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Trabalho doméstico e de cuidado: Um campo de debate

Care and domestic work: a field of debate

Resumo

O objetivo deste artigo é analisar como o Estado, o mercado e os movimentos políticos de trabalhadoras domésticas e cuidadoras têm concretizado estratégias para marcar as possíveis liminaridades e fronteiras entre essas duas ocupações. Para isso, analisamos a Lei Complementar nº 150/2015, que amplia direitos trabalhistas às trabalhadoras domésticas, e o Projeto de Lei da Câmara 11/16, que propõe regulamentar a profissão de cuidadora. No âmbito do mercado, consideramos o discurso dos empregadores sobre cuidado e trabalho doméstico e a crescente utilização do Microempreendor Individual (mei) para contratação. Por último, examinamos entrevistas com representantes dos movimentos políticos organizados do setor. A análise revela que os conflitos em jogo estão relacionados com as concepções de “valor” e “reconhecimento” nos três campos, refletindo as desigualdades e a precariedade que marcam esse setor de atividade.

Palavras-chave:
Cuidadoras; Trabalhadoras domésticas; Precariedade; Reprodução social; Reconhecimento

Abstract

This article examines how the state, the market and the political movements of domestic and care workers have implemented strategies to mark the possible boundaries and similarities between these two occupations. To do so, we analyse the Complementary Law n. 150/2015 that expands labour rights to domestic workers, and the Bill of Law 11/16 that proposes to regulate the profession of care workers. Within the scope of the market we examine employers’ discourse on care and domestic work and the growing use of the modality of Individual Micro Entrepreneur. Lastly, we analyze interviews with representatives of the organized political movements of the sector and with employers. The analysis reveals that the conflicts at stake are related to conceptions of “value” and “recognition” in the three fields, reflecting the inequalities and precariousness that mark this sector of activity.

Keywords:
Care workers; Domestic workers; Precarity; Social reproduction; Recognition

Introdução

Este artigo1 1 . Agradecemos à leitura atenciosa da profa. Bila Sorj e também aos excelentes comentários e sugestões dos/das pareceristas ad hoc da revista Tempo Social. discute os conflitos e disputas que surgem no campo das ocupações relacionadas com o cuidado e o trabalho doméstico, na tentativa de consolidar relações trabalhistas menos abusivas e precárias e de promover a valorização e o reconhecimento desses trabalhos. Embora o trabalho doméstico e o do cuidado se caracterizem por diversas confluências em termos históricos e sociodemográficos, a trajetória de luta por “reconhecimento” e “valorização” dos mesmos toma caminhos distintos, e nem sempre harmoniosos, seja em suas relações com o Estado, com o mercado e na própria construção política de seus movimentos, como será discutido ao longo do artigo.

A heterogeneidade do setor, inclusive, tem sido foco de estudos vinculados ao tema, que se justificam tanto pelas dificuldades de estabelecer políticas públicas relacionadas ao campo, quanto pelas distintas formas pelas quais cada ocupação tem vivenciado os aspectos de desigualdades que o estruturam (Picanço & Brites, 2014Picanço, Felícia & Brites, Jurema. (abr. 2014), “O emprego doméstico no Brasil em números, tensões e contradições”. Revista Latino Americana de Estudios del Trabajo, Medellín, 19: 131-158.; Sartor, Siracusa & Neves, 2018Sartor, Ângela; Siracusa, Mariana & Neves, Paula. (2018), “Emprego doméstico: mediações na conciliação entre família e trabalho no Brasil”. In: Araújo et al. Gênero, família e trabalho no brasil do século xxi: mudanças e permanências. Rio de Janeiro, Gramma, pp. 199-218.; Lima & Prates, 2019Lima, Márcia & Prates, Ian. (ago. 2019), “Emprego doméstico e mudança social: reprodução e heterogeneidade na base da estrutura ocupacional brasileira”. Tempo Social, 31 (2): 149-172.). Apesar de o perfil sociodemográfico de trabalhadoras domésticas mensalistas, diaristas, cuidadoras de idosos e babás apresentar alguns pontos de similaridade, percebe-se que os indicadores em termos de renda, escolaridade, jornadas de trabalho e formalização são distintos entre elas. Ao cruzar esses dados com marcadores sociais da diferença, tais como raça, geração e região do país, temos uma realidade diversa no que concerne aos processos de precarização e informalidade, exigindo um olhar atento e que não generalize o campo (Pinheiro et al., 2019Pinheiro, Luana et al. (2019), “Os desafios do passado no trabalho doméstico do século xxi reflexões para o caso brasileiro a partir dos dados da pnad Contínua”. Textos para discussão. Rio de Janeiro, Ipea.).

Ao mesmo tempo, essa característica “fragmentada” não se mostra tão bem definida na prática de trabalho dessas mulheres, uma vez que as tarefas se confundem no exercício cotidiano de suas funções, aumentando as responsabilidades, propiciando relações abusivas de trabalho, além de dificultar as identificações com cada ocupação (Guimarães, Hirata & Sugita, 2012Guimarães, Nadya Araujo; Hirata, Helena Sumiko & Sugita, Kurumi. (2012), “Cuidado e cuidadoras: o trabalho do care no Brasil, França e Japão”. In: Hirata, Helena & Guimarães, Nadya Araujo, Cuidado e cuidadoras: as várias faces do trabalho do care. São Paulo, Atlas, pp. 79-102.). Essa complexidade se torna ainda mais evidente no caso das cuidadoras de idosos e trabalhadoras domésticas, pois, ao empregar a mesma parcela da população, a mobilidade entre as duas ocupações se torna frequente (Guedes & Monçores, 2019Guedes, Graciele Pereira & Monçores, Elisa. (out. 2019), “Empregadas domésticas e cuidadoras profissionais: compartilhando as fronteiras da precariedade”. Revista Brasileira de Estudos de População, São Paulo, 36: 1-24.).

Neste artigo, o trabalho doméstico é compreendido como o trabalho efetuado dentro de uma casa particular, sendo o destinatário do serviço uma pessoa física: envolve primordialmente as tarefas de limpeza, cozinha e manutenção geral da casa, podendo incluir atividades de cuidado pessoal. As cuidadoras são definidas como as trabalhadoras que têm a responsabilidade de prover cuidados pessoais a idosos, crianças e portadores de deficiências, estando empregadas em ambiente domiciliar ou institucional. No entanto, este artigo mostra as dificuldades de definição e delimitação entre o cuidado e o trabalho doméstico, as quais se estabelecem em suas práticas cotidianas, no âmbito legislativo, nas percepções dos empregadores e nos discursos políticos de suas representantes. Para isso, focará especialmente a situação das trabalhadoras domésticas mensalistas e diaristas e das cuidadoras de idosos.

A naturalização das tarefas domésticas como sendo “femininas”, somada com a histórica desigualdade racial que atribuiu de maneira desproporcional o trabalho de reprodução social às mulheres negras, contribuíram para uma desvalorização social do trabalho doméstico e de cuidado. Esse quadro reflete a produção de categorias sociais de gênero, raça e classe e suas hierarquizações na relação com o Estado (Hirata, 2014Hirata, Helena. (jun. 2014), “Gênero, classe e raça: interseccionalidade e consubstancialidade das relações sociais”. Tempo Social, São Paulo: 26 (1): 61-73.; Sorj, 2019Sorj, Bila. (2019), “No Brasil, novas perspectivas”. In: Maruani, Margaret. Trabalho, logo existo: perspectivas feministas. Rio de Janeiro, fgv Editora, pp. 103-113.). De fato, esse setor continua marcado por um alto nível de precariedade, desproteção e isonomia no âmbito trabalhista, além de as trabalhadoras encararem desvalorização e até mesmo preconceitos sociais, relacionados com o seu trabalho. Argumentamos que as diferentes estratégias de diferenciação ou aproximação por parte das trabalhadoras, do Estado e do mercado estão intimamente conectadas a essas estruturas de desigualdades. Assim, buscamos entender em que medida a criação de fronteiras ou liminaridades, entre trabalhadoras domésticas e cuidadoras, se conecta com a precariedade e as desigualdades que marcam o campo e com processos para estabelecer reconhecimento e valorização profissional.

Para isso, analisamos a Lei Complementar 150/2015, que amplia direitos trabalhistas às trabalhadoras domésticas, e o Projeto de Lei da Câmara (plc) 11/16, que propôs regulamentar a profissão de cuidadora. Essas normas serão consideradas como indicativas da posição do Estado em relação ao campo. Consideramos em seguida o âmbito do mercado, discutimos a tendência crescente em recorrer à modalidade do Microempreendedor Individual (mei) como um fator de precarização das cuidadoras e diaristas, e mostramos, com base em entrevistas, como as empregadoras compreendem as funções de trabalhadora doméstica e de cuidadora e suas possíveis interseções ou diferenciações.

Por fim, trazemos a posição dos sindicatos de trabalhadoras domésticas afiliados à Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), e da Acierj (Associação dos Cuidadores da Pessoa Idosa, da Saúde Mental, e com Deficiência do Estado do Rio de Janeiro), mostrando como cada organização política têm desenvolvido estratégias de valorização das ocupações relacionadas com o trabalho doméstico e o cuidado. Nessa última parte, buscamos entender como essas organizações situam os seus discursos políticos em relação ao seu campo profissional e em que medida demarcam fronteiras ou liminaridades entre trabalho doméstico e de cuidado como forma de ação contra a precariedade e a desvalorização de seus ofícios. Este artigo é resultado das reflexões conjuntas sobre o tema, a partir do trabalho de campo das autoras2 2 . Em termos de pesquisa de campo, o artigo é composto por: 1) campo com a Fenatrad conduzido por Louisa Acciari entre 2015 e 2019, como parte de suas pesquisas de doutorado e pós-doutorado, nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Paraíba. Inclui 45 entrevistas com diretoras de sindicatos, em nível local e nacional; 2) Em relação às empregadoras, foram realizadas dez entrevistas com patroas na cidade do Rio de Janeiro-rj em 2014, como parte da pesquisa de mestrado de Anna Bárbara Araujo e quinze entrevistas na cidade de Curitiba-pr no ano de 2015, que compõem a pesquisa de doutorado de Thays Monticelli; 3) A entrevista com Ana Gilda (presidente da Acierj), foi realizada em 2017 por Thays Monticelli, para a pesquisa DomEqual, coordenada pela Profa. Dra. Sabrina Marchetti (Università Ca’Foscari Venezia) (This publication has received funding from the European Research Council, erc, under the European Union’s Horizon 2020 Research and Innovation Programme, Grant Agreement n. 678783, DomEqual). .

Fronteiras e liminaridades teóricas: cuidado, trabalho doméstico e reprodução social

A definição de cuidado, ou care, tem emergido através de diversas vertentes nos estudos feministas e de gênero. A literatura dedicada ao tema traz uma infinidade de sentidos, definições e usos da categoria “cuidado”, que nem sempre são compatíveis uns com os outros ou dialogam entre si. Isabel Georges (2017Georges, Isabel. (jun. 2017), “O ‘cuidado’ como ‘quase-conceito’: por que está pegando? Notas sobre a resiliência de uma categoria emergente”. In: Debert, Guita Grin & Pulhez, Mariana Marques (orgs.). Textos didáticos, desafios do cuidado: gênero, velhice e deficiência, ifch-Unicamp, 66, pp. 125-151.), por exemplo, afirma que o cuidado é um “quase-conceito”, mantendo sua resiliência enquanto categoria de análise graças às tensões que consegue enunciar. Essas tensões dizem respeito às mudanças no mundo do trabalho e aos debates da própria sociologia do trabalho, segundo ela. Já Christelle Avril (2018Avril, Christelle. (2018), “Sous le care, te travail des femmes de milieux populaires. Pour une critique empirique d’une notion à succès”. In: Maruani, Margaret (dir.). Je travaille, donc je suis: Perspectives féministes. Paris, Éditions la Découverte, pp. 205-216.) indica que o cuidado (ou mais precisamente o care) é uma categoria tão genérica que se tem a impressão de que ela poderia ser utilizada para qualquer atividade humana, daí a profusão do termo em textos sociológicos das mais distintas áreas.

Tal como definido por Araujo (2019bAraujo, Anna Bárbara. (2019b), Políticas sociais, emoções e desigualdades: enredando o trabalho de cuidado de idosos em uma política pública municipal. 203 p. Rio de Janeiro, tese de doutorado, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro.), o cuidado pode ser entendido como o trabalho reprodutivo que: 1) é voltado às pessoas; e 2) cria uma relação pessoal entre beneficiários e prestadores de cuidado. Com base em Glenn (2000Glenn, Evelyn Nakano. (jan. 2000), “Creating a care society”. Contemporary Sociology, Washington, 29 (1): 84-94.), compreende-se que as atividades de cuidado podem incluir cuidado físico (dar banho, alimentar), cuidado emocional (ouvir, aconselhar) e serviços diretos (levar a pessoa ao médico, executar tarefas para a pessoa). Em uma dada relação de cuidado entre duas ou mais pessoas, nem todas essas dimensões precisam estar presentes, assim como o nível e a extensão de cada uma podem variar e, ainda, se alterar ao longo do tempo. Como afirmado por Boris (2014Boris, Eileen. (jun. 2014), “Produção, reprodução, casa e trabalho”. Tempo Social, São Paulo: 26 (1): 101-121.):

O care, dessa forma, é um componente do trabalho reprodutivo que não equivale ao trabalho doméstico, mas é geralmente executado junto com outras atividades domésticas - razão pela qual a linha que separa o care e o trabalho doméstico não é tão clara (Boris, 2014Boris, Eileen. (jun. 2014), “Produção, reprodução, casa e trabalho”. Tempo Social, São Paulo: 26 (1): 101-121., p. 103).

Ao falarmos de trabalho reprodutivo, nós nos reportamos às atividades que se destinam a manter a vida humana, independentemente se ocorrem de forma remunerada ou não. Consideramos que existe um campo profissional da reprodução social, composto pela variedade de tarefas do trabalho de cuidado e doméstico, que são exercidas em troca de uma remuneração.

O artigo se concentra em uma discussão sobre este campo profissional: as atividades de cuidado e as atividades domésticas remuneradas. Nadya Guimarães e Helena Hirata (2016Guimarães, Nadya Araujo & Hirata, Helena. (fev. 2016), “La frontera entre el empleo doméstico y el trabajo profesional de cuidados en Brasil: pistas y correlatos en el proceso de mercantilización”. Sociología del Trabajo, Madri, 86: 7-27.) têm demostrado como a mercantilização desses trabalhos no Brasil se estabelece em uma zona fluida, considerando o recente reconhecimento no imaginário social da profissão de “cuidadora”, que surge na emergência de estabelecer uma nova forma social de desempenhar os cuidados. Contudo, esse movimento de diferenciação simbólica ocorre em um mercado que historicamente se estruturou pela presença massiva de mulheres, que atendiam e proviam as diversas necessidades das famílias brasileiras - as trabalhadoras domésticas.

Destacamos que o mercado dos trabalhos domésticos e de cuidado emprega em suas ocupações a mesma parcela da população. Segundo os dados analisados por Guedes e Monçores (2019Guedes, Graciele Pereira & Monçores, Elisa. (out. 2019), “Empregadas domésticas e cuidadoras profissionais: compartilhando as fronteiras da precariedade”. Revista Brasileira de Estudos de População, São Paulo, 36: 1-24.), havia aproximadamente 1,3 milhões de cuidadoras profissionais (considerando cuidadoras de idosos e babás) e 5 milhões de trabalhadoras domésticas no Brasil em 2015, ocupações que empregavam majoritariamente mulheres (97% e 94%, respectivamente). A maior parte dessas trabalhadoras se autodeclaravam pretas ou pardas, representando 58,3% entre as cuidadoras e 64,7% entre as trabalhadoras domésticas - dado que nos mostra que o cuidado tem absorvido menos mulheres negras do que o trabalho doméstico. Em termos de escolaridade, há uma diferenciação: as cuidadoras tinham índices mais elevados, com a média de 9,4 anos de estudo, em comparação com as trabalhadoras domésticas, que tinham em média 7,5 anos de estudo. Cerca de 21,5% das cuidadoras e 24,4% das trabalhadoras domésticas eram migrantes internas, na sua maioria provenientes da região Nordeste do Brasil. Os dados apontam ainda para um certo envelhecimento dessas ocupações: a idade média das cuidadoras era de 39 anos, enquanto das trabalhadoras domésticas de 43 anos, sendo que a faixa etária em que mais se concentravam era de 36 a 50 anos (Guedes & Monçores, 2019).

Os números relacionados à formalização dessas profissionais permanecem baixos e similares, pois apenas 31,1% das trabalhadoras domésticas e 31,9% das cuidadoras tinham a carteira de trabalho assinada em 2015. É importante ressaltar que a contribuição previdenciária como autônomas é uma realidade limitada para ambas, já que apenas 11% das cuidadoras e 10% das trabalhadoras domésticas não formalizadas eram contribuintes da Previdência Social. A renda dessas profissionais também se mostrava semelhante, com valores médios um pouco abaixo do salário-mínimo nacional no período3 3 . As cuidadoras ganhavam em média R$785,00 e as trabalhadoras domésticas R$752,00. O salário-mínimo em 2015 era de R$ 788,88. . Em termos de jornada de trabalho, cerca de 60% das cuidadoras e 55% das trabalhadoras domésticas despendiam mais de quarenta horas semanais nessas ocupações (Guedes & Monçores, 2019Guedes, Graciele Pereira & Monçores, Elisa. (out. 2019), “Empregadas domésticas e cuidadoras profissionais: compartilhando as fronteiras da precariedade”. Revista Brasileira de Estudos de População, São Paulo, 36: 1-24.).

Assim, o Brasil conta com um número expressivo de mulheres, em geral negras, mais velhas, trabalhando de forma informal e ganhando menos de um salário-mínimo, seja se empregando como cuidadoras ou como trabalhadoras domésticas. Se as condições de trabalho e o perfil não são tão distintos, a diferenciação ocorre no cenário político através das lutas em termos de reconhecimento profissional e legislativo.

Compreendemos o termo reconhecimento de maneira plural, relacionando-o com as considerações cultural-valorativas de certas coletividades (Fraser, 2006Fraser, Nancy. (2006), “Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça numa era ‘pós-socialista’”. Cadernos de Campo, São Paulo, 15 (14-15): 231-239.). Essa conceituação nos auxilia na medida em que permite compreender o esforço das trabalhadoras domésticas e cuidadoras como parte da ampla discussão dos estudos de gênero e feministas sobre reconhecimento do trabalho reprodutivo. Mostraremos que, à sua maneira, trabalhadoras domésticas e cuidadoras estão buscando tornar visíveis a importância social e econômica do trabalho reprodutivo e sua centralidade na organização social.

Segundo Uhde (2016Uhde, Zuzana. (2016), “Social bias within the institution of hired domestic care: Global interactions and migration”. Civitas, Porto Alegre, 16, (4): 682-707.), a distinção entre trabalho produtivo e atividades reprodutivas representa a primeira camada do padrão desigual de distribuição do reconhecimento social. Isso se dá porque o trabalho doméstico e o de cuidado representam uma atividade simbólica que estrutura a posição social da mulher. Em geral, nas sociedades ocidentais modernas, as atividades reprodutivas nunca foram totalmente integradas às atividades socialmente reconhecidas, mesmo quando são remuneradas. Assim, importa considerar que o reconhecimento do trabalho doméstico e de cuidado como uma obrigação - generificada e racializada - garantiu apenas uma estima desigual dos mesmos enquanto trabalho remunerado (Uhde, 2016).

Nesse sentido, entendemos que a “valorização” se vincula aos esforços de buscar retribuir esses trabalhos adequadamente, tanto de forma monetária, com salários “justos”, proporcionais aos esforços e à importância do trabalho doméstico e de cuidado, como socialmente, no sentido de considerá-los tão qualificados e relevantes como outros. Ressalta-se que esses trabalhos são reveladores de diferentes formas de desvalorização. Por um lado, a contratação dessas profissionais reflete diretamente as desigualdades que as mulheres vivenciam em termos da divisão sexual do trabalho, das insuficientes políticas públicas do Estado, da invisibilidade das tarefas domésticas e de sua histórica percepção enquanto um trabalho economicamente “improdutivo”, como analisado pelos estudos feministas e de gênero (Melo, Considera & Di Sabatto, 2007Melo, Hildete Pereira de; Considera, Claudio Monteiro & Di Sabbato, Alberto. (2007), “Os afazeres domésticos contam”. Economia e sociedade, Campinas, 16 (3): 435-454.; Sorj, 2014Sorj, Bila. (jun. 2014), “Socialização do cuidado e desigualdades sociais”. Tempo Social, São Paulo, 26 (1): 123-128.). Por outro lado, diferentes pesquisas apontam que a contratação dessas trabalhadoras marca a identidade de classe dos estratos de renda alta no Brasil, o que se verifica também na delimitação de distâncias de classe, gênero e raça como parte do cotidiano de trabalho, refletindo sua desvalorização social (Kofes, 2001Kofes, Sueli. (2001), Mulher, mulheres: identidade, diferença e desigualdade na relação entre patroas e empregadas domésticas. Campinas, sp, Editora da Unicamp, 469 p.; Roncador, 2008Roncador, Sonia (2008). A doméstica imaginária: literatura, testemunhos e a invenção da empregada doméstica no Brasil (1889-1999). Brasília, df, Editora unb. 255p.).

Discutimos a seguir a complexidade desses processos de reconhecimento e valorização, mostrando que as tentativas de regulamentação podem ser compreendidas como uma forma de reconhecimento social e político. Não obstante, tais tentativas criaram tensões e debates entre as próprias trabalhadoras.

Regulamentar o trabalho doméstico e o cuidado: entre reconhecimento e precarização

Em abril de 2013, o Congresso Nacional aprovou a Proposta de Emenda Constitucional n. 72, fruto de uma luta de mais de oitenta anos do movimento organizado de trabalhadoras domésticas, que trouxe a ampliação de direitos trabalhistas para essa categoria profissional. A conquista de direitos foi estabelecida por um longo processo de mobilização, iniciado em 19364 4 . As trabalhadoras domésticas tiveram o direito de se sindicalizar com a Constituição de 1988, mas desde 1936, estavam formando associações nas principais cidades do Brasil. No final dos anos 1960, começaram a se reunir em Congressos Nacionais da categoria, até criar, em 1981 o Conselho Nacional das Trabalhadoras Domésticas. Após conseguirem formalizar sindicatos a partir de 1988, fundaram a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas em 1997. , marcado por negociações e incompreensões sobre definições dos conceitos de produtividade, lucratividade e reprodução (Bernardino-Costa, 2015; Fraga, 2016). Desde a aprovação da clt (Consolidação das Leis do Trabalho) em 1943, que delimitava em seu artigo sétimo a exclusão dos serviços domésticos, houve uma constante marginalização dessa categoria na legislação trabalhista, mantendo uma desigualdade de direitos em relação aos demais trabalhadores. A Emenda Constitucional, regulamentada através da Lei Complementar n. 150 no ano de 2015, reproduziu debates e tensões em torno do valor e do estatuto do trabalho doméstico.

A lei de 2015 define o trabalho doméstico da seguinte forma: “aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana” (Brasil, 2015). O caráter “não lucrativo” dessa atividade continua gerando profundos debates, como será discutido em mais detalhes na última parte do artigo. A lei garante os seguintes direitos às trabalhadoras domésticas: salário-mínimo nacional, jornada de trabalho de 8 horas diárias e 44 horas semanais, horas extras, adicional noturno, aviso prévio, seguro-desemprego, fgts (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), aposentadoria, licença maternidade e estabilidade para a trabalhadora gestante, 30 dias de férias, feriados nacionais, carteira de trabalho assinada nas primeiras 48 horas de trabalho e multa para os empregadores que não cumprirem esse prazo.

Apesar de representar uma vitória histórica para as trabalhadoras domésticas, a lei 150/2015 diminui o escopo da pec de 2013, deteriorando o que tinha sido uma declaração de igualdade e transformando-a em um instrumento ambíguo, que permite não efetivar alguns direitos (Acciari & Pinto, 2020Acciari, Louisa, & Pinto, Tatiane. (jan./abr. 2020), “Praticando a equidade: estratégias de efetivação dos direitos no trabalho doméstico”. Estudos Avançados, São Paulo, 34 (98): 73-89.). Uma das questões centrais é a situação das diaristas, pois a lei formaliza a distinção entre trabalhadoras mensalistas (trabalhando pelo menos três dias por semana para o mesmo empregador) e diaristas (que trabalham até dois dias por semana para o mesmo empregador). Os novos direitos não se aplicam a estas últimas, consideradas sem vínculo empregatício, responsabilizando a própria trabalhadora a pagar os impostos e contribuições sociais, além de não poder receber nenhum dos benefícios relacionados a uma possível demissão. Essa definição vem justamente no momento em que uma grande parcela da classe média já optava pelos serviços em diárias, que representavam, em 2018, 44% da categoria (Pinheiro et al., 2019Pinheiro, Luana et al. (2019), “Os desafios do passado no trabalho doméstico do século xxi reflexões para o caso brasileiro a partir dos dados da pnad Contínua”. Textos para discussão. Rio de Janeiro, Ipea.). Ou seja, quase metade das trabalhadoras domésticas se encontra fora do âmbito legislativo que amplia seus direitos trabalhistas. A legislação ainda responsabiliza o empregador pelo processo de contratação, pois a pessoa física que emprega a trabalhadora deve registrá-la no sistema on-line “e-social5 5 . O Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (e-social), é um portal em que os empregadores podem comunicar ao governo federal, de forma unificada, as informações sobre os trabalhadores, tais como vínculos, contribuições previdenciárias, aviso prévio, fgts. É por esse portal que os empregadores domésticos formalizam suas trabalhadoras. Disponível em https://portal.esocial.gov.br/institucional/conheca-o, consultado em 5/5/2020. . Dessa forma, o processo é individualizado e depende da “boa-fé” dos patrões. Como o local de trabalho é uma casa particular, o Ministério Público do Trabalho só pode proceder a uma inspeção se uma reclamação formal for recebida, com o acordo prévio do próprio empregador.

No campo do movimento sindical de trabalhadoras domésticas, as brechas legais oriundas da Lei 150/2015 causaram grande insatisfação. Nair Jane de Castro Lima, militante desde os anos 1970 e atual diretora do sindicato de Nova Iguaçu, declarou, por exemplo, que “a lei das domésticas é uma colcha de retalho” (Fontes et al., 2019Fontes, Paulo et al. (jul./dez. 2019), “‘Eu tinha minha liberdade’: Entrevista de Nair Jane de Castro Lima, liderança histórica das trabalhadoras domésticas do Rio de Janeiro”. Revista Mundos do Trabalho, Santa Catarina, 10 (20): 167-189., p. 187). Segundo Nair Jane, a lei “está transformando a categoria em trabalho informal, sem carteira assinada, sem direitos respeitados” (Idem, p. 187). Nessa perspectiva, a lei que deveria tornar as trabalhadoras domésticas iguais aos demais trabalhadores foi esvaziada em sua essência. De fato, a precariedade da categoria permanece: entre diaristas e mensalistas sem carteira assinada, poucas são as trabalhadoras domésticas que conseguem efetivamente gozar de seus novos direitos.

O reconhecimento da profissão via Estado sempre foi elencado como uma das lutas primordiais por esse movimento sindical (Bernadino-Costa, 2015Bernadino-Costa, Joaze. (2015). Saberes subalternos e decolialidade: os sindicatos de trabalhadoras domésticas no Brasil. Brasília: Editora unb.), mesmo com o número de formalizações contratuais permanentemente baixo ao longo dos anos. Nesse sentido, a luta por tal reconhecimento não diz respeito somente à conquista de uma base de direitos trabalhistas, mas sobretudo da consolidação e valorização profissional, conforme discutido na seção anterior.

Já o movimento político de cuidadoras tem investido em uma estratégia política que possibilita a adoção de uma legislação própria como um processo de reconhecimento e de definição da profissão, considerando seu trabalho como distinto da função de trabalhadora doméstica.

Esse movimento ganha corpo quando, em 2002, a Classificação Brasileira de Ocupações (cbo) incluiu, sob o código 5162, a ocupação de “cuidadores de crianças, jovens, adultos e idosos”. São compreendidos nessa categoria babás, cuidadores de idosos, mães sociais e cuidadores em saúde. A função desses trabalhadores é cuidar: “[a] partir de objetivos estabelecidos por instituições especializadas ou responsáveis diretos, zelando pelo bem-estar, saúde, alimentação, higiene pessoal, educação, cultura, recreação e lazer da pessoa assistida” (Brasil, 2002). Observa-se que atualmente as cuidadoras podem ser contempladas pela Lei 150/2015, desde que as funções sejam realizadas em domicílio e o empregador seja pessoa física.

A incorporação da função de cuidador de idosos na cbo não garantiu, entretanto, a regulamentação da profissão. Desde 2007, tramitava no Congresso Nacional o projeto de Lei n. 16 de 2016 (Antigo Projeto de Lei nº 1.385, de 2007), que propunha regulamentar a ocupação de Cuidador de Pessoa Idosa, Cuidador Infantil, Cuidador de Pessoa com Deficiência e Cuidador de Pessoa com Doença Rara. Pelo projeto, os cuidadores deveriam possuir os seguintes requisitos: ter no mínimo dezoito anos, ensino fundamental completo, bons antecedentes criminais e certificado de aptidão física e mental, além de curso de qualificação na área. O projeto também dispunha que o cuidador contratado por pessoa física deveria ter os mesmos direitos das trabalhadoras domésticas, desde que trabalhasse pelo menos três dias por semana na mesma residência. O projeto ainda previa a contratação do cuidador como mei ou pelas leis da clt, caso fosse empregado por pessoa jurídica.

Em maio de 2019, o projeto foi aprovado pela Câmara e pelo Senado, mas sofreu veto total do presidente Bolsonaro, em julho de 2019, sob alegação de que a lei disciplinaria a profissão de cuidador de idoso, com a imposição de requisitos e condicionantes, e restringiria o livre exercício profissional. O veto presidencial foi mantido quando o projeto voltou ao Congresso, a despeito da mobilização de Associações de Cuidadoras e outros membros da sociedade civil para a derrubada do veto, o que foi considerado uma grande derrota para o movimento6 6 . Em 2020, iniciou-se a tramitação de um novo projeto de lei que visa a regulamentar a ocupação das cuidadoras de idosos, trata-se do pl 5.178. Disponível em https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/145435, consultado em 02/12/2020. . Assinalamos, igualmente, que Jair Bolsonaro, então deputado federal no período, foi o único a votar contra a “pec das Domésticas” em 2013, assumindo claramente o discurso de que os dispositivos da lei resultariam em maiores gastos para os empregadores. Essa informação mostra-se relevante, uma vez que as políticas governamentais atuais não seguem com as mesmas perspectivas de inclusão legislativas de governos anteriores, dificultando ainda mais o acesso amplo de direitos para essas trabalhadoras (Krein, 2018Krein, José Dari. (abr. 2018), “O desmonte dos direitos, as novas configurações do trabalho e o esvaziamento da ação coletiva. Consequências da reforma trabalhista”. Tempo Social, São Paulo: (30) 1: 77-104.; Marcelino & Galvão, 2020Marcelino, Paula & Galvão, Andréia. (2020), “O sindicalismo brasileiro frente à ofensiva neoliberal restauradora”. Tempo Social, São Paulo: 32 (1): 157-182.). Por exemplo, no início de 2020, foi retirada a possibilidade de os empregadores descontarem do imposto de renda a contribuição ao inss da trabalhadora doméstica. Essa medida tinha sido introduzida em 2006, durante o governo Lula, com o objetivo de incentivar a formalização das trabalhadoras domésticas. Haja vista o cenário de crise atual, o fim desse desconto pode representar mais uma barreira à formalização contratual.

Se no âmbito federal uma legislação própria para as cuidadoras tem encontrado impasses, surgiram legislações estaduais que têm propiciado algum tipo de regulamentação profissional. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, o exercício da ocupação de cuidador de pessoa idosa possui legislação própria desde 2016. Trata-se da Lei n. 7.332, de 14 de julho de 2016. Além de ter pelo menos dezoito anos e ensino fundamental completo, a Lei indica que os cuidadores devem ter curso de qualificação na área com duração de no mínimo 160 horas-aula, sendo que 25% da carga horária deve ser destinada a atividades práticas7 7 . As cuidadoras que já atuam na área têm até 2021 para conseguir sua certificação. . O piso salarial das ocupações também difere: enquanto o mínimo previsto para as trabalhadoras domésticas no Rio de Janeiro é de R$ 1.238,11, para as cuidadoras de idosos, os valores são de R$ 1.283,73. Se a baixa distância entre o piso salarial das duas ocupações não permite fazer inferências mais robustas sobre como o governo do Rio de Janeiro vem construindo essas ocupações em termos de hierarquização, a exigência de nível de escolaridade e formação para as cuidadoras as coloca em uma situação distinta das trabalhadoras domésticas, que não possuem requisitos formais para o exercício da profissão.

Homogeneização nos contratos, diferenciações do trabalho

Apesar da criação e da tentativa de consolidação de direitos trabalhistas, os empregadores têm encontrado outras formas de contratação, que não seguem necessariamente as normas legislativas. Nos últimos anos emergem nesse setor os contratos realizados através do mei, fazendo com que os empregadores se isentem dos encargos tributários e deveres estabelecidos pela clt. Nessa nova forma contratual, estão sendo absorvidas tanto as cuidadoras de idosos, quanto as diaristas. Nota-se que o mei8 8 . Têm direito ao mei pessoas que “trabalham por conta própria” e que ganham até R$ 81.000,00 por ano. Pagando uma taxa mensal que varia entre R$ 53,25 e R$ 58,25, ficam isentos de tributos federais como o pis (Programa de Integração Social). O objetivo da iniciativa é que “o trabalhador conhecido como informal possa se tornar um mei legalizado”, através de estratégias jurídicas que facilitem sua entrada, bem como pela distribuição de benefícios que garantam sua permanência no setor “legal”. Disponível em http://www.portaldoempreendedor.gov.br/, consultado em 6/4/2020. é um dispositivo para quem trabalha por conta própria, garantindo direitos como salário-maternidade, auxílio-doença, aposentadoria e pensão por morte. Mas por tratar-se de um contrato de serviço e não de trabalho, o titular do mei não recebe férias, décimo-terceiro salário nem compensações rescisórias.

No caso das cuidadoras de idosos, Araujo (2015Araujo, Anna Bárbara. (2015). Gênero, profissionalização e autonomia: o agenciamento do trabalho de cuidadoras de idosos por empresas. 96 p. Rio de Janeiro, dissertação de mestrado, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro.) observa que, na prática, o mei vem sendo utilizado em situações em que a profissional trabalha mais de dois dias por semana na mesma residência, e/ou tem jornadas de trabalho atípicas, visto que muitas cuidadoras podem ter jornadas de 24 x 24 ou 48 x 48 (isto é, 24 ou 48 horas no local de trabalho, seguidas por 24 ou 48 horas fora do local de trabalho). Já para as diaristas, o mei é uma forma de acesso mínimo às proteções legais. O trabalho em diárias é caracterizado pela ambivalência de vínculos considerados menos assimétricos, nos quais a subserviência e as hierarquizações não são tão fortemente demarcadas, mas, ao mesmo tempo, aumenta a vulnerabilidade social dessas trabalhadoras ao retirá-las totalmente do amparo legislativo (Monticelli, 2013Monticelli, Thays Almeida. (2013), Diaristas, afeto e escolhas: ressignificações no trabalho doméstico remunerado. 170p. Curitiba-pr, dissertação de mestrado, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná.).

Em fevereiro de 2019, havia 78.411 cuidadoras de idosos trabalhando como mei no Brasil, as diaristas eram 140.026 no mesmo período9 9 . Fonte: http://www.portaldoempreendedor.gov.br/estatisticas, consultado em 28/2/2020. ; ou seja, as cuidadoras e diaristas partilham da precariedade através do mei, que para os diferentes empregadores é uma forma de não se responsabilizarem pelos direitos trabalhistas conquistados. Nesse sentido, parece que a inclusão dessas trabalhadoras como mei constitui o que se poderia chamar de sistema legal de exceção (De Soto, 1986De Soto, Hernando. (1986), El otro sendero: la revolución informal. Lima, Editorial El Barranco.), uma vez que cuidadoras e diaristas desenvolvem suas atividades legalmente, embora não gozem de todos os benefícios e da proteção social garantida a outros setores da população de trabalhadores. De fato, muitas são as complexas modalidades de trabalho que fogem à do emprego típico, conforme argumentam Noronha, De Negri e Artur (2006Noronha, Eduardo; De Negri, Fernanda & Artur, Karen. (2006), “Custos do trabalho, direitos sociais e competitividade industrial”. In: De Negri, João Alberto; De Negri, Fernanda & Coelho, Danilo. Tecnologia, exportação e emprego. Brasília, Ipea.): “Enfim, as fronteiras entre ser empregador, autônomo empregado e não trabalhador são claras nos casos típicos, mas, cada vez mais, se disseminam formas de contratos atípicas, sejam elas previstas ou não pelas leis nacionais” (p. 163).

As cuidadoras e diaristas, enquanto mei, passam a ser regidas pelo direito comercial ao invés do direito do trabalho, ou por uma formulação híbrida que supõe elementos de ambos. Enquanto o direito do trabalho parte do reconhecimento de que há uma relação desigual entre empregador e empregado, assinalando que os últimos precisam de uma proteção social específica (Noronha, De Negri & Arthur, 2006Noronha, Eduardo; De Negri, Fernanda & Artur, Karen. (2006), “Custos do trabalho, direitos sociais e competitividade industrial”. In: De Negri, João Alberto; De Negri, Fernanda & Coelho, Danilo. Tecnologia, exportação e emprego. Brasília, Ipea.), o direito comercial baseia-se no princípio de que os agentes têm plena liberdade para deliberar sobre os contratos que assinam ou deixam de assinar. As trabalhadoras que optam pelo mei atuam como pessoa jurídica, embora seu trabalho seja assalariado e suas condições de trabalho se aproximem das de um empregado via clt.

Assim, convém falar do binômio formalidade/informalidade não necessariamente enquanto setores distintos da economia, mas enquanto formas distintas de relações de trabalho, que dizem respeito, especialmente, ao acesso a benefícios e direitos. Contudo, como já assinalado, a condição de acesso a esses direitos é o reconhecimento da existência de uma relação de trabalho, o que não ocorre se o status legal atribuído à cuidadora e à diarista é o de empreendedora. Nesses termos, é possível compreender como uma empresa formal - ou mesmo o governo - pode favorecer situações associadas à informalidade na mesma medida em que proporciona condições de trabalho mais flexíveis.

Para além desse quadro, nossas pesquisas realizadas com empregadoras de cuidadoras de idosos na cidade do Rio de Janeiro-rj, e com empregadoras de trabalhadoras domésticas em Curitiba-pr, têm mostrado que o mercado estabelece formas de diferenciação nas práticas e discursos em relação a esses trabalhos. A primeira delas está na qualificação específica na área, o que distanciaria cuidadoras e trabalhadoras domésticas. A maior responsabilidade pelo cuidado em saúde de idosos, com graves debilidades físicas e psicológicas, exigiria uma competência “técnica”, como fica claro neste trecho de uma das entrevistas:

Empregadora: Na parte profissional tem que ser a técnica, a eficiência e educação. Sem isso não adianta botar, porque o que está passando é o seguinte: toda empregada doméstica quer ser cuidadora.

Pesquisadora: A senhora acha errado?

Empregadora: Eu acho. Pelo seguinte, você fazer comida não é cuidar do idoso. É o que eu digo a elas, vocês vão ganhar mais dinheiro indo trabalhar numa loja, num shopping, vocês vão ter uma outra coisa para fazer. Mas cuidadora, não. Porque um exemplo: se vocês deixarem ela [idosa] sair e se ela cair, ela toma anticoagulante, e se tiver uma hemorragia comigo? Tá todo mundo na cadeia. (Entrevista realizada em abril de 2014, Rio de Janeiro).

As exigências e percepções para as cuidadoras de idosos incluem desde a necessidade de serem pacientes, calmas e reservadas (Araujo, 2019aAraujo, Anna Bárbara. (jan. 2019a). “Gênero, reciprocidade e mercado no cuidado de idosos”. Estudos Feministas, 27 (1), pp. e45553.), até a priorização total do cuidado em detrimento do trabalho doméstico. Como bem apontou uma das empregadoras: “eu falo para elas [três cuidadoras dos pais]: primeiro de tudo, atenção para eles; a casa, se der para limpar, limpa; se não der, não limpa, porque também não é a obrigação do cuidador” (Entrevista realizada em 2015, Curitiba). A especialização de tarefas é relacionada, para as empregadoras, a um certo grau de eficiência que esperam das trabalhadoras contratadas. Nas entrevistas feitas em Curitiba-pr, as empregadoras também enunciavam como uma qualidade das trabalhadoras mensalistas sua capacidade de cumprir as tarefas domésticas de uma forma delimitada e apropriada às necessidades de suas casas.

Se as empregadoras começam a visualizar esse setor através das especialidades que cada ocupação pode desempenhar, um novo quadro de contratações poderia delinear-se na sociedade brasileira, distanciando-se da sobrecarga causada pela confluência das tarefas no âmbito doméstico. Ao mesmo tempo, é importante notar que as exigências específicas também podem compor narrativas de ineficiências relativas ao trabalho realizado, reafirmando um processo de desvalorização dessas profissionais. Nas entrevistas em Curitiba-pr, viu-se que frequentemente as empregadoras demandavam tarefas extremamente especializadas (por exemplo, comida vegana), o que exigia um grau de formação e conhecimento de difícil acesso para as trabalhadoras, fazendo com que as empregadoras se sentissem permanentemente insatisfeitas.

Essa insatisfação também se vincula aos processos de reconhecimento dos direitos das trabalhadoras domésticas. Segundo Monticelli (2018Monticelli, Thays Almeida. (2018), “Cuidado e poder: as relações do trabalho doméstico remunerado através da cultura doméstica”. In: Tamanini, Marlene et al. O cuidado em cena: desafios políticos, teóricos e práticos. Florianópolis, Editora Udesc, pp. 161-184.), as empregadoras estipulam, muitas vezes, uma relação direta entre a qualidade dos serviços prestados e os direitos conquistados pelas trabalhadoras, como se para terem acesso às proteções legais precisassem “merecê-los”. Essa perspectiva se enquadra na vinculação histórica do trabalho doméstico com as noções de domesticidade e com as práticas servis, aproximando-o dos aspectos de desvalorização e de não reconhecimento. Como ilustrado na entrevista citada abaixo, a ideia de que uma trabalhadora “não qualificada” possa ganhar um bom salário e ter direitos trabalhistas causa um certo desconforto ao quebrar uma relação marcada pela domesticidade e por hierarquias sociais estabelecidas:

Empregadora: Então, vamos pensar na época atual, os encargos são bastantes para uma empregada doméstica e, às vezes, a empregada doméstica está cobrando mais até que uma pessoa que sai formada em uma faculdade; médico recém-formado, ou sei lá, ganha menos que uma empregada doméstica (risos). Então isso é uma incoerência! Porque, afinal, um é o trabalho braçal, e o outro é o trabalho mental que ficou anos, anos e anos estudando. (Entrevista realizada em junho de 2015, Curitiba-pr).

Assim, a valorização do trabalho doméstico e de cuidado aparece associada às ideias de qualificação e especialização, no discurso dos empregadores, que nem sempre se equaciona com a efetivação de direitos. Na próxima seção será discutido como a temática da valorização destes trabalhos é encarada de modo distinto pelas organizações políticas de trabalhadoras domésticas e de cuidadoras

Disputas políticas: os sindicatos de trabalhadoras domésticas e as associações de cuidadoras

Os discursos e as estratégias políticas de trabalhadoras domésticas e de cuidadoras de idosos organizadas, em torno da valorização e do reconhecimento de suas ocupações, têm tomado caminhos distintos. Enquanto os sindicatos de trabalhadoras domésticas enfatizam as semelhanças entre trabalho doméstico e cuidado, as associações de cuidadoras buscam marcar as fronteiras entre os dois.

Os sindicatos de trabalhadoras domésticas investem na valorização desse trabalho há décadas, indicando que uma das maiores dificuldades de mobilização e associação de militantes é justamente o peso dos estigmas e dos estereótipos que essa profissão carrega na sociedade brasileira. Inclusive, muitas trabalhadoras não sindicalizadas parecem rejeitar seu pertencimento a essa categoria profissional. De acordo com Acciari (2016Acciari, Louisa. (nov. 2016), “‘Foi difícil, mas sempre falo que nós somos guerreiras’: O movimento das trabalhadoras domésticas entre a marginalidade e o empoderamento”. Mosaico, Rio de Janeiro, 7 (11): 125-147.), algumas trabalhadoras domésticas não desejam ser identificadas como tal; pelo contrário, usam uma variedade de palavras para descrever sua atividade, como “babá”, “cuidadora”, “cozinheira”, “copeira” ou “arrumadeira”. A autora ainda relata que uma trabalhadora que estava na sala de espera do sindicato de São Paulo reclamava do fato de seu empregador tê-la registrado como “empregada doméstica”, quando, na verdade, ela era uma “cuidadora”, e que isso poderia “sujar” sua carteira de trabalho (Acciari, 2016).

Isso cria um problema fundamental para a ação sindical: como organizar uma categoria que não quer ser? Como convencer uma trabalhadora a defender seus direitos como trabalhadora doméstica, se ela quer distância dessa profissão? As próprias dirigentes sindicais, apesar de fortes críticas em relação à “vergonha” relatada pelas trabalhadoras não sindicalizadas, confessaram já terem sentido similar constrangimento. São comuns os relatos de trabalhadoras que diziam ter outra profissão, para não declararem que eram “empregadas”. É o caso, por exemplo, de Dona Lourdes, dirigente do sindicato de Nova Iguaçu, que, quando trabalhava em uma casa de família no bairro do Jardim Botânico no Rio de Janeiro, contava para suas amigas que trabalhava na “Globo”10 10 . Os estúdios e produções de jornalismo da Rede Globo ficam no bairro Jardim Botânico na cidade do Rio de Janeiro. . Igualmente, sua filha Cleide Pinto, hoje presidenta do mesmo sindicato, afirmou que sua tardia entrada na luta estaria vinculada a essa “vergonha” que muitas compartilham.

Assim, a tarefa principal dos sindicatos de trabalhadoras domésticas, antes mesmo de poder defender seus direitos, é criar de maneira subjetiva a valorização da própria categoria. As militantes fazem um exercício constante de promover o orgulho e a autoestima das trabalhadoras via palestras, formações e rodas de conversa. Os sindicatos construíram também um discurso contra hegemônico sobre o trabalho doméstico, argumentando a favor de seu valor e de seu caráter produtivo, além do reprodutivo (Acciari, 2019Acciari, Louisa. (jan./abr. 2019), “Decolonising labour, reclaiming subaltern epistemologies: Brazilian domestic workers and the international struggle for labour rights”. Contexto Internacional, Rio de Janeiro, 41 (1): 39-63.). As dirigentes sindicais afiliadas à Fenatrad recusam a ideia segundo a qual o trabalho doméstico seria “não lucrativo”, tal como inscrito na lei, insistindo no seu caráter fundamental para a sociedade brasileira. Isso é ilustrado pelo slogan “trabalho doméstico também é profissão”, defendido pela federação. As dirigentes sindicais afirmam produzir bem-estar, além de dar sustentação para a reprodução da força de trabalho aos demais trabalhadores. O trabalho doméstico é apresentado por elas como a base da sociedade, mas também como o fruto de significativas desigualdades de gênero, raça e classe. As trabalhadoras domésticas sindicalizadas compreendem a importância de seus trabalhos nos processos de delegação e conciliação para as famílias de classe média, sobretudo para mulheres, entre o mercado e a casa, o que reflete tanto as insuficiências do Estado, como as hierarquizações profissionais e as desigualdades sociais. Segundo elas, “se o trabalho doméstico para, o Brasil para”. Assim, para os sindicatos, as precárias condições de trabalho no setor e a falta de valorização profissional são contraditórias com a importância social do trabalho doméstico.

Diante dessa estratégia política dos sindicatos de trabalhadoras domésticas, o esforço de criar um movimento distinto de cuidadoras implica, para elas, a desvalorização de uma trajetória de luta legislativa e subjetiva. Segundo as dirigentes entrevistadas, a demanda por parte das cuidadoras de ter uma legislação separada criaria divisões dentro da categoria, e acentuaria a desvalorização das tarefas que não envolvem de forma direta o cuidado com pessoas. De certa forma, essa distinção criada pelas cuidadoras e, muitas vezes, pelas próprias trabalhadoras domésticas resultaria em afirmar que o trabalho de limpeza valeria menos que o trabalho de cuidar, o que contradiz o discurso promovido pelos sindicatos de valorizar o trabalho reprodutivo como um todo.

O movimento político de cuidadoras, recentemente formado após o reconhecimento da ocupação na cbo em 2002, conta atualmente com pelo menos doze Associações de Cuidadores no país, todas da região Sul, Sudeste e Centro-Oeste; e sua principal demanda é a regulamentação da profissão, compreendida por elas como a solução à precariedade e à informalidade11 11 . Para discutir a questão das associações de cuidadores, privilegiaremos a experiência da Acierj (Associação de Cuidadores da Pessoa Idosa, da Saúde Mental e com Deficiência do Estado do Rio de Janeiro). Não obstante, as associações de cuidadores de outros estados têm estratégias semelhantes de mobilização, realizando, inclusive, encontros nacionais, como denota a tese de Oliveira (2015). . Para isso, as Associações estão constantemente buscando apoio de deputados/as e senadores/as, promovendo encontros com especialistas na área do envelhecimento e tentando trazer suas reivindicações ao debate público.

É importante ressaltar que o movimento de cuidadoras não se opõe à ideia de que essas ocupações reúnem a mesma gama de mulheres, reafirmando a mobilidade entre essas duas ocupações pelas trabalhadoras. Além disso, o movimento atesta a dificuldade de estabelecer e reconhecer os limites no exercício do trabalho. Segundo a associação fluminense, o reconhecimento profissional não é uma questão de hierarquização, mas, sobretudo, de delimitação das atividades a serem realizadas no domicílio.

Pesquisadora: E aí o seu sonho é fazer um sindicato para que alguns limites sejam colocados?

Ana Gilda: Sim, sim, claro. E não só para os familiares, mas para a gente se reconhecer, né? Você trabalha, você não é uma pessoa que está ali para lavar chão. Aí você vai trabalhar como doméstica, porque até cria um problema com os patrões domésticos, porque às vezes eles estão trabalhando na casa ainda; e, quando esse empregador vê que esse cuidador está dando conta, eles tiram a doméstica; ou então faz o contrário: pega a doméstica e bota ela para fazer tudo. (Entrevista realizada em agosto de 2017, Rio de Janeiro-rj).

Essa citação revela a dificuldade vivenciada no cotidiano das trabalhadoras, que se encontram realizando todas as tarefas domésticas e de cuidado, pelo mesmo salário e dentro do mesmo horário. Nesse sentido, a não distinção das funções levaria a uma maior carga de trabalho. Em termos do que seriam as fronteiras entre cuidado e trabalho doméstico, Ana Gilda, então presidenta da Associação, explica:

As atribuições do cuidador é o cuidado da pessoa que ela está cuidando, com higiene dessa pessoa, com o ambiente que ela fica, que é o quarto, né?, a alimentação faz parte, e isso, às vezes, é até saudável. As famílias que eu supervisiono, eu vou e falo: chama a pessoa idosa para ajudar, às vezes. Tem uma que tem Alzheimer e ela ficava irritadíssima porque ela ficava sentada; agora ela vai para lá, cata feijão, fica lá ajudando para fazer a comidinha dela, aí é outra história, o trabalho fica mais leve. Essas são as atribuições, atribuição de ter horário para descer com essa pessoa, de montar um trabalho mesmo psicossocial, para ela estar ali habitando, circulando, uma promoção de saúde, porque a saúde não é só você medicar alguém. (Entrevista realizada em agosto de 2017, Rio de Janeiro-rj).

Essa delimitação de tarefas é fundamental no discurso político da associação, pois é a partir dela que as bases de diferenciações em relação às trabalhadoras domésticas são formuladas, inclusive como demandas para a realização de cursos profissionalizantes na área, para o reconhecimento estatal e por parte das empregadoras. O distanciamento estratégico que as cuidadoras estabelecem com o trabalho doméstico é verificado inclusive entre aquelas que não estão nas Associações, como apontam as pesquisas de Araujo (2019aAraujo, Anna Bárbara. (jan. 2019a). “Gênero, reciprocidade e mercado no cuidado de idosos”. Estudos Feministas, 27 (1), pp. e45553.), e faz parte da construção de sua identidade profissional.

A importância da qualificação profissional como elemento para se diferenciar e valorizar seu ofício vai ao encontro das disposições legais fluminenses, que exigem um curso específico para as cuidadoras, e das narrativas das empregadoras, que reforçam a ideia de um trabalho que demanda especificidades.

Outra demanda relevante do movimento das cuidadoras é o de padronização dos cursos de formação. Atualmente, há bastante heterogeneidade em relação à carga horária, ao conteúdo programático e à modalidade (presencial ou on-line) desses cursos. O movimento de cuidadoras argumenta que instituir normas em relação à formação profissional é fundamental para fortalecer a profissão e para assegurar a boa qualidade do trabalho oferecido pelas cuidadoras.

No caso das trabalhadoras domésticas, a exigência por uma qualificação por parte de seus empregadores não passa necessariamente por uma formalização educacional, reafirmando na prática cotidiana de trabalho os padrões do que seria uma “boa” trabalhadora doméstica, estando sujeitas às imposições de seus empregadores e aos aspectos de diferenciações (Monticelli, 2017Monticelli, Thays Almeida. (2017), “Eu não trato empregada como empregada”: empregadoras e o desafio do trabalho doméstico remunerado. 221p. Curitiba-pr, tese de doutorado, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná.). Apesar disso, a qualificação educacional é uma pauta do movimento sindical de trabalhadoras domésticas, pensada justamente como uma forma de valorização de seus trabalhos (Acciari & Pinto, 2020Acciari, Louisa, & Pinto, Tatiane. (jan./abr. 2020), “Praticando a equidade: estratégias de efetivação dos direitos no trabalho doméstico”. Estudos Avançados, São Paulo, 34 (98): 73-89.). Esse panorama mostra as complexidades em torno do reconhecimento do trabalho doméstico e de cuidado. Outro ponto relevante no estabelecimento de fronteiras entre trabalhadoras domésticas e cuidadoras é o fato de que o local de trabalho nem sempre é um domicílio para as últimas. As cuidadoras podem ser empregadas em instituições de longa permanência para idosos ou em residências terapêuticas, por exemplo. Nesses casos, não se enquadram na Lei n. 150/2015. As cuidadoras podem também realizar serviços em domicílio para idosos sendo contratadas e pagas pelo Estado, como ocorre em São Paulo e em Minas Gerais (Araujo, 2019bAraujo, Anna Bárbara. (2019b), Políticas sociais, emoções e desigualdades: enredando o trabalho de cuidado de idosos em uma política pública municipal. 203 p. Rio de Janeiro, tese de doutorado, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro.). Assim, compreende-se que nesses casos as cuidadoras possuem demandas específicas, o que explica em parte seu distanciamento com relação aos sindicatos de trabalhadoras domésticas, reafirmando a posição das associações de que a consolidação de uma organização política própria atenderia essa categoria de uma forma mais ampla.

Portanto, se para ambas as categorias, trabalhadoras domésticas e cuidadoras, a regulamentação da profissão e a garantia de direitos trabalhistas são concebidas como instrumentos necessários à sua valorização e à melhoria de condições de vida, suas lutas para atingir esse reconhecimento social e estatal evoluíram em sentidos distintos. Para os sindicatos de trabalhadoras domésticas, a valorização passa pelo reconhecimento de todas as tarefas reprodutivas como sendo parte de uma mesma profissão; já para as associações de cuidadoras, a valorização se daria pela diferenciação das tarefas e formas de trabalho. Os movimentos políticos organizados refletem como tem se estruturado a mercantilização do trabalho doméstico e de cuidado no Brasil. A precariedade e a desvalorização, somadas com a heterogeneidade das ocupações e tipos de contratos que formam esse setor, geram um impulso político de demarcações e de luta por reconhecimento, que têm estabelecido um conflito nas bases do trabalho reprodutivo.

Conclusões

Este artigo discutiu os conflitos, disputas e tensões que surgem nas estratégias de conquista de direitos, na percepção dos empregadores e de seus manejos em relação à formalização contratual de trabalhadoras domésticas e cuidadoras, e, por último, na construção política discursiva das representantes das duas categorias, considerando as concepções de “reconhecimento” e “valorização”. Esse quadro mais amplo de análise nos permite concluir que os movimentos tomados em direção às diferenciações podem levar a processos de hierarquizações dentro de um mesmo setor de trabalho.

Em um primeiro momento, essas hierarquizações podem representar “um tiro que saiu pela culatra”, uma vez que o processo de diferenciação não consegue estabelecer, de fato, relações trabalhistas bem definidas e consequentemente menos precárias, deixando as fronteiras em um plano muito mais discursivo. A alta taxa de informalidade tanto das trabalhadoras domésticas quanto das cuidadoras sugere uma falta de cumprimento da lei, mantendo essas trabalhadoras em situação de vulnerabilidade. Ao mesmo tempo, o crescente nível de especialização de tarefas e a maior diferenciação entre trabalho doméstico e de cuidado podem revelar um certo sucesso nas estratégias de “valorização” e “reconhecimento” das cuidadoras. Não obstante, isso tem provocado tensões com os sindicatos de trabalhadoras domésticas, que entendem essa diferenciação como uma divisão da classe e desvalorização do trabalho doméstico. O conflito gerado pela fragmentação de ocupações entre trabalhadoras domésticas e cuidadoras sugere que as similaridades do perfil dessas trabalhadoras não se traduzem automaticamente em alianças e aproximações políticas, abrindo então uma reflexão mais ampla sobre estratégias de representação e mobilização dos setores mais precários e o que podemos pressupor como sendo seus interesses comuns.

Dessa forma, a análise desses conflitos contribui aos estudos feministas e de gênero ao pensar a mercantilização do cuidado e do trabalho doméstico no Brasil, a partir dos movimentos políticos organizados, das tendências no mercado e no Estado, ampliando as compreensões de como esses sujeitos estão se mobilizando para minimizar as desigualdades, a precariedade e a sobrecarga que marcam suas vidas e suas experiências de trabalho.

Com base nesses casos, podemos também refletir sobre a desvalorização estrutural do trabalho reprodutivo, que ainda não é reconhecido como trabalho “de fato”, gerador de lucro ou produtor de “valor” no mercado. Essa estrutura se conecta diretamente com as disposições legais para a proteção dessas trabalhadoras. Por mais que os direitos sejam ampliados e garantam condições básicas às trabalhadoras domésticas e cuidadoras, essas categoriais profissionais continuam ocupando uma posição marginalizada em direitos e desvalorizadas em suas práticas laborais. Afinal, o reconhecimento e os processos de valorização do trabalho reprodutivo trariam mudanças profundas nas estruturas raciais, de gênero e classe que sustentam a sociedade brasileira.

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  • 1
    . Agradecemos à leitura atenciosa da profa. Bila Sorj e também aos excelentes comentários e sugestões dos/das pareceristas ad hoc da revista Tempo Social.
  • 2
    . Em termos de pesquisa de campo, o artigo é composto por: 1) campo com a Fenatrad conduzido por Louisa Acciari entre 2015 e 2019, como parte de suas pesquisas de doutorado e pós-doutorado, nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Paraíba. Inclui 45 entrevistas com diretoras de sindicatos, em nível local e nacional; 2) Em relação às empregadoras, foram realizadas dez entrevistas com patroas na cidade do Rio de Janeiro-rj em 2014, como parte da pesquisa de mestrado de Anna Bárbara AraujoAraujo, Anna Bárbara. (2015). Gênero, profissionalização e autonomia: o agenciamento do trabalho de cuidadoras de idosos por empresas. 96 p. Rio de Janeiro, dissertação de mestrado, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro. e quinze entrevistas na cidade de Curitiba-pr no ano de 2015, que compõem a pesquisa de doutorado de Thays MonticelliMonticelli, Thays Almeida. (2017), “Eu não trato empregada como empregada”: empregadoras e o desafio do trabalho doméstico remunerado. 221p. Curitiba-pr, tese de doutorado, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná.; 3) A entrevista com Ana Gilda (presidente da Acierj), foi realizada em 2017 por Thays Monticelli, para a pesquisa DomEqual, coordenada pela Profa. Dra. Sabrina Marchetti (Università Ca’Foscari Venezia) (This publication has received funding from the European Research Council, erc, under the European Union’s Horizon 2020 Research and Innovation Programme, Grant Agreement n. 678783, DomEqual).
  • 3
    . As cuidadoras ganhavam em média R$785,00 e as trabalhadoras domésticas R$752,00. O salário-mínimo em 2015 era de R$ 788,88.
  • 4
    . As trabalhadoras domésticas tiveram o direito de se sindicalizar com a Constituição de 1988, mas desde 1936, estavam formando associações nas principais cidades do Brasil. No final dos anos 1960, começaram a se reunir em Congressos Nacionais da categoria, até criar, em 1981 o Conselho Nacional das Trabalhadoras Domésticas. Após conseguirem formalizar sindicatos a partir de 1988, fundaram a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas em 1997.
  • 5
    . O Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (e-social), é um portal em que os empregadores podem comunicar ao governo federal, de forma unificada, as informações sobre os trabalhadores, tais como vínculos, contribuições previdenciárias, aviso prévio, fgts. É por esse portal que os empregadores domésticos formalizam suas trabalhadoras. Disponível em https://portal.esocial.gov.br/institucional/conheca-o, consultado em 5/5/2020.
  • 6
    . Em 2020, iniciou-se a tramitação de um novo projeto de lei que visa a regulamentar a ocupação das cuidadoras de idosos, trata-se do pl 5.178. Disponível em https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/145435, consultado em 02/12/2020.
  • 7
    . As cuidadoras que já atuam na área têm até 2021 para conseguir sua certificação.
  • 8
    . Têm direito ao mei pessoas que “trabalham por conta própria” e que ganham até R$ 81.000,00 por ano. Pagando uma taxa mensal que varia entre R$ 53,25 e R$ 58,25, ficam isentos de tributos federais como o pis (Programa de Integração Social). O objetivo da iniciativa é que “o trabalhador conhecido como informal possa se tornar um mei legalizado”, através de estratégias jurídicas que facilitem sua entrada, bem como pela distribuição de benefícios que garantam sua permanência no setor “legal”. Disponível em http://www.portaldoempreendedor.gov.br/, consultado em 6/4/2020.
  • 9
    . Fonte: http://www.portaldoempreendedor.gov.br/estatisticas, consultado em 28/2/2020.
  • 10
    . Os estúdios e produções de jornalismo da Rede Globo ficam no bairro Jardim Botânico na cidade do Rio de Janeiro.
  • 11
    . Para discutir a questão das associações de cuidadores, privilegiaremos a experiência da Acierj (Associação de Cuidadores da Pessoa Idosa, da Saúde Mental e com Deficiência do Estado do Rio de Janeiro). Não obstante, as associações de cuidadores de outros estados têm estratégias semelhantes de mobilização, realizando, inclusive, encontros nacionais, como denota a tese de Oliveira (2015Oliveira, Amanda Marques. (2015), A invenção do cuidado: entre o dom e a profissão. 194p. Campinas, tese de doutorado, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. Disponível em http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/281151.
    http://www.repositorio.unicamp.br/handle...
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    07 Maio 2020
  • Aceito
    04 Jan 2021
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