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“Saia do Brasil Agora” Emigração brasileira como ação antecipatória

“Get Out of Brazil Now”: Brazilian Emigration as Anticipatory Action

Resumo

Nos últimos anos, o número de brasileiros a deixarem o país atingiu cifras recordes, o que parece indicar uma nova e sem precedentes fase emigratória. Em contraste com os períodos anteriores da emigração brasileira, esta recente fase é composta, principalmente, de brasileiros que partem em família, com a intenção de não mais retornarem ao Brasil como residentes. O artigo analisa este novo movimento, por meio de uma etnografia dos brasileiros na Grande Vancouver, Canadá, região onde essa população triplicou entre 2006 e 2021. Argumentamos se tratar de um movimento migratório em resposta a sentimentos generalizados e difusos de apreensão e medo em relação ao futuro no Brasil, que destoam do padrão de vida confortável e da posição relativamente privilegiada daqueles que estão se mudando. A emigração emerge, assim, como uma forma de ação antecipatória impulsionada pelo que aqui denominamos de um “mal-estar de classe média”.

Palavras-chave:
Brasileiros em Vancouver; Migrações internacionais; Classe(s) média(s); Ação antecipatória.

Abstract

In recent years, the number of Brazilians leaving the country has reached record levels, suggesting a new and unprecedented phase of emigration. In contrast to earlier periods of emigration from Brazil, this recent phase is primarily comprised of Brazilians who have left with their families with the intention of never returning to Brazil as residents. This article analyses this new movement through an ethnography of Brazilians living in Greater Vancouver, Canada, a region in which the Brazilian population tripled between 2006 and 2021. We argue that this migratory movement is a response to generalized and diffuse feelings of apprehension and of fear of the future in Brazil, that diverge from the comfortable standard of living and privileged relatively position of those leaving Brazil. As a result, emigration emerges as a form of anticipatory action motivated by what we call “middle-class malaise”.

Keywords:
Brazilians in Vancouver; International migration; Middle-class(es); Anticipatory action.

Introdução

Em agosto de 2018, a quase dois meses das eleições presidenciais no Brasil, o canal do YouTube, Canadá Diário, transmitiu o episódio “Saia do Brasil Agora e Vá para o Canadá!”. Com cerca de 420 mil inscritos, o canal, comandado por Dimitri Kosma, um brasileiro que emigrou com a esposa, Fabiana Ferlin, para Vancouver há mais de dez anos, publica vídeos quase diariamente, retratando as experiências de vida de sua família no Canadá (seus dois filhos nasceram em Vancouver), além de informações, conselhos, debates, depoimentos e entrevistas sobre assuntos de interesse dos brasileiros que consideram imigrar para o país em questão ou que já o tenham feito.

Nesse episódio em particular, Kosma entrevista Marilene Quintana, da e-Visa Immigration, agência de imigração por ela fundada em 2014, voltada especialmente para o público brasileiro e que, atualmente, conta com cerca de cinquenta funcionários e escritórios em São Paulo, Vancouver, Toronto e Teerã. A mensagem de Quintana, como bem expressa no título do episódio, é sucinta e enfática: saia do Brasil antes que seja tarde demais. Ao longo do vídeo, Quintana elenca inúmeros motivos para se deixar o país, tocando em temas de grande apelo popular como, por exemplo, violência, instabilidade política e crise econômica. Contudo, o tom emergencial de seu conselho destoa do tipo de vida dos brasileiros que têm emigrado. Em sua fala, a ênfase recai justamente sobre o que pode vir a acontecer caso a situação do Brasil se agrave. Prognóstico, previsão, plano, o risco da espera e a probabilidade de as coisas só piorarem são palavras e frases proferidas repetidamente ao longo da entrevista. Deixar o Brasil, portanto, não é algo apresentado no episódio como uma resposta ao presente, mas como uma ação urgente a ser tomada em antecipação a um futuro ameaçador.

Tomando este exemplo como ponto de partida, propomos aqui analisar a recente fase emigratória brasileira, em cujo cerne se encontram, predominantemente, as classes média e média alta brasileiras, como uma política antecipatória que emerge do que poderíamos denominar de um mal-estar de classe média1 1 Antes de prosseguirmos, consideramos necessários alguns esclarecimentos terminológicos. Nos últimos anos, têm ocorrido inúmeros debates sobre classe média no Brasil que destacam a sua pluralidade, i.e., a existência não de uma, mas de inúmeras classes médias, incluindo-se aí desde a classe média tradicional até a denominada “nova classe média” (Klein et al., 2018; Kopper e Damo 2018; Souza 2010; Yaacoub, 2011). Também recentemente, em um contexto marcado pela ascensão de uma nova direita no Brasil, o termo classe média vem sendo reivindicado como uma espécie de selo de pertencimento político-ideológico por brasileiros identificados com os discursos e as práticas de vieses eminentemente conservadores, reacionários e mesmo antidemocráticos. Diferentemente do sentido empregado no artigo, segundo esta conotação, a expressão “mal-estar de classe média” poderia designar, no limite, o modo como os próprios apoiadores desta nova direita se compreendem. Aqui, a definição propriamente dita de classe média, como trataremos posteriormente, advém tanto da autoclassificação de nossos entrevistados (a maioria se considera pertencente às classes média e média alta no Brasil) quanto de sua disponibilidade de recursos (capital financeiro e capital humano) quando emigraram para o Canadá, evidenciada por meio da estrutura de oportunidades que se pode depreender de seus relatos e dos critérios de seleção e tecnologias de controle dos programas migratórios canadenses, que produzem um perfil desejável de imigrante. O acesso aos recursos necessários para a imigração para o Canadá posiciona nossos entrevistados em uma, por assim dizer, fatia relativamente privilegiada da classe média no Brasil. . Por meio da ênfase na noção de antecipação, buscaremos abordar os modos como um evento que ainda não ocorreu e que pode nunca se concretizar produz, a despeito disso, efeitos no presente. A análise se fundamentará em uma pesquisa etnográfica, que se estendeu entre 2019 e 2020, com brasileiros relativamente privilegiados2 2 Por “relativamente privilegiados” estamos nos referindo aos vários indicadores de privilégio de classe, considerando-se que a maioria dos entrevistados descreveu seu padrão de vida como confortável, concluiu curso superior (bem como, ao menos, um dos pais), possuía carreiras profissionais estáveis, casa própria, recursos suficientes para, por exemplo, manter os filhos em escolas particulares e arcar com planos de saúde privados. que haviam chegado fazia poucos anos à Grande Vancouver, região localizada na costa oeste do Canadá3 3 A região da Grande Vancouver, localizada na província de British Columbia (bc), possui uma população de, aproximadamente, 2,5 milhões de habitantes, da qual fazem parte 21 municipalidades, sendo as principais: Vancouver City, North Vancouver, Burnaby, Richmond, Surrey, White Rock, Coquitlam, Delta, Langley, Maple Ridge, Port Coquitlam, Pitt Meadows, New Westminster e Port Moody. Embora estejamos falando de diferentes cidades, muitas delas estão a apenas uma ou poucas estações de metrô de distância umas das outras. , com a intenção de construírem uma nova vida nesse país. A pesquisa envolveu entrevistas semiestruturadas e individuais com 36 brasileiros residentes na região; conversas casuais e observação participante em condomínios residenciais, parques, restaurantes, lojas e agências de assistência a imigrantes frequentadas por brasileiros; participação em grupos de apoio a brasileiros imigrantes em Vancouver; e etnografia digital de grupos virtuais de ajuda a brasileiros no Canadá ou que planejavam se mudar. Durante o período da pesquisa etnográfica, Michele Fanini também residia em um condomínio no qual viviam, aproximadamente, 25 famílias brasileiras.

Para muitos dos brasileiros com quem conversamos na Grande Vancouver, as razões apontadas para que deixassem o Brasil - a exemplo do aumento do desemprego e da violência urbana - ainda não haviam se materializado em suas vidas. Muitos deles desfrutavam do conforto e dos privilégios de uma vida de classe média e média alta, carreiras profissionais sólidas, casa própria e relativa segurança. Abriram mão de empregos estáveis, venderam seus imóveis e se mudaram para um país que, salvo algumas exceções, nunca haviam visitado e cuja língua falada pouco ou nada dominavam. Chamaram-nos a atenção suas disposições em desenraizarem suas vidas, motivados por uma preocupação em relação a algo que pudesse nunca acontecer. Suas histórias contrastam frontalmente com aquelas veiculadas pelos meios de comunicação sobre os imigrantes que chegam à fronteira dos Estados Unidos vindos de El Salvador, Honduras, Guatemala e outros países da América Central, fugindo de riscos imediatos, sob a forma de ameaças de morte a familiares, violência entre gangues e do agravamento da pobreza.

Ainda que o estudo etnográfico tenha como foco de atenção os brasileiros na Grande Vancouver, nossa pesquisa se inscreve em um movimento no qual brasileiros relativamente privilegiados se mudam para países como Portugal, Austrália, Israel e Canadá. Em termos numéricos, os recentes fluxos migratórios de brasileiros para o exterior não possuem precedentes históricos. Considerando-se como parâmetro os levantamentos produzidos pelo Itamaraty a partir de relatórios consulares, estima-se que as saídas tenham mais do que dobrado no intervalo entre o início da década de 2000 e o ano de 2020, passando de 2 milhões para 4.2 milhões. Apenas no intervalo entre 2018 e 2020, o número estimado de nacionais emigrados foi de cerca de 600 mil4 4 Fonte: “Comunidade brasileira no exterior - Estatísticas 2020”. Ministério das Relações Exteriores. 19 jul. 2021. . A despeito de suas possíveis inconsistências, as estimativas do Itamaraty não deixam de sugerir a magnitude de um fenômeno que parece corresponder à emergência de uma nova fase emigratória brasileira, diferente das demais não apenas numericamente.

Traçando um breve paralelo, os movimentos de saída de brasileiros a partir de meados da década de 1980, que atingiram cifras inéditas para a época, a ponto de representarem “uma descontinuidade histórica em um país acostumado a imaginar-se como uma terra de oportunidade para estrangeiros” (Cavalcanti e Oliveira, 2018Cavalcanti, Leonardo & Oliveira, Márcio de. (jan.-abr. 2018), “O tema das migrações internacionais na Sociologia no Brasil”. Revista Brasileira de Sociologia, 6 (12): 88-113., p. 99), foram impulsionados, sobretudo, pela deterioração do padrão de vida da população durante a chamada “década perdida”. Tendo como destinos iniciais os Estados Unidos, o Japão e a Europa Ocidental5 5 Vale acrescentar que o Paraguai também passou a receber um grande número de brasileiros a partir das últimas décadas do século xx, em virtude de uma dinâmica de fronteira (Bógus e Baeninger, 2018, p. 3; Almeida e Baeninger, 2016, p. 130). (Torresan, 2007Torresan, Angela. (2007), “How privileged are they? Middle-class Brazilian immigrant in Lisbon”. In: Amit, Vered. (editor). Going first class?: New approaches to privileged travel and movement. Nova York/Oxford, Berghahn Books., p. 103; Almeida e Baeninger, 2016Almeida, G. M. R. de. & Baeninger, R. (2016). “A imigração brasileira na França: do tipo histórico às modalidades migratórias contemporâneas”. Rev. Bras. Estud. Popul., 33 (1): 129-153., p. 130), esses deslocamentos eram formados majoritariamente por brasileiros economicamente motivados (Dias e Martins Junior, 2018Dias, Gustavo & Martins Júnior, Angelo. (nov. 2018), “A segunda onda migratória brasileira: o impacto das mudanças econômicas e sociais no Brasil sobre a migração contemporânea para o Reino Unido”. Século xxi: Revista de Ciências Sociais, [S.l.], 8 (1): 112-143., p. 117), que concebiam a emigração como uma empreitada individual e provisória. Possuíam uma grande disposição para trabalhar em qualquer tipo de emprego, como na construção civil, em fábricas, em serviços de limpeza, como lavadores de pratos em restaurantes, engraxates, motoristas, manobristas etc., desde que conseguissem acumular alguma reserva e remeter parte dos ganhos aos familiares no Brasil (Margolis, 1990Margolis, Maxine L. (1990), “From mistress to servant. Downward mobility among Brazilian immigrants in New York City”. Urban Anthropology and Studies of Cultural Systems and World Economic Development, 19 (3): 215-231.; Menai, 2016Menai, Tania. (2016), “Brazilians are leaving: this time, for Good”. Women Across Frontiers, 4.).

Contrastivamente, os deslocamentos mais recentes têm sido protagonizados por brasileiros que emigram em família, deixam para trás uma vida confortável e financeiramente estável e se desfazem de seus bens no país de origem (de seus laços materiais), em um claro sinal de que a partida se faz sem a intenção de retorno (Menai, 2016Menai, Tania. (2016), “Brazilians are leaving: this time, for Good”. Women Across Frontiers, 4.).

Merece ainda destaque o fato de que, nestas dinâmicas recentes, muitos brasileiros têm optado por destinos alternativos aos Estados Unidos, o que se mostra, em parte, sintomático dos impactos da era Trump (2017-2020) sobre as políticas migratórias estadunidenses. O Canadá, nesse sentido, tem se destacado como lugar de destino para um número cada vez maior de brasileiros. Em termos estatísticos, entre 2006 e 2021, ano de publicação do mais recente censo canadense, a população de imigrantes brasileiros no país triplicou, passando de 15.755 para 48.450 (Statistics Canada)6 6 Incluindo-se neste cômputo apenas os residentes permanentes (que possuam o Permanent Resident card ou a cidadania canadense). .

Nas seções a seguir, pretendemos oferecer três contribuições aos estudos sobre imigração e classe social no Brasil e globalmente. Em primeiro lugar, por meio da análise dos deslocamentos internacionais protagonizados pelas populações relativamente privilegiadas, intentamos complexificar as concepções tradicionais acerca de quem constitui um imigrante. Quanto a isso, Vered Amit (2007)Amit, Vered (editor). (2007), Going first class?: New approaches to privileged travel and movement. Nova York/Oxford, Berghahn Books., em texto introdutório a uma coletânea de ensaios sobre migração de classe média e elite, nota que há uma tendência, entre os antropólogos, a se conferir maior ênfase às migrações de trabalhadores não qualificados, associando a categoria do imigrante àquela de viajantes sem recursos.

Embora os imigrantes frequentemente enfrentem inúmeras desvantagens nos países de destino, Amit ressalta que a imigração demanda certo grau de recursos e que, além disso, “imigrantes voluntários geralmente não provêm de populações de envio mais pobres e destituídas” (2007, p. 3; Torresan, 2007Torresan, Angela. (2007), “How privileged are they? Middle-class Brazilian immigrant in Lisbon”. In: Amit, Vered. (editor). Going first class?: New approaches to privileged travel and movement. Nova York/Oxford, Berghahn Books., p. 106)7 7 No original: “voluntary migrants are not usually drawn from among the poorest and most destitute sending populations”. . Além disso, a categoria de imigrante é não apenas definida quanto à classe social, mas também racializada, o que se dá, sobretudo, por meio do emprego de procedimentos de controle e tecnologias de seleção que distinguem quem é aceitável e apto a ser incorporado ao país de chegada como residente e futuro cidadão (Fassim, 2011Fassim, Didier. (2011), “Policing borders, producing boundaries. The governmentality of immigration in dark times”. Annu. Rev. Anthropology, 40: 213-26.). Daí o fato de muitos brasileiros da elite vivendo no exterior recusarem o rótulo de imigrantes, preferindo ser chamados de expatriados, de modo a se descolarem de uma “ideia racializada do imigrante brasileiro típico como sendo pobre, indocumentado, não branco e subalterno” (Robins, 2019Robins, Daniel. (2019), “Lifestyle migration from the Global South to the Global North: Individualism, social class, and freedom in a centre of ‘superdiversity’”. Population, Space and Place, 25 (6): 1-13., p. 9)8 8 No original: “racialised idea of the typical Brazilian migrant as poor, undocumented, dark skinned, and subaltern”. . Similarmente, não trataremos o recente movimento de brasileiros para o Canadá a partir de uma categoria preconcebida de imigrante, mas, ao invés disso, na senda de Sayad (1998)Sayad, Abdelmalek. (1998), A imigração ou os paradoxos da alteridade. Tradução de Cristina Murachco. São Paulo, Edusp., como uma trajetória social que inclui as condições e experiências, a um só tempo, da partida de um lar e da chegada e das negociações de um novo.

Em segundo lugar, sustentamos que, nesta recente fase emigratória brasileira, os imigrantes enxergam na mudança de país uma solução definitiva aos sentimentos crescentes e difusos de apreensão e medo em relação ao futuro, especialmente quanto à vida profissional e à violência urbana, que se (re)traduzem no que poderíamos denominar de um mal-estar de classe média. A vida no Canadá é idealizada como um porto seguro onde certos ideais de classe, sintetizados no apreço por valores como segurança e qualidade de vida, podem ser alcançados. A ideia de mal-estar, nesse sentido, nos parece apropriada para encapsular esses sentimentos esparsos de insatisfação, cujas causas, antes de enfaticamente expressas e nomeadas, trazem algo de irresoluto.

Por fim, a ideia de imigração motivada, ao menos em parte, por um mal-estar de classe, aponta para um novo tipo de ação antecipatória. Mais propriamente, a imigração pode ser compreendida como uma forma de preempção. Estamos aqui tomando de empréstimo a tipologia sobre lógicas antecipatórias do geógrafo Ben Anderson (2010)Anderson, Ben. (2010), “Preemption, precaution, preparedness: anticipatory action and future geographies”. Progress in Human Geography, 34 (6): 777-797., na qual o autor sugere a existência de, pelo menos, três tipos de ação quanto à percepção de futuro: precaução, preparação e preempção.

A precaução é uma medida preventiva diante da identificação de uma ameaça, mesmo que não se saiba de que forma acontecerá. Políticas, acordos internacionais de regulação e outras ações relacionadas à mudança climática antropogênica são claros exemplos de precaução. Já a lógica da preparação é distinta: no lugar de tentar evitar que uma ameaça ocorra, busca-se mitigar os efeitos de um evento potencialmente catastrófico. Serviços de socorro, rotas de evacuação, sistemas de alerta, simulações de rápida resposta a situações de emergência são parte de uma infraestrutura de preparação ao desastre. Por fim, a preempção, que nos interessa particularmente explorar no caso da emigração, é mais próxima à lógica da precaução que da preparação, mas dela se diferencia em um importante aspecto. A precaução busca interromper um processo que começou a emergir antes que se torne irreversível, tal o caso da mudança climática. A preempção, em contraste, é uma resposta a ameaças que ainda não emergiram (Anderson, 2010Anderson, Ben. (2010), “Preemption, precaution, preparedness: anticipatory action and future geographies”. Progress in Human Geography, 34 (6): 777-797., p. 790). Não se trata de uma ação paralisante, mas produtiva. Pode incitar, produzir ou desencadear eventos futuros, na medida em que age dentro das condições de possibilidade de emergência de uma ameaça.

A emigração de brasileiros relativamente privilegiados pode ser lida a partir de uma lógica antecipatória guiada pela preempção, na medida em que é motivada por uma preocupação prospectiva, por um alerta generalizado sobre crises ainda por acontecer. Não deixa de ser sugestivo que a expressão utilizada pelos brasileiros para se referirem às suas estratégias migratórias seja Plano Canadá e que, como mostraremos, este possa ser compreendido como um plano de ação antecipatória. Além disso, muitos de nossos entrevistados apontaram o medo e a apreensão - seja em termos profissionais/econômicos ou relacionados à violência urbana - como motivações para saírem do Brasil. Conforme Brian Massumi (2010)Massumi, Brian. (2010), “The future birth of affective fact. The political ontology of threat”. In: Gregg, Melissa & Seigworth, Gregory (editors). The affect theory reader. Durham & Londres, Duke University Press., a ameaça pode ser entendida como uma realidade iminente no presente, sendo o medo como prenúncio seu modo real de existência. O medo, portanto, expressa uma realidade antecipatória, no presente, de um futuro ameaçador. “A realidade sentida de uma ameaça”, diz Massumi, “legitima a preempção” (p. 54), visto que é “tão superlativamente real, que se traduz em uma certeza sentida sobre o mundo, mesmo na ausência de outro fundamento para tal no mundo observável” (p. 55)9 9 No original: “The felt reality of a threat is so superlatively real that it translates into a felt certainty about the world, even in the absence of other grounding for it in the observable world”. . Em vista do exposto, sugerimos que, enquanto preempção, a atual fase emigratória brasileira possui o potencial de, a um só tempo, evocar e produzir uma futuridade imaginada e ameaçadora.

O novo imigrante brasileiro

Especialista de sucesso, no Brasil, na área de Tecnologia da Informação (ti), Fábio10 10 As menções aos entrevistados serão feitas por meio de nomes fictícios. imigrou do Grande abc para a Grande Vancouver em 2019. Não foi sozinho, mas acompanhado de sua esposa e de um casal de filhos, um adolescente e uma criança de três anos. Fábio se define como pertencente à classe média e descreveu sua vida no Brasil antes da mudança para o Canadá como confortável. Possuía um bom emprego, havia ascendido profissionalmente, e seu salário (a esposa não trabalhava fora desde o nascimento da filha caçula) lhe permitia manter o filho em uma boa escola particular. Mesmo considerando que a família possuía um bom padrão de vida antes de deixar o Brasil, a emigração aparece em seu relato como uma ação de antecipação a um futuro imaginado como ameaçador, à sensação de que, em suas palavras, “o Brasil é um país que você não sabe o dia de amanhã”. Apesar de uma longa e bem-sucedida carreira, Fábio se preocupava com a possibilidade de ficar desempregado ou de não conseguir se aposentar. Durante nossa entrevista, ele explicou suas principais motivações para que uma mudança tão significativa como esta ocorresse em sua vida e na de sua família:

Um dos motivos [para emigrar] foi a perspectiva de qualidade de vida na minha aposentadoria, e isso é o fator 1. Embora nos últimos anos eu alcancei um nível de carreira relativamente bom, eu tinha um salário relativamente bom que eu conseguia dar… eles [os filhos] estudavam, o meu filho estudava em escola boa particular, eu dei… eu estava dando uma vida boa para eles, mas o Brasil é um país que você não sabe o dia de amanhã, se eu ficasse desempregado, eu poderia sair de um status classe média, sei lá, não sei se é alta que diz, mas é uma classe média boa, para ir passar umas dificuldades que meu pai passou.

Fábio relatou ainda que seu pai havia migrado internamente, do Nordeste para o abc, nos anos 1950, e que enfrentara sérias dificuldades financeiras nas décadas de 1980 e 1990. A lembrança de uma infância pobre e do período de adoecimento e morte dos pais, quando sentiu que o Brasil não possuía “uma situação que cuida dos idosos”, vem acompanhada, em sua fala, do medo de que um dia ele ou seus filhos pudessem viver situação semelhante.

Eu tive uma infância difícil, bem pobre, assim, meu pai passou por dificuldades na década de 80/90, a questão financeira, eu acabei, eles acabaram… minha mãe faleceu em 2004, eu tinha 23 anos de idade, então ela faleceu de câncer, então acabei ficando só eu e meus irmãos e meu pai. Meu pai entrou em depressão, ficou uns cinco, seis anos com depressão, aí teve Alzheimer por causa da depressão, aí eu cuidei dele nos últimos seis, sete anos, eu fiquei cuidando dele, aí quando ele faleceu foi que eu vim para o Canadá, que eu decidi vir para o Canadá, aí eu cuidei dele, gastei rios e rios de dinheiro cuidando dele, o Brasil não tem uma… uma situação que cuida dos idosos e aí ele… ele faleceu e tudo mais e aí, um dos motivos da gente estar aqui hoje é… eu me espelho nele, eu não quero que meus filhos passem pelo que eu passei com ele, que eu tive que cuidar dele, investi dinheiro, investi tempo e tudo mais e se eu ficar doente, alguma coisa assim, eu não quero… eu não quero que eles passem pela mesma coisa, então esse foi um dos motivos de a gente vir para cá, de que ele… de dar uma vida diferente para eles e diferente da que os meus pais tiveram no Brasil e que puderam proporcionar para a gente.

Sendo uma pessoa que se declarou de classe média, com uma situação socioeconômica que lhe possibilitava uma boa vida antes da mudança para o Canadá, a história de imigração de Fábio difere muito daquelas que caracterizavam os períodos anteriores da emigração brasileira. Nos deslocamentos dos anos 1980 e 1990, os brasileiros geralmente se descreviam como “refugiados econômicos” ou “prospectores econômicos” (Margolis, 2008Margolis, Maxine L. (jan.-jun. 2008), “Brasileiros no estrangeiro: a etnicidade, a autoidentidade e o ‘outro’”. Revista de Antropologia, 51 (1): 283-302., p. 285) e eram, em sua maioria, jovens, solteiros, do sexo masculino, oriundos da classe média e predominantemente das regiões Sul e Sudeste do Brasil. Por sua vez, nas dinâmicas que marcaram o início dos anos 2000, nota-se a presença crescente de brasileiros provenientes das regiões Nordeste e Centro-Oeste, bem como de trabalhadores de nível médio e de classe média baixa (Idem). De acordo com Torresan, esse fluxo do início do século xxi “era composto de brasileiros menos qualificados e definido como ‘migração laboral’” (2012, p. 112)11 11 No original: “was composed of less qualified Brazilians and defined as ‘labour migration’”. .

Em ambos os casos, a maioria dos brasileiros considerava a imigração um empreendimento provisório e economicamente motivado, ainda que muitos acabassem alterando seus projetos e não mais retornando ao Brasil. A partir da segunda metade da década de 2000, observa-se uma maior complexificação dos eixos migratórios internacionais de e para o Brasil, sob os impactos globais do atentado de 11 de setembro de 2001 e da crise financeira de 2008 e, pensando internamente, do fortalecimento socioeconômico do país. É quando se assiste a um incremento dos deslocamentos populacionais em direção ao Brasil, incluindo-se aí não apenas estrangeiros provenientes sobretudo do Sul Global, como também brasileiros retornados (Oliveira, 2013Oliveira, Antônio. T. (jan./jun. 2013), “Um panorama da imigração internacional a partir do censo demográfico de 2010”. Rev. Inter. Mob. Hum. Brasília, xxi (40): 195-210., p. 207). Após meados da década de 2010, em um contexto nacional marcado por profundas crises socioeconômicas e político-institucionais, o Brasil assiste a um novo e expressivo aumento nos movimentos de saída, sinalizando a emergência desta nova fase emigratória.

Conforme nossa pesquisa evidenciou, os brasileiros recém-imigrados deixaram para trás negócios próprios, carreiras ascendentes ou já consolidadas na esfera pública, em empresas nacionais e multinacionais, não esboçam intenção de retorno, a não ser a turismo, partem, em maior número, em família (dezenove dos entrevistados emigraram casados, cinco dos quais com filhos em diferentes fases da infância e adolescência) e enxergam na emigração um movimento de antecipação a um futuro percebido como pouco promissor profissionalmente ou ameaçador em relação à violência urbana (Anderson, 2010Anderson, Ben. (2010), “Preemption, precaution, preparedness: anticipatory action and future geographies”. Progress in Human Geography, 34 (6): 777-797.). Assim como Fábio, a maioria (33 entrevistados) se considera pertencente à classe média ou média alta e descreveu níveis de educação (bem como dos pais)12 12 Como dito anteriormente, ao menos um dos pais da grande maioria dos entrevistados possui curso superior completo. , profissões, experiências de viagens internacionais, posse de imóveis, que sugerem o status de classe média e média alta. Considerando-se que nossa pesquisa é de natureza qualitativa e que uma amostra estatisticamente significativa da posição de classe de todos os brasileiros vivendo na Grande Vancouver transcende o escopo do projeto, é provável que muitos dos brasileiros que tenham chegado à região nos últimos anos compartilhem certas características com os nossos entrevistados, dados os procedimentos de controle e tecnologias de seleção da política migratória canadense.

Quanto a isso, chamou-nos a atenção o fato de que quase todos os entrevistados possuíam não apenas o mesmo status migratório, como também haviam recorrido à mesma estratégia de imigração. Eram residentes temporários com permissão de estudo (Study Permit/sp) ou de trabalho (Work Permit/wp). A alta competitividade do atual sistema de pontos da imigração federal canadense, o Express Entry, em vigor desde 2015, no qual se fundamenta o mais abrangente processo migratório do país, considerado informalmente um sistema baseado no mérito (Papademetriou e Hooper, 2019Papademetriou, Demetrios. G. & Hooper, Kate. (2019), Competing approaches to selecting economic immigrants: points-based vs. demand-driven systems. Washington, dc, Migration Policy Institute.)13 13 A despeito da fama de país aberto à imigração, o Canadá possui uma das mais restritivas políticas migratórias do mundo. Desde 2017, 85% dos pontos no processo migratório do país advêm de fatores relacionados ao capital humano (Papademetriou e Hooper, 2019). , leva muitos cidadãos estrangeiros a recorrerem a estratégias migratórias alternativas, sendo esta, via estudo e trabalho, certamente a mais popular. Entre 2011 e 2017, 549,5 mil brasileiros solicitaram o sp no Canadá. Em 2017, o Brasil ficou atrás apenas da China, da Índia e do México em número de solicitações dessa modalidade de permissão no referido país (Fellet, 2017Fellet, João. (31 jan. 2017), “Atraindo cada vez mais brasileiros, Canadá se firma como destino global de imigrantes”. bbc News Brasil.).

A vantagem desse caminho para os casais, segundo avaliaram nossos entrevista-dos, é que enquanto o(a) solicitante principal estuda, o cônjuge está autorizado a trabalhar sem limitação de jornada14 14 O estudante internacional, salvo exceções, é autorizado a trabalhar até 20 horas semanais fora do campus (off-campus). Atividades remuneradas, desde que no campus (in-campus), são permitidas, sem limitação de jornada, bem como nas férias de verão (summer holidays) e intervalos de primavera (spring breaks). . Entre os participantes da pesquisa que possuíam sp, quase todos haviam realizado ou estavam realizando um curso pós-secundário em um college15 15 Os college são equivalentes, de certo modo, aos institutos que oferecem cursos técnicos no Brasil, podendo ser na modalidade integral ou meio período, com duração média de dois anos. , visando assim a obter uma melhor posição no ranking do sistema migratório. Outro aspecto apontado pelos brasileiros como vantajoso é o fato de que, ao final do curso pós-secundário, o(a) estudante internacional conta com uma nova permissão (Post-Graduation Work Permit/pgwp)16 16 Desde que se trate de instituições de ensino consideradas elegíveis ao pgwp pelo governo canadense. , que lhe possibilita permanecer no país por até três anos mais17 17 Este cálculo é feito com base na duração do curso pós-secundário realizado. e trabalhar em tempo integral. A extensão da permanência e a da permissão de trabalho são também conferidas ao cônjuge, desde que atendidos alguns requisitos de elegibilidade. Não por acaso, seis entrevistados haviam chegado à Grande Vancouver recém-casados, descrevendo a oficialização do matrimônio como uma decisão que favoreceria suas estratégias migratórias.

Ainda que não se trate de um programa de imigração per se, esta estratégia requer que o(a) solicitante preencha os requisitos de uma rigorosa seleção que, vale salientar, se assemelha aos critérios mesmos do Express Entry. Para se ter uma ideia mais clara do exclusivismo do processo de solicitação do Study Permit, o(a) proponente deve: 1) possuir visto canadense válido18 18 São isentos do visto canadense os brasileiros que possuam passaporte da ue, visto dos Estados Unidos válido ou que tenham estado no Canadá há até dez anos da data da nova viagem. A estes, é necessária apenas uma autorização eletrônica de viagem (eta), ao custo de 7 dólares canadenses. e apresentar comprovação, por exemplo, 2) de matrícula em instituição pós-secundária de ensino canadense19 19 Em média, o valor integral de um college de dois anos para estudantes internacionais pode variar entre 15,000 e 35,000 dólares canadenses. (sendo esta, bem como as demais taxas e mensalidade para estudantes internacionais, em média, três vezes o valor pago por não estrangeiros e residentes permanentes; 3) do nível de proficiência em inglês, ao qual a matrícula na instituição pós-secundária de ensino é condicionada20 20 À exceção da Província de Quebec, cujo idioma oficial é o francês. ; 4) de laudo médico; 5) do nível de escolaridade; 6) de reserva financeira que lhe possibilite, e à família, caso seja casado(a), custear as despesas do primeiro ano no Canadá21 21 O valor mínimo a ser comprovado ao governo canadense, além do pagamento da taxa de matrícula do college e do primeiro trimestre, é de 10,000.00 dólares canadenses, acrescidos de 4,000.00 caso seja casado(a), e mais 3,000.00 para cada filho. ; 7) da origem da reserva financeira apresentada; 8) da experiência profissional no país de origem; 9) do histórico de viagens internacionais, caso possua.

Por se tratar de um processo bastante burocrático, muitos brasileiros ainda recorrem aos serviços de agências de imigração, tal o caso de 23 dos nossos entrevistados, cujas taxas de consulta, preparação e revisão da documentação são cobradas em dólar canadense. O valor de uma consulta inicial de quarenta minutos, por vídeochamada, com um(a) consultor(a) de imigração brasileiro(a) regulamentado(a), custa entre 150 e 195 dólares canadenses.

A possibilidade de sucesso na solicitação do sp, wp e, por fim, do pgwp e da residência permanente demanda recursos que efetivamente restringem os brasileiros “aptos” a entrar no Canadá àqueles pertencentes às classes mais privilegiadas. A trajetória de Fábio é exemplar nesse sentido. Quando a entrevista ocorreu, Fábio realizava o primeiro termo22 22 Cada termo corresponde, geralmente, a três meses. do college, tendo sido admitido com base em suas credenciais educacionais e no pagamento de todas as taxas do curso. Seu objetivo era concluir os estudos e obter o pgwp, etapa chave na referida estratégia migratória, pois é geralmente quando os interessados na residência permanente buscarão alcançar os pontos faltantes para se qualificarem, seja por meio da chamada “experiência canadense” no mercado de trabalho (dentro de determinadas categorias profissionais) ou de uma oferta de emprego (a chamada job offer). É também quando, comumente, o leque de caminhos migratórios se amplia e conseguem se qualificar, por exemplo, para os programas provinciais de imigração do país, os Provincial Nominee Programs (pnps), a exemplo do bc pnp23 23 O certificado ou o diploma devem ser obtidos em instituições consideradas elegíveis, pelo governo, ao programa de imigração. , que abrange a Grande Vancouver, cujo nível de inglês requerido é inferior ao do Express Entry e a idade dos proponentes não é levada em conta24 24 Não é raro que o cônjuge passe a se tornar o(a) solicitante principal do processo migratório, dada a experiência profissional acumulada nos primeiros anos de trabalhado com o wp. . Daí também sua popularidade entre brasileiros acima dos trinta anos25 25 Pelo Express Entry, a pontuação máxima é conferida aos(às) proponentes que contem entre 20 e 29 anos, sendo zerada para aqueles abaixo de 18 ou acima de 47 anos. .

Contudo, a decisão de Fábio pela imigração para o Canadá não veio desacompanhada de sacrifícios. Conciliava os estudos com um trabalho de meio período como valet, obtido graças à indicação de um amigo da mesma cidade natal que, já residente na Grande Vancouver com a família, os vinha auxiliando durante o período de adaptação. Aliás, Fábio se refere a essa fase como um “pedágio”, dados seus múltiplos desafios: barreira linguística, a volta aos bancos escolares após vinte anos de carreira, as demandas mesmas do college, a dificuldade para encontrar um emprego em sua área de atuação, ti, na qual ocupava posição gerencial antes de emigrar. A despeito desses desafios e da perda de status profissional, Fábio pretende permanecer no Canadá e não se arrepende de sua decisão. Sua decisão, assim como a de quase todos os brasileiros que viemos a conhecer, evidencia que este novo período de emigração brasileira não pode ser compreendido sem que se atente para a dimensão dos afetos na vida de classe média no Brasil. Na próxima seção, exploraremos o que enxergamos como uma subjetividade de classe média, que combina sentimentos de inquietação no presente com um pressentimento, um mal-estar que produz apreensão e medo em relação ao futuro no país.

Mal-estar de classe média

Pâmela, natural do Rio de Janeiro, imigrou para Vancouver com o marido em 2016, também por meio da estratégia de estudo e trabalho. Psicóloga de formação e tendo descrito sua fase profissional antes da emigração como bem-sucedida e sua situação financeira como estável, sentia que ainda faltava algo em sua vida, o que definiu em termos de uma melhor qualidade de vida e de mais segurança. No momento da entrevista, já tendo obtido o pgwp, trabalhava como coordenadora de desenvolvimento em uma start-up sediada em Vancouver.

Quando eu vim para cá, assim, a gente tinha uma estabilidade financeira muito boa e a gente era muito novo na época, né, a gente tinha 25 anos, mas os dois já estavam bem, muito bem profissionalmente, e a gente estava conseguindo atingir os nossos objetivos, mas faltava alguma coisa, né, assim, qualidade de vida era zero, não tinha tempo de exercício, alimentação. No Brasil, você ainda tem uma certa facilidade, assim, como serviço não é uma coisa muito cara, você ainda consegue ter alguma pessoa para te ajudar, e aí a gente conseguia se alimentar um pouquinho melhor nesse sentido, mas fora isso, não, então a gente começou a pensar, assim, como que a gente poderia melhorar a qualidade de vida, a questão da segurança no Rio.

Na avaliação de Pâmela, ela e seu marido estavam ascendendo em suas carreiras no Brasil, já desfrutavam de um bom nível socioeconômico, mas, apesar disso, o sucesso conquistado não se fez acompanhar de uma melhora em sua qualidade de vida, tal como a havia idealizado. Para Pâmela, a ideia de uma boa qualidade de vida é algo inseparável do problema da segurança no Rio de Janeiro - segurança tanto no sentido de proteção física face à violência urbana quanto de estabilidade profissional, manutenção do padrão de vida e realização de certos objetivos de vida. Segurança é, aliás, um refrão comum nas entrevistas. Quase todos mencionaram ter sido a preocupação com a segurança um dos motivos centrais na decisão de deixarem o Brasil, ou comentaram sobre o quanto Vancouver lhes parecia um lugar seguro. Muitos youtubers brasileiros que encorajam seus conterrâneos a investirem no Plano Canadá exageram na representação do país como um local seguro, veiculando vídeos nos quais eles mesmos caminham pelas ruas da cidade apontando, por exemplo, para as casas sem portões, muros e alarmes, algumas delas com suas garagens deixadas abertas.

Em que pese o fato de o medo da violência urbana no Brasil aparecer como um tópico comum de discussão nas conversas com os brasileiros em Vancouver, poucos haviam sido vítimas diretas de algum tipo de crime. A paulista Priscila, que vive em Vancouver desde 2015, descreveu sucintamente esta situação: “Eu nunca fui assaltada, nunca aconteceu nada comigo no Brasil, nunca, mas sempre com medo, esse estado de alerta, horrível, você quer sair à noite e voltar, você fica… [gesto de apreensão]”.

Não se pretende, contudo, dizer que o medo relatado por muitos dos brasileiros entrevistados seja apenas imaginado, especialmente quando consideramos aqueles que emigraram do Rio de Janeiro. A “proximidade compulsória” entre as populações marginalizadas dos morros e aquelas mais afluentes dos bairros à beira-mar, como Ipanema e Copacabana, faz do Rio um dos locais em que não só as profundas desigualdades de classe e raça se dão a ver mais explicitamente à luz do dia, como as consequências dessa desigualdade - incluindo-se aí os crimes violentos - são uma ameaça sobremodo real (Veloso 2010Veloso, Leticia. (2010), “Governing heterogeneity in the context of ‘compulsory closeness’: the ‘pacification’ of favelas in Rio de Janeiro”. Suburbanization in Global Society. Research in Urban Sociology, 10: 253-272.). Em um país como o Brasil, com inúmeras especificidades locais e regionais, as experiências literais de violência variam significativamente, inclusive entre os que pertencem às camadas mais privilegiadas26 26 Sabe-se que a violência urbana no Brasil é um fenômeno complexo e multifacetado e que sua fisionomia e configurações se alteraram profundamente ao longo do processo de urbanização. Se, por um lado, escapa aos propósitos do artigo uma discussão sobre o fenômeno, por outro, importa considerar que, atualmente, “o termo é empregado de modo polissêmico”, como salienta Adorno (2011, p. 72). Segundo o autor, “seus múltiplos significados gravitam em torno do universo de valores que constitui o ‘sagrado’ para determinado grupo social”, estando os “atos violentos referidos ao mundo das percepções coletivas e das representações” (Idem, p. 73). É igualmente relevante considerarmos que, a partir do início do século xxi, conforme esclarece Vaz (2007), nota-se um maior destaque dos meios de comunicação à temática do risco, das vítimas aleatórias de crimes, uma intensificação do chamado “discurso da vítima”, produzido nos anos 1990. .

No entanto, independente das cidades de onde vieram nossos entrevistados, o medo da violência e a forma como lidam com ele guardam similaridades: dirigir olhando o tempo todo para o retrovisor, com os vidros do carro sempre fechados e as portas travadas, estar sempre alerta, evitar sair à noite, alterar o percurso etc. A extensa lista de precauções por eles descritas como parte de seus hábitos cotidianos no Brasil traduz um “cenário de percepções sociais agudas de insegurança coletiva” (Adorno e Nery, 2019Adorno, Sérgio & Nery, Marcelo Batista. (jan./abr. 2019), “Crime e violências em São Paulo: retrospectiva teórico-metodológica, avanços, limites e perspectivas futuras”. Cad. Metrop., São Paulo, 21 (44): 169-194., p. 170).

Seus relatos vêm saturados de referências a episódios que qualificam como traumáticos, a maior parte decorrentes de furto e roubo ocorridos com pessoas de seu círculo social mais próximo ou conhecidas, reiterações temáticas que ecoam a chamada “fala do crime”27 (Caldeira, 2000Caldeira, Teresa. (2000), Cidade de muros. Crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo, Editora 34/Edusp.), indicando que “experiências de violência tendem a ser específicas em cada classe” (Idem, p. 57). É a antecipação de um possível crime violento no futuro próximo, e não a experiência em si da violência no passado, que moveu muitos deles a desenraizarem suas vidas no Brasil. A presença de um futuro ameaçador no presente é sentida sob a forma de uma apreensão capaz de deteriorar o senso de bem-estar, ou o que Pâmela descreveu como “qualidade de vida”. Isto se dá, ao menos, de duas maneiras.

A primeira se deve ao fato de a hipervigilância da classe média em relação aos riscos de violência urbana ter lhe imposto limitações à liberdade cotidiana. Leandra, que se mudou do Pará para Vancouver em 2019, relatou que sua vida social foi severamente prejudicada no Brasil por medo de estar sozinha, à noite, no espaço público:

A minha mãe teve síndrome do pânico, teve depressão, já foi, enfim… sequestro-relâmpago, essas coisas. [No Brasil], você não pode sair à noite, você não pode dirigir à noite, você só pega um táxi, né, não tinha Uber direito, então, eu cresci sendo, enfim, proibida de ter uma vida social. A primeira vez que eu saí do Brasil, eu senti essa diferença, né, primeira vez que eu tive um intercâmbio, que eu estava por mim mesma, que eu podia voltar a hora que eu queria e tal e não sei o quê, e foi para o Canadá, foi para Toronto a primeira vez, então, isso já foi, assim, esse baque da segurança, não é nem, enfim, o social, é claro que você sente, mas a segurança é um fator externo que eu posso colocar, com certeza, foi decisivo para me… para me mudar, porque eu não tinha liberdade, né, se você não tem segurança, você não tem liberdade, então eu me sentia muito presa em tudo, assim, sempre muito preocupada de, enfim, “vou ser assaltada, cadê?”, eu dirigindo olhando para todos os lados, então isso… isso é horrível, para mim, esse foi um dos fatores.

Como mostra Caldeira (2000)Caldeira, Teresa. (2000), Cidade de muros. Crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo, Editora 34/Edusp., a percepção do espaço público como inseguro produziu um “novo padrão de segregação espacial”28 28 Sobre as especificidades dos padrões de segregação urbana no Rio de Janeiro, examinadas a partir das noções de “proximidade compulsória” e “violência da proximidade”, ver o já citado trabalho de Veloso (2010). , que remonta a um processo iniciado no Brasil na década de 1970, caracterizado pela construção de “espaços privatizados, fechados e monitorados para residência, consumo, lazer e trabalho”, com a promessa de proporcionarem aos moradores um “‘estilo de vida total’, superior ao da cidade” (Idem, p. 211). Verdadeiros “enclaves fortificados”, (Idem, p. 3), com sua assepsia, homogeneidade e previsibilidade, esses espaços segregados tornaram ainda mais acentuadas “as diferenças de classe e as estratégias de separação”, constituindo-se, simbolicamente, como potentes metáforas da atrofia do espaço público e da paradoxal ideia de confinamento como liberdade (Idem, p. 211).

Em segundo lugar, preocupações com a segurança entre os brasileiros de classe média erodiram o que compreendiam como sendo “boa qualidade de vida”, por meio da limitação de oportunidades - de trabalhar com eficiência, de aprimorar suas qualificações ou ascender na carreira. Sandra, que se mudou de Pernambuco para Vancouver em 2018, enfatizou o quanto valoriza poder finalizar algum trabalho no computador durante seus trajetos de metrô em Vancouver, o que considera impraticável no Brasil:

[Aqui em Vancouver, eu posso] pegar o metrô e eu posso ir trabalhando no metrô, posso pegar o meu notebook, eu posso, né, adiantar alguma coisa da faculdade ou no próprio celular, coisas que no Brasil eu não poderia fazer jamais, andar na rua, estar numa parada de ônibus sem ter o medo de alguém aparecer e querer levar a sua bolsa, querer levar o seu celular.

No relato de Sandra, sua percepção sobre violência urbana vem entrelaçada a um medo generalizado, expresso por muitos brasileiros em Vancouver, de um futuro que deixou de ser promissor. Ainda que muitos fossem profissionais bem-sucedidos, preocupavam-se com a possibilidade de suas carreiras estagnarem, de não terem oportunidade de se desenvolverem profissionalmente. O mineiro Leandro que, diferente da maioria, se mudou solteiro para Vancouver em 2017, expressou esse sentimento em termos de uma impossibilidade de “evoluir”: “A segurança, a qualidade de vida, né, tudo isso o país [Brasil] não tem a oferecer num nível que o Canadá tem a oferecer, né. Então, foram várias coisas que culminaram nessa mudança, né, então esse foi um ponto. A questão profissional, de não sentir uma evolução maior”.

Quando conversamos, Leandro havia acabado de conseguir um emprego em sua área de formação, Engenharia Ambiental, após ter atuado por oito meses como atendente em um hotel em Vancouver. Lamentou ter precisado negociar com o atual contratante a redução de sua jornada para meio período, por ainda lhe faltarem alguns meses para concluir o college. Em sua avaliação, após ter vivido um declínio em seu status profissional, em comparação com o que possuía no Brasil, o novo emprego simbolizava uma primeira e importante aproximação, em Vancouver, com seu campo de atuação. Sentia que este momento de sua trajetória era mais promissor.

Apenas alguns de nossos entrevistados haviam conseguido inserção na mesma área em que atuavam no Brasil. Pâmela relatou ter trabalhado nos primeiros meses em Vancouver com limpeza de escritórios comerciais e, logo depois, como vendedora em uma grande loja de departamento, onde permaneceu por dois anos. Sandra, que abriu mão da estabilidade de um emprego público no Brasil, trabalhava, no momento da entrevista, no próprio campus onde estudava, mas estava à procura de uma posição como assistente administrativa. Já Priscila aproveitou o projeto migratório para mudar de profissão. Trocou sua carreira ascendente em contabilidade pelo college em Serviço Social, área em que costumava realizar trabalhos voluntários no Brasil. Conseguiu conciliar os estudos com um emprego de meio período em uma organização não governamental, onde foi contratada em período integral após se formar.

Para a maioria dos entrevistados, a mudança para o Canadá não se deu sem grandes sacrifícios em suas vidas profissionais, ao menos nos primeiros meses, ou mesmo nos primeiros anos. A disposição em aceitarem tamanho sacrifício sugere que a decisão de abandonarem seus empregos, venderem suas casas e se mudarem permanentemente com suas famílias para o Canadá emergiu de um significativo, ainda que difuso, descontentamento com a vida de classe média no Brasil. Denominamos de mal-estar de classe média essa insatisfação profunda, como uma forma de capturar as múltiplas e variadas experiências cotidianas de ansiedade, apreensão e imobilidade no Brasil, que se originaram, em larga medida, de preocupações com a insegurança. Havia um sentimento de que, a despeito dos signos externos de status de classe média - uma carreira estável, escola particular para os filhos, casa própria, a condição de poderem prestar ajuda financeira -, não estavam vivendo uma “verdadeira” vida de classe média ou não estavam desfrutando da qualidade de vida a que supostamente tinham direito. Como discutiremos a seguir, a mudança para o Canadá se torna uma estratégia de reivindicação da qualidade de um tipo de vida imaginada, por eles e seus familiares, como mais promissora.

O Plano Canadá

Ana Clara, que trabalhava como advogada em Manaus antes de imigrar para o Canadá, em 2018, e que, no momento da entrevista, atuava como coordenadora de um escritório de tecnologia em Vancouver, perguntou durante nossa conversa se havíamos lido o post “O Plano Canadá Que Deu Errado”, publicado no Facebook por um imigrante brasileiro em Toronto. O post trazia uma descrição detalhada, incluindo datas exatas, do passo a passo do processo migratório de um funcionário público de 46 anos que se mudara, com a esposa e o filho de onze anos, para a capital da Província de Ontário, em 2017, com a intenção de se estabelecerem permanentemente no Canadá. As etapas relatadas incluíam pesquisas sobre as várias possibilidades de emigrar, o pagamento de uma consultoria de imigração, a ida para o Canadá inicialmente sozinho, como estudante de inglês, a venda do imóvel da família no Brasil e de todos os itens pessoais, a matrícula em um college, a mudança da família para Toronto. Porém, ao final de 2019, o “plano” começou a não sair como imaginado. A esposa possuía permissão para trabalhar no Canadá (wp), mas não conseguia ganhar o suficiente para cobrir as despesas mensais da família. O autor do post relatou sua tentativa de trabalhar em turnos noturnos, como faxineiro, a fim de conseguir alguma renda extra, rotina que foi se tornando incompatível com as demandas do college durante o dia. O casal começou então a fazer uso de uma reserva financeira oriunda, em grande parte, da venda de seu apartamento no Brasil. Em menos de um ano, esse fundo havia se esgotado e já não tinham mais condições de arcar com os custos do curso. Sem estar matriculado em um college, seu visto não lhe permitiria, nem à esposa, trabalhar legalmente. Em julho de 2020, viram-se obrigados a retornar ao Brasil, com uma perda estimada em R$400.000,00.

O propósito do post era claramente aconselhar, oferecer um tipo de alerta aos que pretendiam emigrar ou haviam chegado recentemente ao Canadá sobre como não cometer certos erros e, assim, não verem seus próprios “planos” fracassarem. E conclui: “Boa sorte para todos que estão aqui e para os que ainda estão elaborando seu projeto. Espero que meus erros possam ajudar vocês em algo”. Tão logo o post começou a circular em grupos do Facebook e WhatsApp, uma longa e acalorada discussão entre os brasileiros em Vancouver ganhou terreno, on-line e off-line. Alguns se solidarizaram com o autor do post, mas outros criticaram a falta de planejamento (como, por exemplo, emigrar com uma baixa proficiência no idioma). De um modo geral, as discussões giraram em torno de questões sobre o modo como melhor preparar, desenvolver e executar o plano. Questionamentos subjacentes à ideia mesma de um Plano Canadá não entraram em pauta.

Durante nossa pesquisa de campo, a expressão Plano Canadá surgiu como um termo popular para descrever especialmente a estratégia migratória via estudo e trabalho. Executá-la representava uma meta na vida da maior parte dos entrevistados, que só a consideravam de fato bem-sucedida com a obtenção da residência permanente, percurso que pode levar até mais de cinco anos. Ao mesmo tempo em que é descrito como um projeto de médio e longo prazos, o Plano Canadá requer agilidade em sua execução, “antes que seja tarde”, e se divide basicamente em duas etapas, a primeira delas, em geral, no Brasil, quando o processo é iniciado e a resposta do consulado canadense é divulgada, e a segunda, já no Canadá, quando a estratégia migratória se desenrola concretamente. Durante a primeira fase, muitos brasileiros passam a integrar grupos e fóruns virtuais, nos quais compartilham as angústias da espera, conselhos e atualizações sobre o status da análise de seus processos. Sugestivamente, um dos mais populares fóruns, ativo até 2019, se chamava “Demora no retorno do visto canadense”.

A popularidade da expressão Plano Canadá é ilustrativa do quanto os brasileiros identificam e depositam no país a esperança de um futuro promissor. Em seus relatos, assim como nos conteúdos publicados por influenciadores digitais e consultores de imigração, a expressão aparece investida de um senso de urgência, alimentado por previsões sobre um Brasil à beira do colapso, sobre um futuro no país a ser evitado. O vídeo citado na introdução do artigo, “Saia do Brasil agora e vá para o Canadá!”, é um claro exemplo de como a ideia de urgência cadencia as discussões sobre a imigração para o Canadá e, conforme nossa pesquisa evidenciou, respalda não só as decisões de muitos brasileiros, mas o modo mesmo como a presença do futuro (a ser evitado no Brasil e a ser buscado no Canadá) se intensifica em suas vidas por meio do Plano Canadá. Trata-se de um plano não apenas orientado para o futuro, mas também percebido como um futuro que é permanente.

Assim, diferentemente dos chamados imigrantes pioneiros da “primeira onda”, que partiam em “voo solo”, com um “até breve”, e viam na emigração uma oportunidade de fazer dinheiro, de acumular alguma reserva para remeter à família no Brasil, adquirir bens e/ou investir em um negócio próprio quando de seu retorno à terra natal (ainda que este dia nem sempre chegasse, como mencionado), os imigrantes recentes se despedem do país com um “adeus”, partem, o mais das vezes em família, consideram a mudança de país um alto investimento (financeiro, mas também emocional) e a emigração em si uma oportunidade de recomeçar a vida. Por exemplo, o economista Túlio, que se mudou para Vancouver do Rio de Janeiro, relatou que já havia passado uma temporada na cidade, em 2011, para aprimorar o inglês e que, em 2018, decidiu imigrar de vez, desta feita, recém-casado.

Olha, eu vou ser bem sincero, eu sinto muita falta do Rio, eu sinto muita falta do Rio, principalmente pela minha família e pelos meus amigos. Essa é a resposta que você vai escutar em 98% das suas entrevistas. Mas, a ideia é ficar. Quando eu vim para cá, disposto a fazer um investimento, né, a gente sabe que não é baixo, a ideia era ficar, e o Brasil, agora, turismo.

Mas se, por um lado, a emigração simboliza recomeço, o movimento de retorno é, por outro, coletivamente desencorajado, tratado quase como um tabu. Por pressupor um alto investimento, o Plano Canadá vem imbuído de um sentido motivacional inspirado em uma ética meritocrática de sucesso, na qual a correlação entre sacrifício e recompensa encontra seu duplo no popular chavão no pain no gain. Portanto, enquanto plano de uma nova vida, requer que todas (ou muitas) fichas sejam nele depositadas, perfazendo um investimento de alto risco. Em que pesem os motivos alegados, regressar ao Brasil passa, então, a coincidir cada vez mais, para muitos, com a ideia de “plano fracassado”.

O Plano Canadá traria consigo a promessa de fruição de um estilo de vida total (Caldeira, 2000Caldeira, Teresa. (2000), Cidade de muros. Crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo, Editora 34/Edusp.), mas sem os inconvenientes do enclausuramento da vida em condomínio. Enquanto promessa, a um só tempo, representa e coloca em ação ao menos duas temporalidades. A primeira é orientada para um futuro iminente, imaginado pela classe média brasileira enquanto possibilidade de sofrer, a qualquer momento, algum tipo de violência urbana no Brasil. Tenham ou não sido vítimas diretas de violência (como mencionado, para muitos dos entrevistados, este não era o caso), a sentida necessidade de uma hipervigilância em relação a tudo o que se passa ao redor requer um constante planejamento acerca do que pode vir a acontecer. O Plano Canadá é, assim, uma resposta urgente a esses riscos iminentes. Podemos também compreender o Plano Canadá como uma estratégia de antecipação (preemption) às ameaças de um futuro mais distante - o risco de estagnação profissional, a impossibilidade de se aposentar, a perda de um emprego, uma recessão econômica.

A emigração para o Canadá não deixa de ser, portanto, uma resposta a uma experiência vivida do presente. Aqui, recorremos ao estudo de Brian Massumi (2015)Massumi, Brian. (2015), Ontopower: War, powers, and the state of perception. Durham & Londres, Duke University Press. a respeito da atual cultura da insegurança, segundo o qual a ameaça (que, por definição, se refere a algo que ainda não aconteceu) possui uma futuridade que é, no entanto, sentida no agora. Uma ameaça, afirma Massumi, “tem a capacidade de preencher o presente sem se apresentar” (p. 175)29 29 No original: “has the capacity to fill the present without presenting itself ”. . Para os brasileiros de classe média, a ameaça da violência e da perda preenchem o presente sob a forma de mal-estar e apreensão em suas vidas cotidianas. Apreensão em relação à violência e à hipervigilância que ela produz. Apreensão em garantir a própria rede de proteção - plano de saúde privado, escola particular, transporte particular, segurança privada. Apreensão que emerge de um pessimismo generalizado, um sentimento de que as coisas no Brasil não estão caminhando em um sentido próspero.

Apesar de os brasileiros que viemos a conhecer na Grande Vancouver estarem indo bem no Brasil do ponto de vista de fatores objetivos, tais como nível de renda, status profissional, formação educacional e casa própria, o medo e a apreensão erodiram o que descreviam como qualidade de vida. Mais propriamente, as constantes altercações com os medos e tensões em suas vidas cotidianas os impossibilitavam de desfrutar daqueles marcadores mesmos de bem-estar de classe média que, como relataram, haviam se esforçado muito para alcançar, causando-lhes, assim, um mal-estar difuso e algo irresoluto. A mudança para o Canadá é por eles vista como uma forma de antecipação à realidade sentida de uma ameaça (preempção) (Massumi, 2010Massumi, Brian. (2010), “The future birth of affective fact. The political ontology of threat”. In: Gregg, Melissa & Seigworth, Gregory (editors). The affect theory reader. Durham & Londres, Duke University Press.), de assegurarem que esta nunca venha a se materializar em suas vidas e de, finalmente, aliviarem o estresse diário do gerenciamento desses medos. Assim, face aos sentimentos múltiplos e esparsos de insegurança, o Plano Canadá, enquanto preempção, se converte em uma espécie de passaporte para uma vida idealizada de classe média.

Considerações finais

Para concluir, gostaríamos de refletir brevemente sobre as possíveis implicações da emigração brasileira para as desigualdades sociais, quando compreendida, conforme argumentamos, como uma ação antecipatória. Em estudo recente sobre a resiliência em contexto de gerenciamento de desastres, Kevin Grove (2013)Grove, Kevin. (2013), “On resilience politics: From transformation to subversion”. Resilience: International Policies, Practices, and Discourses, 1 (2): 146-153. sugere que o trabalho de antecipação e preparação para potenciais eventos desastrosos, em última análise, preserva a ordem corrente. Resiliência seria uma “tecnologia do eu” (p. 150), por meio da qual os sujeitos se responsabilizariam por assegurar seu próprio bem-estar futuro. Face a colapsos econômicos e catástrofes ecológicas, o objetivo da antecipação como resiliência não é questionar suas causas, mas encontrar meios de suportar seus efeitos. A política da antecipação, segundo Grove, é, portanto, eminentemente conservadora. Trata-se de manter as condições normativas da vida impedindo, assim, formas mais radicais de mudança social.

Por certo que o fenômeno da recente emigração brasileira para o Canadá corresponde a um processo muito diverso daquele relacionado à preparação para um desastre, mas ambos apresentam importantes similitudes. Os dois casos envolvem uma orientação afetiva para o futuro, que antecipa potenciais eventos negativos e responde a eles antes que ocorram. Esta resposta diz respeito às ideias de vida segura e bem-estar - físico, familiar e financeiro. Também evoca, no presente, as ameaças que podem ou não acontecer, fazendo com que, como no caso específico do Plano Canadá, este seja vendido como uma promessa, como um produto que irá garantir um estilo de vida idealizado de classe média. Enquanto orientada para o futuro, a antecipação pode, portanto, ironicamente se tornar um mecanismo de manutenção do status quo atual. Mais propriamente, ela reafirma um repertório de ideias articuladas sobre como uma vida de classe média branca deveria parecer, sem confrontar os fundamentos mesmos das desigualdades sociais que se encontram no cerne da violência e da insegurança.

Além disso, a preempção é produtiva. Agir em relação a ameaças que ainda não emergiram pode incitar ou desencadear novas realidades (Anderson, 2010Anderson, Ben. (2010), “Preemption, precaution, preparedness: anticipatory action and future geographies”. Progress in Human Geography, 34 (6): 777-797.; Massumi, 2015Massumi, Brian. (2015), Ontopower: War, powers, and the state of perception. Durham & Londres, Duke University Press.). É possível que, ironicamente, no caso da emigração brasileira, o esforço para se evitar a insegurança urbana e de classe no Brasil, não raro, produza novas inseguranças e insatisfações no Canadá. Por vezes, estas se manifestam como insegurança financeira, tal como demonstrado na história do “Plano Canadá que Deu Errado”. Em situações mais raras, podem envolver violência física, como foi o caso de uma de nossas entrevistadas, a paulistana Regiane: recém-imigrada, com um inglês hesitante e ainda pouco familiarizada com certos pontos da cidade, foi roubada e agredida em uma rua de downtown Vancouver após pedir informação. Ainda que Vancouver apresente uma baixa taxa de criminalidade30 30 Em 2022, a taxa de crimes violentos em Vancouver é de 8,46 por 1000 habitantes (“Vancouver Police Department Crime Incident and Crime Rate Statistics”. Disponível em: https://vpd.ca/wp-content/uploads/2022/02/crime-incident-crime-rate-2019-2021.pdf ). ocorrências como essa não deixam de evidenciar, em alguma medida, a vulnerabilidade da posição dos imigrantes.

No entanto, a forma mais comum de insegurança produzida pela ação antecipatória de emigrar para o Canadá se relaciona com a perda da centralidade do trabalho na vida de muitos desses brasileiros, o que nos leva a pensá-la como uma das notórias implicações do processo migratório, especialmente se considerarmos que, nos estudos de tradição sociológica sobre estratificação social no Brasil, a divisão do trabalho, ou então, “as posições ocupacionais de indivíduos dentro de unidades produtivas e nos mercados de trabalho” (Ribeiro, 2003Ribeiro, Carlos Antonio C. (2003), Estrutura de classe e mobilidade social no Brasil. Bauru, sp, Edusc-anpocs., p. 91) operam, por excelência, como índices de referência na definição das classes sociais. Ao invés de preencher uma imagem idealizada de vida de classe média, para muitos dos brasileiros que conhecemos em Vancouver, a imigração deteriorou seu status de classe média.

Daí ter nos chamado atenção o relato de Alice, com o qual gostaríamos de encerrar este artigo, já que nos convida a sugestivas ponderações. Carioca, de família abastada e casada pouco antes da mudança de país, Alice descreveu a emigração como um processo de descamação/despojamento de classe e dos privilégios que sua posição lhe conferia no Brasil. Em suas próprias palavras, “[emigrar é] a primeira oportunidade que eu tenho de ficar muito tempo sem todas as camadas que me cobriam, sem a proteção dos meus pais, da minha família e da minha classe também”. Ao deslocar, inadvertidamente, para o centro do processo os privilégios de classe, a emigração os põe em xeque, os desestabiliza e, no limite, os corrói.

  • 1
    Antes de prosseguirmos, consideramos necessários alguns esclarecimentos terminológicos. Nos últimos anos, têm ocorrido inúmeros debates sobre classe média no Brasil que destacam a sua pluralidade, i.e., a existência não de uma, mas de inúmeras classes médias, incluindo-se aí desde a classe média tradicional até a denominada “nova classe média” (Klein et al., 2018Klein, Charles H. et al. (2018), “Naming Brazil’s previously poor: ‘new middle class’ as an economic, political, and experiential category”. Economic Anthropology, 5 (1): 83-95.; Kopper e Damo 2018Kopper, Moisés & Damo, Arlei Sander (jan./abr. 2018), “A emergência e evanescência da nova classe média brasileira”. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, 24 (50): 335-376.; Souza 2010Souza, Jessé de. (2010), Os batalhadores brasileiros. Nova classe média ou nova classe trabalhadora? Belo Horizonte, Editora ufmg.; Yaacoub, 2011Yaacoub, Hilaine (jul./dez. 2011), “A chamada ‘nova classe média’: cultura material, inclusão e distinção social”. Horizontes Antropológicos, 17 (36): 197-231.). Também recentemente, em um contexto marcado pela ascensão de uma nova direita no Brasil, o termo classe média vem sendo reivindicado como uma espécie de selo de pertencimento político-ideológico por brasileiros identificados com os discursos e as práticas de vieses eminentemente conservadores, reacionários e mesmo antidemocráticos. Diferentemente do sentido empregado no artigo, segundo esta conotação, a expressão “mal-estar de classe média” poderia designar, no limite, o modo como os próprios apoiadores desta nova direita se compreendem. Aqui, a definição propriamente dita de classe média, como trataremos posteriormente, advém tanto da autoclassificação de nossos entrevistados (a maioria se considera pertencente às classes média e média alta no Brasil) quanto de sua disponibilidade de recursos (capital financeiro e capital humano) quando emigraram para o Canadá, evidenciada por meio da estrutura de oportunidades que se pode depreender de seus relatos e dos critérios de seleção e tecnologias de controle dos programas migratórios canadenses, que produzem um perfil desejável de imigrante. O acesso aos recursos necessários para a imigração para o Canadá posiciona nossos entrevistados em uma, por assim dizer, fatia relativamente privilegiada da classe média no Brasil.
  • 2
    Por “relativamente privilegiados” estamos nos referindo aos vários indicadores de privilégio de classe, considerando-se que a maioria dos entrevistados descreveu seu padrão de vida como confortável, concluiu curso superior (bem como, ao menos, um dos pais), possuía carreiras profissionais estáveis, casa própria, recursos suficientes para, por exemplo, manter os filhos em escolas particulares e arcar com planos de saúde privados.
  • 3
    A região da Grande Vancouver, localizada na província de British Columbia (bc), possui uma população de, aproximadamente, 2,5 milhões de habitantes, da qual fazem parte 21 municipalidades, sendo as principais: Vancouver City, North Vancouver, Burnaby, Richmond, Surrey, White Rock, Coquitlam, Delta, Langley, Maple Ridge, Port Coquitlam, Pitt Meadows, New Westminster e Port Moody. Embora estejamos falando de diferentes cidades, muitas delas estão a apenas uma ou poucas estações de metrô de distância umas das outras.
  • 4
    Fonte: “Comunidade brasileira no exterior - Estatísticas 2020”. Ministério das Relações Exteriores. 19 jul. 2021Ministério das Relações Exteriores. (2021), “Comunidade brasileira no exterior - Estatísticas 2020”. 19 jul. 2021. Disponível em: https://www.gov.br/mre/pt-br/assuntos/portal-consular/artigos-variados/comunidade-brasileira-no-exterior-2013-estatisticas-2020.
    https://www.gov.br/mre/pt-br/assuntos/po...
    .
  • 5
    Vale acrescentar que o Paraguai também passou a receber um grande número de brasileiros a partir das últimas décadas do século xx, em virtude de uma dinâmica de fronteira (Bógus e Baeninger, 2018Bógus, Lúcia & Baeninger, Rosana (orgs.). (2018), A nova face da emigração internacional no Brasil. São Paulo, Educ., p. 3; Almeida e Baeninger, 2016Almeida, G. M. R. de. & Baeninger, R. (2016). “A imigração brasileira na França: do tipo histórico às modalidades migratórias contemporâneas”. Rev. Bras. Estud. Popul., 33 (1): 129-153., p. 130).
  • 6
    Incluindo-se neste cômputo apenas os residentes permanentes (que possuam o Permanent Resident card ou a cidadania canadense).
  • 7
    No original: “voluntary migrants are not usually drawn from among the poorest and most destitute sending populations”.
  • 8
    No original: “racialised idea of the typical Brazilian migrant as poor, undocumented, dark skinned, and subaltern”.
  • 9
    No original: “The felt reality of a threat is so superlatively real that it translates into a felt certainty about the world, even in the absence of other grounding for it in the observable world”.
  • 10
    As menções aos entrevistados serão feitas por meio de nomes fictícios.
  • 11
    No original: “was composed of less qualified Brazilians and defined as ‘labour migration’”.
  • 12
    Como dito anteriormente, ao menos um dos pais da grande maioria dos entrevistados possui curso superior completo.
  • 13
    A despeito da fama de país aberto à imigração, o Canadá possui uma das mais restritivas políticas migratórias do mundo. Desde 2017, 85% dos pontos no processo migratório do país advêm de fatores relacionados ao capital humano (Papademetriou e Hooper, 2019Papademetriou, Demetrios. G. & Hooper, Kate. (2019), Competing approaches to selecting economic immigrants: points-based vs. demand-driven systems. Washington, dc, Migration Policy Institute.).
  • 14
    O estudante internacional, salvo exceções, é autorizado a trabalhar até 20 horas semanais fora do campus (off-campus). Atividades remuneradas, desde que no campus (in-campus), são permitidas, sem limitação de jornada, bem como nas férias de verão (summer holidays) e intervalos de primavera (spring breaks).
  • 15
    Os college são equivalentes, de certo modo, aos institutos que oferecem cursos técnicos no Brasil, podendo ser na modalidade integral ou meio período, com duração média de dois anos.
  • 16
    Desde que se trate de instituições de ensino consideradas elegíveis ao pgwp pelo governo canadense.
  • 17
    Este cálculo é feito com base na duração do curso pós-secundário realizado.
  • 18
    São isentos do visto canadense os brasileiros que possuam passaporte da ue, visto dos Estados Unidos válido ou que tenham estado no Canadá há até dez anos da data da nova viagem. A estes, é necessária apenas uma autorização eletrônica de viagem (eta), ao custo de 7 dólares canadenses.
  • 19
    Em média, o valor integral de um college de dois anos para estudantes internacionais pode variar entre 15,000 e 35,000 dólares canadenses.
  • 20
    À exceção da Província de Quebec, cujo idioma oficial é o francês.
  • 21
    O valor mínimo a ser comprovado ao governo canadense, além do pagamento da taxa de matrícula do college e do primeiro trimestre, é de 10,000.00 dólares canadenses, acrescidos de 4,000.00 caso seja casado(a), e mais 3,000.00 para cada filho.
  • 22
    Cada termo corresponde, geralmente, a três meses.
  • 23
    O certificado ou o diploma devem ser obtidos em instituições consideradas elegíveis, pelo governo, ao programa de imigração.
  • 24
    Não é raro que o cônjuge passe a se tornar o(a) solicitante principal do processo migratório, dada a experiência profissional acumulada nos primeiros anos de trabalhado com o wp.
  • 25
    Pelo Express Entry, a pontuação máxima é conferida aos(às) proponentes que contem entre 20 e 29 anos, sendo zerada para aqueles abaixo de 18 ou acima de 47 anos.
  • 26
    Sabe-se que a violência urbana no Brasil é um fenômeno complexo e multifacetado e que sua fisionomia e configurações se alteraram profundamente ao longo do processo de urbanização. Se, por um lado, escapa aos propósitos do artigo uma discussão sobre o fenômeno, por outro, importa considerar que, atualmente, “o termo é empregado de modo polissêmico”, como salienta Adorno (2011Adorno, Sérgio. (2011), “Violência e crime: sob o domínio do medo na sociedade brasileira”. In: Botelho, André & Schwarcz, Lilia Moritz. Agenda brasileira: temas de uma sociedade em mudança. São Paulo, Companhia das Letras., p. 72). Segundo o autor, “seus múltiplos significados gravitam em torno do universo de valores que constitui o ‘sagrado’ para determinado grupo social”, estando os “atos violentos referidos ao mundo das percepções coletivas e das representações” (Idem, p. 73). É igualmente relevante considerarmos que, a partir do início do século xxi, conforme esclarece Vaz (2007)Vaz, Paulo. (14 abr. 2007), “Pesquisa analisa formação da percepção social sobre a criminalidade”. Entrevista para Mônica Maia e Cristiane Barbalho. Arquivo de Notícias Faperj., nota-se um maior destaque dos meios de comunicação à temática do risco, das vítimas aleatórias de crimes, uma intensificação do chamado “discurso da vítima”, produzido nos anos 1990.
  • 28
    Sobre as especificidades dos padrões de segregação urbana no Rio de Janeiro, examinadas a partir das noções de “proximidade compulsória” e “violência da proximidade”, ver o já citado trabalho de Veloso (2010)Veloso, Leticia. (2010), “Governing heterogeneity in the context of ‘compulsory closeness’: the ‘pacification’ of favelas in Rio de Janeiro”. Suburbanization in Global Society. Research in Urban Sociology, 10: 253-272..
  • 29
    No original: “has the capacity to fill the present without presenting itself ”.
  • 30
    Em 2022, a taxa de crimes violentos em Vancouver é de 8,46 por 1000 habitantes (“Vancouver Police Department Crime Incident and Crime Rate Statistics“Vancouver Police Department Crime Incident and Crime Rate Statistics”. Disponível em: https://vpd.ca/wp-content/uploads/2022/02/crime-incident-crime-rate-2019-2021.pdf.
    https://vpd.ca/wp-content/uploads/2022/0...
    ”. Disponível em: https://vpd.ca/wp-content/uploads/2022/02/crime-incident-crime-rate-2019-2021.pdf ).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    07 Jun 2022
  • Aceito
    21 Out 2022
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