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Socialização e regras de conduta para adolescentes internados

Socialization and rules of conduct for confined adolescents

Resumos

A partir dos resultados de uma pesquisa realizada em uma unidade da Fundação Casa (SP), o objetivo deste artigo é analisar os meios pelos quais a internação como forma de punição produz efeitos nos adolescentes. A unidade de internação foi analisada com base no conceito de instituição total, que possibilita pensar de que forma a instituição, ao gerar concepções sobre seus membros a partir da definição da situação apresentada, produz efeitos no modo como interagem. Fundados na expectativa de um perigo iminente, os procedimentos de segurança e as características prisionais das dependências físicas também informam esse perigo iminente a todos que frequentam a unidade, geram tensão e impõem a necessidade de controle e de regras de conduta.

Punição; Unidade de internação; Instituição total; Medidas socioeducativas; Estatuto da Criança e do Adolescente


Exploring the findings of a study undertaken in a unit of the CASA Foundation (SP), this article analyzes the ways in which confinement as a form of punishment affects adolescents. The young offenders' unit was analyzed via the concept of the total institution, which allows us to think of the ways in which the institution, by generating conceptions of its members through the definition of their situation, affects the way in which they interact. Based on the anticipation of an imminent danger, the security procedures and prison-like characteristics of the physical installations also make this sense of impeding danger evident to all those who frequent the unit, provoking tensions and imposing the need for control and rules of conduct.

Punishment; Young offenders' unit; Total institution; Socioeducational measures; Statute of the Child and Adolescent


DOSSIÊ - SOCIOLOGIA DA PUNIÇÃO E DAS PRISÕES

Socialização e regras de conduta para adolescentes internados* * Este texto é parte da minha dissertação de mestrado realizada no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo, sob orientação de Marcos César Alvarez. O presente trabalho foi realizado com o apoio do CNPq.

Socialization and rules of conduct for confined adolescents

Bruna Gisi Martins de Almeida

Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e doutoranda no mesmo programa. E-mail: <brunagisi@gmail.com>

RESUMO

A partir dos resultados de uma pesquisa realizada em uma unidade da Fundação Casa (SP), o objetivo deste artigo é analisar os meios pelos quais a internação como forma de punição produz efeitos nos adolescentes. A unidade de internação foi analisada com base no conceito de instituição total, que possibilita pensar de que forma a instituição, ao gerar concepções sobre seus membros a partir da definição da situação apresentada, produz efeitos no modo como interagem. Fundados na expectativa de um perigo iminente, os procedimentos de segurança e as características prisionais das dependências físicas também informam esse perigo iminente a todos que frequentam a unidade, geram tensão e impõem a necessidade de controle e de regras de conduta.

Palavras-chave: Punição; Unidade de internação; Instituição total; Medidas socioeducativas; Estatuto da Criança e do Adolescente.

ABSTRACT

Exploring the findings of a study undertaken in a unit of the CASA Foundation (SP), this article analyzes the ways in which confinement as a form of punishment affects adolescents. The young offenders' unit was analyzed via the concept of the total institution, which allows us to think of the ways in which the institution, by generating conceptions of its members through the definition of their situation, affects the way in which they interact. Based on the anticipation of an imminent danger, the security procedures and prison-like characteristics of the physical installations also make this sense of impeding danger evident to all those who frequent the unit, provoking tensions and imposing the need for control and rules of conduct.

Keywords: Punishment; Young offenders' unit; Total institution; Socioeducational measures; Statute of the Child and Adolescent.

Sempre que a análise da punição se concentra no conjunto de práticas e instituições que integram a resposta estatal aos crimes cometidos por crianças e adolescentes, uma espécie de conversão se torna necessária: adolescentes não cometem crimes, mas "atos infracionais"; não são punidos, mas "responsabilizados"; não recebem penas, mas "medidas socioeducativas". No caso brasileiro, tal diferenciação terminológica não apenas responde à definição legal da inimputabilidade penal de pessoas com idade inferior a 18 anos, mas reflete também o investimento normativo na afirmação e na defesa de uma ruptura entre o modo de funcionamento da justiça para a infância e adolescência e aquele para adultos. Esse movimento faz emergir um fenômeno particular, objeto específico de pesquisas e alvo de práticas e instituições especializadas. Trata-se de uma especialização - teórica e prática - resultante da emergência histórica e da cristalização cultural da particularidade desses sujeitos (a criança e o adolescente) que demandaria medidas também específicas (cf. Ariès, 2006; César, 2008). A infância e a adolescência são tidas como fases de formação e desenvolvimento que pressupõem indivíduos incompletos, mais vulneráveis ao meio em que vivem e mais suscetíveis a medidas corretivas.

A definição de punição é mediada pelo processo mais amplo de criminalização da pobreza (cf. Coelho, 1978) e se expressa na vinculação legal e institucional entre medidas punitivas e medidas de assistência social. Durante a vigência das duas primeiras legislações brasileiras específicas para a infância e a adolescência - os códigos de menores de 1927 e 19791 1 . Respectivamente, Decreto 17 943-A, de 12 de outubro de 1927, e Lei 6 697, de 10 de outubro de 1979. - a instituição responsável pelas crianças e adolescentes "abandonados" era a mesma para os que cometiam crimes. Essas legislações não se aplicavam a todas as crianças e adolescentes, mas somente àqueles submetidos a alguma "patologia social" que os enquadrava na categoria "menor em situação irregular" e os tornava criminosos em potencial (cf. Oliveira, 2004; Passeti, 1995; Volpi, 2001). A pobreza e a marginalidade eram, assim, tidas como causas exclusivas da criminalidade infanto-juvenil e a institucionalização era considerada a forma de tratamento adequada para os efeitos da pobreza.

Contemporaneamente, a justiça para crianças e adolescentes é regida no Brasil pelo Estatuto da Criança e do Adolescente2 2 . Lei 8 069 de 13 de julho de 1990. (ECA) e sua formulação teve como um de seus principais objetivos romper com a lógica discriminatória dos códigos de menores. Para tanto, o ECA prevê que todas as crianças e adolescentes sejam considerados sujeitos de direitos e inaugura a Doutrina da Proteção Integral (cf. Bernal, 2004; Oliveira, 2004; Volpi, 2001). Coerente com o princípio da igualdade, a nova legislação separa repressão de assistência social (cf. Schuch, 2005) pela distinção entre as "medidas de proteção" - utilizadas quando os direitos das crianças e dos adolescentes forem ameaçados ou violados (art. 98) - e as "medidas socioeducativas"3 3 . De acordo com os dispositivos do ECA, as medidas socioeducativas só podem ser aplicadas aos adolescentes (pessoas entre 12 e 18 anos incompletos). As crianças (pessoas de 0 a 12 anos incompletos) não podem ser responsabilizadas pelas infrações que cometem e a elas só é possível a aplicação de medidas de proteção (art. 105). - aplicadas exclusivamente aos adolescentes "autores de atos infracionais"4 4 . Ato infracional é definido no ECA como "conduta descrita como crime ou contravenção penal" (art. 103). . Ao restringir a internação a tais autores, o ECA dissocia (ao menos formalmente) a delinquência da situação de carência econômica. Em contrapartida, reconhece a natureza aflitiva da internação e, com isso, evidencia o caráter punitivo das medidas socioeducativas utilizadas para a "responsabilização" do adolescente que cometeu um "ato infracional".

Se, por um lado, essa decisão aproxima a punição de adolescentes da lógica de funcionamento das leis penais para adultos, por outro, como legislação especializada para pessoas consideradas em condição especial de desenvolvimento (art. 6), o ECA estabelece inúmeros parâmetros para a proteção dos adolescentes e de sua formação. Determina, por exemplo, que a medida de internação esteja submetida aos princípios de brevidade e de excepcionalidade, ou seja, o encarceramento deve ser o último recurso e aplicado pelo menor tempo possível, e estabelece a "socioeducação" como objetivo da internação. Assim, segundo o ECA, a internação deve orientar-se pela educação, princípio norteador da transformação que deve ser operada no comportamento do adolescente.

Apesar de o estatuto determinar que a internação seja o último recurso do sistema de justiça no julgamento de adolescentes, de acordo com o Levantamento nacional do atendimento socioeducativo ao adolescente em conflito com a lei (2010) da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, o número de adolescentes internados continua crescendo, ainda que a taxa de crescimento esteja diminuindo5 5 . O levantamento demonstra como, depois da formulação do Sinase de 2006, a taxa de crescimento de internações caiu drasticamente. Enquanto entre 1996 e 1999 esse valor aumentou 102%, entre 2006 e 2009 ele aumentou 9,8%. : de 4 245 adolescentes internados em 1996 para 17 703 em 2010, ou seja, um aumento de 417%6 6 . Este dado se refere também à internação provisória e à semiliberdade. No entanto, a internação representa 68% do total. . A proporção de adolescentes internados subiu de 2 a cada 10 mil em 1996 para 8,6 a cada 10 mil em 2010. Isso quer dizer que o aumento do número de adolescentes internados é decorrente da maior frequência de aplicação dessa medida e não da maior quantidade de adolescentes na população.

Assim, o aumento do número de adolescentes internados sugere que, mesmo sob a vigência do ECA, a privação de liberdade permanece uma alternativa frequentemente adotada pelo Estado para o controle da criminalidade juvenil. Considerando esse contexto no qual a internação assume um novo caráter com o ECA, mas mantém sua centralidade no sistema de justiça, tenho como objetivo analisar os meios pelos quais tal forma de punição produz seus efeitos nos indivíduos a quem se aplica. Desenvolverei esta análise a partir da discussão dos resultados da minha pesquisa de mestrado, realizada no estado de São Paulo. O mesmo estado que, em 2010, era responsável por 42,4% dos adolescentes que cumpriam medida de internação no Brasil7 7 . Ainda que a população do estado seja a maior do Brasil, a porcentagem de adolescentes ali residentes é bem menor: 19,3% (IBGE, 2010). . Partindo do trabalho de campo realizado em unidades de internação e semiliberdade da Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Casa)8 8 . Antiga Febem-SP, instituição que executa as medidas socioeducativas de internação e de semiliberdade no estado de São Paulo. , o foco da análise são as fontes de socialização que operam na instituição por meio de seu funcionamento prático/cotidiano. Seguindo aqui as formulações de Erving Goffman (1991) sobre organizações, a unidade de internação é pensada como espaço que produz suposições sobre identidade, não somente em função dos discursos organizacionais explícitos sobre a natureza dos internos, mas também por meio da realização prática de seus objetivos. Partindo dessa perspectiva, os modos de interação entre os adolescentes e destes com os funcionários são analisados a partir da situação que é apresentada aos indivíduos, como expressão da socialização institucional.

Procedimentos de segurança

A percepção de que fontes não intencionais de socialização fazem da internação uma forma de punição de adolescentes surgiu nas experiências iniciais da pesquisa de campo. O fato de não possuir aproximação acadêmica ou pessoal com a situação de encarceramento e com as instituições destinadas a este fim possibilitaram-me o estranhamento que torna problemático o taken for granted constitutivo do universo pesquisado. A seguir, parte desse percurso será relatado.

Devido às restrições impostas pela Fundação Casa, a pesquisa de campo consistiu na realização de visitas semanais a uma unidade de internação e uma unidade de semiliberdade (ambas selecionadas pela própria fundação), onde pude entrevistar adolescentes que estavam em progressão de medida, ou seja, que cumpriam semiliberdade, após período de internação, como "forma de transição para o meio aberto" (Brasil, 1990, art. 120). Antes de iniciar a pesquisa de forma mais sistemática, tive a oportunidade de visitar unidades de São Paulo e de alguns municípios do Paraná. Todas essas visitas foram autorizadas e agendadas com anuência da instituição. As unidades eram, assim, apresentadas por membros da equipe de funcionários e muitas vezes pelo próprio diretor. Seguindo os princípios defendidos no ECA, a fala que acompanhava essa apresentação buscava sempre dar destaque aos aspectos e às atividades da unidade que indicavam a orientação socioeducativa do trabalho realizado com os adolescentes: escolarização, profissionalização, acesso à cultura e ao esporte, desenvolvimento de projetos de vida. Existia, no entanto, outro conjunto de elementos daquele espaço que a apresentação ignorava: grades e muros altos, grandes cadeados trancando todos os dormitórios, portas pesadas de ferro, entradas e saídas com acesso controlado, em suma, a instalação física que indicava encarceramento causavam-me certa ansiedade. Essas características do espaço físico eram ainda acompanhadas por procedimentos de segurança: obrigatoriedade de deixar meus pertences na recepção, certificação de que não levava meu celular comigo e necessidade de vestir um avental (o que não foi exigido de nenhum dos homens que me acompanhavam). Durante as visitas, procurava justificar para mim mesma tal desconforto pela minha falta de familiaridade com o local e pelo silêncio dos funcionários a respeito desses aspectos em função de sua inevitabilidade.

A relevância dessas características ficou ainda mais evidente na visita à unidade da Fundação Casa onde a pesquisa foi de fato realizada. Trata-se de uma unidade destinada a "reincidentes graves e gravíssimos" (também chamados de "níveis 4 e 5"), o que justificaria maior severidade nos procedimentos de segurança. Para quem observa de fora, o prédio não contém nenhuma sinalização que indique se tratar de uma unidade da fundação. Sua fachada possui muros altos e duas entradas: uma pequena porta de ferro com um interfone e uma grande porta de garagem. Na primeira visita à unidade, o interfone não estava funcionando, precisei explicar o que pretendia fazer lá através de um vidro completamente escuro. A pequena porta de ferro foi então liberada pelos seguranças da portaria. Ela dava acesso a um pequeno corredor fechado por outra porta de ferro e nele havia um detector de metal. Somente depois de fechada a primeira porta que a segunda foi liberada dando acesso, enfim, à unidade. Dois seguranças me informaram que eu precisava deixar minha mochila na entrada e que não poderia levar o celular. Solicitaram um documento e anotaram em um caderno meu nome, instituição de origem e número do RG. Em seguida, uma segurança me revistou e usou outro detector de metal.

A parte da unidade onde ficam os adolescentes é completamente separada dos prédios da administração por um muro alto com um portão de ferro trancado e controlado por um segurança. Antes de entrar nessa ala, fui novamente revistada por uma segurança com um detector de metal. Depois de passar por essa segunda portaria, há ainda dois portões controlados por outros seguranças. Já no interior da ala dos adolescentes, é possível ter acesso às salas dos professores, da administração pedagógica da unidade e a uma cozinha, onde são realizados cursos profissionalizantes. O espaço dos alojamentos, onde os adolescentes passam boa parte do tempo, é separado por duas grades chamadas de gaiola (uma só é aberta quando a outra foi fechada) e controladas por um dos funcionários responsáveis pela segurança9 9 . Existe uma diferença entre os seguranças responsáveis pelas portarias e os agentes de segurança que lidam diariamente com os adolescentes. Estes cumprem papel análogo ao de agentes penitenciários em instituições para adultos e os primeiros controlam somente a entrada e a saída. Os agentes de segurança se revezam para ficar na "gaiola". .

Da entrada da unidade até o alojamento dos adolescentes existem, portanto, seis portões trancados e controlados por seguranças ou funcionários. Todo o espaço onde se situam os adolescentes é cercado por um muro alto que os separa do restante da unidade e, em sua extensão superior, existem ainda pequenos corredores por onde circulam alguns seguranças com fins de vigilância. Entre esse muro e aquele dos alojamentos há um vão destinado a dificultar as fugas. Os adolescentes só podem sair da unidade algemados e com escolta policial. Além disso, sempre que participam de alguma aula ou atividade que envolva materiais, são revistados e precisam tirar a roupa antes de sair da sala.

A quantidade de procedimentos de segurança indica que parte importante da rotina institucional é tomada pela sua execução e, no entanto, isso não foi mencionado em nenhuma das unidades visitadas como parte do trabalho realizado. Pelo contrário, sempre que eu utilizava a palavra punição para descrever meu objeto de pesquisa aos funcionários, estes reagiam com certo desconforto, como se o termo fosse inapropriado. Em uma das visitas, um dos membros da equipe me corrigiu dizendo que punição fazia parte do passado, da época da Febem, quando existia um controle repressivo dos adolescentes, contraposto ao educativo, pedagógico e socioeducativo do presente institucional. Assim, tudo o que, para mim, indicava o caráter repressivo daquela instituição era ignorado como tal.

Ao longo da pesquisa, foi possível identificar uma percepção entre os funcionários das unidades de que as ações empreendidas em nome da segurança não fazem parte dos objetivos da instituição. Ao contrário, elas são tomadas como uma espécie de mal necessário, que deve ser regulamentado, mas não integra o "trabalho socioeducativo" desenvolvido com os adolescentes, ou seja, estas ações não são programadas em função dos efeitos que podem produzir nos internos.

Considerando que a unidade de internação é uma instituição total (cf. Goffman, 1991) de recrutamento involuntário, a existência de procedimentos de segurança assume certa obviedade, compondo o tácito da situação apresentada aos atores. São elementos que contribuem para a definição da situação10 10 . Utilizo esta noção aqui a partir da interpretação de Goffman (1974), que não a entende como um empreendimento dos indivíduos na interação. Para o autor, os indivíduos somente acessam corretamente a definição dada por meio da sociedade na qual estão inseridos e agem de acordo com esta definição. e que, portanto, orientam e conformam a ação dos indivíduos em interação. Na medida em que instituições totais produzem efeitos sobre seus membros por meio de uma alteração substantiva na ordem interacional (cf. Goffman, 1983), essas considerações se tornam particularmente centrais para a compreensão desse tipo de organização.

Ainda que Goffman não utilize a noção de ordem interacional na definição de instituição total, suas análises sobre os processos de mortificação do self dizem respeito à impossibilidade de o interno controlar seu envolvimento nas interações e, com isso, preservar seu self. Goffman destaca que, ao ingressar em uma instituição total, o indivíduo é destituído dos meios necessários para manter a percepção de si que tinha fora dela. Na sociedade civil, a segregação de papéis e audiências garante que aquilo que o indivíduo sustenta com relação a seu self em uma esfera da vida não seja testado pela sua conduta em outra esfera. Já na instituição total, devido à inexistência de separação entre as esferas e à vigilância constante, a conduta do interno em uma atividade é utilizada para avaliação e cobrança em outro contexto. Submetido a uma espécie de jurisprudência individual (cf. Dubois, 2009) em que cada comportamento é constantemente julgado a partir daquele que o antecedeu, o interno é destituído de autonomia de ação e de meios para controlar quais comportamentos serão utilizados para extrair consequências à sua identidade. Podemos dizer, assim, que parte central da ação institucional sobre o indivíduo é situacional, ou seja, não está somente situada nas interações face a face, mas só pode ocorrer por meio destas interações (cf. Goffman, 1983).

Assim, o modo de funcionamento das instituições totais está diretamente relacionado com a forma de interação imposta e seu caráter total diz respeito à impossibilidade, dada por essa imposição, de os internos preservarem os territórios do self da assimilação completa pela instituição. Como destaca Goffman, nas ações de administração de uma organização está embutida uma concepção sobre as pessoas submetidas a essas ações. As instituições informam coisas sobre e, consequentemente, aos seus membros ou participantes, não exclusivamente por meio de seus discursos e objetivos, mas também pela forma como realiza esses objetivos em suas práticas cotidianas.

Retomando o relato da pesquisa, penso que as práticas e as características associadas à segurança e ao encarceramento na unidade não são procedimentos inócuos, pois trazem sentidos e significados atrelados a eles e que são, a todo o momento, comunicados na sua operação. Nesse sentido, Goffman comenta que a centralidade das ações para a segurança na prisão indicaria que "um aspecto importante da definição que a administração prisional faz sobre o caráter dos internos é que se lhes for dada a menor chance, eles tentarão fugir à sua pena legal" (Goffman, 1991, p. 169). Compreendo, no entanto, que os procedimentos de segurança informam mais do que a intenção de fuga, são práticas que pressupõem a presença de um perigo iminente, produzindo uma sensação geral de desconfiança, tensão e imprevisibilidade.

Perigo e desconfiança

Em unidades de internação, assim como em qualquer unidade prisional, a identidade prescrita tem relação direta com o perigo, pois se supõe que os internos são criminosos. A categoria "criminoso" parece especialmente informada pela criminologia do outro (cf. Garland, 2008), que remete ao indivíduo sem moralidade, movido por uma natureza violenta e patológica. Durante a pesquisa, essa percepção se expressava na ideia de que não é possível saber "com quem você está lidando", presente tanto na fala dos funcionários, como na dos adolescentes. Especialmente os funcionários responsáveis pela segurança me advertiam com frequência que a unidade era um lugar perigoso porque entre os adolescentes havia assassinos, estupradores, traficantes. Para eles, os adolescentes estavam sempre testando os profissionais e qualquer oportunidade seria usada para "virar a casa"11 11 . "Virar a casa" refere-se à situação na qual os adolescentes fazem uma rebelião e assumem o controle da unidade. . O mínimo gesto ou movimento por um adolescente poderia ser lido como tentativa de comunicação implícita aos demais, o que poderia, por sua vez, dar início a alguma forma de organização. Uma das funcionárias afirmou que os adolescentes com "perfil de liderança" são capazes de submeter os demais só pelo olhar.

Os adolescentes também expressavam um sentimento constante de desconfiança e de não saber com quem estão lidando dentro das unidades. Tais impressões eram especialmente significativas no relato que faziam do período em que ficaram internados nas unidades de internação provisória (UIP)12 12 . A internação provisória pode ser determinada pela autoridade judicial caso seja julgado necessário manter um adolescente internado enquanto aguarda sua sentença. Como explicitado no art. 108 do Estatuto da Criança e do Adolescente: "A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de quarenta e cinco dias. Parágrafo único. A decisão deverá ser fundamentada e basear-se em indícios suficientes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade imperiosa da medida". . De acordo com a fala de boa parte dos adolescentes, como nessas unidades não é possível separá-los, eles são impedidos de conversar e mesmo de interagir: muitos diziam que tinham que ficar olhando para a televisão ou com a cabeça baixa. Os perigos dessas interações eram reforçados pelos adolescentes, que destacavam a impossibilidade de saber com quem falavam, pelo fato de que ali "está todo mundo junto". Mesmo na unidade de internação, onde os adolescentes podem se conhecer melhor, a desconfiança permanece. Quando perguntei para um adolescente se ele possuía amigos na internação, ele respondeu: "amigo não, conhecido, [porque] eu não confio neles e eles não confiam em mim"13 13 . Entrevista realizada em 6/10/2009 em unidade de Semiliberdade da Fundação Casa, São Paulo. . Essa desconfiança era acompanhada de uma visão negativa acerca dos demais adolescentes e do ambiente, associados, em algumas entrevistas, à ideia de maldade. Em certa ocasião, um adolescente afirma: "lá dentro é só maldade, os caras falando de crime, de arma, de droga... os moleques nas ideias é só maldade... é só maldade"14 14 . Entrevista realizada em 15/10/2009 em unidade de Semiliberdade da Fundação Casa, São Paulo. . Outro adolescente comentou algo semelhante: "porque num lugar como esse, os pensamentos não são muito bons [...] tem muita maldade, muita coisa ruim. [...] porque ali é o foco. [...] aprendi muita coisa lá que não queria ter aprendido, vi muita coisa que não queria ter visto". Na fala deste adolescente, havia uma percepção de que essa "maldade" tem relação com o ambiente institucional: "por isso que se for depender do sistema deles não vai melhorar, tem que querer muito... eles mesmos acabam criando um ambiente ruim"15 15 . Entrevista realizada em 24/9/2009 em unidade de Semiliberdade da Fundação Casa, São Paulo .

Muitos estudos sobre as formas de organização entre presos descrevem esse sentimento de desconfiança constante. Gresham Sykes (1999) comenta que detentos veem seus companheiros como perigosos e cruéis, o que geraria um sentimento de insegurança. Da mesma forma, Edmundo Campos Coelho (1987) afirma que a desconfiança e a suspeição generalizadas fazem parte do universo prisional e explicaria a atitude de vigilância constante sobre os mais próximos. Geralmente, a presença desse sentimento é explicada pela ideia de se tratar de um espaço onde o indivíduo está mais sujeito a riscos à sua integridade física e psicológica, pois a existência de roubo, assassinato e estupro seriam mais prováveis.

O interesse aqui não é discutir se os indivíduos internados em unidades prisionais têm ou não maior tendência a um comportamento desviante ou criminoso, mas pensar sobre os efeitos dessa ideia, operante tanto para funcionários como para os próprios internos. A percepção de que aqueles com quem se convive não são confiáveis e podem causar algum mal implica necessariamente uma diminuição da previsibilidade dos comportamentos, o que aumenta a ansiedade e a insegurança.

Durante a pesquisa na unidade de internação, um dos fenômenos que se tornou foco de atenção parece estar diretamente relacionado com esses sentimentos de insegurança e desconfiança. Trata-se da existência de um conjunto elaborado de regras e normas que regulam a interação dos adolescentes internados e que são aplicadas por eles próprios. Buscando compreender o que definia a experiência da internação para os adolescentes, deparei-me com essa dimensão da vida institucional que parecia ser muito significativa para eles e muito presente no cotidiano da unidade.

Regulações

Ao descrever as regras e o modo como são colocadas em prática, os adolescentes sempre mencionavam a organização e a divisão de tarefas entre eles, para além daquelas oficiais. A existência de cargos e funções não era associada, na fala da maioria, à hierarquia, poder e desigualdade. Pelo contrário, havia uma percepção de que os interesses do coletivo dos internos (a "população") precisam ser sempre privilegiados e de que "é tudo na igualdade". Um dos fatos que alguns utilizaram para exemplificar essa "igualdade" foi a divisão que realizam do que chega no "jumbo": os adolescentes que recebem bolachas recheadas, salgadinho e cigarro de suas famílias dividiriam suas coisas com aqueles que não têm visita. Relacionado com isso, existe a ideia de que os internos formam um grupo que precisa se unir para conseguir justiça, pois é oprimido pela sociedade e, dentro da unidade, pelos funcionários. Assim, mesmo os que têm cargos não poderiam ter vantagens, todos dividem igualmente as tarefas da unidade e ninguém viveria melhor do que os outros.

Quase não houve coincidência nos nomes e tipos de funções descritas16 16 . Os cargos relatados foram: "faxina" ("faxina do esporte" ou "esporte", "faxina da limpeza", "faxina da boia" ou "boieiro"), "encarregado", "voz", "setor", "disciplina", "palavra", "toque", "piloto", "frentista". . Aqueles mais recorrentes eram designados pelos nomes de "faxina" e "disciplina", descrevendo, assim, as funções de organização de alguma parte da rotina (refeições, lazer, limpeza), resolução de conflitos entre os adolescentes, representação das suas demandas e negociações com a direção da unidade.

As regras mais consensuais, descritas por todos os adolescentes entrevistados, têm relação estreita com a sexualidade17 17 . O fato de eu ser mulher causava algum problema nas entrevistas, pois muitos dos adolescentes ficavam constrangidos em me dizer quais eram as regras. Frequentemente comentavam que o que descreviam era "deselegante". Esse constrangimento reforça o fato de que regulam algo referente à sexualidade. e dizem respeito a algo que é considerado sagrado pelos internos: a visita18 18 . Há uma associação forte da visita com a mãe, figura muito presente no relato dos adolescentes e frequentemente tida como sagrada. Durante uma das visitas, pude ver alguns adolescentes cantando músicas de funk compostas por eles. As letras sempre faziam referência ao sofrimento da mãe como uma das grandes fontes de sofrimento da internação. . Nos dias de visita, não é permitido falar nem olhar para a visita do outro interno, levantar a camiseta (segundo um dos adolescentes, na unidade em que estava, todos eram obrigados a usar duas camisetas) ou mostrar a cueca, ficar com as pernas abertas, "mexer nas partes íntimas", "coçar as partes íntimas", se masturbar, falar palavrão19 19 . Em pesquisa realizada em unidades da Fundação Casa, Noguchi e De La Taille descrevem regras semelhantes para os dias de visita: "não olhar as visitas femininas como 'mulheres', não mostrar o peito desnudo, não colocar a mão dentro da calça, não se masturbar" (2008, p. 21). . Isso vale para todos os adolescentes, mesmo para aqueles que não recebem visitas (o que significa que não terão nenhum contato com as visitas, pois geralmente a visita é realizada em um espaço específico) e durante todo o dia da visita, inclusive antes de elas chegarem e depois de irem embora. Para os adolescentes, essas regras visam garantir o respeito, pois nunca é possível saber se, ao olhar para a mãe ou namorada do outro, o adolescente não está "com segundas intenções", "pensando besteira".

É interessante notar como esse esforço dos adolescentes para controlar a sexualidade tem paralelo com um dos procedimentos oficiais da unidade de internação. Logo na primeira visita que realizei à unidade, o chefe da segurança (que geralmente fica na portaria) foi quem me acompanhou até o "pedagógico", localizado dentro do espaço onde os adolescentes podem circular. Em cada um dos portões por onde passávamos, o segurança responsável perguntava para o chefe da segurança se eu ia entrar sem avental e o segundo respondia que eu estava indo no "pedagógico" (depois entendi ser um espaço em que os adolescentes não permanecem). Quando finalmente cheguei ao "pedagógico", o chefe da segurança saiu e os funcionários que lá estavam me perguntaram se eu não tinha avental. Respondi negativamente e fui avisada, depois de ter uma peça emprestada, de que, nas próximas visitas, eu precisaria levar um que deveria ir até o joelho. Em seguida, comentaram que nenhuma mulher pode entrar na ala dos adolescentes sem avental e, segundo eles, eu só não fui "barrada" porque estava com o chefe da segurança20 20 . Em todas as visitas que realizei na unidade, em nenhum momento vi alguma mulher sem avental. . Quando os questionei sobre a obrigatoriedade do avental, os funcionários (eram dois homens) responderam-me, de forma constrangida, que os adolescentes "ficam olhando" e isso pode gerar problemas para eles. Diziam: "sabe como é 16, 17 anos. Na flor da idade... ficam muito tempo sem ver mulher"; e o outro complementou: "a gente não pode impedir que eles imaginem, mas eles não podem ficar olhando". Perguntei depois para uma funcionária sobre o que ela achava de ter que usar o avental e ela confirmou o que os funcionários tinham me dito, afirmando ser constrangedor: "não consigo me imaginar sem o avental". A sexualidade dos adolescentes é vista, assim, como algo que precisa ser contido e controlado, uma fonte de perigo associada à adolescência (cf. César, 2008).

Além das regras do dia da visita, a maioria dos adolescentes mencionou outras associadas ao respeito, aplicadas às refeições e à higiene21 21 . Noguchi e De La Taille descrevem: "ter higiene, não soltar flatos, somente se masturbar no banheiro (nunca na cama), não entrar sem camisa no refeitório e, nele, fazer silêncio, não impedir o sono dos colegas etc." (2008, p. 21). . No caso das refeições, os adolescentes diziam que "é paz total". Não é permitido conversar no refeitório, falar alto (muitos disseram que todos deviam ficar em silêncio), fumar, falar palavrão, além de ser necessário rezar antes de comer22 22 . Aqui "rezar" se refere à oração do Pai Nosso. Os adolescentes e funcionários relataram que em algumas unidades existia a diferença entre oração, que é o Pai Nosso, e "reza", que é a do PCC. Essa última se refere à prática dos adolescentes de se reunir depois de acordar, fazer um círculo, dar as mãos e gritar juntos os lemas do PCC "Paz, justiça e liberdade". . Existe também grande preocupação com a higiene: os adolescentes escolhidos para cuidar da alimentação eram aqueles que se mostravam mais "higiênicos" e precisam fazê-lo de calça, luva e touca.

Para a infração de cada uma das regras descritas existem punições aplicadas pelos adolescentes: as "cobranças". Em geral, parecem se limitar a uma discussão, a uma conversa, mas não é incomum o recurso a agressões físicas. A intensidade da punição depende também da intencionalidade do adolescente, se ele sabia da existência da regra e fez de propósito, a punição será mais severa. Os funcionários não podem ver as cobranças nem ficar sabendo que ocorreram, por isso elas geralmente acontecem à noite ou no banheiro, sempre escondido. A infração das regras do dia da visita tem consequências graves. Dependendo da situação, é dada a punição extrema, em que o penalizado é forçado a pedir para ser transferido daquela unidade23 23 . Como a maioria das unidades não tem "seguro" - espaço existente em prisões e unidades de internação destinado a isolar os internos ameaçados de morte da convivência com os demais (cf. Noguchi, De La Taille, 2008; Marques, 2009) - internos nessa situação são geralmente transferidos para outra unidade. . Um adolescente entrevistado por Noguchi e De La Taille comenta essa prática:

Questão de visita então, fatal, se você desrespeitar a visita do cara, vai direto [para o seguro], não tem nem ideia [...] olhar para a visita dos outros, isto é morte, já. Eles pensam que a senhora está com maldade. [...] Nossa, aquela mina lá é gostosa [...] isso já é maldade (2008, p. 26).

Natasha Neri (2009), em seu estudo sobre as unidades de internação do Rio de Janeiro, descreve a existência de regras praticamente idênticas para os dias de visita24 24 . As proibições relativas aos dias de visita descritas pela autora incluem: " Masturbar-se (tanto em dia de visita, como no dia seguinte); coçar-se; falar palavrão ou fazer gesto obsceno na presença de parentes; mexer com ou olhar para a visita do outro; levantar a camisa, ou ficar sem ela em local visível aos visitantes; ir encontrar a visita sem cueca; ficar com a blusa para fora; sentar-se com a perna muito aberta; aproximar-se de ou falar com a família de um interno sem ser convidado" (Neri, 2009, p. 134) . Demonstrando a seriedade dessas regras para os adolescentes, relata o caso de um adolescente que foi morto porque sua namorada levantou sua camiseta durante a visita. Um dos adolescentes que entrevistei relata caso semelhante de um rapaz que foi severamente "cobrado" e quase morreu porque sua mãe levantou sua camiseta durante a visita. Nos dois casos, os adolescentes consideram que a punição foi excessiva, mas tais ocorrências indicam a rigidez das regras.

A constatação da existência de formas de regulação entre internos é algo relativamente constante nos estudos sobre organização interna de instituições prisionais. Nos Estados Unidos, os trabalhos clássicos de Donald Clemmer, The prison community (1958), e de Gresham Sykes, The society of captives (1999), descrevem formas de controle social formuladas pelos presos e o desenvolvimento de subculturas específicas às instituições. Também no Brasil, Edmundo Campos Coelho, em seu clássico estudo sobre o sistema penitenciário do Rio de Janeiro, A oficina do diabo (1987), comenta sobre a ordem interna da sociedade dos cativos25 25 . Coelho adota essa noção desenvolvida por Sykes para pensar a prisão. . Para o autor, a adesão a esses códigos e valores serve para garantir a segurança do preso em um lugar perigoso, onde a violência é endêmica. O livro de José Ricardo Ramalho O mundo do crime (1979), outro entre os principais estudos sobre a prisão no Brasil, só que no contexto paulista, também discute a existência dessas formas de autogoverno entre os presos pela análise das regras do "proceder".

Esses estudos apresentam, basicamente, duas chaves para interpretação do fenômeno. De um lado, analisam a organização entre presos a partir de ideias aproximadas à de subcultura, ou seja, de que a convivência de indivíduos compartilhando por um longo período todos os momentos e as tarefas cotidianas faz surgir uma cultura específica que organiza simbolicamente aquela situação. De outro lado, há a interpretação de que o modo de organização dos internos decorre de uma característica que supostamente compartilham, ou seja, a vivência anterior na "criminalidade". Os códigos, as normas e os valores do grupo dos presos seriam, dessa forma, semelhantes aos encontrados no "mundo do crime".

Não há nessas interpretações um esforço em relacionar esse modo de regulação das relações com o espaço à situação na qual emerge. O que a recorrência da existência dessas regras e normas em diferentes contextos parece indicar é precisamente sua relação com a situação criada pelo encarceramento. A chave para sua compreensão está, portanto, nos elementos e nas características que definem tal situação. Algumas explicações para a existência de controles incorporam a percepção dos próprios presos e atribuem a mecanismos de regulação o estatuto de necessidade atrelada às condições objetivas da prisão.

Contemporaneamente no Brasil e sobretudo em São Paulo, muitos pesquisadores têm se dedicado à análise desses modos de regulação entre presos a partir do debate sobre o chamado "crime organizado"26 26 . Esses estudos (ver, por exemplo, Marques, 2009; Biondi, 2010; Neri, 2009; Dias, 2009) também identificam a existência de normas entre os internos, mas as analisam a partir da presença das chamadas organizações criminosas nas prisões e unidades como o Primeiro Comando da Capital (PCC) em São Paulo e o Comando Vermelho (CV), o Terceiro Comando (TC) e o Amigos dos Amigos (ADA) no Rio de Janeiro. . O papel de organizações como o Primeiro Comando da Capital (PCC) na definição do conteúdo e no modo de funcionamento das regras nas unidades prisionais em São Paulo faz com que tal fenômeno seja analisado como expressão da atuação destas organizações. No caso desta pesquisa nas unidades da Fundação Casa, foi possível identificar a influência das ideias defendidas pelo PCC no relato dos adolescentes sobre suas regras internas. Apesar de reconhecer a importância dessa organização na definição do conteúdo das regras descritas pelos adolescentes, não farei aqui uma análise do PCC porque compreendo que a sua relação com o discurso dos internos é contextual, ou seja, não se trata de um fenômeno peculiar a tal formação social. Assim, o interesse por essa forma de regulação está no que ela permite revelar do modo de funcionamento da instituição que executa a internação de adolescentes. O foco é menos o conteúdo das normas e mais a sua existência e legitimidade entre os internos.

Nesse sentido, ainda que as regras descritas pelos adolescentes não sejam sempre idênticas, existem algumas regularidades nos seus relatos: em primeiro lugar, a confirmação da existência de regras que foram formuladas e são impostas e cobradas somente pelos adolescentes e que só se aplicam a eles; em segundo, a legitimidade de tais regras, um sentimento comum de que elas são necessárias, algo que deve ser. Ainda que alguns adolescentes tenham demonstrado considerar injusto o funcionamento da hierarquia de funções, todos eles, quando questionados sobre a razão da existência das normas, demonstraram certa indignação com a pergunta, fazendo com que ela parecesse ultrajante. A indicação de que são regras necessárias aparecia frequentemente associada à descrição da situação anterior à existência dessas regras, onde era tudo "bagunçado". Antes dessas regras existiria, segundo os adolescentes, muita "patifaria" (palavra aparentemente associada a favores sexuais), "uns pegavam as coisas dos outros", uma ordem regida pela lei do mais forte. As regras dos adolescentes teriam surgido para trazer igualdade e moralidade às unidades. A situação passada não fora vivenciada por nenhum deles e servia, no entanto, como um imaginário comum.

Cabe apontar que tanto para os adolescentes como para os funcionários existe um antes e um depois significativos que justificam o tipo de organização vigente. No caso dos adolescentes, o antes refere-se a essa situação desordenada em que não há regras e o depois tem a ver com as regras formuladas por eles e que são mais bem elaboradas nas unidades que, na terminologia dos adolescentes, estão "na mão dos moleques". Pelo que pude compreender, antes da Febem virar Fundação Casa existiam três situações possíveis nas unidades de internação: a unidade podia estar "na mão dos funcionários", o que significa que os funcionários controlam tudo de forma repressiva, com recurso frequente à violência física e psicológica; podia estar "na mão dos moleques"27 27 . Na descrição dos funcionários, este tipo de unidade é chamado de "casa desandada". , quando os adolescentes controlam o interior da unidade, decidem quais funcionários podem entrar no pátio, se participam ou não dos cursos e aulas e têm uma organização mais elaborada de cargos e funções; por fim, existiriam as unidades que "estão no respeito", onde não há o controle repressivo nem por parte dos adolescentes nem dos funcionários, situação na qual os dois grupos cooperam para manter o lugar pacífico28 28 . Essas categorias se referem à percepção dos funcionários e dos adolescentes, e a descrição desses três tipos era razoavelmente equivalente nos dois grupos. Não quero, no entanto, tomá-las como descrições de como as unidades funcionavam. Não deve ser demais lembrar que meu foco está na construção dessas categorias e nos significados que assumem para os indivíduos nos grupos. . Segundo os funcionários, depois da transformação da Febem em Fundação Casa, com a desativação dos complexos e redução do tamanho das unidades, essa situação teria se tornado dominante.

A descrição da segunda situação pelos funcionários era frequentemente acompanhada pelo relato de experiências traumatizantes, afastamentos do trabalho, violência, rebeliões e fugas, sendo sempre retratada como uma situação sem nenhuma ordem ou regulação. Nessas unidades, os adolescentes "faziam o que queriam", em um cenário associado à "bagunça" e à "arbitrariedade", onde reina a "lei do mais forte", com alguns adolescentes impondo sua vontade aos demais (roubando a comida e os objetos) pelo uso da violência física.

Vemos, assim, que o "antes" caótico para os funcionários coincide com o "depois" ordenado dos adolescentes. As imagens dessa situação, tal como construídas pelos adolescentes e pelos funcionários, são quase irreconciliáveis: de um lado, uma percepção de ordem e regularidade e, de outro, de caos absoluto. Segundo os funcionários, apesar de o "antes" ser uma situação opressiva para a maioria, os adolescentes querem voltar para ele porque "gostam de bagunça". O "depois" para os funcionários é a situação atual das unidades novas e as antigas que passaram por reformas, em que eles têm o controle sobre os adolescentes e podem realizar o trabalho pedagógico das medidas socioeducativas.

Cabe ressaltar que, ao contrapor duas visões sobre uma mesma situação, não pretendo descobrir a verdade sobre o que acontece. Evidentemente, não há uma ideia mentirosa e uma verdadeira. Meu objetivo é destacar o que tais perspectivas expressam do modo de operação desse espaço institucional. Nesse sentido, é significativa a necessidade de controle presente no discurso dos dois grupos em função de ameaça de uma situação na qual a violência é o único meio de regulação das relações. Em vez de investigar em que medida o espaço prisional é objetivamente perigoso e os internos são pessoas mais propensas ao desvio, interessa compreender quais os efeitos de tal percepção pelos indivíduos sobre suas interações e socialização nesse espaço.

A contraposição entre a resposta dos funcionários e a dos adolescentes a certo perigo iminente relaciona-se com dois fatores: por um lado, um dos objetivos do trabalho dos funcionários é garantir a ordem interna da unidade e o controle por parte dos adolescentes significa uma ameaça a essa ordem (a diferença nos termos usados para descrever a situação pelos dois grupos remete justamente ao desejo de controle). Por outro, a partir dessa pesquisa é possível afirmar que as regras dos adolescentes não são uma continuidade das regras institucionais, ou seja, esses dois conjuntos de regras não possuem o mesmo significado para os adolescentes. Ao contrário, as regras institucionais eram vistas como uma dimensão central do caráter opressivo da vida na unidade.

Assim, a regulação dos adolescentes parece compartilhar parte dos elementos do que Goffman chamou de ajustamentos secundários. Conforme já mencionado, para esse autor, a participação de um indivíduo em uma organização produz efeitos sobre sua identidade. No caso de instituições totais, uma de suas características é a imersão obrigatória do indivíduo em suas atividades: "essa dedicação obrigatória às atividades da organização tende a ser vista como símbolo tanto do compromisso quanto da adesão e, por trás disso, da aceitação das implicações para a definição de sua natureza" (1991, p. 162). Se a adesão explícita às atividades da organização tem a ver com a aceitação da definição de si que esta organização propõe, da mesma forma, a orientação dos participantes por atividades não legítimas (nos termos de Goffman, pela vida íntima da organização) expressa um conflito com a autodefinição oficialmente disponível:

[...] abster-se das atividades prescritas ou participar delas de modos não prescritos ou com propósitos não prescritos significa retirar-se do self oficial e do mundo oficialmente disponível a ele. Prescrever uma atividade é prescrever um mundo; esquivar-se de uma prescrição pode ser esquivar-se de uma identidade (Idem, p.170).

Esses mecanismos são o que o autor chama de ajustamentos secundários29 29 . O autor usa o termo ajustamentos secundários para diferenciá-los do que ele chama de ajustamentos primários, que se referem à adequação do indivíduo ao que é esperado dele na instituição, àquilo que o torna um colaborador na instituição. , ou seja, atitudes que o indivíduo emprega para se distanciar do self assumido pelo pertencimento à instituição.

Ao desenvolver essa noção, Goffman leva em consideração as consequências dos arranjos institucionais para a concepção que o interno tem de si e os meios que ele encontra para lidar com essa transformação de sua identidade. É possível pensar, no entanto, em outro desdobramento desse mesmo processo: ao gerar concepções sobre seus membros a partir de suas práticas e atividades programadas, a instituição também informa o indivíduo sobre a natureza dos demais internos. Essas informações definem a situação e, por isso, não geram somente conflitos de identidade, mas também efeitos sobre a interação entre os internos.

Considerações finais

Como busquei demonstrar ao longo do texto, existem nas unidades de internação fontes de socialização que extrapolam seus objetivos declarados de correção e de trabalho socioeducativo. Não é somente o discurso oficial que impacta o funcionamento institucional. Ao pensarmos em termos de ordem interacional, daquilo que define a situação, tal como propõe Goffman, é possível colocar em evidência a dimensão tácita da interação, sua obviedade, para encontrar aí outras informações, subterrâneas, mas igualmente relevantes na definição do comportamento dos participantes. Todos os procedimentos de segurança bem como as características das dependências físicas que me informavam se tratar de um contexto perigoso, gerando ansiedade e temor, informam igualmente os funcionários e internos inseridos naquele espaço.

Ao contribuir para a definição da situação, as características prisionais do espaço institucional orientam a disposição, as impressões e as ações dos indivíduos em interação na unidade. Como busquei demonstrar, a desconfiança e a tensão em relação aos adolescentes são compartilhadas por todos, que por sua vez reagem com diferentes formas de controle. No caso dos adolescentes, a afirmação difusa de uma identidade perigosa não teria somente efeitos para a concepção que eles têm de si, mas igualmente para as interações com os demais adolescentes internados. Podemos pensar que as normas elaboradas e aplicadas por eles estão associadas à necessidade de prever o comportamento e as reações uns dos outros, já que isso não está dado de antemão. Aquela situação anterior, da "bagunça" e da "patifaria", pode voltar a qualquer instante caso essas normas não sejam eficazes. A fim de evitar o perigo de um caos violento e sem regulação, vê-se multiplicar as normas de conduta. Nesse sentido, a vida íntima das unidades é composta também por essa forma de regulação que, ao contrário dos ajustamentos secundários, parece reforçar a identidade prescrita pela reafirmação do que está nela suposto.

A perspectiva aqui desenvolvida é resultado de um esforço para problematizar o esquema explicativo típico e próximo do senso comum sobre essas instituições, que individualiza os processos e interpreta todos os comportamentos como expressão do que o indivíduo é. Assim, em vez de pensar as características da sociabilidade do interior da unidade como consequência daquelas compartilhadas pelos indivíduos em função de semelhanças na trajetória ou na personalidade, entendo que elas são resultado da situação social apresentada aos indivíduos em interação. A adoção de uma abordagem microssociológica foi o meio encontrado para deslocar a explicação do indivíduo para o meio, mostrando outra ordem de efeitos que o espaço social da unidade de internação pode ter sobre os indivíduos. Nisso não está implicado que todos os indivíduos reagirão da mesma forma ou de que toda a sua ação deva ser pensada meramente como reação. Trata-se apenas de traçar algumas regularidades dessas instituições que punem pela privação de liberdade não nas disposições dos adolescentes que cometem crimes, mas naquilo que estrutura a experiência da internação.

Texto recebido em 10/1/2013

Aprovado em 24/1/2013

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  • *
    Este texto é parte da minha dissertação de mestrado realizada no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo, sob orientação de Marcos César Alvarez. O presente trabalho foi realizado com o apoio do CNPq.
  • 1
    . Respectivamente, Decreto 17 943-A, de 12 de outubro de 1927, e Lei 6 697, de 10 de outubro de 1979.
  • 2
    . Lei 8 069 de 13 de julho de 1990.
  • 3
    . De acordo com os dispositivos do ECA, as medidas socioeducativas só podem ser aplicadas aos adolescentes (pessoas entre 12 e 18 anos incompletos). As crianças (pessoas de 0 a 12 anos incompletos) não podem ser responsabilizadas pelas infrações que cometem e a elas só é possível a aplicação de medidas de proteção (art. 105).
  • 4
    . Ato infracional é definido no ECA como "conduta descrita como crime ou contravenção penal" (art. 103).
  • 5
    . O levantamento demonstra como, depois da formulação do Sinase de 2006, a taxa de crescimento de internações caiu drasticamente. Enquanto entre 1996 e 1999 esse valor aumentou 102%, entre 2006 e 2009 ele aumentou 9,8%.
  • 6
    . Este dado se refere também à internação provisória e à semiliberdade. No entanto, a internação representa 68% do total.
  • 7
    . Ainda que a população do estado seja a maior do Brasil, a porcentagem de adolescentes ali residentes é bem menor: 19,3% (IBGE, 2010).
  • 8
    . Antiga Febem-SP, instituição que executa as medidas socioeducativas de internação e de semiliberdade no estado de São Paulo.
  • 9
    . Existe uma diferença entre os seguranças responsáveis pelas portarias e os agentes de segurança que lidam diariamente com os adolescentes. Estes cumprem papel análogo ao de agentes penitenciários em instituições para adultos e os primeiros controlam somente a entrada e a saída. Os agentes de segurança se revezam para ficar na "gaiola".
  • 10
    . Utilizo esta noção aqui a partir da interpretação de Goffman (1974), que não a entende como um empreendimento dos indivíduos na interação. Para o autor, os indivíduos somente acessam corretamente a definição dada por meio da sociedade na qual estão inseridos e agem de acordo com esta definição.
  • 11
    . "Virar a casa" refere-se à situação na qual os adolescentes fazem uma rebelião e assumem o controle da unidade.
  • 12
    . A internação provisória pode ser determinada pela autoridade judicial caso seja julgado necessário manter um adolescente internado enquanto aguarda sua sentença. Como explicitado no art. 108 do Estatuto da Criança e do Adolescente: "A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de quarenta e cinco dias. Parágrafo único. A decisão deverá ser fundamentada e basear-se em indícios suficientes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade imperiosa da medida".
  • 13
    . Entrevista realizada em 6/10/2009 em unidade de Semiliberdade da Fundação Casa, São Paulo.
  • 14
    . Entrevista realizada em 15/10/2009 em unidade de Semiliberdade da Fundação Casa, São Paulo.
  • 15
    . Entrevista realizada em 24/9/2009 em unidade de Semiliberdade da Fundação Casa, São Paulo
  • 16
    . Os cargos relatados foram: "faxina" ("faxina do esporte" ou "esporte", "faxina da limpeza", "faxina da boia" ou "boieiro"), "encarregado", "voz", "setor", "disciplina", "palavra", "toque", "piloto", "frentista".
  • 17
    . O fato de eu ser mulher causava algum problema nas entrevistas, pois muitos dos adolescentes ficavam constrangidos em me dizer quais eram as regras. Frequentemente comentavam que o que descreviam era "deselegante". Esse constrangimento reforça o fato de que regulam algo referente à sexualidade.
  • 18
    . Há uma associação forte da visita com a mãe, figura muito presente no relato dos adolescentes e frequentemente tida como sagrada. Durante uma das visitas, pude ver alguns adolescentes cantando músicas de funk compostas por eles. As letras sempre faziam referência ao sofrimento da mãe como uma das grandes fontes de sofrimento da internação.
  • 19
    . Em pesquisa realizada em unidades da Fundação Casa, Noguchi e De La Taille descrevem regras semelhantes para os dias de visita: "não olhar as visitas femininas como 'mulheres', não mostrar o peito desnudo, não colocar a mão dentro da calça, não se masturbar" (2008, p. 21).
  • 20
    . Em todas as visitas que realizei na unidade, em nenhum momento vi alguma mulher sem avental.
  • 21
    . Noguchi e De La Taille descrevem: "ter higiene, não soltar flatos, somente se masturbar no banheiro (nunca na cama), não entrar sem camisa no refeitório e, nele, fazer silêncio, não impedir o sono dos colegas etc." (2008, p. 21).
  • 22
    . Aqui "rezar" se refere à oração do Pai Nosso. Os adolescentes e funcionários relataram que em algumas unidades existia a diferença entre oração, que é o Pai Nosso, e "reza", que é a do PCC. Essa última se refere à prática dos adolescentes de se reunir depois de acordar, fazer um círculo, dar as mãos e gritar juntos os lemas do PCC "Paz, justiça e liberdade".
  • 23
    . Como a maioria das unidades não tem "seguro" - espaço existente em prisões e unidades de internação destinado a isolar os internos ameaçados de morte da convivência com os demais (cf. Noguchi, De La Taille, 2008; Marques, 2009) - internos nessa situação são geralmente transferidos para outra unidade.
  • 24
    . As proibições relativas aos dias de visita descritas pela autora incluem: " Masturbar-se (tanto em dia de visita, como no dia seguinte); coçar-se; falar palavrão ou fazer gesto obsceno na presença de parentes; mexer com ou olhar para a visita do outro; levantar a camisa, ou ficar sem ela em local visível aos visitantes; ir encontrar a visita sem cueca; ficar com a blusa para fora; sentar-se com a perna muito aberta; aproximar-se de ou falar com a família de um interno sem ser convidado" (Neri, 2009, p. 134)
  • 25
    . Coelho adota essa noção desenvolvida por Sykes para pensar a prisão.
  • 26
    . Esses estudos (ver, por exemplo, Marques, 2009; Biondi, 2010; Neri, 2009; Dias, 2009) também identificam a existência de normas entre os internos, mas as analisam a partir da presença das chamadas organizações criminosas nas prisões e unidades como o Primeiro Comando da Capital (PCC) em São Paulo e o Comando Vermelho (CV), o Terceiro Comando (TC) e o Amigos dos Amigos (ADA) no Rio de Janeiro.
  • 27
    . Na descrição dos funcionários, este tipo de unidade é chamado de "casa desandada".
  • 28
    . Essas categorias se referem à percepção dos funcionários e dos adolescentes, e a descrição desses três tipos era razoavelmente equivalente nos dois grupos. Não quero, no entanto, tomá-las como descrições de como as unidades funcionavam. Não deve ser demais lembrar que meu foco está na construção dessas categorias e nos significados que assumem para os indivíduos nos grupos.
  • 29
    . O autor usa o termo ajustamentos secundários para diferenciá-los do que ele chama de ajustamentos primários, que se referem à adequação do indivíduo ao que é esperado dele na instituição, àquilo que o torna um colaborador na instituição.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      10 Jan 2013
    • Aceito
      24 Jan 2013
    Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, 05508-010, São Paulo - SP, Brasil - São Paulo - SP - Brazil
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