais alta do Distrito Federal, o condomínio beira também a reserva biológica da Contagem e, portanto, fornece perspectivas privilegiadas de onde é possível apreciar a paisagem, como indica o nome Bela Vista. Não se trata, no entanto, de espaço civilizado pela configuração da superquadra, mas produzido, ao longo do tempo, por múltiplos processos de apropriação e mercantilização, e servindo a interesses de diferentes agentes que disputam espaços e procuram classificá-los segundo molduras, qualidades e propósitos particulares. Apesar da bela vista, a relevância maior encontrada nas falas dos moradores estava no chão, afinal ocupado pelas casas de suas famílias, com quintais e muros de vidro, delimitadas coletivamente pelo muro perimetral do condomínio, com guarita e cancelas de acesso controlado.

O caso de Seu Chiquinho é emblemático de forma diferente, mas análoga, ao dos indígenas do Santuário dos Pajés: em ambos os casos há tentativas de eliminar traços que contradigam a imagem desejada para a área residencial destinada à classe média escolarizada, motorizada e quase sempre branca à qual foi destinada a capital federal.

O processo de classificação do espaço não é, certamente, homogêneo. No Setor Noroeste, a transformação é mais rápida, violenta e evidente, fornecendo moradias a outra sorte de agentes, em sua maioria com melhores condições financeiras e com estabilidade em seus empregos. A particularização do céu é também algo peculiar aos moradores do Setor Noroeste e de outras regiões do Distrito Federal, não aparecendo ou não assumindo destaque nos discursos relacionados com os condomínios, em que a propriedade da terra é um processo que envolve contestações e diferentes etapas de ações de regularização.

Conclusão

Retornemos às circunstâncias políticas da morte de Seu Chiquinho e da invisibilização dos povos indígenas do Santuário dos Pajés. Seu Chiquinho morava na região onde se instalou o condomínio Bela Vista antes mesmo daquela se tornar uma oportunidade para a especulação imobiliária. Quando o condomínio começou a ser erguido, tornou-se um de seus funcionários e até dono de terreno dentro do condomínio, o que não se sustentou por muito tempo em razão das taxas condominiais, com as quais seus rendimentos eram incompatíveis. Incorporado parcialmente à vida no Bela Vista, Seu Chiquinho teve que se manter sempre à margem, morando ao lado, naquele que fora seu ambiente de subsistência por tantos anos. Morreu numa de suas muitas andanças pela região, em uma rodovia construída com o intuito de permitir o rápido acesso dos novos moradores do Grande Colorado ao Plano Piloto. Para além da marginalização territorial, verifica-se outra, tão perversa quanto aquela, de matizes simbólicas e políticas, quando seu corpo se torna estatística e sua vida mais uma perdida e esquecida pela oficialidade da ocupação urbana no Distrito Federal.

Com o Santuário, o processo de invisibilização é também violento, mas de outro modo. Seja pelo caráter coletivo da reivindicação territorial ou pelo mínimo constitucional dedicado aos direitos dos povos indígenas, os habitantes da área do Santuário são considerados, ainda que marginalmente, sujeitos cujas ações políticas podem ser entendidas como legítimas. Esses direitos não são reconhecidos por parte do capital imobiliário e empresas construtoras ou por alguns dos moradores do novo bairro de superquadras, cujos objetivos são criar o “vazio” para “ocupar”, mas sim por instâncias governamentais, movimentos de luta pela terra ou movimentos estudantis. Sua luta é transmutada, não raro, naquela que é abarcada por outras pessoas e coletivos contra os “monstros” que ali estão se instalando (Januzzi, 2016JANUZZI, Vinicius Prado. (2016), O céu e a terra: o Setor Noroeste e seus primeiros moradores . Dissertação de mestrado em antropologia social. Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília.)

Pode-se dizer, então, que a classificação do espaço envolve múltiplas camadas de significado e agência. Em questão entram, diacrônica e sincronicamente, indivíduos, famílias, valores, recursos, organizações e associações. Alguns, como os povos indígenas e os trabalhadores braçais, são frequentemente tratados como cartas fora do baralho e transformados em “vazios”, embora essa situação seja também circunstancial e não se possa afirmar com toda a certeza que, uma vez fora, sempre estarão excluídos da disputa engendrada com os processos de classificação. Se Brasília está sendo cotidianamente cada vez mais classificada , a permanência do Santuário até o momento, com boas perspectivas de demarcação definitiva19 19 . Ainda que a terra indígena a ser demarcada seja bem menor do que o ambiente vivido e percorrido pelos índios antes da construção do Setor Noroeste. , poderá fazer com que, ainda que em pequena escala, algumas “retas” do cartesianismo urbano modernista se “curvem” a poderes que transcendem o espaço homogeneizado destinado à classe média, como indica a esperança no mote do movimento pela regularização da TI: “As retas se curvam e o Santuário dos Pajés não se move!”

Referências Bibliográficas

  • AGIER, Michel. (2015), “Do direito à cidade ao fazer-cidade: o antropólogo, a margem e o centro”. Mana , 21, (3): 483-498.
  • ALMEIDA, Ranna. (2011), Os sentidos da casa: dinâmicas entre histórias de vida e mercado imobiliário em um condomínio horizontal . Monografia de bacharelado em antropologia social. Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília.
  • BÉU, Edson. (2013), Expresso Brasília: a história contada pelos candangos. Brasília, Editora UnB.
  • BORGES, Antonádia. (2003), Tempo de Brasília: etnografando lugares-eventos da política . Rio de Janeiro, Relume Damará.
  • BOURDIEU, Pierre. (2013), A Distinção : crítica social do julgamento . 2. ed. Tradução de Daniela Kern e Guilherme J. F. Teixeira. Porto Alegre, Zouk.
  • BRAYNER, Thais Nogueira. (2013), É terra indígena porque é sagrada: Santuário dos Pajés, Brasília/DF . Dissertação de mestrado em antropologia social. Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília.
  • CASSEMIRO, Bruno Cesar Medeiros. (2012), Urbanidades e Ruralidades em Brasília: história da transformação de Vicente Pires – DF: chácaras, condomínios e cidade . Monografia de bacharelado em antropologia social. Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília.
  • CIAM. Carta de Atenas . (1933), Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20de%20Atenas%201933.pdf , acesso em 19. 2. 2016.
    » http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20de%20Atenas%201933.pdf
  • COSTA, Lucio. (1957), “O relatório do Plano Piloto de Brasília” [edição em várias línguas]. Módulo , 8: 10-25.
  • COSTA, Lucio. (1987), Brasília revisitada . In: Anexo I do Decreto nº 10.829/1987 - GDF e da Portaria nº 314/1992 – Iphan.
  • CREVELS, Christian Ferreira. (2014), A semente pesada nas terras da discórdia: o Santuário dos Pajés e o signo móvel . Monografia de bacharelado em antropologia social. Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília.
  • DAMATTA, Roberto. (1991), “Espaço: Casa, a rua e outro mundo: o caso do Brasil”. In: DAMATTA, Roberto. A Casa e a Rua . Rio de Janeiro, Guanabara Koogan.
  • DISTRITO FEDERAL. Decreto N° 10.829 de 14 de Outubro de 1987 , relativo à regulamentação da preservação da concepção urbanística de Brasília. Disponível em: < http://www.brasiliapatrimoniodahumanidade.df.gov.br/legislacao/DISTRITAL/2_DECRETO_10.829-87/Dec_10829-87_Preservacao_da_concepcao_urbanistica_de_Brasilia.pdf > [out. 2015].
    » http://www.brasiliapatrimoniodahumanidade.df.gov.br/legislacao/DISTRITAL/2_DECRETO_10.829-87/Dec_10829-87_Preservacao_da_concepcao_urbanistica_de_Brasilia.pdf
  • DISTRITO FEDERAL. Lei Complementar n. 803, de 25 abril de 2009 . Aprova a revisão do Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal – PDOT e dá outras providências. Disponível em: < http://www.sedhab.df.gov.br/images/pdot/leis/leicomplementar-803-25-04-2009.pdf > [fev. 2016].
    » http://www.sedhab.df.gov.br/images/pdot/leis/leicomplementar-803-25-04-2009.pdf
  • DISTRITO FEDERAL. Terracap. (2009), Manual Verde do Setor Noroeste . Disponível em: < http://www.terracap.df.gov.br/internet/arquivos/0044103478.pdf > [jul. 2015].
    » http://www.terracap.df.gov.br/internet/arquivos/0044103478.pdf
  • EPSTEIN, David. (1973), Brasília, plan and reality: a study of planned and spontaneous urban development . Berkeley, University of California Press.
  • FERREIRA, Marcílio Mendes & GOROVITZ, Matheus. (2009), A invenção da superquadra . Brasília, Iphan/Superintendência do Iphan no Distrito Federal.
  • FREYRE, Gilberto. (1990), Sobrados e Mucambos. Decadência do Patriarcado Rural e Desenvolvimento do Urbano . Rio de janeiro, Record.
  • HOLANDA, Sérgio Buarque. (1982), Raízes do Brasil . Sao Paulo, Jose Olympio.
  • HOLSTON, James. (1993), A cidade modernista: uma crítica de Brasília e sua utopia . São Paulo, Companhia das Letras.
  • INGOLD, Tim. (2011), “Against Space: place, movement, knowledge”. In: INGOLD, Tim. Being alive: essays on movement, knowledge and description , pp. 145-155.
  • JANUZZI, Vinicius Prado. (2016), O céu e a terra: o Setor Noroeste e seus primeiros moradores . Dissertação de mestrado em antropologia social. Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília.
  • LASEVITZ, Rafael. (2008), O jogo das cadeiras: o aqui fora e o lá dentro no pontão do Lago Sul . Monografia de bacharelado em antropologia social. Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília.
  • LEFEBVRE, Henri. (2011), O Direito à Cidade . São Paulo, Centauro.
  • MACHADO, Lia Zanotta & MAGALHÃES, Themis Quezado de. (1985), “Imagens do espaço: imagens da vida”. In: PAVIANI, Aldo (Org.). Brasília, ideologia e realidade: espaço urbano em questão . São Paulo/Brasília, Projeto Editores Associados/CNPq, pp. 191-214.
  • NUNES, Brasilmar Ferreira. (2004), Brasília, a fantasia corporificada . Brasília, Paralelo 15.
  • PARANHOS, Thaís & PINHEIRO, Roberta. (2014), “Proposta de ‘tombamento’ do céu de Brasília ganha força e adeptos na cidade”. Correio Braziliense , 23/4. Disponível em: < http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2014/04/23/interna_cidadesdf,424235/proposta-de-tombamento-do-ceu-de-brasilia-ganha-forca-e-adeptos-nacidade.shtml> . [fev. 2016].
    » http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2014/04/23/interna_cidadesdf,424235/proposta-de-tombamento-do-ceu-de-brasilia-ganha-forca-e-adeptos-nacidade.shtml>
  • PATRIOTA DE MOURA, Cristina. (2010), “Condomínios e Gated Comunitties: por uma antropologia das novas composições urbanas”. Anuário Antropológico , 32 (2): 209-232.
  • PATRIOTA DE MOURA, Cristina. (2010a), “Condomínios horizontais no DF: elementos e composições”. Revista Antropolítica , 29: 47-68.
  • PATRIOTA DE MOURA, Cristina. (2010b), “‘Condomínios’ no DF: clubes, favelas ou cidades?” In: PAVIANI, Aldo; BARRETO, Frederico; FERREIRA, Ignez; CIDADE, Lúcia & JATOBÁ, Sérgio. Brasília 50 anos: da capital à metrópole . Brasília, Editora UnB, pp. 281-306.
  • PATRIOTA DE MOURA, Cristina. (2012), Condomínios no Brasil Central: expansão urbana e antropologia . Brasília, Letras Livres/Editora Universidade de Brasília.
  • PATRIOTA DE MOURA, Cristina. (2013), “O urbano e suas múltiplas dimensões”. Anuário Antropológico , 38 (2): 9-15.
  • PATRIOTA DE MOURA, Cristina & VASCONCELOS, Larissa. (2012), “Trajetos, Trajetórias e ‘motilidade’ na Universidade de Brasília”. Antropolítica , 32: 87-112.
  • PAVIANI, Aldo et al . (org.). (2010), Brasília 50 anos: da capital à metrópole . Brasília, Editora UnB.
  • PENHAVEL, Pedro Felix do Carmo. (2013), Urbanização por expropriação: o caso do Setor Noroeste (Brasília-DF) . Dissertação de mestrado em sociologia. Faculdade de Ciências Sociais, Universidade Federal de Goiás.
  • RIBEIRO, Gustavo Lins. (2008), O capital da esperança: a experiência dos trabalhadores na construção de Brasília . Brasília, Editora UnB.
  • SANTARÉM, Paulo Henrique da Silva. (2013), A Cidade Brasília (DFE): conflitos sociais e espaciais significados na raça . Dissertação de mestrado em antropologia. Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília.
  • SARAIVA, Leila. (1994), Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas . Rio de Janeiro, Zahar.
  • SARAIVA, Leila. (1997), Individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade contemporânea . Rio de Janeiro, Zahar.
  • SARAIVA, Leila. (2014), Nem vítima nem algoz: mulheres de bicicleta em Brasília . Monografia de bacharelado em antropologia social. Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília.
  • SARAIVA, Leila. (2017), Não leve flores: crônicas etnográficas junto ao Movimento Passe Livre-DF . Dissertação de mestrado em Antropologia. Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília.
  • VELHO, Gilberto. (1994), Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas . Rio de Janeiro, Zahar.
  • VELHO, Gilberto. (1997), Individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade contemporânea . Rio de Janeiro, Zahar.
  • ZHANG, Li. (2010), In search of paradise: middle-class living in a Chinese metropolis . Londres, Cornell University Press.
  • 1
    . Somos gratos às contribuições das colegas do Laviver (Laboratório de Vivências e Reflexões Antropológicas), bem como dos estudantes do curso de Antropologia Urbana por nós ministrado no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade de Brasília no primeiro semestre de 2018, principalmente ao mestrando Awamirim Tupinambá, habitante do Santuário dos Pajés. Agradecemos também aos participantes do Seminário Temático “Pensar a cidade no Brasil: limitações, potencialidades e perspectivas”, coordenado pelas professoras Fraya Frehse (USP) e Júlia O’Donell (UFRJ) e realizado durante o 40º Encontro Anual da Anpocs (2016), no qual apresentamos a primeira versão deste texto.
  • 2
    . O entendimento de “classe social” do qual partimos é uma conjunção de nível educacional, ocupação profissional e nível de renda, dando continuidade à linhagem weberiana, cujo foco está mais na estratificação social do que no conflito dado pela oposição de classe dominante e dominada, que seguiria a escola marxista. Do ponto de vista antropológico/etnográfico, Gilberto Velho (1994VELHO, Gilberto. (1994), Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas . Rio de Janeiro, Zahar., 1997VELHO, Gilberto. (1997), Individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade contemporânea . Rio de Janeiro, Zahar.) criticou a ideia de homogeneidade de classe e, enfatizando a heterogeneidade de estilos de vida e visões de mundo, propôs utilizar a noção de “camadas médias urbanas” em seus trabalhos com residentes da Zona Sul do Rio de Janeiro. Embora reconheçamos a heterogeneidade de valores entre os membros das camadas médias, o foco na classe está relacionado com motivações em um mercado de consumo e produção de territórios que adquirem características simbólicas pelo perfil socioeconômico compartilhado por seus moradores. Assim, quando falamos de pessoas, em geral, as caracterizamos como membros das “camadas médias”, mas, ao falarmos dos espaços, os qualificamos como destinados e classificados como espaços de “classe média”. Para além da heterogeneidade de visões de mundo e estilos de vida, também identificamos semelhanças entre a posição estrutural da “classe média” no Brasil e na China, contexto no qual Li Zhang propõe o conceito de espacialização de classe. Em ambos os países, a maioria estatística da população se enquadra abaixo da “classe média” e, portanto, a identidade da mesma adquire contornos de elite, ainda que assalariada e não detentora dos meios de produção. Assim, a “classe média” no Brasil, como na China, distingue-se em termos de status da maior parte do “povo”. Essa situação é muito diferente do caso de países europeus e dos Estados Unidos, onde o termo “classe média” tem o sentido de retratar a média ( avera ge) da sociedade e está relacionado com concepções de igualdade e democracia (Zhang, 2010ZHANG, Li. (2010), In search of paradise: middle-class living in a Chinese metropolis . Londres, Cornell University Press.)
  • 3
    . Em relação a Brasília, do ponto de vista do urbanismo, encontramos defesas e ataques ao modelo de planejamento cuja ênfase está na singularidade da cidade-avião com suas escalas, superquadras, áreas verdes e monumentos. Essa cidade autoral, assinada por indivíduos específicos (como Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Athos Bulcão, Roberto Burle Marx) e reconhecida como patrimônio da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) desde 1987, é ao mesmo tempo avaliada em sua singularidade criativa e funcionalidade racionalista, conjugando o binômio obra/produto proposto por Lefebvre (2011)LEFEBVRE, Henri. (2011), O Direito à Cidade . São Paulo, Centauro. de maneira a problematizar o “direito à cidade” em uma configuração social nacional cujos índices de desigualdade chegam a desafiar os limites de qualquer perspectiva democrática. Outra aproximação frequentemente trilhada em debates acadêmicos é a da geografia regional, na qual a Brasília-metrópole, conforme problematizada nos escritos de Aldo Paviani e seus colaboradores (Paviani et al. , 2010), configura-se para além das fronteiras do quadrado delimitado pelo Distrito Federal, inclui conurbações com municípios goianos e evidencia processos “tipicamente brasileiros” de precariedade e má distribuição de renda e recursos.
  • 4
    . O Grande Colorado se constitui a partir do desmembramento da Fazenda Paranoazinho e se localiza entre Sobradinho e o chamado Plano Piloto, na porção norte do território do Distrito Federal.
  • 5
    . Tais condomínios contam, em sua maioria, com “irregularidades” em diversos níveis, desde a ocupação ilegal de terras pertencentes à União (governo federal) a parcelamentos irregulares de glebas rurais pertencentes a pessoas físicas e loteamentos sem plano de urbanização.
  • 6
    . Holston aponta que se, por um lado, motorista e ministro ocupavam posições de subordinação e comando respectivamente, ambos eram funcionários públicos e, portanto, membros de um estamento burocrático para o qual a cidade fora pensada. Assim, ainda que o motorista desempenhasse uma função subalterna, ele seria membro de um segmento seleto de trabalhadores vinculados ao aparato burocrático, diferentemente dos trabalhadores migrantes da construção civil, por exemplo.
  • 7
    . “O espaço urbano tem, assim, a conotação de instrumentalidade. É percebido como o conjunto de equipamentos que propiciem o desenvolvimento individual e que estejam disponíveis ao núcleo familiar, para que esse possa gerir seus próprios fins – a qualificação de seus membros” (Machado e Magalhães, 1985MACHADO, Lia Zanotta & MAGALHÃES, Themis Quezado de. (1985), “Imagens do espaço: imagens da vida”. In: PAVIANI, Aldo (Org.). Brasília, ideologia e realidade: espaço urbano em questão . São Paulo/Brasília, Projeto Editores Associados/CNPq, pp. 191-214., p. 295).
  • 8
    . Trata-se do projeto “Os condomínios horizontais no DF e a proliferação global de áreas residenciais mudadas”, que contou com financiamento da FAP-DF em 2009.
  • 9
    . As irregularidades eram de diversas ordens: desde dúvidas sobre a titularidade de terras até o parcelamento em unidades menores do que as autorizadas em área rural (dois hectares no Distrito Federal), fechamento não-autorizado com muro perimetral e “urbanização” sem plano aprovado ou relatório de impacto ambiental.
  • 10
    . A proximidade à região central de Brasília se dá, principalmente, em comparação com a localização de cidades-satélites como Sobradinho, Taguatinga e Gama, por exemplo, que ficam a mais de vinte quilômetros do Plano Piloto. A maioria dos condomínios foi construída em áreas de zoneamento rural que deveriam formar, como previa o planejamento modernista, o “cinturão verde” ao redor do Plano Piloto, seja a partir de áreas de preservação ambiental ou de abastecimento de produtos agrícolas.
  • 11
    . A alegação de que tal condomínio estaria nas terras anteriormente pertencentes à fazenda Paranoazinho foi do próprio Seu Chiquinho, valendo-se de sua memória de uso e ocupação das terras. Há, no entanto, contendas legais em relação à propriedade das terras e, apesar de a maior parte da região do Grande Colorado se situar em terras privadas hoje atribuídas aos herdeiros da fazenda, o condomínio Bela Vista, já regularizado, situava-se em terras anteriormente pertencentes à União (ainda que ocupadas pela fazenda), como ficou estabelecido judicialmente.
  • 12
    . O documento foi instrumento de inúmeras intervenções desde sua publicação. Serviu como suporte legitimador do processo de transformação da área central de Brasília em patrimônio mundial [Decreto nº 10.829/1987 – do Governo do Distrito Federal (GDF) e da Portaria nº 314/1992 – do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)] e, uma década e meia à frente, como uma das justificativas para a necessidade da construção do Setor Noroeste.
  • 13
    . Outros documentos se somaram ao propósito de tornar a área onde se situaria o Noroeste uma região habitável, como o Manual Verde (Distrito Federal, 2009DISTRITO FEDERAL. Terracap. (2009), Manual Verde do Setor Noroeste . Disponível em: < http://www.terracap.df.gov.br/internet/arquivos/0044103478.pdf > [jul. 2015].
    http://www.terracap.df.gov.br/internet/a...
    ) e mesmo os croquis originais do projeto da capital federal (Costa, 1957COSTA, Lucio. (1957), “O relatório do Plano Piloto de Brasília” [edição em várias línguas]. Módulo , 8: 10-25.).
  • 14
    . Beneficiamo-nos, aqui, da “perspectiva habitante” ( dwelling perspective ) de Tim Ingold (2011)INGOLD, Tim. (2011), “Against Space: place, movement, knowledge”. In: INGOLD, Tim. Being alive: essays on movement, knowledge and description , pp. 145-155., quando este distingue entre noções homogêneas de espaço e ambientes vividos ( environments ), constituídos como emaranhados ( meshwork ) de relações entre seres (humanos ou não), que, ao se movimentarem, estabelecem seus próprios percursos ( wayfaring ).
  • 15
    . Há indícios de ocupação por mais de quatro décadas, como destaca, por exemplo, Brayner (2013)BRAYNER, Thais Nogueira. (2013), É terra indígena porque é sagrada: Santuário dos Pajés, Brasília/DF . Dissertação de mestrado em antropologia social. Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília..
  • 16
    . Esse número foi fornecido pelos membros da Associação de Moradores do Noroeste (Amonor). Até a redação deste artigo, em agosto de 2018, os números beiravam os 15 mil, em estimativa dada pela própria Associação.
  • 17
    . Os nomes foram alterados com o intuito de preservar relativamente o anonimato dos anfitriões em campo (Januzzi, 2016JANUZZI, Vinicius Prado. (2016), O céu e a terra: o Setor Noroeste e seus primeiros moradores . Dissertação de mestrado em antropologia social. Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília.).
  • 18
    . A reportagem (Paranhos e Pinheiro, 2014PARANHOS, Thaís & PINHEIRO, Roberta. (2014), “Proposta de ‘tombamento’ do céu de Brasília ganha força e adeptos na cidade”. Correio Braziliense , 23/4. Disponível em: < http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2014/04/23/interna_cidadesdf,424235/proposta-de-tombamento-do-ceu-de-brasilia-ganha-forca-e-adeptos-nacidade.shtml> . [fev. 2016].
    http://www.correiobraziliense.com.br/app...
    ) do Correio Braziliense em que o arquiteto Carlos Fernando Delphim defende a proposta está disponível em: < http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2014/04/23/interna_cidadesdf,42423 5/proposta-de-tombamento-do-ceu-de-brasilia-ganha-forca-e-adeptos-na-cidade.shtml>; acesso em 16.1.2016.
  • 19
    . Ainda que a terra indígena a ser demarcada seja bem menor do que o ambiente vivido e percorrido pelos índios antes da construção do Setor Noroeste.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2019

Histórico

  • Recebido
    19 Out 2018
  • Aceito
    7 Nov 2018
Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, 05508-010, São Paulo - SP, Brasil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: temposoc@edu.usp.br