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A revolução da biotecnologia: questões da sociabilidade

Resumos

O autor procura levantar uma série de questões relacionadas ao avanço acelerado da biotecnologia e aos paradigmas que fundamentam tal avanço, como o determinismo genético. É demonstrado que as ciências biológicas sentem-se tão confortáveis com seus últimos desenvolvimentos que pressupõem amplos esquemas interpretativos para todos os campos da existência, principalmente para as ciências do comportamento e da cultura. É problematizada a ambivalência da questão da genética na relação entre as ciências sociais e a biologia.

Biotecnologia; cultura; gene; ciências sociais; determinismo genético; biologia; causalidade; cérebro; comportamento


The author discusses a series of questions related to the speedy development of biotechnology and the paradigms on which they are based, such as genetic determinism. In this article, it is argued that the biological sciences feel so comfortable with regard to their latest developments, that they presuppose a large array of interpretative schemes for all fields of life, mainly the behavioural sciences and culture. The ambivalence of the question of genetics in the relationship between the social sciences and biology is discussed.

Biotechnology; culture; gene; social sciences; genetic determinism; casuality; brain; behaviour


ARTIGO

A revolução da biotecnologia: questões da sociabilidade

Valério Igor P. Victorino

Doutorando do Departamento de Sociologia da FFLCH - USP

"A biologia agora é uma ciência exata.

A vida não é um mistério, é só um processo

complexo, que está começando

a ser totalmente definido."

(Andrew Simpson1 1 Coordenador do Projeto Genoma Câncer no Brasil (Notícias Fapesp, 1999). )

RESUMO

O autor procura levantar uma série de questões relacionadas ao avanço acelerado da biotecnologia e aos paradigmas que fundamentam tal avanço, como o determinismo genético. É demonstrado que as ciências biológicas sentem-se tão confortáveis com seus últimos desenvolvimentos que pressupõem amplos esquemas interpretativos para todos os campos da existência, principalmente para as ciências do comportamento e da cultura. É problematizada a ambivalência da questão da genética na relação entre as ciências sociais e a biologia.

Palavras-chave: Biotecnologia, cultura, gene, ciências sociais, determinismo genético, biologia, causalidade, cérebro, comportamento.

ABSTRACT

The author discusses a series of questions related to the speedy development of biotechnology and the paradigms on which they are based, such as genetic determinism. In this article, it is argued that the biological sciences feel so comfortable with regard to their latest developments, that they presuppose a large array of interpretative schemes for all fields of life, mainly the behavioural sciences and culture. The ambivalence of the question of genetics in the relationship between the social sciences and biology is discussed.

Key Words: Biotechnology, culture, gene, social sciences, genetic determinism, casuality, brain, behaviour.

Durante quase todo o séc. XX a física foi considerada a mais poderosa das ciências. No final deste mesmo século a biologia assume esse caráter. Os recentes avanços da genética molecular no conhecimento da composição, estrutura e funcionamento dos organismos vivos impõem instigantes questões. A firme crença na correlação entre características e genes correspondentes e na capacidade da biotecnologia nos leva a pensar que estamos vivenciando o início de uma revolução que sinaliza que a humanidade não mais necessitará se sujeitar aos fatores de caráter aleatório que marcaram a história. Existe agora a possibilidade de transformar e controlar de acordo com desígnios bem definidos a natureza em seu núcleo elementar. As fronteiras entre a ficção e a realidade científica parecem cada vez mais tênues.

Nesse intenso debate que começa a se projetar na vida cotidiana, para fora das academias, dos gabinetes políticos e das sedes das grandes corporações, momento quando Dolly não mais representa uma atriz de mamas grandes de Hollywood e quando a terapia genética e a alimentação com vegetais geneticamente modificados já são realidade , cabe perguntar pelos fundamentos lógicos que delimitam os alvos teóricos/práticos, as hipóteses e os resultados das modernas pesquisas genéticas; cabe perguntar sobre os valores éticos e culturais que orientam tais pesquisas e, sobretudo, os impactos objetivos pela difusão da biotecnologia. Embora estas questões permaneçam obscuras, tamanha é a força com a qual a genética molecular se assume no imaginário coletivo que as ciências sociais recebem o convite quase um ultimato para participarem de uma aventura intelectual baseada em premissas biológicas. Mas antes de entrar nestas questões é preciso inserir alguns conceitos básicos.

Recombinação genética

O ácido desoxirribonucléico ou DNA (material genético) representa uma longa cadeia formada por milhares de genes, que nos seres humanos chega a 100 mil. O gene é o segmento do DNA que codifica informação suficiente para as células ordenarem os aminoácidos corretamente em cada proteína (elemento fundamental para a estrutura e reações metabólicas) produzida pelo organismo. O DNA transmite informação hereditária de uma geração para a seguinte como um "plano para cada processo bioquímico dentro da célula e, conseqüentemente, dentro do organismo como um todo, contendo toda informação necessária para um organismo se desenvolver desde o óvulo fertilizado até a maturidade" (Monsanto, 1999, p. 5). "Genes específicos codificam proteínas específicas, e estas proteínas determinam cada aspecto ou característica de um organismo" (Monsanto, 1999, p. 4). Em outras palavras podemos dizer que os genes representam a forma mais microscópica de informação codificada, transmitida hereditariamente, que existe na natureza. Esta é uma visão simplificada do processo, mas é com esta visão que a indústria de biotecnologia2 2 A Monsanto é uma das maiores corporações de biotecnologia do mundo. trabalha.

A engenharia genética originou-se na década de 1970, a partir de várias técnicas: 1) seqüenciamento de DNA: permite determinar a seqüência de bases orgânicas em qualquer trecho do DNA; 2) DNA recombinante: permite a transferência de genes de um local para outro; 3) síntese química do DNA em qualquer seqüência desejada; 4) Polymerase Chain Reaction (PCR): descoberta em 1988, permite que uma específica seqüência genética seja duplicada (cf. Ho, 1997, p. 30).

Estas são as descobertas básicas que originaram a possibilidade de modificação do DNA nas células, induzindo assim à produção de uma nova proteína útil. "Uma nova proteína poderia conferir uma nova característica desejável para a célula ou mesmo para todo o organismo" (Monsanto, 1999, p. 5). Em síntese, engenharia genética ou DNA recombinante significa um conjunto de técnicas para isolar, modificar, multiplicar e recombinar genes. Esta tecnologia torna possível a transferência de genes entre espécies de reinos diferentes, que de outro modo jamais se cruzariam. O objetivo é quebrar as barreiras das espécies, superando os mecanismos de defesa do organismo, que normalmente degradam ou inativam genes estranhos (cf. Ho, 1997, p. 8). A bióloga sino-inglesa Mae-Wan Ho afirma que a engenharia genética "deriva do casamento entre o darwinismo e a genética mendeliana. A crença básica é que os grandes problemas do mundo podem ser resolvidos simplesmente pela identificação e manipulação dos genes. Se os genes determinam as características dos organismos, então pela identificação nós podemos predizer os traços desejáveis e indesejáveis; manipulando os genes nós podemos transformar as características; transferindo os genes nós podemos transferir a característica correspondente" (Ho, 1997, p. 7).

As possibilidades são infinitas: na agricultura: desde aumentar e melhorar as colheitas de alimentos com sementes transgênicas que resistem a pragas3 3 Os OGM (organismos geneticamente modificados) ou transgênicos portadores do Bacillus Thuringiensis não somente resistem às pragas, como também matam-nas, e isto gera uma economia muito grande com pesticidas. A produção mundial de transgênicos aumenta rapidamente ao mesmo tempo que a polêmica em torno dos eventuais riscos para a saúde e para a biodiversidade. Somente nos EUA os agricultores cultivam cerca de 40 milhões de hectares com milho, batata e algodão geneticamente modificados, sendo que 50% da produção de milho provém de sementes geneticamente alteradas (cf. O Estado de S. Paulo, 2000d). e ao clima e produzem frutos mais ricos, até isolar os genes que codificam os processos metabólicos que produzem características essenciais, cultivando-os in vitro, dentro de laboratórios eliminando o grão, a planta, o solo, o cultivo, a colheita, e o agricultor... Na medicina: a terapia genética promete a revolução na saúde, curando as doenças do organismo desenvolvido e diagnosticando e tratando, antes mesmo do nascimento, as doenças que o indivíduo viria sofrer. Também é possível modificar animais para que adquiram características inimagináveis, como por exemplo animais exclusivamente para gerarem órgãos para fins de transplantes. No desenvolvimento sustentável: é possível criar bactérias e plantas que degradem os resíduos tóxicos e os metais pesados. Enfim, é possível revolucionar a produção alimentícia e os padrões de saúde de toda a população do planeta. O potencial de desenvolvimento nos campos da saúde4 4 A biotecnologia médica atrai 20 vezes mais investimento de capital do que a biotecnologia agrícola (cf. Kennedy, 1993, p. 81). (princípio "one gene, one desease" OGOD) e da agricultura5 5 A empresa norte-americana Monsanto decifrou completamente a composição genética do arroz (cf. O Estado de S. Paulo, 2000a). é indescritível.

A posse do conhecimento exato da estrutura genética, a crença no determinismo genético e o domínio da tecnologia de recombinação de genes permitirá a escolha consciente das características hereditárias dos organismos vivos, inclusive dos seres humanos. Ficção científica? Exemplos não faltam do desenvolvimento avançado e acelerado da biotecnologia6 6 Ver matéria sob título: "Cientistas usam técnica genética para criar animais gigantescos experimentos secretos estão sendo conduzidos com gado, porcos, peixes e até lagostas". Segundo tal matéria geneticistas teriam descoberto como bloquear os genes que limitam o crescimento natural dos animais. "Em testes secretos, eles usaram a técnica para produzir versões gigantescas de galinhas, ovelhas e porcos e estão experimentando em bois e vacas" (O Estado de S. Paulo, 2000b). . O que surgiu como uma possibilidade teórica nos anos 50 materializa-se nos anos 1990 e justifica o gasto de US$ 3 bilhões com o Projeto Genoma Humano7 7 O Projeto Genoma Humano (consórcio internacional financiado por fundos públicos que reúne centros universitários de pesquisa de cerca de 20 países, liderados pelos Estados Unidos), concluiu o ma-peamento de 97% do código genético humano em 26 de junho de 2000. *"Monoculturas da mente". Em inglês no original. (N.E.) , que tem por objetivo localizar, identificar e seqüenciar os cerca de 100 mil genes existentes nos 23 pares de cromossomos (a seqüência completa das letras do DNA humano chega a 3,6 bilhões).

O pressuposto teórico que conduz e valida o frenético avanço das pesquisas é o determinismo genético; no entanto, nenhum pesquisador sério admitiria isso se confrontado. Mas na verdade a "biotecnologia somente faz sentido se acreditar-se em determinismo genético. Ninguém pensaria que este é um bom investimento se não acreditasse em determinismo genético". Mais diretamente, "ninguém pensaria que trata-se de um bom investimento se não acreditasse que o resto das pessoas pensa que a engenharia genética funciona na forma como ela proclama" (Ho, 1997, p. 38). Mae-Wan Ho caracteriza este movimento em direção ao gene como uma verdadeira ideologia reducionista e a física indiana Vandana Shiva como "monocultures of the mind"* (Ho, 1997, p. 26).

A firmeza da propositura dos biólogos de que o "nosso destino está nos nossos genes" (Watson apud Ho, 1997, p. 33) leva a crer que em poucas décadas seremos capazes de "alterar a natureza biológica da espécie humana em qualquer direção desejada ou deixá-la seguir seu curso. Em ambos os casos, a evolução genética deverá tornar-se consciente e volitiva, introduzindo uma nova era na história da vida" (Wilson, 1999, p. 261). Ao comentar sobre o Projeto Genoma Humano Bob Waterston, coordenador do quinto maior centro de seqüenciamento genético do mundo, afirmou que "o resultado final será que entenderemos o papel dos genes muito mais claramente e seremos capazes de manipular a maneira como influenciam a natureza humana, a condição humana"8 8 Somente no ano de 1999 o centro de pesquisas da Washington Uni-versity recebeu cerca de US$ 38 milhões do governo norte-americano (cf. Notícias Fapesp, 1999). . O sociólogo Achim Seiler afirma que "as novas técnicas poderiam provocar mudanças nas estruturas social e econômica, mudanças estas que poderiam ser mais profundas e ir mais longe do que qualquer transformação precedente causada pela tecnologia" (Seiler, 1998, p. 50). O antropólogo Paul Rabinow supõe que "a genética deverá remodelar a sociedade e a vida com uma força infinitamente maior do que a revolução na física jamais teve, porque será implantada em todo o tecido social por práticas médicas e uma série de outros discursos" (Rabinow, 1991, p. 85). O historiador Paul Kennedy avalia que "como a máquina a vapor e a eletricidade, a biotecnologia parece introduzir uma nova era e mudar muito o modo de vida das pessoas. (...) Dada a necessidade de aumentar a produção de alimentos, e a existência de forças poderosas que adotam a nova tecnologia, é improvável que o movimento biotécnico seja sustado" (Kennedy, 1993, p. 85).

O substrato especificamente moderno da tecnologia refere-se ao ímpeto para o "controle da `natureza', a determinação para não viver na dependência de condições externas à existência humana e de `fazer' (no sentido de `fabricar') um domínio propriamente humano, em vez de concordar com seu crescimento orgânico" (Heller & Fehér, 1995, p. 66). As nobres finalidades, o quadro teórico preciso e a eficácia prática da biotecnologia transformam-na no principal instrumento de superação completa dos obstáculos ao iluminismo. A biotecnologia ganha legitimação no imaginário popular como o portal para uma nova dimensão de paraíso a ser atingido em algumas décadas.

Desconsiderando a hipérbole que acompanha toda esta discussão seria possível ao menos sinalizar as tendências da vida social que se firmarão mediante as novas tecnologias? As instituições da sociedade civil estão preparadas para decidir e arbitrar sobre o grau de manipulação dos genes que é ético? Um animal geneticamente modificado com genes humanos poderá ser patenteado sem que isto traga discussões sobre ética e retorno da escravidão9 9 Em 1980 a Suprema Corte dos EUA reconheceu que organismos vivos eram descobertas passíveis de serem patenteadas. Em 14 de abril de 1988 o jornal Folha de S. Paulo noticiou que pela primeira vez na história um organismo vivo havia sido patenteado. Tratava-se de um rato modificado para desenvolver câncer e possibilitar estudos do processo da doença. A carta patente havia sido dada à empresa Du Pont. Em 18 de junho de 1999 o jornal O Estado de S. Paulo divulga o seguinte: "EUA negam a cientista registro de patente de animais alterados geneticamente," com uso de partes de DNA humano. O Departamento de Patentes afirmou que conceder o registro de pessoas seria uma violação da 13 a Emenda da constituição, que aboliu a escravidão. Se isto não basta para dar a real dimensão da polêmica dos novos tempos, ve-ja-se a questão da clo-nagem humana. ? Quais pressupostos econômicos e culturais orientam a manipulação das informações obtidas? Os geneticistas moleculares travestidos de capitalistas10 10 A primeira corpora-ção de biotecnologia Ge-nentech Inc. foi fundada pelo geneti-cista molecular Paul Berg. Este foi um dos cientistas que assinaram a Declaração de Asilo-mar (Califórnia) moratória nos experimentos genéticos em 1976 (Ho, 1997, p. 15). A empresa Genetech Inc. Está sendo processada pe-la Universidade da Califórnia por apropriação indébita de uma amostra de DNA (cf. O Estado de S. Paulo, 30/07/1999). serão os novos mandarins do séc. XXI? Que critérios orientarão a definição de normal e patológico para o emprego de terapias genéticas? O conhecimento da genética poderá ser extrapolado para outros campos da existência humana, como o comportamento? Que parâmetros definirão a melhoria genética dos seres humanos? O acesso à tecnologia genética implicará em mais um modo de estratificação social11 11 Jeremy Rifkin fala em "sistema de castas genético" (Rifkin, 1998, p. 163). Estes temores são fundamentados dos por notícias como: "Biotecnologia: EUA tentam evitar `discriminação genética' Resultados de exames têm causado um número crescente de demissões no país." Tal matéria relata o primeiro caso de discriminação genética ocorrida nos EUA, quando trabalhadora descobriu que, por falha genética, estaria susceptível a paradas respiratórias. Foi demitida da seguradora onde trabalhava por ser considerada "um risco" (cf. O Estado de S. Paulo, 2000c). ? O novo estágio tecnológico irá afetar as instituições sociais existentes positiva ou negativamente? Democracia, justiça social, respeito aos direitos humanos e tolerância cultural e étnica se firmarão como tendências progressivas ou o fosso entre países, classes e raças se tornará maior? Enfim, o impressionante desenvolvimento das pesquisas e experimentações em genética molecular com seus benefícios e riscos obriga a sociedade global a pensar mecanismos12 12 O jornal Financial Times afirma que a principal preocupação com o uso dos Organismos Geneticamente Modificados é a possibilidade de efeitos ambientais negativos e identifica a necessidade de um "corpo internacional com poderosos recursos científicos para avaliar os impactos ambi-entais das tecnologias genéticas" ( apud Brasil PNUMA, 1998). de "controle social da informação científica e da propriedade do conhecimento sobre a vida" (Novaes, 1999).

Em outra perspectiva podemos questionar: a lógica que orienta a biotecnologia tenderia a tornar-se preponderante e colonizar todas as outras lógicas da modernidade? Sendo preponderante tal lógica seria legítimo reivindicar a totalidade das atividades sociais como sendo campo de experimentação? Em decorrência poderia haver uma autonomização da esfera tecnológica que mesmo derivada da sociedade cobraria uma "confrontação crítica com a sociedade real" (como disse Adorno, 1992, p. 223)?

A despeito de todas estas questões as tentativas de construir os fundamentos lógicos da fé no progresso planejado da humanidade são projetos dinâmicos e ambiciosos, ao ponto de levar o reducionismo genético ao campo do comportamento e da cultura. Por outro lado, a "quase plenitude" das ciências naturais se contrapõe à sensação de impotência frente à profusão de eventos que "não compreendemos plenamente, e que parecem em grande parte estar fora de nosso controle," como disse Anthony Giddens (1991, p. 12).

As regras epigenéticas da cultura

As ciências naturais parecem avançar com mais certeza do que nunca no sentido do desvendamento objetivo do mundo. Os teóricos da moderna biolologia têm expectativas bastante elevadas. Supondo-se que as esperanças de decompor completamente uma célula humana, rastreando os processos e modelando precisamente o sistema total das moléculas, sejam realizadas; e que se obtenha o mesmo sucesso no que se refere aos tecidos e órgãos, então "o cenário estará armado para o ataque final aos sistemas ainda mais complexos da mente e do comportamento. Eles são, afinal, produtos dos mesmos tipos de moléculas, tecidos e órgãos" (Wilson, 1999, p. 90).

Em 1998 o famoso entomologista e teórico das ciências biológicas Edward Osbourne Wilson publicou Consilence The Unity of Knowledge. O termo Consiliência significa "literalmente um `salto conjunto' do conhecimento pela ligação de fatos com a teoria baseada em fatos em todas as disciplinas, para criar uma base comum de explicação" (Wilson, 1999, p. 7). Ele explicitou que o "objetivo central do programa consiliente, do argumento consiliente, é epistemológico. Esta é provavelmente a forma como o mundo de fato funciona, a melhor forma de compreender a humanidade" (Wilson, 1998, p. 6). Acima de tudo, trata-se de unificar as ciências através de uma linguagem comum, demonstrando a relevância das ciências naturais para a compreensão do comportamento e das instituições humanas. Wilson reconhece a complexidade das ciências sociais mas afirma que a derrocada do sistema comunista, o ressurgimento das hostilidades étnicas e o colapso do Estado de Bem Estar Social, por exemplo, surpreendem os cientistas sociais porque estes "como um todo têm prestado pouca atenção aos fundamentos da natureza humana e quase não tem se interessado por suas origens profundas. (...) via de regra, eles ignoram as descobertas da psicologia e biologia científicas" (Wilson, 1999, p. 175-176).

Portanto, os fundamentos da natureza humana devem ser desvendados pela compreensão de como a biologia e a cultura interagem através de todas as sociedades para criar pontos em comum. "O que, em última análise, une a história profunda e na maior parte genética da espécie como um todo, às histórias culturais mais recentes de suas sociedades mais amplamente distribuídas?" O pressuposto de Wilson está na suposição de que a história foi construída por duas formas de evolução "produção de organismos e sociedades cada vez mais complexos e controladores" (Wilson, 1999, p. 93.) : a evolução genética dos organismos complexos e a evolução cultural na forma de "coevolução gene-cultura" (Wilson, 1999, p. 120).

"A cultura é criada pela mente coletiva, e cada mente por sua vez é o produto do cérebro humano geneticamente estruturado. Gene e cultura estão, portanto, inseparavelmente ligados. Mas a ligação é flexível, em um grau ainda na maior parte não medido. A ligação também é tortuosa: os genes prescrevem regras epigenéticas, que são as vias e regularidades neurais no desenvolvimento cognitivo pelas quais a mente individual se constitui. A mente cresce do nascimento à morte absorvendo partes da cultura existente disponíveis para ela, com seleções guiadas por regras epigenéticas herdadas pelo cérebro individual.

Como parte da coevolução gene-cultura, a cultura é reconstruída a cada geração coletivamente na mente dos indivíduos. Quando a tradição oral é suplementada pela escrita e arte, a cultura consegue crescer indefinidamente e pode até cobrir gerações. Mas a influência determinante fundamental das regras epigenéticas, sendo genética e inextirpável, permanece constante.

Alguns indivíduos herdam regras epigenéticas que lhes permitem sobreviver e se reproduzir melhor no ambiente e cultura circundantes do que indivíduos que carecem dessas regras, ou que pelo menos as possuem em menor grau. Mas isso significa, através de várias gerações, que as regras epigenéticas mais bem sucedidas se disseminaram pela população junto com os genes que prescrevem as regras. Em conseqüência, a espécie humana evoluiu geneticamente por seleção natural no comportamento, tanto quanto na anatomia e fisiologia do cérebro.

A natureza da corrente genética e o papel da cultura podem agora ser melhor compreendidos nos seguintes termos. Certas normas culturais também sobrevivem e se reproduzem melhor do que normas concorrentes, fazendo a cultura evoluir em uma trilha paralela à evolução genética e geralmente muito mais rápida. Quanto mais rápido o ritmo da evolução cultural, mais frágil a conexão entre gene e cultura, embora nunca se rompa totalmente. A cultura permite um rápido ajuste a mudanças no ambiente através de adaptações finamente sintonizadas, inventadas e transmitidas sem uma prescrição genética precisa correspondente" (Wilson, 1999, p. 121-122).

Neste esquema intelectual os eventos causais da cultura se propagam "tortuosamente" dos genes para as células, depois para os tecidos, dali para o cérebro e para os sentidos, chegando ao aprendizado e ao comportamento social, nos fazendo "ver o mundo de certa maneira e aprender certos comportamentos de preferência a outros" (Wilson, 1999, p. 143).

As regularidades da percepção sensorial e do desenvolvimento mental que permitem o aprendizado dos padrões culturais são prescritas pelos genes na forma de regras epigenéticas (Wilson, 1999, p. 143). Em outras palavras, regras epigenéticas são operações inatas no sistema sensorial e cérebro, são "regras práticas que permitem aos organismos encontrar soluções rápidas para problemas encontrados no ambiente. Elas predispõem os indivíduos a ver o mundo de certa forma inata e automaticamente fazer certas escolhas em vez de outras" (Wilson, 1999, p. 184). Existiriam dois tipos de regras:

a) Regras epigenéticas primárias: "processos automáticos que se estendem da filtragem e codificação de estímulos nos órgãos dos sentidos até a percepção dos estímulos pelo cérebro" (Wilson, 1999, p. 144);

b) Regras epigenéticas secundárias: "regularidades na integração de grandes quantidades de informação. Recorrendo a fragmentos selecionados de percepção, memória e colorido emocional, as regras epigenéticas secundárias levam a mente a decisões predispostas através da escolha de certos memes e reações manifestas de preferência a outras" (Wilson, 1999, p. 144).

A interação das regras epigenéticas com o ambiente físico e os padrões culturais preexistentes ajuda a "determinar quais dos genes prescritivos sobrevivem e se multiplicam de uma geração à próxima. Novos genes bem sucedidos alteram as regras epigenéticas da população. As regras epigenéticas alteradas alteram a direção e a eficácia dos canais de aquisição cultural" (Wilson, 1999, p. 150).

A pesquisa das regras epigenéticas

A considerar as premissas acima, o aprendizado de padrões culturais pode ser entendido em sua origem nos programas do cérebro que permitem os processos de memorização, que assumem papel privilegiado na correlação genecultura. Para Wilson o avanço das neurociências permitirá alcançar a "base física dos conceitos mentais através do mapeamento de padrões de atividade neural" (Wilson, 1999, p. 129). Os estudos neurológicos classificam a memória em memória episódica ("percepção direta de pessoas e entidades concretas através do tempo") e semântica ("recorda o significado pela ligação de objetos e idéias a outros objetos e idéias, quer diretamente por suas imagens mantidas na memória episódica ou pelos símbolos que denotam imagens"). "O cérebro tem uma forte tendência para condensar episódios repetidos de um tipo em conceitos, que são depois representados por símbolos"(Wilson, 1999, p. 129). Na busca da unidade básica da cultura no cérebro, os conceitos devem ser vistos "como `nós' ou pontos de referência na memória semântica que podem, em última análise, ser associados à atividade neural no cérebro"(Wilson, 1999, p. 129). Os nós "são tipicamente circuitos complexos de grandes números de células nervosas espalhadas sobre amplas áreas sobrepostas do cérebro" (Wilson, 1999, p. 129). "Conceitos e seus símbolos costumam ser rotulados por palavras. (...) Informações complexas são assim organizadas e transmitidas pela linguagem composta de palavras"(Wilson, 1999, p. 128). A ligação entre os "nós" ou pontos de referência na memória semântica é a essência do que se denomina significado. "A ligação dos nós é montada como uma hierarquia para organizar informações com cada vez mais significado" (Wilson, 1999, p. 128). A busca da memória implica na "ativação propagadora" de diferentes partes do cérebro: "quando novos episódios e conceitos são adicionados à memória, são processados por uma busca propagadora através dos sistemas límbico e cortical, que estabelece vínculos com os nós previamente criados" (Wilson, 1999, p. 129). A unidade básica da cultura (meme) seria o "nó de memória semântica e seus correspondentes na atividade cerebral" (Wilson, 1999, p. 128). Sendo que "o nível do nó, seja conceito (a unidade mais simples reconhecível), proposição ou esquema, determina a complexidade da idéia, comportamento ou artefato que ele ajuda a sustentar na cultura em geral (Wilson, 1999, p. 130). Em conclusão: "é de supor que os elementos naturais da cultura sejam os componentes hierarquicamente dispostos da memória semântica, codificados por circuitos neurais distintos que aguardam identificação" (Wilson, 1999, p. 129).

Na compreensão dos programas cerebrais que permitem a apreensão das normas culturais o processo de reificação, que ocorre nos níveis mais altos de atividade mental, assume grande importância na "compressão de idéias e fenômenos complexos em conceitos mais simples, que são então comparados com objetos e atividades familiares. (...) A reificação é o algoritmo mental rápido e fácil que cria ordem em um mundo normalmente imerso no fluxo e detalhe. Uma de suas manifestações é o instinto diático, a propensão a usar classificações de duas partes para grupos socialmente importantes" (Wilson, 1999, p. 146). As sociedades em toda parte dividem: membro do grupo/fora do grupo, criança/adulto, parente/não parente, casado/solteiro, profano/sagrado, bom/mau; as fronteiras de cada divisão são fortalecidas com tabus e rituais: "mudar de uma divisão para outra requer cerimônias de iniciação, casamentos, bênçãos, ordenações, e outros rituais de passagem que marcam cada cultura" (Wilson, 1999, p. 146). Wilson recorre a Lévi-Strauss e aos estruturalistas, que defenderam que "o instinto binário é governado pela interação de regras inatas. Elas postulam oposições como homem/mulher, endogamia/exogamia e terra/céu como contradições na mente que precisam ser enfrentadas e resolvidas, muitas vezes pela narrativa mítica. (...) Oposições binárias, na versão estruturalista completa, associam-se além disso em complexas combinações pelas quais as culturas se organizam em totalidades integradas" (Wilson, 1999, p. 146-147). O indivíduo seria dirigido, em todas as categorias de seu comportamento, por regras epigenéticas "para as reações relativamente rápidas e exatas mais passíveis de garantir a sobrevivência e reprodução. Mas deixam em aberto a geração potencial de uma imensa série de variações e combinações culturais. Às vezes, especialmente em sociedades complexas, não mais contribuem para a saúde e bem estar. O comportamento que orientam pode dar errado e militar contra os melhores interesses do indivíduo e da sociedade" (Wilson, 1999, p. 184-185).

Os pressupostos da pesquisa gene-cultura seriam: 1) "o comportamento social emerge do somatório de emoções e intenções individuais dentro de ambientes designados"; 2) "o comportamento individual origina-se da intersecção da biologia com o ambiente;" 3) o comportamento humano contem propriedades que "são aplicáveis a toda espécie como produtos da evolução genética" (biologia evolucionária); 4) no entanto, os genes não prescrevem o comportamento de uma forma biunívoca simples; 5) "Fórmula mais sofisticada que transmite o mesmo sentido com mais exatidão: o comportamento é guiado por regras epigenéticas" (Wilson, 1999, p. 184).

Wilson defende-se contra acusações de simplismo: "nenhum cientista sério pode afirmar que os genes prescrevem a cultura. (...) Milhares de genes prescrevem o cérebro, o sistema sensorial e todos os outros processos fisiológicos que interagem com o ambiente físico e social para produzir as propriedades holísticas da mente e da cultura" (Wilson, 1999, p. 130). Os biólogos "não falam, a não ser em um jargão simplificado de laboratório, de um gene que `causa' determinado comportamento e nunca querem dizer isso literalmente. (...) A explicação aceita da causação dos genes à cultura, como dos genes a qualquer outro produto da vida, não é a hereditariedade sozinha. Não é o ambiente sozinho. É a interação entre ambos" (Wilson, 1999, p. 130). Com relação ao aspecto físico é possível supor que cada doença esteja associada a um gene específico (OGOD one gene, one desease), "porém, com todo o seu sucesso inicial, o princípio OGOD pode ser profundamente enganador quando aplicado ao comportamento humano. Embora seja verdade que a mutação em um único gene muitas vezes causa uma importante mudança em um traço, não se segue em absoluto que o gene determina o órgão ou processo afetado" (Wilson, 1999, p. 139)13 13 Apesar da ressalva o próprio autor cita e-xemplos que mostram que a genética com-portamental está pes-quisando todos os perfis de comportamento e baseia-se em deter-minismo gené-tico linear e no reducionis-mo. Se considerarmos que uma mutação genética pode causar uma "deficiência da enzima monoaminaxidase, necessária para decompor os neuro-transmissores que regulam a reação de luta ou fuga" e que o acúmulo desses neu-rotransmissores pode fazer o cérebro permanecer permanentemente excitado, preparado para reagir com violência a baixos níveis de tensão, poderá ter sido localizado o "gene deficiente" que afeta a personalidade, produzindo comportamentos agressivos. Essa mutação genética foi detectada em apenas uma família holandesa e está localizada no cromos-somo X. O que dizer do "gene da busca de novidade", que altera a resposta do cérebro ao neurotransmissor do-pamina? As moléculas e o receptor de proteína que ele ajuda a prescrever têm um comprimento mole-cular maior do que as formas sem mutação esse ge-ne. Foram detectadas mutações desse tipo em diferente grupos étnicos de Israel, onde pessoas dotadas do gene, submetidas a testes comuns, revelam-se mais impulsivas, tendentes à curiosidade e volúveis" (Wilson, 1999, p. 148). . O autor argumenta ainda que a idéia de coevolução gene-cultura não pode ser confundida com determinismo genético rígido, segundo o qual os genes determinam formas particulares de cultura: "os genes não especificam convenções elaboradas como o totemismo, conselho de anciãos e cerimônias religiosas. (...) pelo contrário, complexos de regras epigenéticas predispõem as pessoas a inventar e adotar tais convenções. Se as regras epigenéticas forem suficientemente poderosas, farão com que os comportamentos que afetam evoluam de modo convergente através de inúmeras sociedades" (Wilson, 1999, p. 159). Wilson adverte que seria preciso explorar mais profundamente as regras epigenéticas para compreender a ampla variação cultural que ocorre na maioria das categorias comportamentais e poder entender se estas regras são "funções rígidas e especializadas do cérebro e, assim, semelhantes ao instinto animal ou se são algoritmos racionais mais generalizados que funcionam através de uma ampla faixa de categorias comportamentais. (...) A correspondência observada entre teoria e fato baseia-se, na maior parte, na correlação estatística" (Wilson, 1999, p. 165). Além disso, a tarefa da genética comportamental é tecnicamente muito difícil no nível de identificação e localização de genes e regras epigenéticas relevantes, sendo que apenas um pequeno número foi registrado (Wilson, 1999, p. 147)14 14 Exemplos de ligação entre genes e cultura examinados por Wilson: propriedade alu-cinatória dos sonhos, o medo paralisador das serpentes, preferências elementares no sentido do paladar, detalhes da ligação mãe-bebê, expressões faciais básicas, a reificação dos conceitos, a personali-zação de objetos inanimados e a tendência a dividir continuamente objetos e processos variáveis em duas classes distintas. . No entanto, "é precisamente neste domínio, na fronteira entre a biologia e as ciências sociais que se pode esperar alguns dos mais importantes progressos no estudo do comportamento humano" (Wilson, 1999, p. 148).

Ciências sociais e biologia

O estudo sistematizado da vida social é relativamente recente na história das ciências. Não é por outro motivo que o estatuto epistemológico das ciências sociais tenha sido, desde seu início, construído com base nas ciências naturais. O comportamento social humano deveria ser investigado com o mesmo espírito objetivo que o biólogo, o físico e o químico empregam em suas observações. Não obstante o pressuposto das pesquisas sociológicas e antropológicas ser o de que o comportamento humano apresenta regularidades e que isto seja a evidência da existência de regras (Ryan, 1977, p. 188) nunca houve unanimidade quanto a transformar as ciências sociais em ciências naturais do comportamento humano, com a busca de relações de causa e efeito, que caracterizam as ciências naturais.

A máxima que ora é apresentada revela que "a cultura e, portanto, as qualidades singulares da espécie humana só farão sentido total quando vinculadas em explicação causal às ciências naturais. A biologia em particular é a mais próxima e, portanto, relevante das disciplinas científicas" (Wilson, 1999, p. 258). A "biologia é fundamental para entender o modo pelo qual criamos instituições e convenções, fundamental!" (Wilson, 1998, p. 6). Enfim, a essência da sociedade estaria na compreensão de como o cérebro funciona, existindo apenas uma classe de explicação através de uma rede interligada de causas e efeitos que atravessa as escalas de espaço, de tempo e de complexidade. Desse modo a verdade objetiva é possível e não existe o que se pode chamar de "explicações apropriadas às disciplinas individuais".

A unificação das ciências é uma reivindicação antiga, que de tempos em tempos ressurge. Os argumentos que agora são apresentados ganham relevância pelo avanço das pesquisas neurológicas15 15 Sabe-se que existe uma proteína chamada NR2B que ajuda as células do cérebro a comunicarem-se entre si e é apontada como a chave para a memória e o aprendizado. Esta proteína está presente em altos níveis no início da vida, quando os animais estão a-prendendo sobre o mundo. "Os cientistas acreditam que altos níveis dessa proteína facilitam que os cérebros mais jovens façam conexões entre as células nervosas usadas para representar memórias de eventos e objetos." A experiência com ratos alterados geneticamente já foi realizada e publicada na Revista Nature de setembro de 1999. A expectativa é que a longo prazo seja possível criar algum tipo de terapia genética para aumentar os níveis da proteína NR2B no cérebro humano (cf. O Estado de S. Paulo, 1999). . O pressuposto é que se compreendermos o processo de memorização como um padrão de atividade neural poderemos chegar à base física dos conceitos mentais e assim aos programas do cérebro que desempenham papel privilegiado na correlação genecultura (Wilson, 1999, p. 129). A redução do comportamento humano a uma relação causal significaria um tipo de procedimento para chegar à complexidade: "o amor à complexidade sem reducionismo gera arte; o amor à complexidade com reducionismo gera ciência" (Wilson, 1999, p. 51). Se aceitamos que os seres humanos são corpos físicos regidos por leis causais (regras epigenéticas), devemos aceitar que o comportamento humano é diretamente acessível à explicação causal? Se é possível compreender o significado da ação social em termos da unidade básica da cultura, em termos de um processo neurológico, então é possível tipificar os conceitos e os símbolos que construímos para compreender a natureza e os outros que nos cercam em termos de circuitos complexos de grandes números de células nervosas espalhadas sobre amplas áreas sobrepostas do cérebro? Pode o significado da ação social ser explicado em termos de conexão entre causa e efeito? Uma descrição causal do comportamento humano deveria preencher os detalhes das seqüências entre causas e efeitos, isto é, oferecer-nos uma descrição dos mecanismos através dos quais a seqüência causal opera. Alan Ryan acredita que existem conseqüências práticas em supor que o comportamento social possa ser analisado em termos de explicações causais: "dá a impressão que nossa compreensão do discurso moral e legal terá de mudar drasticamente" (Ryan, 1977, p. 165). Os conhecimentos advindos do Projeto Genoma Humano trabalhados sob o esquema teórico pressuposto pela evolução das regras epigenéticas seria capaz de preencher esse hiato entre as ciências e nos habilitar a manipular a maneira como os processos básicos influenciam a condição humana?

Qual é a base biológica da cultura?

Ao rebater a teoria do "ponto crítico" na origem da cultura teoria que afirma que a cultura somente começou a desenvolver-se quando o cérebro estava completo e, portanto, desenvolveu-se autonomamente, nem dependente nem produtora de posteriores alterações no sistema nervoso Clifford Geertz afirma que "a capacidade de adquirir cultura surgiu gradual e continuamente, pouco a pouco, durante longo período de tempo" (Geertz, 1966, p. 36). Geertz considera que "o desenvolvimento cultural já vinha se processando bem antes de cessar o desenvolvimento orgânico" e que esse fato é de importância fundamental para o entendimento da "natureza humana, que se torna, assim, não apenas o produtor da cultura, mas também, num sentido especificamente biológico, o produto da cultura" (Geertz, 1966, p. 36-37). Mais adiante ele afirma: "a constituição genérica e inata do homem moderno (o que antigamente, quando as coisas eram mais simples, se chamava `natureza humana') parece-nos, agora, ser tanto um produto cultural quanto biológico" (Geertz, 1966, p. 37-38). Na idade glacial é que foram forjadas "quase todas as características tipicamente humanas: todo o sistema nervoso encefálico do homem, sua estrutura social baseada na proibição do incesto e sua capacidade de criar e utilizar símbolos. O fato de terem essas características distintivas da humanidade surgido ao mesmo tempo, e em complexa interação, e não umas após as outras, como durante muito tempo se supos, é de excepcional importância para a interpretação da mente humana, pois parece indicar que o sistema nervoso do homem não só o torna apto a adquirir cultura, como também exige, para funcionar, que o homem adquira essa cultura. A cultura, portanto, não agiria apenas suplementando, desenvolvendo e ampliando capacidades dependentes do organismo, geneticamente anteriores a ela, mas seria uma componente dessas próprias capacidades" (Geertz, 1966, p. 38). "Mentalmente, o homem foi formado na idade glacial e a força realmente decisiva, que plasmou e produziu a singularidade da natureza humana a interação das fases iniciais do desenvolvimento cultural com as fases culminantes da transformação biológica , é parte do passado comum de todas as raças modernas. (...) O fato, agora evidente, de que os estágios finais da evolução biológica do homem ocorreram após os estágios iniciais do desenvolvimento da cultura implica, como já fizemos notar, que natureza humana `básica', `pura' ou `incondicionada', no sentido de constituição inata do homem, é noção tão funcionalmente incompleta, que chega a ser inutilizável" (Geertz, 1966, p. 40-41).

Tal raciocínio encerraria paralelo com a teoria da coevolução genecultura de Wilson, a qual, pelos termos de Geertz, seria "co-desenvolvimento gene-cultura". Podemos dizer que o desenvolvimento cerebral na idade glacial significou o início da construção de regularidades de percepção sensorial que canalizaram a aquisição de cultura e a cultura ajudou a determinar quais dos genes prescritivos sobreviveriam e se multiplicariam de uma geração à próxima. Sem falar em evolução ou desenvolvimento, poderíamos falar em processo de retroalimentação genético-cultural que ocorreu nos últimos estágios de evolução orgânica/genética.

Em outro texto Geertz discute a utilização do conceito de natureza humana independente de contexto cultural:

"O que está em questão não é saber se os seres humanos são ou não organismos biológicos com características intrínsecas. (...) Tão pouco está em questão o fato de que, onde quer que os encontremos, os homens apresentam aspectos comuns em seu funcionamento mental. (...) A questão é a de saber para que nos servem estes fatos indiscutíveis quando estamos explicando rituais, analisando ecossis-temas, interpretando seqüências fósseis ou comparando idiomas"(Geertz, 1988, p. 10).

No entanto, se consideramos junto com o próprio Geertz que o sistema nervoso habilita a aquisição de cultura, mas "também exige, para funcionar, que o homem adquira essa cultura," as características intrínsecas do organismo humano serão necessárias para explicar a origem e a diferença dos fenômenos culturais. Em seu discurso anti-anti-relativismo Geertz afirma que a sociobiologia "é um programa de pesquisa degenerativo destinado a naufragar em suas próprias conclusões" (Geertz, 1988, p. 10). Isso com certeza é verdadeiro se considerarmos o reducionismo e o determinismo genético como fundamento e o darwinismo social como conseqüência da sociobiologia. Curiosamente, Geertz afirma que a neurociência é "um programa progressivo, à beira de alcançar realizações extraordinárias, a que os antropólogos deveriam prestar atenção" (Geertz, 1988, p. 10). Esta afirmação é contraditória, pois é justamente pela neurociência que as ciências naturais querem explicar a cultura. Mais especificamente através da neurociência cognitiva (da consciência através da análise da base física da atividade mental); mas também pela genética comportamental humana (busca isolar a base hereditária do processo, inclusive a influência condicionadora dos genes sobre o desenvolvimento mental) e pela biologia evolucionária/sociobiologia (explicação das origens hereditárias do comportamento social) (Wilson, 1999, p. 183).

O filósofo Richard Rorty argumenta que o conhecimento de como o cérebro funciona de fato ou como ele evoluiu não tem tanta relevância para as ciências sociais:

"A fim de nos convencer do fato de que a melhor compreensão do cérebro é tão importante quanto considera, Wilson teria de nos persuadir de que tal compreensão demonstraria os limites da malea-bilidade cultural ele teria de nos mostrar, por exemplo que um certo experimento social que estamos tentando empreender provavelmente se acha condenado ao fracasso.Tenho dificuldade em imaginar um argumento que comece com premissas biológicas e chegue a esse tipo de conclusão uma conclusão relevante para a deliberação política. Não achei este argumento no livro de Wilson. O mais perto que ele chega é uma demonstração de que certas universais culturais são suscetíveis de explicação biológica. Mas nós desenvolvemos as ciências sociais e as humanidades não tanto para explicar universais culturais, mas sim para explorar as alternativas culturais. Desenvolvemos as artes não só para reiterar os antigos arquétipos e mitos, mas para construir novos mundos para nós mesmos e povoá-los com nossos descendentes. (...) Podemos nos devotar ao projeto iluminista de uma vida digna para todos os habitantes do planeta, uma vida como cidadãos livres de uma comunidade cooperativa, e sermos totalmente ignorantes de como os computadores, cérebros e todo o resto funciona" (Rorty, 1998, p. 8).

Até dez anos atrás o argumento de Rorty faria sentido pois as pesquisas em genética molecular caminhavam muito lentamente e os resultados pareciam muito incertos. Aliás o seu argumento é o mesmo que Alan Ryan utilizou em 1970 para demonstrar que não era necessário postular qualquer conhecimento sobre os mecanismos fisiológicos para descobrir os vários "programas" inscritos no comportamento humano (cf. Ryan, 1977, p. 149).

No entanto, uma ampla gama de alternativas culturais são dispostas pela imaginação prospectiva a partir das revelações do poder da genética. Que tal se pensarmos como experimento social a eugenia e a discriminação genética? Que tal pensarmos nos impactos da indústria de biotecnologia nas formas de agricultura tradicional e, conseqüentemente, nas formas de coesão social? Que significado terá uma alternativa cultural onde seja possível patentear formas de vida? (O conhecimento genético transformou-se em valiosa mercadoria, acarretando uma acirrada disputa que envolve questões cruciais como o patenteamento de seqüências genéticas16 16 A questão das patentes genéticas deve ser o assunto principal da pauta das relações internacionais nos próximos anos. Para uma análise da posição do Brasil neste debate sobre patentes genéticas cf. texto de Laymert Garcia dos Santos (1998). , inclusive em seres humanos.) Talvez não seja necessário caçar as regras epigenéticas que ligam os genes à cultura, talvez não seja necessário buscar um critério de verdade objetiva sobre o comportamento humano a partir do conhecimento de como o cérebro funciona em seus detalhes. Mas certamente podemos partir de premissas biológicas para concluir que um modelo de desenvolvimento científico pautado pelo determinismo genético implica um certo tipo de tecnologia, que tem o potencial de reconfigurar todos os padrões de sociabilidade e instituições sociais em uma alternativa cultural de complexa avaliação.

Isto quer dizer que se o argumento de que a biologia é fundamental para a compreensão de como formamos instituições humanas é facilmente contestável porque a humanidade não é meramente constituída por corpos físicos regidos por leis invariáveis e o comportamento humano é mais que o resultado da dialética entre meio ambiente e configuração neurológica , os futuros avanços da biotecnologia tenderão a corroborar a hipótese de transformação radical do modo de vida e nesse futuro poderemos acreditar que a forma como a biotecnologia se alojou nos corações e mentes será fundamental para a constituição das instituições sociais.

Considerações Finais

O desdobramento da moderna genética "trará um tipo ver-dadeiramente novo de auto produção": a bio-sociabilidade (Rabinow, 1991, p. 85). O empreendimento científico que será conduzido nos próximos anos pela genética molecular, neurociência e antropologia biológica, na busca das bases físicas da cultura e da natureza humana, carecerá de análises das condições ideológicas e socioeconômicas que influenciam a formação do seu quadro conceitual. Na crítica dos postulados que fundamentam esse avanço científico não basta dizer que se trata de elucubrações estratosféricas de uma ciência destinada a afundar em seus próprios equívocos, pelo passado da sociobiologia. Não basta simplesmente classificar e ironizar a base teórica como um soluço positivista extemporâneo. A explicitação dos fatores externos que delimitam e fornecem os critérios de avaliação dos alvos teóricos/práticos deverá trazer elementos para demonstrar a complexidade que existe na definição dos objetivos da ciência e da tecnologia contemporânea, e assim fundamentar a criação de mecanismos globais de gestão do conhecimento e da manipulação dos recursos genéticos.

A importância do contato entre as ciências é evidente. Não obstante, pelo lado das ciências sociais, não basta apenas estudar a "science in the making" avaliando que o conhecimento científico é apenas mais uma forma de interpretar a realidade, tão válida quanto qualquer outra. Pelo lado da biologia é presunçoso o esquema fundacional e hierarquizante das ciências, que dissolve e subordina a identidade das ciências sociais.

Seria a sociedade redutível a um agregado de regularidades neurológicas, ordenado por regras epigenéticas? Significaria isto a redução da cultura e da sociabilidade humana aos padrões da biologia molecular? Poderia ser a história humana prevista e controlada através da manipulação dos genes determinantes? Estaremos vivendo uma reedição do sonho positivista sem a ingenuidade característica e embalados pela mão invisível do mercado? A repercussão dos pressupostos teóricos da moderna biologia implicaria na hegemonia da biotecnologia enquanto lógica dinâmica da modernidade? Tais pressupostos confeririam legitimação para um "barbarismo renovado" (Kurz, 1997, p. 196)? A falta de fricção entre as lógicas dinâmicas da modernidade (trabalho, governo, tecnologia) e sua conseqüente homogeneização sob a hegemonia de uma delas transformaria "o mundo em uma prisão" (Heller & Fehér, 1995, p. 67)? As possibilidades de controle social pelo controle do código genético encerrariam o estágio final da dominação da natureza? Serão reelaboradas as formas de vigilância e de punição no séc. XXI em um totalitarismo autenticamente pósmoderno? Se tudo estará sob controle quem será o controlador?

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Recebido para publicação em setembro/1999

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  • _______. (1999) Consiliência a unidade do conhecimento. Rio de Janeiro, Campus.
  • 1
    Coordenador do Projeto Genoma Câncer no Brasil (Notícias Fapesp, 1999).
  • 2
    A Monsanto é uma das maiores corporações de biotecnologia do mundo.
  • 3
    Os OGM (organismos geneticamente modificados) ou transgênicos portadores do Bacillus Thuringiensis não somente resistem às pragas, como também matam-nas, e isto gera uma economia muito grande com pesticidas. A produção mundial de transgênicos aumenta rapidamente ao mesmo tempo que a polêmica em torno dos eventuais riscos para a saúde e para a biodiversidade. Somente nos EUA os agricultores cultivam cerca de 40 milhões de hectares com milho, batata e algodão geneticamente modificados, sendo que 50% da produção de milho provém de sementes geneticamente alteradas (cf. O Estado de S. Paulo, 2000d).
  • 4
    A biotecnologia médica atrai 20 vezes mais investimento de capital do que a biotecnologia agrícola (cf. Kennedy, 1993, p. 81).
  • 5
    A empresa norte-americana Monsanto decifrou completamente a composição genética do arroz (cf. O Estado de S. Paulo, 2000a).
  • 6
    Ver matéria sob título: "Cientistas usam técnica genética para criar animais gigantescos experimentos secretos estão sendo conduzidos com gado, porcos, peixes e até lagostas". Segundo tal matéria geneticistas teriam descoberto como bloquear os genes que limitam o crescimento natural dos animais. "Em testes secretos, eles usaram a técnica para produzir versões gigantescas de galinhas, ovelhas e porcos e estão experimentando em bois e vacas" (O Estado de S. Paulo, 2000b).
  • 7
    O Projeto Genoma Humano (consórcio internacional financiado por fundos públicos que reúne centros universitários de pesquisa de cerca de 20 países, liderados pelos Estados Unidos), concluiu o ma-peamento de 97% do código genético humano em 26 de junho de 2000. *"Monoculturas da mente". Em inglês no original. (N.E.)
  • 8
    Somente no ano de 1999 o centro de pesquisas da Washington Uni-versity recebeu cerca de US$ 38 milhões do governo norte-americano (cf. Notícias Fapesp, 1999).
  • 9
    Em 1980 a Suprema Corte dos EUA reconheceu que organismos vivos eram descobertas passíveis de serem patenteadas. Em 14 de abril de 1988 o jornal
    Folha de S. Paulo noticiou que pela primeira vez na história um organismo vivo havia sido patenteado. Tratava-se de um rato modificado para desenvolver câncer e possibilitar estudos do processo da doença. A carta patente havia sido dada à empresa Du Pont. Em 18 de junho de 1999 o jornal
    O Estado de S. Paulo divulga o seguinte: "EUA negam a cientista registro de patente de animais alterados geneticamente," com uso de partes de DNA humano. O Departamento de Patentes afirmou que conceder o registro de pessoas seria uma violação da 13
    a Emenda da constituição, que aboliu a escravidão. Se isto não basta para dar a real dimensão da polêmica dos novos tempos, ve-ja-se a questão da clo-nagem humana.
  • 10
    A primeira corpora-ção de biotecnologia Ge-nentech Inc. foi fundada pelo geneti-cista molecular Paul Berg. Este foi um dos cientistas que assinaram a Declaração de Asilo-mar (Califórnia) moratória nos experimentos genéticos em 1976 (Ho, 1997, p. 15). A empresa Genetech Inc. Está sendo processada pe-la Universidade da Califórnia por apropriação indébita de uma amostra de DNA (cf.
    O Estado de S. Paulo, 30/07/1999).
  • 11
    Jeremy Rifkin fala em "sistema de castas genético" (Rifkin, 1998, p. 163). Estes temores são fundamentados dos por notícias como: "Biotecnologia: EUA tentam evitar `discriminação genética' Resultados de exames têm causado um número crescente de demissões no país." Tal matéria relata o primeiro caso de discriminação genética ocorrida nos EUA, quando trabalhadora descobriu que, por falha genética, estaria susceptível a paradas respiratórias. Foi demitida da seguradora onde trabalhava por ser considerada "um risco" (cf. O Estado de S. Paulo, 2000c).
  • 12
    O jornal
    Financial Times afirma que a principal preocupação com o uso dos Organismos Geneticamente Modificados é a possibilidade de efeitos ambientais negativos e identifica a necessidade de um "corpo internacional com poderosos recursos científicos para avaliar os impactos ambi-entais das tecnologias genéticas" (
    apud Brasil PNUMA, 1998).
  • 13
    Apesar da ressalva o próprio autor cita e-xemplos que mostram que a genética com-portamental está pes-quisando todos os perfis de comportamento e baseia-se em deter-minismo gené-tico linear e no reducionis-mo. Se considerarmos que uma mutação genética pode causar uma "deficiência da enzima monoaminaxidase, necessária para decompor os neuro-transmissores que regulam a reação de luta ou fuga" e que o acúmulo desses neu-rotransmissores pode fazer o cérebro permanecer permanentemente excitado, preparado para reagir com violência a baixos níveis de tensão, poderá ter sido localizado o "gene deficiente" que afeta a personalidade, produzindo comportamentos agressivos. Essa mutação genética foi detectada em apenas uma família holandesa e está localizada no cromos-somo X. O que dizer do "gene da busca de novidade", que altera a resposta do cérebro ao neurotransmissor do-pamina? As moléculas e o receptor de proteína que ele ajuda a prescrever têm um comprimento mole-cular maior do que as formas sem mutação esse ge-ne. Foram detectadas mutações desse tipo em diferente grupos étnicos de Israel, onde pessoas dotadas do gene, submetidas a testes comuns, revelam-se mais impulsivas, tendentes à curiosidade e volúveis" (Wilson, 1999, p. 148).
  • 14
    Exemplos de ligação entre genes e cultura examinados por Wilson: propriedade alu-cinatória dos sonhos, o medo paralisador das serpentes, preferências elementares no sentido do paladar, detalhes da ligação mãe-bebê, expressões faciais básicas, a reificação dos conceitos, a personali-zação de objetos inanimados e a tendência a dividir continuamente objetos e processos variáveis em duas classes distintas.
  • 15
    Sabe-se que existe uma proteína chamada NR2B que ajuda as células do cérebro a comunicarem-se entre si e é apontada como a chave para a memória e o aprendizado. Esta proteína está presente em altos níveis no início da vida, quando os animais estão a-prendendo sobre o mundo. "Os cientistas acreditam que altos níveis dessa proteína facilitam que os cérebros mais jovens façam conexões entre as células nervosas usadas para representar memórias de eventos e objetos." A experiência com ratos alterados geneticamente já foi realizada e publicada na Revista Nature de setembro de 1999. A expectativa é que a longo prazo seja possível criar algum tipo de terapia genética para aumentar os níveis da proteína NR2B no cérebro humano (cf. O Estado de S. Paulo, 1999).
  • 16
    A questão das patentes genéticas deve ser o assunto principal da pauta das relações internacionais nos próximos anos. Para uma análise da posição do Brasil neste debate sobre patentes genéticas cf. texto de Laymert Garcia dos Santos (1998).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Nov 2010
    • Data do Fascículo
      Nov 2000

    Histórico

    • Recebido
      Set 1999
    Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, 05508-010, São Paulo - SP, Brasil - São Paulo - SP - Brazil
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