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Revisitando a noção de autoritarismo socialmente implantado Entrevista com Paulo Sérgio Pinheiro

Paulo Sérgio Pinheiro1 1 . Ver https://nev.prp.usp.br/equipe/paulo-sergio-pinheiro/. é professor titular aposentado da Universidade de São Paulo. Sua contribuição no campo dos Direitos Humanos é amplamente reconhecida, não apenas na produção acadêmica, mas também no âmbito da intervenção pública. Foi fundador da Comissão Teotônio Vilela (1983), do Núcleo de Estudos da Violência (1987) e da Comissão Arns (2019). Destacou-se em variadas funções no governo brasileiro em nível estadual e federal. Em 1984, foi assessor especial de Franco Montoro, então governador de São Paulo. Entre 2001 e 2003 foi ministro da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos no governo Fernando Henrique Cardoso. De 1996 a 2009, foi consultor de três edições do Plano Nacional de Direitos Humanos (pndh), assessorando três gestões do governo federal. Em 2010, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva o nomeou representante da sociedade civil no grupo de trabalho que elaborou o projeto de criação da Comissão Nacional da Verdade, na qual atuou intensamente. Em seguida, em 2011, foi nomeado pela presidenta Dilma Rousseff como um dos sete membros da referida comissão para apurar as graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988. Pinheiro também possui notória atuação internacional, ao promover trabalhos para a solução de diversos conflitos. Exerceu cargos na Organização das Nações Unidas, dentre os quais se destacam: relator especial para a situação dos Direitos Humanos em Burundi (1995-1997); relator especial para a situação dos Direitos Humanos em Myanmar (1998-2008); presidente e membro da Comissão Independente Especial de Inquérito sobre Timor Leste (2006); presidente da Comissão Independente Especial de Investigação sobre a Síria (2011). Também atuou como consultor do Comitê Internacional da Cruz Vermelha entre 2004 e 2007.

Esta entrevista teve por objetivo revisitar o percurso de formulação da noção de Autoritarismo Socialmente Implantado, por meio da qual se busca analisar a continuidade das graves violações dos Direitos Humanos no Brasil, após o processo de redemocratização. Dessa forma, Pinheiro chama a atenção para a dimensão histórico-social do enraizamento e da atualização de práticas autoritárias no âmbito da cultura política, especialmente no plano da vida cotidiana. Duas pesquisas deram forma a essa agenda: “O autoritarismo socialmente implantado” (1987-1991) e, posteriormente, “Continuidade autoritária e consolidação da democracia” (1994 a 2000)2 2 . Para mais informações, consultar Pinheiro, 1991, pp. 45-56. .

A entrevista foi realizada no dia 30 de janeiro de 2020, nas dependências do nev, no campus da usp, no bairro do Butantã, com a participação dos pesquisadores Pedro Benetti, Gustavo Higa e Roberta Novello, sendo que o professor Marcos César Alvarez, então vice-coordenador do Núcleo, participou a distância, por meio da internet. A estrutura audiovisual foi organizada por Alan Felipe, e a transcrição da entrevista foi realizada pelo pesquisador Gabriel Funari. O entrevistado respondeu as questões com muito bom humor, trazendo inúmeras anedotas e afirmações polêmicas, marcas de seu estilo ao mesmo tempo divertido e provocativo.

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Pedro Rolo Benett (pb): A ideia da entrevista partiu de uma proposta de trabalho que nós apresentamos, na qual buscávamos recuperar a atualidade do conceito de autoritarismo socialmente implantado. Nós ainda estamos para escrever esse trabalho, a entrevista busca ajudar a desenvolver o tema. Pensávamos em fazer uma discussão acadêmica, trabalharmos o contexto histórico e depois passarmos para uma discussão do texto mesmo, seus interlocutores e depois fecharmos com perspectivas de atualização desse conceito.

Nós selecionamos uma primeira pergunta bem simples: Para pensar sua trajetória, em termos acadêmicos, você se define como historiador? Como cientista político? Você acha necessário se definir disciplinarmente ou não?

Paulo Sergio Pinheiro (psp): (risos) Aos 76 anos eu tenho que me definir… na verdade eu cursei Direito primeiro, mas nunca pensei em ser advogado. Vou contar uma anedota. Meu avô era da Marinha, e a minha avó e a minha mãe achavam que eu deveria ir para a Escola Naval. Felizmente, eu tinha um detalhe físico que me impedia, tenho pés chatos, e daí durante anos na minha infância usei um instrumento de tortura que é uma palmilha de metal recoberta de couro. Não adiantou nada e não pude me candidatar para entrar na Marinha. Daí decidiram que eu ia ser diplomata e, dos sete até os dezessete anos, eu tinha aulas em casa, junto com o meu irmão mais moço, Pedro Carlos. Tínhamos professoras de inglês e de francês mas, na hora H, que foi em 1964, eu não passei no concurso para o Itamaraty… em francês. Três anos depois, tive uma bolsa da França para Paris, pois eu passei a me interessar pela ciência política. Um professor que eu admirava na faculdade de Direito da puc-rj3 3 . Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ensinava Teoria Geral do Estado4 4 . Trata-se de Celestino de Sá Freire Basílio, professor de Teoria Geral do Estado. Em 1964, foi presidente do Instituto dos Advogados do Brasil. . Em 1965 ou 1966, o Cândido Mendes de Almeida5 5 . Ver Cândido Antônio José Francisco Mendes de Almeida. realizou um seminário internacional da ciência política; ali foi a primeira vez que eu tive contato com professores americanos e os franceses6 6 . Seminário realizado na Faculdade de Direito Candido Mendes, sediada no Convento do Carmo, na praça Quinze de Novembro, Rio de Janeiro. . Em setembro de 1967, fui para a França, no Instituto de Estudos Políticos, a Sciences Po. Em abril de 1971, defendi minha tese de doctorat en science politique, doutoramento em ciência política. Simultaneamente, eu fazia sociologia na Université de Vincennes, nos arredores de Paris, que foi criada depois da revolta dos estudantes em maio de 1968, onde me licenciei em sociologia. Um de meus professores ali era Nicos Poulantzas7 7 . Nicos Poulantzas, filósofo e sociólogo grego (1936-1979). , que pesquisava o fascismo e a Terceira Internacional Comunista. No seminário dele, estudei o movimento operário, o comunismo e o fim da Primeira República no Brasil, que depois eu aprofundei na minha tese de livre-docência na usp da qual se originou o livro que publiquei em 19928 8 . Trata-se do livro Estratégias da ilusão: A revolução mundial e o Brasil, 1922-1935, publicado pela Companhia das Letras em 1991. .

Creio, então, que por diploma, sou da ciência política. E na usp eu estava no Departamento de Ciência Política. Na verdade, acho que também sou historiador. Os momentos mais felizes da minha vida acadêmica foram os tempos nos anos 1970 e 1980, que pesquisei em arquivos, em Washington, Amsterdam, Paris, Londres. Minha produção é muito desigual, porque nos dez primeiros anos eu tratei da classe operária, muito inspirado pelo meu coautor amicíssimo, o historiador norte-americano, faz décadas no Brasil, Michael M. Hall, que conhece como ninguém a história social da classe operária nos Estados Unidos, no Brasil e na Europa, com quem aprendi a pesquisar. E foi com ele que criamos, faz mais de quarenta anos, o arquivo de História Social Edgard Leuenroth, ael, que foi um grande líder anarcossindicalista. O arquivo foi adquirido pelo reitor da Unicamp, Zeferino Vaz, com apoio da Fapesp, em plena ditadura militar9 9 . Para mais informações sobre o arquivo, consultar https://www.ael.ifch.unicamp.br/. . Hoje em dia, é certamente o maior arquivo de história social nas Américas e um dos maiores do mundo. Depois, nos dez anos seguintes, eu passei a me focalizar na repressão da classe operária e a violência ilegal do Estado. Essas pesquisas tiveram como consequência a criação da Comissão Teotônio Vilela de Direitos Humanos, em 1983, com o próprio Teotônio, Severo Gomes, Antonio Candido, Fernando Millan, Eduardo Suplicy, Padre Agostinho Duarte de Oliveira, José Gregori, Maria Helena Gregori, João Baptista Breda, Glauco Pinto de Moraes, Hélio Bicudo, Fernando Gabeira, Marilena Chauí, Margarida Genevois, Emir Sader, Hélio Pellegrino, Alberto Dines. Alguns anos depois, criei com Sérgio Adorno o Núcleo de Estudos da Violência, que completou, como vocês sabem, trinta anos10 10 . Trata-se do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, fundado em 1987. . Depois dessa segunda fase, eu passei para a transição política e o direito internacional dos direitos humanos. No meu curso de direito não havia referência alguma aos direitos humanos nem à onu. Desde 1995, tive vários mandatos da Comissão de Direitos Humanos, cdh, do Secretário-Geral Kofi Annan, de 2003 a 2007 e depois de 2006, do órgão que sucedeu à cdh, o Conselho de Direitos Humanos

pb: Há uma coisa curiosa… a impressão que passa é que existia um período em que as questões políticas acabavam obrigando os acadêmicos a olhar para a História, olhar para trás, nos anos 1920, essa questão de repressão. E daí, quando chegam os anos 1980, parece que a conjuntura invade a produção acadêmica de uma forma muito intensa. Fica a impressão de que há uma inflexão com o tipo de estudo que você está fazendo na época de formação, e depois com a transição vem uma presença muito forte da conjuntura na reflexão.

psp: Acho essa observação uma boa leitura, mas não creio que corresponda exatamente ao que eu fiz. Quando fui para a França, eu queria esquecer que tinha feito Direito. Queria ser sociólogo. E daí a minha pesquisa documental foi determinada pelo futuro livro do Poulantzas, que era o Fascismo e ditadura11 11 . Fascisme et dictature: la Troisième Internationale face au fascisme (Poulantzas, [1970] 1972). , sobre o conceito de fascismo na Terceira Internacional. Eu estava em Paris e tinha acesso a farta documentação sobre o tema, pois a editora Feltrinelli tinha republicado toda a correspondência da Terceira Internacional, o Komintern. Eu nunca tinha pesquisado o tema do anarquismo ou do comunismo no Brasil. Meu primeiro trabalho na Sciences Po foi sobre análise quantitativa dos discursos do Getúlio Vargas. Graças aos volumes de A nova política do Brasil12 12 . Vargas, 1933-1945. , coleção de todos os discursos de Vargas para ele se candidatar à Academia Brasileira de Letras, que meu pai comprou num sebo no Rio e me mandou para Paris. O diplomata José Guilherme Merquior, que eu conheci quando me preparava para o concurso para o Itamaraty, me deu também uma coleção que descobriu no porão da embaixada brasileira em Paris. O estudo da história da república era o tipo de pesquisa tolerado pelo regime militar. O marco disso foi quando organizamos, em 1975 na Unicamp, a Conferência sobre história e ciências sociais. Na verdade, nós queríamos discutir autoritarismo e a classe operária, mas o título foi aquele, aliás com apoio da Fundação Ford, cujo representante era Richard Morse. O grande historiador inglês, Eric Hobsbawm, foi um dos convidados para aquela conferência. Houve um almoço oferecido aos participantes pela reitoria. Na mesa do Hobsbawm, estava o reitor Zeferino Vaz, que era um cientista reconhecido internacionalmente e que tinha bom relacionamento com os militares, que não se metiam na Unicamp. O Zeferino fazia o que ele decidia na Unicamp. Na conversa durante o almoço, ele se virou para o Hobsbawm e disse: “O senhor está vendo aqui todos esses professores jovens? Tudo comunista”. Sem saber que Hobsbawm era membro do partido comunista britânico, do qual, aliás, nunca irá se retirar. E daí o Zeferino completou: “mas todos excelentes pesquisadores”. Apesar disso, o reitor, com apoio da Fapesp, pagou mais ou menos hoje o valor de um apartamento de quatro quartos pelo arquivo Leuenroth, com o aval de seu colega, Antonio Candido, mais os historiadores Carlos Guilherme Mota e Fernando Novais. Zeferino sabia muito bem o que estava fazendo. No futuro, para se entender isso vai ser difícil… em plena ditadura militar, o estado de São Paulo financia a compra de um arquivo de um líder anarcossindicalista.

pb: Boa parte dos debates das esquerdas girava muito em torno da noção de revolução, e ele se transforma quando os brasileiros foram exilados, começaram a produzir textos sobre democracia e direitos humanos, talvez mais do que uma linguagem revolucionária. Naquela época, havia muitos brasileiros exilados na França que vão saindo dessa chave da revolução, e a chave de direitos humanos, durante a transição, vai ganhar muita força… queria saber se você teve contato…

psp: Especialmente na questão de Louis Althusser, que faz a crítica do conceito de fascismo e do conceito de revolução no Partido Comunista francês. E o Poulantzas, que fazia parte dessa leitura crítica. Quando cheguei a Paris, em setembro de 1967, eu não pertencia ainda a essa praia. Na verdade, isso era mais para o Éder Sader, Michael Löwy, Marco Aurélio Garcia, Guilherme Lustosa da Cunha, Davi José Lessa Matos Silva, Sérgio Rosemberg - todos paulistas que se tornaram meus amigos em Paris - e outros que já tinham uma militância política no Brasil, passavam pela França e fizeram essa releitura. Eu conheci e convivi com eles todos, participava inclusive de seminários, mas, na verdade, eu vivia meio isolado, antes de cursar sociologia na nova Université de Vincennes. Eu estava num instituto tradicional das elites, como era considerado o Institut d’Études Politiques, a Sciences Po. Aliás, eu não fui o primeiro brasileiro lá, quem me precedeu foi o Helgio Trindade, que escreveu o clássico estudo sobre o integralismo13 13 .Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 1930 (Trindade, 1974). . E quem veio depois de mim foi o Marcito, Marcio Moreira Alves, meu velho amigo do Rio. Eu me inscrevi no departamento de sociologia na Université de Vincennes, nos arredores de Paris, em plena floresta do Chateau de Vincennes, lá estavam Michel Foucault, Jean Claude Passeron, Poulantzas. Em Paris, frequentei seminários na École des Hautes Études en Sciences Sociales, ehess, com Georges Haupt14 14 . Georges Haupt, historiador francês de origem romena, especialista no socialismo e no movimento socialista internacional. , Robert Paris15 15 . Robert Paris, historiador, autor de As origens do fascismo, em 1968. , ligados à revista Mouvement Social. Havia sempre seminários com brasileiros: Aloísio Nunes Ferreira, meus saudosíssimos amigos Guilherme da Cunha e Marco Aurélio Garcia, ambos exilados. Esse grupo estava nessa linha da revisão do marxismo. No Rio, onde nasci e vivi até 1967, tinha participado do movimento solidarista cristão, inspirado pelo sociólogo padre Fernando Bastos de Ávila. Talvez, se eu não tivesse ido à França, não estaríamos conversando aqui hoje.

Gustavo Lucas Higa (gh): Eu gostaria de ir para outro tema, que seria esse período de transição democrática no Brasil nos anos 1970 e 80. Certamente sua trajetória acadêmica foi influenciada por esse período. Em outras ocasiões, você falou que os três políticos que foram os pilares da transição foram Tancredo Neves, Leonel Brizola e Franco Montoro. Queria que você comentasse sobre essas figuras e a influência que tiveram naquele momento.

psp: A abertura brasileira foi longa demais, quase dez anos, com diversas fases. É claro que o que se concebeu como uma abertura lenta, gradual e segura foi iniciada no governo Geisel, que era um governo de duas faces: da mesma forma que estava ligado à abertura e ao levantamento da censura, ao mesmo tempo, eliminou a maioria dos membros do comitê central do pcb e promoveu o extermínio dos jovens do pc do b envolvidos na guerrilha do Araguaia16 16 . Partido Comunista Brasileiro. . E por outro lado, havia um ministro da indústria e comércio, Severo Gomes, que fazia a ponte com os intelectuais de esquerda do Cebrap17 17 . Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. em São Paulo. Conto outra anedota a respeito dessa época. No governo Geisel, a reunião da sbpc18 18 . Sociedade Brasileira para o progresso da Ciência. ocorreu em Brasília, e o Severo Gomes era ministro da Indústria e Comércio na época. Ele adorava festa, deu uma festa para os amigos dele de São Paulo e para alguns colegas dele de governo. Estavam lá o ministro da Marinha e o ministro de Relações Exteriores, Azeredo da Silveira, Silveirinha, da linha da política externa independente, que era muito amigo do Severo. E havia alguns convidados da festa que tinham acabado de sair do Dops19 19 . Departamento de Ordem Pública e Social. . Aí, o grande economista, especialista em América Latina e filósofo, Albert Hirschman, me perguntou: “Não estou entendendo nada, o Chico Oliveira ontem estava preso e agora está aqui…”. Daí, eu tentei explicar-lhe certa flexibilidade desse governo autoritário. Acho que tem que se levar em conta, durante a abertura, a eleição em que o mdb conseguiu fazer uma larga bancada no Senado e na Câmara de Deputados, nas eleições em 197420 20 . Nas eleições de 15 de novembro de 1974, o mdb (Movimento Democrático Brasileiro), partido oficial da “oposição consentida”, espetacularmente, elege 16 senadores, das 22 vagas em disputa; e por pouco não obtém a maioria da Câmara, tendo conquistado 161 das 364 cadeiras, ou 44%. (Faria & Fontenelle, 2014). . Creio que o outro marco são as eleições diretas estaduais de 1983, quando foram eleitos Montoro, Brizola e Tancredo. Havia no Congresso Nacional uma emenda das Diretas para ser votada e, paralelamente a esse movimento pela emenda, o Franco Montoro foi um dos primeiros a levantar essa questão.

A propósito, há outra anedota! Chegando aos oitenta se acumulam as estórias… Severo Gomes resolveu organizar para Franco Montoro uma reunião no Rio, na casa do advogado Miguel Lins, com vários amigos dele, como o José Aparecido de Oliveira, o Otto Lara Rezende, o Marcito Moreira Alves, que havia sido cassado na ditadura, o José Honório Rodrigues e vários outros. Eu era assessor especial do Montoro, e chegamos muito atrasados porque o Montoro tinha passado muito tempo na abertura da Bienal do Livro do Rio. Quando chegamos, o pessoal já tinha bebido uísque extraordinariamente e não queriam nada de ouvir do programa progressista do Montoro, estradas vicinais, hortas comunitárias etc. E aí, o Otto Lara Resende, do fundo da sala, gritou: “Montoro, Montoro… farol alto! Será que você aceita liderar uma campanha pelas diretas?”. E daí o Montoro ficou tocado naquilo e, na cerimônia da outorga da medalha de Tiradentes a ele, no dia 21 de abril em Ouro Preto, fez um discurso que se chamava “A nação tem direito a ser ouvida”.

Outros fatos que influenciaram muito o Montoro foram os comícios da campanha presidencial e a eleição do Alfonsín21 21 . Raúl Ricardo Alfonsín Foulkes, presidente da Argentina de 1983 a 1989. , a cuja posse ele compareceu. E aí o Montoro, quando voltou de Buenos Aires, resolveu convocar um comício das Diretas no dia 25 de janeiro de 1984, no aniversário da cidade de São Paulo. Fernando Henrique Cardoso, que era presidente da executiva do mdb, disse: “Montoro está louco, fazer comício no dia 25 de janeiro… feriado?”. Afinal, Montoro convocou as entidades da sociedade civil porque os partidos não estavam ainda comprometidos com a campanha das Diretas. Aí foi aquele grande comício dos 300 mil, que na verdade eram 40 mil, porque só a praça da Sé não comportava tanta gente. Digo isso agora porque, nesse dia 25, a usp estava comemorando cinquenta anos e o Montoro veio para a comemoração. Os alunos foram barrados para protestar contra alguma coisa e o reitor fechou as portas, o que era uma besteira total. Daí eu falei para o Montoro: “Vai dar muito errado isso aqui”. Fui falar com alguém da reitoria, que o governador queria que abrissem as portas. Aí eles abriram, os alunos protestaram com faixas, sem maiores problemas… Na saída, começou a garoar, e o Montoro ficou preocupado com o comício da praça da Sé. Daí o chefe da Casa Militar, o coronel Ubirajara, um pm excepcional, ouvindo pelo rádio (não existiam celulares…): a praça já está cheia. O Ulysses Guimarães virou o pai das Diretas, mas quem as bancou mesmo, em primeiro lugar, foi o Montoro.

gh: Ainda mais que o Ulysses22 22 . Ulysses Guimarães, deputado federal e presidente do pmdb durante a transição democrática. ?

psp: Foi o Montoro que convocou a reunião dos governadores em apoio ao Tancredo no Palácio dos Bandeirantes. Íamos toda hora para Belo Horizonte, o José Aparecido23 23 . Trata-se de José Aparecido de Oliveira, na época deputado federal. sempre inventando um pretexto, uma solenidade. O Montoro foi quem teve a coragem de bancar uma campanha das Diretas Já. Houve um almoço de comemoração, após o comício da praça da Sé, e o dr. Ulysses vira para o Eduardo Muylaert, que também era assessor especial do Montoro e meu velho amigo desde Paris nos anos 1960, e para mim ele diz: “Vocês foram inventar isso, e o que eu vou fazer com a conjuntura política até março?”. Então, o próprio dr. Ulysses achava que a campanha atravessava o caminho dele.

Pedro Rolo Bemett (pb): Essa frase é muito interessante porque ela dá um pouco da dimensão de risco que vem com qualquer processo de transição.

psp: Tudo ali era risco puro.

pb: O que está marcado com essas figuras é que o Brizola e o Tancredo são figuras da República de 1946. Então, acho que o que está em jogo aí é que tipo de democracia que vai ser construída nos anos 1980.

psp: A concepção de democracia que eles tinham era a democracia de 1946, não era a democracia de 1988. Sem ser injusto com essas figuras, pelas quais eu tenho a maior admiração, a Constituição de 1988 não estava no projeto deles. Fazer a Constituinte tudo bem, mas fazer a Constituição como ela foi feita no final, a Constituição cidadã, com tal elenco de direitos humanos, não estava no projeto deles. Há uma frase maravilhosa do Ulysses em que ele diz o vexame que foi a ditadura. Todos eram fundamentalmente democratas, o Montoro era um democrata com ligações com a classe operária. Lembre-se de que ele foi o pai do décimo terceiro salário. Lembro-me do Montoro salvando da polícia em São Bernardo, em seu carro de senador, o Alemão, militante sindical de esquerda. Então o Montoro era um autêntico democrata, e não autocentrado, porque nunca se colocou como candidato à presidência, desde cedo para esse cargo ele apoiou o Tancredo, o que não era ainda algo totalmente pacífico. Então, acho que o modelo de transição é um modelo de governo civil em primeiro lugar para suceder à ditadura. Fernando Henrique falava do entulho autoritário que precisava ser desbastado. Uma democracia participativa, reconhecimento dos direitos indígenas, dos negros, tudo isso veio depois da Constituinte. Claro que eles eram contra o racismo, eram a favor dos direitos indígenas, mas a democracia como está configurada na Constituição não estava no projeto da transição.

pb: Mas a Constituição é produto de quem? Porque é engraçado, o pt24 24 . Partido dos Trabalhadores. vota contra a Constituição, o Brizola parece que não é pai, o Tancredo não é, a ditadura também não é… De onde vem essa Constituição?

psp: Eu não sei de onde, eu li recentemente isso em algum lugar. Você sabe que houve uma Comissão Afonso Arinos25 25 . Em setembro de 1986, uma comissão provisória de Estudos Constitucionais foi criada pelo Executivo e elaborou um anteprojeto de Constituição, mas que nunca foi oficialmente enviado ao Congresso. Seu presidente foi o jurista, ex-deputado federal e ex-senador Afonso Arinos de Melo Franco , no governo Sarney, antes da Constituinte.

pb: Eles aprovaram uma lei e aí fizeram eleição parlamentar normal.

psp: Eu não me lembro se a Constituinte estava em algum projeto, mas acho que deveria estar, porque havia se debatido inclusive o projeto da Constituinte única. A Constituinte, apesar de ser uma conciliação afinal, se revelou muito mais moderna e popular do que estava na expectativa, por conta da participação intensa da sociedade civil nas comissões da Constituinte.

gh: A eleição dos candidatos civis, depois da abertura, gerou muito otimismo de mudança para a democracia que chegaria. Foi um grande momento de otimismo inclusive para as políticas de direitos humanos, projetos de humanização, de que participou o José Carlos Dias. Eu queria ouvir um pouco sobre isso, sobretudo como a geração de vocês percebia a resistência da sociedade a essas políticas de direitos humanos.

psp: No Brasil, a esquerda descobriu os direitos humanos na ditadura. O tema das prisões era um tema excêntrico na primeira e segunda Repúblicas. Na primeira República eram Evaristo de Moraes ou então Maurício de Lacerda, ligados ao movimento operário, que se preocupavam com a questão das prisões. Em São Paulo, que foi o epicentro da repressão, da Oban26 26 . Operação Bandeirante foi um centro de operações e investigações do governo, responsável por investigar e capturar integrantes de grupos considerados subversivos. , da tortura, das execuções, dos desaparecimentos, Montoro é eleito nessa bandeira de direitos humanos. Não esquecer que o Teotônio Vilela, no Senado, foi o presidente da comissão sobre os presos políticos. Não esqueçamos também Dom Paulo27 27 . Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo durante a ditadura militar. , que precede Montoro, como ator político na transição, não apenas como um cardeal progressista, mas com seu poder ele cria todo um círculo de aparatos para a defesa dos direitos humanos: a Comissão Justiça e Paz, o Centro Santos Dias, a Clamor para os Refugiados.

Eu voltei da França para o Brasil em 1971 e ficava espantado com os sermões que ele fazia. Eu pensava: “Ele vai acabar saindo preso aqui dessa Igreja”. Então, a Igreja é essencial, Dom Hélder Câmara28 28 . Dom Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, durante a ditadura militar. , Dom Luciano de Almeida, o Cardeal Dom Aloísio Lorscheider, o hoje Cardeal Dom Claudio Hummes. Hoje, não se lembra da personalidade global que era o Dom Hélder… era uma celebridade do nível da princesa Diana, sempre cercado de fotógrafos, de câmeras aonde quer que ele fosse na Europa. Era uma figura admirável… Não ganhou o Nobel porque a ditadura fez uma campanha intensa no Vaticano contra, está tudo lá nos arquivos do Itamaraty, na Comissão Nacional da Verdade. A ditadura chamou a atenção para os presos. A elite e a classe média nunca prestaram atenção aos presídios porque não éramos nós, brancos, que estávamos lá. O Montoro, que era muito ligado à Igreja, foi nessa mesma vertente. O José Carlos Dias foi imensamente criticado e cobrado por sua política penitenciária iluminada pelos direitos humanos. Você imagina comissão de presos, visita íntima… tudo isso se deve ao José Carlos. A Comissão Teotônio Vilela era dura demais nas críticas a ele. Nós somos muito amigos hoje e ele me lembrava na Comissão da Verdade, na qual fomos colegas, das coisas que eu escrevia sobre esse tema com ele. Tenho a maior admiração porque José Carlos foi um corajoso precursor do tratamento humano dos encarcerados. É impensável hoje, no regime atual, que isso ocorra.

pb: Isso é curioso. Você fala que é impensável, mas ao mesmo tempo indica que ainda naquele tempo existia resistência a isso.

psp: Claro.

pb: E era uma resistência que ainda articulava o discurso autoritário. Vocês viam isso como uma ameaça naquele momento?

psp: Era tudo otimismo… eu lembro que escrevi sobre isso em 1984, sobre a pm, sobre autos de resistência. A democracia de 1946 foi uma democracia com conteúdo populista herdado do Estado Novo. O otimismo não foi só dos políticos ou da universidade. O otimismo foi também dos transitólogos, porque a maioria deles não lidavam com o tema da violência pelos aparelhos repressivos do Estado. Os poucos que lidavam com esses temas de violência e letalidade da polícia não estavam na universidade. Foi uma batalha porque vários colegas na fflch, na usp, não achavam que a violência fosse tema para a sociologia nem para a ciência política. Alfred Stepan e o Guillermo O’Donnell eram os poucos que chamavam atenção para aquela violência.

pb: Porque o Stepan trabalhava muito com os militares…

psp: Isso ajudou certamente. E ele esteve várias vezes aqui… Na verdade, essa categoria do autoritarismo, a primeira vez que ela foi utilizada, foi por um eminente jurista alemão chamado Karl Loewenstein. Era judeu, refugiou-se nos Estados Unidos e veio visitar o Brasil. Muitos intelectuais estrangeiros vinham visitar o Getúlio Vargas, durante o Estado Novo, e escreviam livros. Ele escreveu um livro que o Michael Hall e eu sempre tentamos traduzir no Brasil, sem sucesso, que se chama Brazil under Vargas (Lowenstein, 1942Lowenstein, Karl. (1942), Brazil under Vargas. Nova York, Macmillan.). Nele há um apêndice, “Discourse on political terminology: Is Brazil a fascist state?”, em que ele quer responder: O que é o Estado Novo? Pela primeira vez se referindo ao Brasil como um país autoritário, em que o governo adota decisões sem decisão popular, sem eleição.

Quem pegou isso foi o Juan Linz, que veio à Unicamp em 1975, e nós publicamos capítulos do livro dele sobre totalitarismo e autoritarismo29 29 .Totalitarian and authoritarian regimes (Linz, 2000). . Ele chamava o regime espanhol e o regime brasileiro de autoritários. A concepção do autoritarismo é mais conectada com o Estado e suas instituições políticas, e não com o que o O’Donnell escreveu, que esse autoritarismo estava na sociedade30 30 .O’Donnell, 1986. . E daí eu peguei carona dele e usei “autoritarismo socialmente implantado”.

Eu fiquei feliz, dois anos atrás, quando o Gabriel Cohn, que eu respeito demais, disse que era um conceito que valia a pena ser revisitado. Os transitólogos não levaram em conta essas características da sociedade brasileira que alimentavam esse autoritarismo fora dos períodos autoritários, como o Estado Novo e a ditadura militar. Para puxar sardinha para o meu lado, há outra parte desse conceito que eu trabalhei, de que hoje em dia não gosto tanto, que é o Regime de Exceção Paralelo da primeira República. Porque, na verdade, sob aquela organização liberal havia um estado de exceção para as classes populares. Só que eles não estavam em paralelo, era intrínseco ao próprio funcionamento do Estado. Esse conceito, hoje, eu mudaria, mas esse regime de exceção paralelo, especialmente de 1889 a 1930, e depois, de 1964 a 1985, se prolonga nesse autoritarismo socialmente implantado nos dois períodos constitucionais de 1946 a 1964, e de 1988 até o presente. Honra seja feita ao Roberto Da Matta31 31 . “Você sabe com quem está falando? Um ensaio sobre a distinção entre indivíduo e pessoa no Brasil” (Matta, 1997, pp. 179-248). naquele artigo “Você sabe com quem está falando?”, que desvendou essas hierarquias brasileiras.

A meu ver são hoje três ingredientes do autoritarismo socialmente implantado. Primeiro, o racismo. Como é que é possível que hoje, no século xxi, não há nenhum professor negro na fflch? Isso aqui é o farol do pensamento progressista no Brasil, e ninguém se deu conta de que entre mais de uma centena de docentes havia só dois professores negros, o Kabengele32 32 . Prof. dr. Kabengele Munanga, do departamento de Antropologia da usp. e o Milton Santos, que tinha o equivalente a um prêmio Nobel em geografia. Quer dizer: tudo o que escreveram o Florestan Fernandes, fhc, Oracy Nogueira e poucos outros sobre o racismo no Brasil parece não ter sido interiorizado na usp. Hoje, ali, acho que nem cotas tem… então o racismo só começou a ser trabalhado depois da Constituição de 1988, quando o racismo se torna crime33 33 . Atualmente, a fflch-usp conta com alguns professores negros, mas em número ainda inexpressivo. Na usp, como um todo, são 153 professores pretos e pardos, apenas 2,7% (https://egida.usp.br). As políticas de inclusão, por sua vez, avançaram em anos recentes. Cf. Cruz, 2020. . No governo fhc, foram feitos os dois Programas Nacionais de Direitos Humanos, os pndh i e ii, defendendo as cotas raciais, censo de raça do funcionalismo federal e bolsas de estudo para candidatos negros para o concurso do Itamaraty. Tudo isso foi ontem, e esse racismo não foi ainda totalmente superado.

A segunda vertente é a desigualdade. O Brasil só é vencido pelo Catar na proporção de renda dos 1%. O Brasil é 27%, e o Catar é 29%. Quer dizer, em todos esses trinta anos de governança democrática, claro que teve uma melhoria, 30 milhões ou mais saíram da extrema pobreza, mas a questão da concentração de renda ficou quase intocada.

Em terceiro lugar, uma das falhas da Constituinte é a questão da violência, do monopólio do Estado da violência e como ele tem sido exercido no Brasil. A Constituinte resolveu fazer uma conciliação com as Forças Armadas e com as pms, ao não mexer na segurança pública. Os pms no Rio de Janeiro, em 2019, mataram 10,5 pessoas, especialmente negros, adolescentes e jovens, por 100 mil habitantes, acima da taxa de 7,2 de assassinatos em São Paulo. É uma coisa totalmente delirante. E quem são os alvos dessa violência? São os negros. O argumento que faziam para os presidentes era: “Não vai mexer nisso porque é mais um problema”. Nenhum presidente resolveu assumir. Não que os presidentes não tenham sido construtores de uma política de direitos humanos. O fato de não se ter debelado a violência ilegal não significa que não caminhamos em uma política de direitos humanos. Eu cito já, desde José Sarney, que assinou a Convenção da Tortura em 1985, o Brasil foi um dos dez primeiros a assinar. E depois o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, no governo Sarney, que cria o mutirão contra a violência, quem escreveu foi o Gabeira, inspirado em uma proposta que a Comissão Teotônio Vilela havia entregado ao Tancredo. Depois, o Fernando Collor faz o discurso, escrito pelo meu grande amigo Gelson Fonseca, um grande embaixador, em que ele diz que a soberania não pode ser o escudo para as violações de direitos humanos. Eu não vou falar do fhc, Lula e a Dilma porque, entre eles, há uma continuidade da política de Estado de direitos humanos.

Apesar dessa escalada virtuosa do governo federal, o racismo, a violência estatal e a desigualdade, juntos, são arcos de abóbada que sustentam o autoritarismo socialmente implantado, que perdura no machismo, no anti-feminismo, na homofobia, na violência sexual contra as crianças, até o presente governo de extrema direita.

gh: Então os três pilares são racismo, desigualdade e…

psp: E a não resolução do problema da violência estatal.

pb: O curioso é que, quando você trabalha essa noção, eu achei até interessante essa distinção entre violentólogos e transitólogos. Minha impressão, estudando ciência política no Brasil, é que antes se perguntava por que o Brasil não possuía as condições para ter democracia, e essa discussão vinha sempre em um diagnóstico ancorado na sociologia política, como o Hélio Jaguaribe, Celso Furtado, Guerreiro Ramos, pessoas que pensam mais estruturalmente sobre a democracia no Brasil. E depois, os transitólogos fazem uma inflexão na direção institucionalista. O que me parece curioso é que você está muito próximo desses transitólogos, mas, ao mesmo tempo, se aproxima da sociologia política. Qual a sua impressão disso?

Marcos César Alvarez (ma): O que é curioso, naquele momento da transição, em que vocês observavam esse aspecto social da violência? Mesmo agora que você colocou o racismo, é muito a leitura do presente. Mas naquele momento da transição, no qual o olhar estava muito em direção do político, onde, naquele momento, se identificava o aspecto social do autoritarismo?

psp: Não se identificava. Na verdade, o que importava era desmontar o regime ditatorial e o entulho autoritário. Quando você pega o livro do Stepan, Authoritarian Brazil (1973Stepan, Alfred. (ed.). (1973), Authoritarian Brazil. Origins, policies, and future. New Haven e Londres, Yale University Press.), esses aspectos não aparecem. Vão aparecer em outros artigos do Stepan e no livro do O’Donnell, que é um dos poucos que vão nessa direção. Essa tradição sociológica, eu adicionaria que é com o Michel Debrun, trabalhando os arquétipos da conciliação pelas classes dominantes. Acho que, em termos de identificar, você está correto. Mas para mim foi sem saber, eu não estava importando toda essa produção sociológica. É claro que o Florestan trata desse tema da violência, sua leitura do racismo, da escravidão. Na transição, eu não me lembro de ter debate. Você acha que na transição esses temas estavam no debate, Marcos?

ma: Então, depois sim, porque nos anos 1980 começa a aparecer… o livro do Cebrap sobre São Paulo…

psp: Tem razão, os paulistas já tinham essa leitura. Eu acho, sem ser injusto, que esses trabalhos não ligavam ao autoritarismo. Era uma leitura sociológica sobre esses fenômenos, mas não era política, em termos da contradição que está no Estado de violência…

Roberta Heleno Novello (rn): Ficamos pensando muito na questão da agência e do autoritarismo socialmente implantado. Pensando até nos termos. É algo que está na sociedade, mas se é algo que precede e sobrevive aos períodos autoritários, sempre sendo atualizado, quem implanta esse autoritarismo? Trata-se mesmo de um enraizamento social que vai se reproduzindo ou se trata de uma política deliberada?

psp: Está no lindo livro do Debrun sobre Gramsci34 34 .Gramsci: Filosofia, política e bom senso (Debrun, 2001). , do qual escrevi o prefácio. O Debrun não queria publicar, ele falava: “Eu nem sei quem é mais, se é Gramsci, se sou eu…”, e só foi publicado depois que ele morreu. É um livro extraordinário. O Debrun lembrava que a questão de legado da continuidade não é absoluta, porque você tem forças nessa continuidade que umas são mais resistentes que as outras. Então, seria tudo um tiro no meu pé se eu dissesse que é tudo continuidade. Em alguns países essa discussão hoje é impossível, na Hungria, nas Filipinas, na Polônia, isso é impossível. Então, nós temos que aproveitar aqui enquanto há tempo.

Agora, quem implanta é uma boa pergunta. Eu nunca me perguntei isso. Acho que é um mix da vida em sociedade, das políticas e da ação e omissão do Estado. Outro exemplo que eu colocaria, ao lado do da fflch não perceber que não tem professores negros, eu escrevi uma vez uma resenha de um livro sobre um traficante do morro Dois Irmãos. Porque eu sou carioca, não sou paulista, viu, Marcos? No morro Dois Irmãos, no final do Leblon, desde a minha infância, todo mundo que mora ali via que o morro estava sendo coberto de favelas, barracos. E daí, na Vieira Souto, você tem apartamentos formidáveis, e a favela continua. E nunca houve um projeto de urbanização, de inclusão daquela favela. De uma certa maneira, isso é a incompletude da democracia, isso o Guillermo35 35 . Guillermo O’Donnell, cientista político argentino com uma extensa obra analisando transições democráticas e regimes autoritários na América Latina. falava também. A incompletude é pela omissão e pela ação, especialmente em questões de desigualdade.

Hoje em dia, estou aprendendo muito com o Thomas Piketty sobre a ideologia da desigualdade. O que as igrejas evangélicas passam aos pobres é que a desigualdade é uma coisa que caiu do céu. As políticas econômicas não visaram nunca a inibir a concentração de renda. Quer dizer, isso é a política da omissão. Essa concentração de renda alimenta a continuidade do autoritarismo nas relações sociais. A não existência de legislação criminalizando o racismo colaborou na sobrevivência do racismo. Hoje em dia, pouquíssimos casos são condenados. Para destrinchar essa implantação, você tem o caminho de examinar as políticas implementadas e as forças nessas continuidades que não foram enfrentadas pelas políticas do Estado. Essa análise, reconheço, tem um viés estatista, atribuo muito essas continuidades à questão do Estado. Aquela conversa, no Brasil nós precisamos de cultura e educação para sermos tolerantes com homossexuais… que tolerância? Esperar uma revolução cultural não vai dar, vão continuar a matar os homossexuais, em que o Brasil é campeão.

Eu acho que é uma combinação. O “socialmente” não quer dizer que é só sociedade, são vários conceitos. O conceito de contradição… o Estado é uma entidade contraditória desde sua fundação. Esse autoritarismo socialmente implantado é afetado pela contradição intrínseca do Estado. Eu queria dar outro exemplo, que é o trabalho forçado no Brasil, em que nós somos campeões. Temos o maior número total de trabalhadores domésticos, e somos campeões também em trabalho escravo. O primeiro governo que criou um grupo de trabalho sobre escravos foi o governo fhc. Comissão presidida por José de Souza Martins, como foi o Grupo de Repressão ao Trabalho Forçado, o Gertraf, também criado por fhc. Eles vinham de Brasília, senão o ministro do Trabalho avisava as delegacias do trabalho e os fazendeiros. Eram muitas mulheres procuradoras de revólver e você imagina os gastos, eram helicópteros, carros vindos de Brasília para flagrar empresários escravocratas… isso foi em 2000. Antes disso, não existia a repressão ao trabalho escravo, apesar de havermos ratificado convenções da oit36 36 . Organização Internacional do Trabalho. , proibindo o trabalho escravo e forçado. Essa incompletude do Brasil não foi percebida no entusiasmo da transição.

pb: Tem uma coisa interessante no texto: por um lado, ele dá conta do papel desempenhado pelo Estado, pelo centro nervoso do Estado, na reprodução da violência ilegal. Mas ele também trabalha com a questão da microfísica, de poderes que são operados de uma maneira mais capilarizada. Então, você podia falar sobre essa leitura do Foucault?

psp: Não sou estudioso do Foucault como o Marcos37 37 . Marcos César Alvarez, professor de sociologia da Universidade de São Paulo e coordenador do Núcleo de Estudos de Violência ou o Sérgio38 38 . Sérgio Adorno, professor de sociologia da Universidade de São Paulo e coordenador científico do nev-Cepid. , mas eu acho que ele usava o conceito “pequenas autoridades”. O Poulantzas tinha uma noção de uma rede paralela e ilegal articulada no Estado. Fhc usava a categoria, que eu acho muito útil, dos “anéis burocráticos”, de que, na verdade, as várias burocracias da ditadura não se articulavam apenas com o centro do Estado, mas na horizontal: a Polícia Federal, o Ministério Público, a Magistratura, os organismos repressivos das forças armadas, das polícias faziam esse enlace39 39 . Ver Cardoso, 1974. . Isso não mudou, e a grande prova disso hoje é o Intercept40 40 . Reportagens da série “Vaza Jato” publicadas pelo site de notícias The Intercept Brasil em 2019. . Quer mais anel burocrático que esse ex-juiz, Moro, e o Dallagnol e seu grupo da Lava Jato?41 41 . Deltan Dallagnon, procurador da República e um dos coordenadores da Operação Lava Jato. Confluência de dois espaços do Estado. É claro que essa articulação horizontal também se reflete mais para baixo: o carcereiro, o policial de plantão, os militares de nível subalterno, médicos legistas. Tudo no Estado se traduz em ramificações na sociedade. Não só o Foucault, mas também os outros colegas dele, de que eu não vou me lembrar. Deleuze e Guattari, li muito deles sobre essa presença das pequenas autoridades42 42 . Ver Deleuze & Guattari, 1995. . É claro que esse Estado não teria condições de atuar, se não dava carta branca para os ilegalismos na prática da violência. Hoje em dia nas delegacias continua uma não transparência. Se for transparência total, o governo não aguenta. Se hoje nós sabemos, agora, nesse minuto, o que está acontecendo na delegacia, o Estado não consegue continuar a fazer esse papel de proteger as elites das classes populares.

ma: Você chegou a ter contato com o Foucault na França?

psp: Na França não, foi em Campinas e no Rio. Ele veio fazer uma conferência na Unicamp, depois tive uma longa conversa com ele na casa de Plinio Dentzien, sociólogo, e Marisa Correia, antropóloga, meus colegas no ifch. Depois conversamos por telefone no Rio. Eu li muito na minha formação a Arqueologia do saber, Vigiar e punir, nos anos 1960-1970… na verdade, eu não sou competente nisso. Eu acho que o que me ajudou mais foi ler o Guillermo e o Roberto Da Matta.

ma: E o Victor Nunes Leal?

psp: Eu li o livro clássico dele,43 43 . Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil (Leal, [1948] 2012). assim, o livro sobre Mandonismo local na vida política brasileira e outros ensaios da Maria Isaura (1976), com quem tive, em Paris, escritório no mesmo prédio. Eu li tudo isso, deve estar dentro da minha cabeça (risos). E claro, a Maria Sylvia Carvalho Franco (1969Franco, Maria Sylvia de Carvalho. (1969), Homens livres na ordem escravocrata. São Paulo, Instituto de Estudos Brasileiros, ieb-usp; (2002), São Paulo, Editora Unesp.), Homens livres na ordem escravocrata, tudo isso eu cito. Tudo pertence à minha formação, àquela outra camada de nossos pais fundadores. E também, para ser justo, quem ligou democracia e esquerda foi o Francisco Weffort44 44 . Francisco Weffort, cientista político brasileiro. e nós o líamos muito.

gh: Você tinha contato com o Weffort?

psp: Sim, nós nos conhecemos em Paris. E depois, quando eu entrei pra usp, ele foi um dos que apoiaram meu concurso de entrada, porque havia alguns no departamento de ciência política contra. Inclusive, eles suspenderam o concurso por cinco anos… Foi muito meu amigo. Da mesma maneira, o Nelson Coutinho, no pensamento marxista, o Weffort na vertente do Bobbio45 45 . Norberto Bobbio, filósofo italiano (1909-2004). . O Bobbio, eu li tudo, muito do que eu fiz, eu falo dele.

pb: E os dois de alguma maneira dialogando com o Gramsci46 46 . Antonio Gramsci, filósofo italiano e líder do Partido Comunista Italiano (1891-1937). , né?

psp: Pois é. E o Gramsci também, eu li quase tudo. Quando eu estava na Sciences Po, não havia um livro do Gramsci. Eu lembro que fui com o Guilherme da Cunha para Genebra comprar uma edição da livraria Jean Jacques Rousseau, uma coletânea de textos do Gramsci. Jamais imaginava que 25 anos mais tarde viveria grande parte da minha vida naquela cidade. Meus colegas, que não sabiam italiano, chamavam ele de Gramski, o sinal da total ignorância. Foi uma grande descoberta, o Debrun também nessa vertente. Tenho enorme dívida intelectual com o Debrun, que eu posso chamar efetivamente de meu mestre.

pb: Essa geração que você mencionou, toda essa reflexão sobre autoritarismo, ela passava por uma reflexão específica sobre violência, que começa no Brasil nos anos 1970, e parece que você foi o vetor desse encontro. Porque tem gente como o Victor Nunes, que fala: é um autoritarismo tipicamente brasileiro, não tem sociedade, não tem crime, é político… não são autores que estão olhando especificamente para a violência. E daí tem outros autores nos anos 1970, grupo do qual o Sérgio Adorno faz parte, que vão começar a se dedicar de uma maneira mais especializada à questão da violência. Você acha que tem uma reflexão possível entre o autoritarismo político e o problema da violência enquanto agenda de pesquisa mais especializada?

psp: Olha, quando… não sei quando foi isso. Quando eu saí do governo Montoro e tínhamos criado a Comissão Teotônio Vilela e o Severo ficou muito impressionado com o Human Rights Watch. Um dos diretores, Aryeh Neier, veio em 1987 aqui apresentar um relatório sobre violência policial no Brasil. Depois disso, Severo falou que nós precisávamos de um centro de pesquisa aqui para produzirmos estudos. Eu havia lido nos anos 1980 alguns artigos do Sérgio sobre violência47 47 .Adorno & Bordini, 1985, pp. 11-29; Adorno & Bordini, 1986, pp. 87-109; Adorno, Bordini & Rodello, 1983, pp. 7-18; Adorno, Bordini & Rodello, 1984, pp. 49-69; Adorno, Castro, Resende & Chacon, 1984, pp. 101-107; Adorno & Fischer, 1987, pp. 70-79. , fiquei muito interessado e, por volta de 1987, fui visitá-lo no Imesc, Instituto de Medicina Social e Criminologia de São Paulo, uma autarquia da prefeitura de São Paulo, onde ele era pesquisador. Da conversa saiu a ideia de criarmos um centro de pesquisas sobre violência dentro da usp. Sabíamos a essa altura que o centro poderia contar com o apoio da Fundação Ford, cujo representante no Rio era meu antigo colega, nos anos 1970, de Unicamp, o antropólogo Peter Fry. A aliança para a criação desse centro com o Departamento de Sociologia, graças ao Sérgio, ajudou muito. Ele era mais legitimado do que eu na usp. Não colocamos “direitos humanos” no nome para não bicar com a Faculdade de Direito, pusemos Núcleo de Estudos da Violência, por isso que tem esse nome. Talvez, se eu não tivesse me associado ao Sérgio, eu não teria conseguido. Porque no meu Departamento de Ciência Política, não vou dizer os nomes… a resistência a estudos da violência foi enorme. O que era uma ignorância sesquipedal, porque a questão da violência está presente intrinsecamente na questão do Estado e da política, bastava eles lerem Max Weber. Você vai até Marsílio de Pádua, quando fala da sociedade laica, sociedade civil e a noção do Estado com duas caras. Está no Weber, em Norbert Elias, o Estado dadivoso, mantém estruturas de impostos e detém a representação, mas ao mesmo tempo opera a repressão.

Mas, antes disso, a verdadeira batalha campal foi eu ter entrado aqui na usp. Primeiro, o reconhecimento de minha tese de doutorado francês, graças aos votos de Luiz Pereira e Gabriel Cohn. Se eu não tivesse posto o pé na porta, não estaria aqui. Porque vários colegas do dcp eram contra minha entrada. E demoraram quase cinco anos para fazer o concurso, mas, como publicaram em edital, tiveram de fazer o concurso, para o qual eu estava inscrito. Na banca de concurso estavam o grande e saudoso antropólogo Candido Procópio Ferreira de Camargo e o Weffort. Quando eu publiquei este livrinho, Violência brasileira48 48 .Paoli, Da Matta, Pinheiro et al., 1982. , havia outros precursores. A Maria Vitoria Benevides, minha amiga desde a usp nos anos 1960, e Rosa Fischer, elas muito antes de nós… O trabalho dessas e de outros precursores no estudo da violência vai dar no projeto de pesquisa “Continuidade autoritária e construção democrática”49 49 . Ver https://bv.fapesp.br/pt/auxilios/1296/continuidade-autoritaria-e-construcao-da-democracia/. . Nós fizemos essa ligação aqui, mas meus coleguinhas demoraram.

pb: Você acha que essa ligação representa um papel exercido pelo conceito do autoritarismo socialmente implantado aqui no núcleo (nev)?

psp: Não. Na época, o que eu escrevia é que essa continuidade, a passagem da ditadura para o governo civil não era a implementação da democracia. Havia uma continuidade autoritária. O autoritarismo socialmente implantado é um dos alimentadores da continuidade autoritária. Sem autoritarismo, não tem continuidade, tem ruptura. Eu começo a falar da República, porque do Império eu conheço muito pouco. Seria bom se vocês olhassem um texto que o Gabriel Cohn, quando fizemos na fflch seminários defendendo as conquistas na esteira da Constituição de 1988, publicou no Le Monde Diplomatique, em que ele fala do autoritarismo socialmente implantado50 50 . Ver Cohn, 2016, https://diplomatique.org.br/o-sono-da-politica-produz-monstros/. . Eu acho que não houve muito reconhecimento disso. Há o artigo que publiquei em 1992. Hoje, para entender o presente, é essencial compreender esse conceito. Senão nós vamos cair numa noção patológica do momento presente que não cola. O que nós estamos vivendo são elementos do passado que tiveram resistência suficiente para sobreviver.

pb: Porque tem um elemento politicamente ativo nisso, né?

psp: É claro, hoje eu vi uma entrevista do Mino Carta. Não é fascismo nem nazismo, é autenticamente brasileiro. O que eu acho que é verdade, o que é autêntico é justamente esse blend nosso de autoritarismo. Eu não conheço bem outros países, mas na Argentina e no Chile não tem isso. Tem reconhecimento de direitos civis, muito mais anteriormente que no Brasil. Mesmo no Peru, há acontecimentos que vão nessa direção. Alguém que eu preciso homenagear, e que vocês devem relê-lo, é o José Honório Rodrigues, Conciliação e reforma no Brasil51 51 .Conciliação e reforma no Brasil. Um desafio histórico-político (Rodrigues, 1965). . A questão dessa conciliação que as elites brasileiras fazem com o governo, agora de extrema direita, não é a primeira vez que ocorre, então não devíamos nos espantar. De qualquer forma, eu não acho que o conceito tenha sido muito utilizado. Nem sei se a própria categoria de autoritarismo… talvez os leitores da Hannah Arendt entrem nisso. O que eu acho fantástico é que essa noção de autoritarismo está diretamente ligada ao Brasil. Se não fosse o livro do Loewenstein, o Linz não teria criado esse conceito. É uma sacada sobre o Estado Novo. O Estado Novo não era propriamente fascista. Não havia partido fascista, não tinha mobilização de corporações. Ele sacou isso e deixou para um anexo no fim… o apêndice do livro que destaca o conceito de autoritarismo.

pb: Pela sua fala, e você me corrija se eu estiver errado, é que o autoritarismo não é um conceito construído em oposição, em contraste perfeito com a democracia. O que parece é que a democracia pode amalgamar várias práticas autoritárias, ela pode ter um elemento forte de autoritarismo dentro de si.

psp: Eu concordo totalmente, porque hoje em vários estudos se acha que, nesse momento de nacionalismo autoritário húngaro enfraquecendo o estado de direito, é uma anormalidade na democracia. O sistema na Hungria foi construído através das instituições democráticas. Então, o teste para avaliar a democracia talvez seja o Estado de Direito. Tem uma autora, Kim Lane Scheppele, que chama de Frankenstate52 52 . Kim Lane Scheppele (October 2013), “The rule of law and the Frankenstate: Why governance checklists do not work”. Governance, 26 (4): 559-562. … um estado feito de peças da democracia, mas que conflui para o autoritarismo, como está sendo exercido na Hungria, que é o que chama mais atenção. A democracia não elimina o componente autoritário, tanto no sistema político como na sociedade. É de uma certa forma, para voltar para essa questão de quem implanta… Há uma ação dupla do autoritarismo socialmente implantado em relação ao autoritarismo na democracia.

ma: Com alguns movimentos da sua atuação, por exemplo, na Comissão da Verdade, você vivenciou esses aspectos que analiticamente percebia? A sua participação política exacerbou o diagnóstico em alguns momentos?

psp: Seria pretensioso eu dizer que não vi nada de novo. Na verdade, vi muitos detalhes da estruturação que eu não conhecia. Por exemplo, o fato de esses torturadores, como o Ustra, estarem sediados no gabinete do ministro do Exército. Não que eles ficassem sentadinhos lá, porque eles precisavam ficar torturando, mas eles eram lotados no gabinete. Os documentos nos deram condição de ver que a cadeia de comando vinha desde o presidente da República. Apesar de eu já saber desse extermínio durante a época do Geisel, eu achava que ele era contra a tortura, mas ele não era. Tanto que ele deu uma entrevista para o cpdoc dizendo que em alguns casos ele era a favor. Eu acho que a Comissão da Verdade põe abaixo toda essa versão da conciliação, do pacto. Não houve pacto nenhum para a abertura. E eu nunca tinha imaginado que a cadeia de comando fosse tão centralizada. Eu já devia saber um pouco disso porque trabalhei por muito tempo no Arquivo Artur Bernardes. O Artur Bernardes recebia transcrição de telefonemas todo dia, ele recebia tudo, e era uma repressão muito centralizada também. Eu já devia supor, mas eu nunca imaginei que fosse tão centralizada como foi.

Aí eu volto, mas é claro que a ditadura militar foi facilitada pelo autoritarismo socialmente implantado. Na legislação penal, os militares quase não precisaram fazer nada. A atuação policial também quase nada, eles unificaram os policiais, e a pm, que já matava, desatou a matar mais. Há um importante livro do Anthony Pereira da legalidade autoritária, que mostra que o Brasil, diferente do Chile e da Argentina, não precisou mudar muito a institucionalidade do Estado para fazer a repressão que fez53 53 .Political (in)justice: authoritarianism and the rule of law in Brazil, Chile, and Argentina (Pereira, 2005). . A novidade do autoritarismo do Loewenstein entre o Estado Novo e a ditadura militar são as eleições. É um negócio bizarro… a transição foi menos transição do que se imagina. Teve muita continuidade.

pb: Tem um tema que apareceu na sua fala agora e que você já tinha mencionado: que o verdadeiro teste passava pelo Estado de Direito, que chama atenção para a questão da violência pública e da violência privada no Brasil, como essas coisas têm caminhos sinuosos. Há grupos que atuam como violência privada, como o grupo do Fleury54 54 . Sérgio Paranhos Fleury, delegado do Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo durante a ditadura militar. , mas ao mesmo tempo são agentes públicos, atuam em uma franja difícil de determinar. Eu queria que você comentasse um pouco qual é o lugar dessa tensão entre violência pública e privada na reprodução desse autoritarismo que você identifica como algo que passa do regime ditatorial para a democracia.

psp: Houve mais de quinze projetos de reforma de segurança pública no Congresso, nenhum tocou na questão na democratização da polícia. Por causa do lobby das pms, que são 300 mil, quase o mesmo número que as Forças Armadas. Nenhum governador quer tocar nisso. Na prática do Estado, da ditadura para cá é continuidade. Não quer dizer que nenhuma polícia se modificou. Há estados no Nordeste com polícia feminina, militante. Há estados que não matam, não é que tudo seja igual. Falar de Brasil é complicado.

Da violência privada. Primeiro, a violência privada, organizada tipo milícia, tráfico etc. Isso evidentemente é uma colaboração com o Estado. Não é estado paralelo, esse estado de coisas sobrevive porque o Estado, por várias razões como razões eleitorais, quer esse voto de curral dessas comunidades. Por que a taxa de homicídio é tão alta, ou por que baixa? É evidente que, sem equalizar pobreza e violência, manter populações em situações de tal fragilidade e pobreza não enseja uma convivência pacífica. As tensões brutais que as famílias na periferia têm que enfrentar… As carreiras que não estão abertas para o pobre. A carreira criminosa é bem boa, melhor do que nada. Acho que a violência privada é mais complexa do que a violência estatal. Essa continuidade da violência estatal se mantém por interesses eleitoreiros. O governo federal custou muito a se meter nisso. O primeiro plano de segurança pública, quando o governo federal começa a estabelecer para os estados condicionalidade para receber apoios financeiros, foi na época em que José Gregori era ministro da justiça sob fhc; antes, cada estado recebia recurso e o utilizava como quisesse. A democracia melhorou um pouco com a reativação do Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana no governo fhc, e depois no governo Lula serviu muito para expor essas práticas dos governos.

Mas creio que são duas vertentes completamente diferentes, a violência privada entre indivíduos, a violência organizada das milícias e grupos criminosos, jogo do bicho… e depois a violência oficial. Também não vamos jogar o bebê com a água do banho, porque eu sempre falava que uma das grandes conquistas da Constituição de 88 foi o fortalecimento do mpf. A nossa crença era que a federalização dos direitos humanos, o estado federal estava sempre na política de Estado de direitos humanos. A ruptura foi com o governo Temer. Todos os estados iam nessa direção. De uma certa forma, isso amenizava um pouco a visão do autoritarismo, por essas práticas virtuosas. E outra coisa complicada, que eu disse na entrevista: qual é a diferença entre os governos fhc, Lula, Temer? O fhc, Lula e a Dilma eram obrigados a conciliar, no Congresso Nacional, com os cleptocratas fisiológicos. A coalizão foi igualzinha nos três governos, só que um não tinha pt e os dois outros não tinham psdb. O que acontecia nesses três governos com o presidencialismo de coalizão, no feliz conceito de meu colega Sérgio Abranches, quanto à violência, ao autoritarismo e aos direitos humanos: os presidentes tinham hegemonia no bloco do poder? O centro não era dominado pelos cleptocratas fisiológicos, como foi o governo Temer. O governo Temer foi a passarela para o bloco de governo atual de extrema direita, o governo Temer foi a ponte para o futuro, quer dizer, o presente onde estamos enrascados…

pb: Você colocou algumas vezes a possibilidade de que o conceito tenha ficado dormindo um pouco enquanto a democracia estava sendo construída. Cotas, educação, melhoras na saúde, algumas coisas que indicavam que o conceito estava ficando obsoleto. Mas agora voltou a ter atualidade. Eu queria perguntar se você acha que a gente está vivendo uma transição com sinal invertido? Uma transição em direção a alguma forma mais crua de autoritarismo? Por que esse conceito volta a ter atualidade?

psp: É porque várias dessas atitudes ou posições no interior do autoritarismo socialmente implantado estão sendo reativadas. Eu penso no antifeminismo, no racismo, não só o racismo com a população negra, mas com os indígenas também. E todos os estados do Norte e dos territórios onde há tribos indígenas, eles são considerados como bichos, a desumanização é completa. Eu me recuso a criticar os três últimos governos antes do golpe do criminoso Eduardo Cunha e Michel Temer, mas eu acho que os governos democráticos não assumiram ou não puderam assumir o desafio de influir nessas percepções de cidadania na população que se beneficiou da Bolsa Família, por exemplo. Mas como dizia Darcy Ribeiro, numa carta a Glauber Rocha, “os homens atuam na vida social, e particularmente na arena política, muito mais de acordo com as circunstâncias que se apresentam - as conjunturas, como se diz - do que com o ideário que acaso tenham55 55 . Carta de Darcy Ribeiro a Glauber Rocha. Santiago, 31 de maio de 1972 (Rocha, 1997, pp. 439-440). .

A homofobia, o racismo em todas suas vertentes e o antifeminismo afloram tão firmemente… é evidente que alguns conteúdos de várias das igrejas evangélicas vão nessa direção. Toda questão identitária é percebida como o inimigo, um perigo. Tivemos a ilusão de que, ao tirar milhões da pobreza extrema e com a melhoria da classe média baixa, a cidadania se fortalecia com a possibilidade do acesso à alimentação, do acesso mínimo a condições de sobrevivência, acesso à escola, universidade para os negros, que essas políticas virtuosas tivessem a capacidade de eliminar essas forças do autoritarismo socialmente implantado.

Não acho que estamos nem no Estado Novo nem na ditadura… as instituições, o Supremo, a Câmara, ainda funcionam contra as investidas do bolsonarismo… então acho que, de uma certa forma, aquilo que estava represado, por causa desses progressos efetivos na esteira da democratização de 1980, vem à tona. Eu passei um ano fora do Brasil e não tenho competência para dizer isso, mas nós temos que entender o que determinou essa reaparição de elementos que estão represados no autoritarismo socialmente implantado. E que vêm reconfigurados em vários disfarces. Esse secretário citando a frase do Goebbels realmente foi um pouco um teste para ver se colava, não colou porque acho que ele exagerou na coreografia56 56 . Secretário da Cultura, Roberto Alvin. Ver Góes, Aragão & Soares, 2020, https://oglobo.globo.com/cultura/roberto-alvim-copia-discurso-do-nazista-joseph-goebbels-causa-onda-de-indignacao-24195523. . Espero que os meus colegas, vocês que estão mais jovens, tenham condições de explicar… de uma certa maneira está ocorrendo o que o Linz falava, o breakdown, aquele desmonte da democracia virtuosa. O momento para explicar isso era o governo Temer. O governo Temer é o prenúncio do horror. Não vou me esquecer nunca, estava fora do Brasil, mas estava vendo pela televisão o voto sobre o impeachment na Câmara dos Deputados, aquele circo de horrores era uma visão do que viria a ser um governo de extrema direita. Estavam ali, aqueles deputados faziam parte da coalizão de apoio a Dilma, vários deles foram ministros de Lula e Dilma… como que se explica isso?

Então evidentemente que essas figuras representavam as mudanças que ocorreram no seu eleitorado. Se vocês não leram, recomendo o estudo da Fundação Perseu Abramo sobre a mudança do voto do pt para outros partidos. É uma pesquisa muito interessante57 57 . Ver Venturi, 2010, http://revistaperseu.fpabramo.org.br/index.php/revista-perseu/article/download/195/157/. .

Outro elemento que vocês podem usar é o Latinobarômetro58 58 . Ver http://www.latinobarometro.org/lat.jsp. : ele mostra que o desfavor da democracia começou já há uma década. Daqueles que preferiam o regime autoritário… e o Latinobarômetro é bastante confiável.

pb: E você acha que esse fechamento político é inevitável?

psp: Olha, em política nada é inevitável. O Magalhães Pinto dizia: “Política é como nuvem. Você olha e ela está de um jeito. Olha de novo e ela já mudou”. O que gosto da ciência política é o unexpected, o imprevisível. Agora, claro que não é do céu que vai cair essa barreira, a escalada da extrema direita. Da parte dos intelectuais, em vez de se preocuparem com as bobagens do dia a dia, deviam tentar entender o que isso reflete. Por causa dessa continuidade autoritária e do autoritarismo socialmente implantado, nós não confiamos nas instituições brasileiras. Elas são frágeis, só ver como funciona o stf… dá medo, não é mesmo? E como a composição vai ser alterada em novembro. O Celso de Mello, que é um ótimo juiz, vai sair. O que o O’Donnell falava da incompletude da democracia, há uma incompletude da consolidação das instituições democráticas. Não podia ser diferente, por tudo isso que estamos falando. A Polícia Civil de repente se tornaria uma polícia sueca, não dá.

Então para terminar, o que surgiu, a partir do governo Temer, já estava anunciado uma década antes. De certa maneira o apoio justo a políticas virtuosas… as políticas virtuosas perderam o contato com as mudanças na população. E a maior dessas mudanças são as igrejas evangélicas. E por que as igrejas evangélicas? Não foi só pelo encanto dos sermões. Foi porque o Estado brasileiro permitiu que as igrejas tivessem estações de rádio e televisão. Por que televisão? Para voto! Para ajudar os votos. Não foi esse governo que descobriu isso. Agora tem a Assembleia de Deus, está todo mundo assustadíssimo. Mas como? A Rádio São Paulo que foi tirada da Igreja Católica na ditadura foi devolvida há poucos anos. É claro que o papa João Paulo ii destruiu a Igreja Católica na sociedade brasileira popular, mas as concessões que foram feitas aos evangélicos, à bancada da bala, todas as bancadas receberam atenção nos trinta anos da democracia. É terrível dizer isso, parece uma pretensão total. Mas senão a gente não entende. De repente 2021 está acontecendo… de repente uma nova configuração da sociedade, uma nova atuação das classes, a atuação do Estado, de repente tivemos uma recaída autoritária… Vocês têm que explicar. Eu não estou querendo vender o peixe do meu conceito, o que eu quero dizer é que ele remete para continuidades autoritárias na sociedade que não foram devidamente levadas em conta pela governança democrática.

rn: Uma última pergunta… no final do texto, você faz uma sugestão muito clara de agenda de pesquisa: para entender como o autoritarismo socialmente implantado é engendrado, tem que sair da leitura institucional e ir para as micropráticas dessa rede a que estão submetidas as classes populares. Eu queria saber se hoje essa agenda ainda é relevante ou se ela tinha que se abrir para outras dimensões?

psp: Se você fizer o balanço bibliográfico, as teses sobre essas micropráticas são imensas. Agora mesmo a francesa que ganhou o prêmio Nobel de economia59 59 . Trata-se de Esther Duflo, que ganhou o prêmio em 2019. Ver https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/10/14/esther-duflo-de-46-anos-e-a-mais-jovem-a-ganhar-nobel-de-economia.ghtml. faz esse estudo de casos de escola, para tratar da questão da desigualdade. Depende de gosto, eu nunca vou fazer isto, mas considero importante. Cada vez mais esses estudos de caso continuam, tanto a análise macro como a micro continuam. Tem um outro também, as conferências do Franco Basaglia60 60 . Ver Conferenze brasiliane (Basaglia, 2000). no Brasil, que eu comprei recentemente, eu li muito sobre violência. Saíram vários livros sobre manicômio no Brasil… o estudo do Guaracy sobre a polícia é um clássico61 61 .Tiras, gansos e trutas: segurança pública e polícia civil em São Paulo - 1983-1990 (Mingardi, 2000). . Mas eu acho que, no momento atual, eu estou tentando ler o livro da Magali sobre os evangélicos62 62 .A explosão gospel: um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no Brasil (Cunha, 2007). , sobre a Assembleia de Deus. Os estudos sobre evangélicos são essenciais. E sobre as comunidades de base que foram destruídas. O advogado André Alcântara, que é marido da Gorete63 63 . Maria Gorete Marques de Jesus, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência. , secretário-executivo da Comissão Arns, eu sei por ele que há sobrevivência, graças ao papa Francisco, dessas comunidades.

Toda essa questão do alt-right, do uso da comunicação, da repetição desses preconceitos ampliados, o uso da mentira. Isso é novo, a importação desses métodos da alt-right para a nossa continuidade autoritária. Isso vai ser o pior possível. É preciso achar um antídoto e é difícil. Não podemos continuar apenas o estudo que nós fizemos aqui nos 1990, temos que levar em conta os novos elementos. Quando você compara a política humanista do Montoro com o momento do presente, o que mudou? Ouvindo o padre Agostinho de Oliveira64 64 . Trata-se do padre Agostinho Duarte de Oliveira, um dos fundadores da Comissão Teotônio Vilela junto com Paulo Sérgio Pinheiro. - formidável ativista na defesa dos presos, meu companheiro da ctv e testemunha contra o Esquadrão da Morte de sp -, vemos que as condições nas prisões continuam iguais, com uso recorrente de tortura.

Como que o Brasil veio a ter a terceira maior população carcerária do mundo? O antigo deputado e antes delegado de polícia, Hélio Luz, falava disso, a classe média branca carioca se serve da polícia como a sua polícia, as prisões são para proteger a classe média alta e classe média. Não é possível que no estado democrático, especialmente São Paulo, que foi o crescimento maior sob o governo do psdb, tenha ocorrido essa escalada do encarceramento. Coisa mais patente da continuidade autoritária é essa tolerância da violência ilegal dos agentes do Estado e da tortura. A violência ilegal é aceita pela elite branca e pelas classes médias. Não foi só lá embaixo. O conceito de classe operária hoje é complicado, mas não foram na extrema pobreza as mudanças nas placas, e sim na classe média. Uma classe média que se beneficiou de tudo que os governos democráticos deram. Eu conheço empregadas domésticas que têm horror à Dilma. Mas eu disse: quem deu o regime de previdência social? Foi o governo da Dilma. Nenhum governo se preocupou em dar direitos trabalhistas para as empregadas domésticas, o Brasil é um dos campeões no mundo em trabalhadores domésticos. Durante toda minha infância e adolescência, minha avó Olga, que financiou minha psicanálise aos dezenove anos, sem perguntar muito o porquê, e me apoiou, com meus pais, Zilah e Álvaro, em todas as decisões que tomei na minha vida, no nosso apartamento do Leblon, no Rio, nos anos 1950 e 1960, tínhamos uma cozinheira e uma copeira morando conosco, mais uma faxineira, uma lavadeira, uma passadeira, semanalmente, mais uma costureira, a Carmen, uma contadora de estórias cearense, que almoçava conosco na sala de jantar e que nós crianças adorávamos, quinzenalmente…

Mas é tudo assim, todos os progressistas com empregadas domésticas, babás e tudo bem! Isso é micro, não é? Mas o emprego doméstico no Brasil é outro problema. Há muitos estudos da Oxfam sobre isso. Meninas trabalhadoras domésticas no Nordeste até hoje. A república democrática progressista conviveu com tudo isso. Não estou dizendo que deviam ter feito a revolução. Fizeram o que podiam e olhe lá. Se tivessem tentado fazer mais, provavelmente teriam sido derrubados antes.

Aquém da revolução, havia coisas fundamentais como os direitos dos trabalhadores domésticos que podiam ter sido aprovados. E mesmo assim, foi uma parada para ser aprovado. Você pode fazer uma listagem do débito, da dívida no interior do autoritarismo socialmente implantado. A questão do homicídio de homossexuais, isso podia ter sido melhor processado criminalmente, a questão do feminicídio. Nem entrei no funcionamento da justiça brasileira.

Não acreditemos que as instituições democráticas estão consolidadas. Não estão. Trinta anos de democracia e daí todo mundo está espantado com o secretário citar Goebbels. Têm vários desses que dão um passo à frente, depois vão para trás, mas vão funcionando. E eu acho que é um desafio para os sociólogos e politólogos entenderem o que é que está ocorrendo. Nós fizemos na fflch aquele seminário de defesa das conquistas de 1988, e o diagnóstico estava nessa direção antes da eleição. Leiam o artigo do Gabriel Cohn65 65 . Ver Cohn, 2016, https://diplomatique.org.br/o-sono-da-politica-produz-monstros/. .

pb: E você estava mesmo emParis em 1968Paris, Robert. (1968), Les origines du fascisme. Paris, Flammarion. Ed. bras.: (1976), As origens do fascismo. São Paulo, Perspectiva.? Como que foi isso?

psp: Estava, fui até do comitê paritário de estudantes e professores na Sciences Po. Na verdade, você não se dá conta logo de que está no meio da revolução. Tudo acontece em câmera lenta. Agora mesmo, em janeiro de 2020, eu estava em Paris, em um mês intenso, que tinha greve de transportes o tempo todo, durante dois meses. Mas lá em 1968… a França parou. Para mim foi uma importante experiência, também porque daí eu fui para Vincennes, como já disse

pb: Então as pessoas não tinham noção da proporção do que estavam vivendo?

psp: Absolutamente, foi pouco a pouco. Eu fui ao auditório da Sorbonne ouvir o Sartre, aquela multidão, e você vai se aproximando, mas no começo ia ser um protesto de estudante. Mas foi um marco na minha vida.

ma: Você foi às barricadas?

psp: Barricada não, porque eu tinha medo de ser expulso. Eu fui às passeatas.

pb: Tinha uma insatisfação dos alunos em relação aos professores, aos catedráticos?

psp: Eu cheguei em setembro de 1967, a revolta foi em maio de 1968. Achava interessante que os alunos levantavam quando o professor entrava na sala de aula da Sciences Po. Achava esquisito. Mas eu só descobri depois, em 1968. A minha escola era muito elitista, os professores liberais progressistas ofendidos com a revolta na sua escola, mas um dia os fascistas invadiram a sala de aula e aí tivemos de fazer barricada com móveis para nos proteger numa sala. Eu conto isso neste texto66 66 . “Maio de 1968, vinte anos depois” (Pinheiro, 1989, pp. 81-92). .

Eu acho que foi bom. Só virei cientista político porque eu fui para a Unicamp, porque alguns colegas meus em Paris iam também ensinar lá, ao voltarem, como meu queridíssimo colega, o sociólogo André Villalobos, que convenceu Fausto Castilho, que era diretor do ifch, a me convidar. E aí, em 1971, eu fui direto de Paris para Campinas. Eu nunca tinha dado aula na minha vida. E foi lá que eu conheci o Debrun67 67 . Michel Maurice Debrun, professor da Unicamp entre 1970 e 1997, além de diversas outras posições acadêmicas no Brasil e na França antes disso. , que me influenciou muito. Eu tenho uma dívida enorme com ele. Era um filósofo que dominava a história brasileira, formidável. Editei um livro dele, A conciliação e outras estratégias68 68 . Michel Debrun (1983), A conciliação e outras estratégias. São Paulo, Brasiliense. , mas recomendo também o livro dele sobre Gramsci, como já disse.

Se eu não tivesse ido para a Unicamp, eu não teria conhecido o Michael Hall, virado meio historiador, eu não teria fundado com ele o arquivo de história social Edgard Leuenroth (ael, Unicamp), não teria estudado a classe operária, tenho uma dívida enorme com ele. Almoçamos todo fim de semana, e esse horror de prisão temporária impede que nos encontremos. E os direitos humanos, foi por causa do nev/usp, os estudos que eu fiz sobre criança. Mas isto que eu estou fazendo na onu com diversos mandatos de direitos humanos, há 25 anos, eu nunca achei que ia fazer.

A última história que eu vou contar, a primeira ação que eu fiz de direitos humanos: em 1979, havia um delegado, Wilson Richetti, que tinha o apelido de “cu de veludo” porque ele adorava agredir e dar tapa em travesti. Há uma tese da puc, por Rafael Freitas Ocanha69 69 .Amor, feijão, abaixo camburão: Imprensa, violência e trottoir em São Paulo (1979-1983) (Ocanha, 2014). … e aí nós fomos a um encontro com o delegado-geral protestar contra o delegado Richetti ficar batendo em travesti. Aí era uma fila que tinha Ruth Escobar, deputada, Darcy Penteado pintor, artista maravilhoso… o Vinicius Caldeira Brant, Fernando Morais, a deputada federal Irma Passoni, Eduardo Suplicy, Eduardo Muylaert e uma porção de travestis e prostitutas. E passou na tv Bandeirantes. E minha avó que estava lá no Rio - eu falava todo dia com ela -, em tom de grande dame que era, me disse: “Paulo eu vi você na televisão hoje”. E eu disse, que ótimo… e ela falou: “O que você tem a ver com essa gente? É para isso que você estudou? Para isso que você foi para Paris?”. Desde então eu só me meti com essa “gente”, mas a minha avó não entendeu nunca. Foi um pouco demais.

Quando vejo os estudantes preocupados com o futuro, eu digo que a vida se encarrega de fazer você avançar. Claro que não dá para você ficar parado, esperando as coisas, você tem que se mexer, ousar um pouco. As interações da biografia também, porque se eu não tivesse ido procurar o Sérgio Adorno, o nev talvez não existiria.

Enfim, muito obrigado, há muito tempo que eu não falava tanto de mim mesmo.

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  • 1
    . Ver https://nev.prp.usp.br/equipe/paulo-sergio-pinheiro/.
  • 2
    . Para mais informações, consultar Pinheiro, 1991Pinheiro, Paulo Sérgio. (1991), Estratégias da ilusão: A revolução mundial e o Brasil, 1922-1935. São Paulo, Companhia das Letras., pp. 45-56.
  • 3
    . Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
  • 4
    . Trata-se de Celestino de Sá Freire Basílio, professor de Teoria Geral do Estado. Em 1964, foi presidente do Instituto dos Advogados do Brasil.
  • 5
    . Ver Cândido Antônio José Francisco Mendes de Almeida.
  • 6
    . Seminário realizado na Faculdade de Direito Candido Mendes, sediada no Convento do Carmo, na praça Quinze de Novembro, Rio de Janeiro.
  • 7
    . Nicos Poulantzas, filósofo e sociólogo grego (1936-1979).
  • 8
    . Trata-se do livro Estratégias da ilusão: A revolução mundial e o Brasil, 1922-1935, publicado pela Companhia das Letras em 1991.
  • 9
    . Para mais informações sobre o arquivo, consultar https://www.ael.ifch.unicamp.br/.
  • 10
    . Trata-se do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, fundado em 1987.
  • 11
    . Fascisme et dictature: la Troisième Internationale face au fascisme (Poulantzas, [1970] 1972).
  • 12
    . Vargas, 1933-1945.
  • 13
    .Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 1930 (Trindade, 1974Trindade, Hélgio. Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 1930. São Paulo, Difel, 1974.).
  • 14
    . Georges Haupt, historiador francês de origem romena, especialista no socialismo e no movimento socialista internacional.
  • 15
    . Robert Paris, historiador, autor de As origens do fascismo, em 1968Paris, Robert. (1968), Les origines du fascisme. Paris, Flammarion. Ed. bras.: (1976), As origens do fascismo. São Paulo, Perspectiva..
  • 16
    . Partido Comunista Brasileiro.
  • 17
    . Centro Brasileiro de Análise e Planejamento.
  • 18
    . Sociedade Brasileira para o progresso da Ciência.
  • 19
    . Departamento de Ordem Pública e Social.
  • 20
    . Nas eleições de 15 de novembro de 1974, o mdb (Movimento Democrático Brasileiro), partido oficial da “oposição consentida”, espetacularmente, elege 16 senadores, das 22 vagas em disputa; e por pouco não obtém a maioria da Câmara, tendo conquistado 161 das 364 cadeiras, ou 44%. (Faria & Fontenelle, 2014Faria, Adriano & Fontenelle, André (14/11/2014), “Especial: Senado 74 - A eleição que abalou a ditadura”. Agência Senado, https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2014/11/14/especial-senado-74-2013-a-eleicao-que-abalou-a-ditadura.
    https://www12.senado.leg.br/noticias/mat...
    ).
  • 21
    . Raúl Ricardo Alfonsín Foulkes, presidente da Argentina de 1983 a 1989.
  • 22
    . Ulysses Guimarães, deputado federal e presidente do pmdb durante a transição democrática.
  • 23
    . Trata-se de José Aparecido de Oliveira, na época deputado federal.
  • 24
    . Partido dos Trabalhadores.
  • 25
    . Em setembro de 1986, uma comissão provisória de Estudos Constitucionais foi criada pelo Executivo e elaborou um anteprojeto de Constituição, mas que nunca foi oficialmente enviado ao Congresso. Seu presidente foi o jurista, ex-deputado federal e ex-senador Afonso Arinos de Melo Franco
  • 26
    . Operação Bandeirante foi um centro de operações e investigações do governo, responsável por investigar e capturar integrantes de grupos considerados subversivos.
  • 27
    . Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo durante a ditadura militar.
  • 28
    . Dom Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, durante a ditadura militar.
  • 29
    .Totalitarian and authoritarian regimes (Linz, 2000Linz, Juan. (2000), Totalitarian and authoritarian regimes. Boulder, Lynne Rienner.).
  • 30
    .O’Donnell, 1986O’Donnell, Guillermo. Contrapontos: autoritarismo e democratização. São Paulo, Vértice, 1986..
  • 31
    . “Você sabe com quem está falando? Um ensaio sobre a distinção entre indivíduo e pessoa no Brasil” (Matta, 1997Matta, Roberto da. (1997), “Você sabe com quem está falando? Um ensaio sobre a distinção entre indivíduo e pessoa no Brasil”. In: Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro, Rocco, pp. 179-248., pp. 179-248).
  • 32
    . Prof. dr. Kabengele Munanga, do departamento de Antropologia da usp.
  • 33
    . Atualmente, a fflch-usp conta com alguns professores negros, mas em número ainda inexpressivo. Na usp, como um todo, são 153 professores pretos e pardos, apenas 2,7% (https://egida.usp.br). As políticas de inclusão, por sua vez, avançaram em anos recentes. Cf. Cruz, 2020Cruz, Adriana. (28 jul. 2020), “Usp alcança meta de inclusão social em 2020 e tem mais alunos de escolas públicas”. Jornal da usp. Disponível em https://jornal.usp.br/institucional/usp-alcanca-meta-de-inclusao-social-em-2020-e-tem-mais-alunos-de-escolas-publicas/.
    https://jornal.usp.br/institucional/usp-...
    .
  • 34
    .Gramsci: Filosofia, política e bom senso (Debrun, 2001Debrun, Michel. (2001), Gramsci: Filosofia, política e bom senso. Campinas, Unicamp.).
  • 35
    . Guillermo O’Donnell, cientista político argentino com uma extensa obra analisando transições democráticas e regimes autoritários na América Latina.
  • 36
    . Organização Internacional do Trabalho.
  • 37
    . Marcos César Alvarez, professor de sociologia da Universidade de São Paulo e coordenador do Núcleo de Estudos de Violência
  • 38
    . Sérgio Adorno, professor de sociologia da Universidade de São Paulo e coordenador científico do nev-Cepid.
  • 39
    . Ver Cardoso, 1974Cardoso, Fernando Henrique. (1974), “A questão do Estado no Brasil”. In: Autoritarismo e democratização. Rio de Janeiro, Paz e Terra..
  • 40
    . Reportagens da série “Vaza Jato” publicadas pelo site de notícias The Intercept Brasil em 2019.
  • 41
    . Deltan Dallagnon, procurador da República e um dos coordenadores da Operação Lava Jato.
  • 42
    . Ver Deleuze & Guattari, 1995Deleuze, Gilles & Guattari, Felix. (1995), Mil platôs: Capitalismo e esquizofrenia, vol. 1. Rio de Janeiro, Editora 34..
  • 43
    . Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil (Leal, [1948] 2012).
  • 44
    . Francisco Weffort, cientista político brasileiro.
  • 45
    . Norberto Bobbio, filósofo italiano (1909-2004).
  • 46
    . Antonio Gramsci, filósofo italiano e líder do Partido Comunista Italiano (1891-1937).
  • 47
    .Adorno & Bordini, 1985Adorno, S. & Bordini, E. B. T. (1985), “Estimativa da reincidência criminal: Variações segundo estratos ocupacionais e categorias criminais”. Temas Imesc Soc. Dir. Saúde, 2 (1): 11-29., pp. 11-29; Adorno & Bordini, 1986, pp. 87-109; Adorno, Bordini & Rodello, 1983, pp. 7-18; Adorno, Bordini & Rodello, 1984, pp. 49-69; Adorno, Castro, Resende & Chacon, 1984, pp. 101-107; Adorno & Fischer, 1987, pp. 70-79.
  • 48
    .Paoli, Da Matta, Pinheiro et al., 1982Paoli, Maria Célia Pinheiro Machado; Da Matta, Roberto; Pinheiro, Paulo Sérgio et al. (1982), Violência brasileira. São Paulo, Brasiliense..
  • 49
    . Ver https://bv.fapesp.br/pt/auxilios/1296/continuidade-autoritaria-e-construcao-da-democracia/.
  • 50
    . Ver Cohn, 2016Cohn, Gabriel. (3 maio 2016), “O sono da política produz monstros”. Le Monde Diplomatique Brasil, 106. Disponível em https://diplomatique.org.br/o-sono-da-politica-produz-monstros/.
    https://diplomatique.org.br/o-sono-da-po...
    , https://diplomatique.org.br/o-sono-da-politica-produz-monstros/.
  • 51
    .Conciliação e reforma no Brasil. Um desafio histórico-político (Rodrigues, 1965Rodrigues, José Honório. (1965), Conciliação e reforma no Brasil. Um desafio histórico-político. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.).
  • 52
    . Kim Lane Scheppele (October 2013Scheppele, Kim Lane (October 2013), “The rule of law and the Frankenstate: Why governance checklists do not work”. Governance, 26 (4): 559-562.), “The rule of law and the Frankenstate: Why governance checklists do not work”. Governance, 26 (4): 559-562.
  • 53
    .Political (in)justice: authoritarianism and the rule of law in Brazil, Chile, and Argentina (Pereira, 2005Pereira, Anthony W. (2005), Political (in)justice: authoritarianism and the rule of law in Brazil, Chile, and Argentina. Pittsburgh, University of Pittsburgh Press.).
  • 54
    . Sérgio Paranhos Fleury, delegado do Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo durante a ditadura militar.
  • 55
    . Carta de Darcy Ribeiro a Glauber Rocha. Santiago, 31 de maio de 1972 (Rocha, 1997, pp. 439-440).
  • 56
    . Secretário da Cultura, Roberto Alvin. Ver Góes, Aragão & Soares, 2020Góes, Bruno; Aragão, Helena & Soares, Jussara. (16 jan. 2020), “Roberto Alvim copia discurso do nazista Joseph Goebbels e causa onda de indignação”. O Globo. Disponível em https://oglobo.globo.com/cultura/roberto-alvim-copia-discurso-do-nazista-joseph-goebbels-causa-onda-de-indignacao-24195523.
    https://oglobo.globo.com/cultura/roberto...
    , https://oglobo.globo.com/cultura/roberto-alvim-copia-discurso-do-nazista-joseph-goebbels-causa-onda-de-indignacao-24195523.
  • 57
    . Ver Venturi, 2010Venturi, Gustavo. (jun. 2010), “Pt 30 anos: Crescimento e mudanças na preferência partidária. Impacto nas eleições de 2010”. Perseu: História, Memória e Política, Revista do Centro Sérgio Buarque de Holanda da Fundação Perseu Abramo, 5 (4): 198-214. Disponível em http://revistaperseu.fpabramo.org.br/index.php/revista-perseu/article/download/195/157/.
    http://revistaperseu.fpabramo.org.br/ind...
    , http://revistaperseu.fpabramo.org.br/index.php/revista-perseu/article/download/195/157/.
  • 58
    . Ver http://www.latinobarometro.org/lat.jsp.
  • 59
    . Trata-se de Esther Duflo, que ganhou o prêmio em 2019. Ver https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/10/14/esther-duflo-de-46-anos-e-a-mais-jovem-a-ganhar-nobel-de-economia.ghtml.
  • 60
    . Ver Conferenze brasiliane (Basaglia, 2000Basaglia, Franco. (2000), Conferenze brasiliane. Org. Franca Basaglia Ongaro; Maria Grazia Giannichedda. Milano, Raffaello Cortina.).
  • 61
    .Tiras, gansos e trutas: segurança pública e polícia civil em São Paulo - 1983-1990 (Mingardi, 2000Mingardi, Guaracy. (2000), Tiras, gansos e trutas: segurança pública e polícia civil em São Paulo (1983-1990). Porto Alegre, Corag.).
  • 62
    .A explosão gospel: um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no Brasil (Cunha, 2007Cunha, Magali do Nascimento. A explosão gospel: um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no Brasil. Rio de Janeiro, Mauad X; Instituto Mysterium, 2007.).
  • 63
    . Maria Gorete Marques de Jesus, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência.
  • 64
    . Trata-se do padre Agostinho Duarte de Oliveira, um dos fundadores da Comissão Teotônio Vilela junto com Paulo Sérgio Pinheiro.
  • 65
    . Ver Cohn, 2016Cohn, Gabriel. (3 maio 2016), “O sono da política produz monstros”. Le Monde Diplomatique Brasil, 106. Disponível em https://diplomatique.org.br/o-sono-da-politica-produz-monstros/.
    https://diplomatique.org.br/o-sono-da-po...
    , https://diplomatique.org.br/o-sono-da-politica-produz-monstros/.
  • 66
    . “Maio de 1968, vinte anos depois” (Pinheiro, 1989Pinheiro, Paulo Sérgio. (1989), “Maio de 1968, vinte anos depois”. In: Cardoso, Luiz Claudio & Martinière, Guy. (orgs.). Vinte anos de cooperação. Brasília, pp. 81-92., pp. 81-92).
  • 67
    . Michel Maurice Debrun, professor da Unicamp entre 1970 e 1997, além de diversas outras posições acadêmicas no Brasil e na França antes disso.
  • 68
    . Michel Debrun (1983Debrun, Michel. (1983), A conciliação e outras estratégias. São Paulo, Brasiliense.), A conciliação e outras estratégias. São Paulo, Brasiliense.
  • 69
    .Amor, feijão, abaixo camburão: Imprensa, violência e trottoir em São Paulo (1979-1983) (Ocanha, 2014Ocanha, Rafael Freitas. (2014), Amor, feijão, abaixo camburão: Imprensa, violência e trottoir em São Paulo (1979-1983). São Paulo, dissertação de mestrado em História, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Disponível em https://tede.pucsp.br/handle/handle/12830.
    https://tede.pucsp.br/handle/handle/1283...
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    14 Jun 2021
  • Aceito
    12 Jul 2021
Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, 05508-010, São Paulo - SP, Brasil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: temposoc@edu.usp.br