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Distinção e capital cultural hoje

Distinction and cultural capital today: introduction

Neste dossiê, reunimos artigos que debatem a distinção no mundo contemporâneo, inspirados pelas pesquisas pioneiras realizadas desde a década de 1970 por Pierre Bourdieu e sua equipe. Como introdução, apresentamos um breve resumo da concepção bourdieusiana elaborada principalmente no texto clássico A distinção (Bourdieu, 1979 Bourdieu, Pierre. (1979), La distinction: critique sociale du jugement. Paris, Les Éditions de Minuit. ), em que Bourdieu desenvolveu uma análise complexa e original da sociedade francesa a partir de abordagens metodológicas diversas. Em suas conclusões, enfatizou a importância do capital cultural, e do fenômeno associado da distinção, para estabelecer uma representação adequada do espaço social francês e suas hierarquias para além das análises tradicionais com foco apenas em questões econômicas no sentido estrito. Em seguida, faremos um resumo das discussões sobre o debate classe e cultura com base na leitura de uma série de textos que dialogam, mais ou menos criticamente, com Pierre Bourdieu e, em especial, com A distinção. A partir disso, apresentamos algumas implicações do que se expôs para pesquisas futuras, e destacamos as contribuições dos artigos que compõem este dossiê.

Uma breve história d’A distinção

Os trabalhos de Pierre Bourdieu sobre a relação entre classe, cultura e estilo de vida são o desenvolvimento de pesquisas anteriores feitas em geral sob encomenda de órgãos governamentais em busca de melhoria de políticas públicas. Em Os herdeiros (1964Bourdieu, Pierre & Passeron, Jean-Claude. (1964), Les héritiers: les étudiants et la culture. Paris: Les Éditions de Minuit .), Bourdieu e Jean-Claude Passeron observaram que, embora a escola pública francesa oferecesse condições similares de aprendizado, o desempenho dos alunos não era o mesmo. A diferença da origem de classe entre os que obtinham sucesso - e chegavam à universidade - e os que eram excluídos no processo precisava de uma explicação que não fosse baseada em preconceitos de classe. Os autores foram capazes de perceber que a suposta cultura universal ensinada nas escolas encontra direta correspondência com um conjunto de conhecimentos e valores típicos das classes dominantes. A socialização das crianças na cultura burguesa produzia uma experiência de continuidade entre a cultura escolar e a cultura familiar. Para explicar esse processo, Bourdieu e Passeron falam da incorporação de um capital linguístico pelas crianças com origem nas classes dominantes, que seria um conjunto de conhecimentos e competências linguísticas, estilos pessoais e atitudes (Lamont e Lareau, 1988Lamont, Michele & Lareau, Annette. (1988), “Cultural capital: allusions, gaps and glissandos in recent theoretical developments”. Sociological Theory, 6: 153-168.), que criam um senso de pertencimento à escola. De forma correlata, a ausência desse capital produzia um estranhamento do ambiente escolar nas crianças oriundas de meios sociais não burgueses. A diferença em desempenho, portanto, pode ser explicada justamente pelo valor desse capital incorporado pela criança em sua socialização familiar.

A relação entre escola, desempenho e origem de classe segue em A reprodução (1970Bourdieu, Pierre & Passeron, Jean-Claude. (1970), La reproduction: éléments pour une théorie du système d’enseignement. Paris: Les Éditions de Minuit . ). Ali, tanto quanto a partir da edição inglesa de 1979 Bourdieu, Pierre. (1979), La distinction: critique sociale du jugement. Paris, Les Éditions de Minuit. de Os herdeiros (apudPrieur e Savage, 2013Prieur, Annick & Savage, Mike. (2013), “Emerging forms of cultural capital”. European Societies , 15 (2): 246-267.), o termo agora mobilizado é capital cultural, tido por Tony Bennett e Elizabeth Silva (2011Bennett, Tony & Silva, Elizabeth. (2011), “Introduction: cultural capital - histories, limits, prospects”. Poetics, 39: 427-443., p. 429) como o mais criativo conceito do autor, de fato “um neologismo - e não uma reelaboração de um léxico herdado” como seria o caso de outros conceitos como campo e habitus. Simultaneamente, Bourdieu trabalhava com o universo das artes e percebia, de um lado, uma relação entre gosto e origem de classe (no caso o interesse pela fotografia, em Un art moyen, de 1965Bourdieu, Pierre; Boltanski, Luc; Castel, Robert & Chamboredon, Jean-Claude. (1965), Un art moyen: essai sur les usages sociaux de la photographie. Paris: Les Éditions de Minuit . ), e de outro a relação entre classe e as disposições para apreciação da arte (como no livro O amor pela arte, de 1966Bourdieu, Pierre; Darbel, Alain & Schnapper, Dominique. (2007, [1966]), L’amour de l’art: les musées d’art européens et leur public. Paris: Les Éditions de Minuit . ).

Os trabalhos desenvolvidos na década de 1960 já se articulavam tanto na mente de Bourdieu quanto em suas intenções de pesquisa. Como revela Monique de Saint-Martin (2015Saint-Martin, M. (2015), “From Anatomie du goût to La distinction: attempting to construct the social space. Some markers for the history of the research”. In: Coulangeon, Philippe & Duval, Julien. The Routledge Companion to Bourdieu’s Distinction. Oxon; Nova York: Routledge .), desde 1962 o autor francês organizava workshops para discutir os temas que em 1979 apareceriam em A distinção e que já começavam a aparecer nos textos aqui citados. Entre o final da década de 1960, com a fundação do Centre Européen de Sociologie (1968), e o começo da década seguinte, especialmente com a fundação da revista Actes de la Recherche en Sciences Sociales (1975), Bourdieu começa a adquirir condições materiais apropriadas para se lançar no plano audacioso de investigar a importância da cultura nos processos de reprodução de classe na sociedade francesa. Não se tratava mais de se pensar em espaços isolados da sociedade (na escola, no museu, na prática fotográfica), mas na sociedade de forma integral. O centro e a revista permitiram tanto um espaço de divulgação de pesquisas de interesse de seu diretor, quanto a reunião de jovens e talentosos pesquisadores, entre os quais alguns de seus antigos colaboradores, como Luc Boltanski, com quem publicou Un art moyen. Nesse momento, há uma intensificação de pesquisas e textos que vão desaguar n’A distinção, e o livro pode mesmo ser considerado “o ponto no qual pesquisa e artigos se encontram e interagem” (Saint-Martin, 2015Saint-Martin, M. (2015), “From Anatomie du goût to La distinction: attempting to construct the social space. Some markers for the history of the research”. In: Coulangeon, Philippe & Duval, Julien. The Routledge Companion to Bourdieu’s Distinction. Oxon; Nova York: Routledge .). De fato, aparecem no livro pesquisas e reflexões anteriormente publicadas e que vão solidificando conceitos, hipóteses e metodologias. Seguindo a lista formulada por Saint-Martin, temos: “Disposition esthétique et compétence artistique” (Bourdieu, 1971 Bourdieu, Pierre. (1971), “Disposition esthétique et compétence artistique”. Les Temps Modernes, 27 (295): 1345-1378.), “Les fractions de la classe dominante et les modes d’appropriation des oeuvres d’art” (Bourdieu, 1974 Bourdieu, Pierre. (1974), “Les fractions de la classe dominante et les modes d’appropriation des œuvres d’art”. Information sur les Sciences Sociales, 13 (3).); “Anatomie du goût” (Bourdieu e Saint-Martin, 1976Bourdieu, Pierre & Saint-Martin, Monique de. (octobre 1976), “Anatomie du gout”.Actes de la Recherche en Sciences Sociales , 2 (5): 2-81. ); “La production de la croyance” (Bourdieu, 1977a Bourdieu, Pierre. (février 1977a), “La production de la croyance”. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, 13: 3-43.); “Titres et quartiers de noblesse culturelle Bourdieu, Pierre. (1978), “Titres et quartiers de noblesse culturelle élements d’une critique sociale du jugement esthetique”. Ethnologie Française, 8, (2/3):107-44. : la critique sociale du jugement esthétique” (Bourdieu e Saint Martin, 1976Bourdieu, Pierre & Saint-Martin, Monique de. (octobre 1976), “Anatomie du gout”.Actes de la Recherche en Sciences Sociales , 2 (5): 2-81. ); “Les stratégies de reconversion” (Bourdieu et al., 1973Bourdieu, Pierre; Boltanski, Luc & Saint-Martin, Monique de. (1973), “Les strategies de reconversion: Les classes sociales et le systeme d’enseignement”. Social Science Information, 12 (5): 61-113.); “Questions de politique” (Bourdieu, 1977b Bourdieu, Pierre. (septembre 1977b), “Questions de politique”.Actes de la Recherche en Sciences Sociales . vol. 16, pp. 55-89.), “Classement, déclassement, reclassement” (Bourdieu, 1978 Bourdieu, Pierre. (nov. 1978), “Classement, déclassement, reclassement”.Actes de la Recherche en Sciences Sociales , 24: 2-22.) e “Le couturier et sa griffe” (Bourdieu e Delsaut, 1975Bourdieu, Pierre & Delsaut, Yvette. (janvier 1975), “Le couturier et sa griffe: contribution à une théorie de la magie”.Actes de la Recherche en Sciences Sociales , 1 (1): 7-36.). Em “A anatomia do gosto”, de 1976, Bourdieu e Saint-Martin já constroem os espaços social e dos estilos de vida, sendo que muitos dos trechos desse ensaio aparecem integralmente ou em partes em A distinção.

Bourdieu também se beneficiou do desenvolvimento da estatística, em especial da “escola francesa de análise de dados”, e das técnicas computacionais1 1 Bertoncelo, 2022. . Na década de 1960, o grupo de Jean-Paul Benzécri cunhou o termo “análise de correspondências múltiplas”, utilizada por Bourdieu e Saint-Martin em “A anatomia do gosto” e por Bourdieu em A distinção, para a medição das distâncias relativas dos indivíduos no espaço social de acordo com o acúmulo e a estrutura de seus capitais, nessa ocasião, medindo-se os capitais econômico e cultural. É com base nessa técnica de análise de dados que Bourdieu e Saint-Martin são capazes de construir o espaço social francês e a ele sobrepor o espaço dos estilos de vida. É a coincidência entre as posições dos sujeitos de acordo com seus capitais (volume e estrutura) e a legitimidade de suas práticas culturais definidoras de seus estilos de vida que permitiu que Bourdieu lançasse a tese da homologia entre os espaços. Voltaremos à metodologia mais adiante nesta introdução, mas aqui destacamos que a possibilidade de se medirem as posições relativas dos sujeitos concretizava o pressuposto teórico de Bourdieu de que a sociedade é formada por posições objetivas relacionais, ou seja, as posições se definem umas em relação às outras. As “classes no papel” ou classes teóricas são o resultado desse esforço de classificação sociológica, a partir do qual é possível identificar conjuntos de agentes que ocupam posições relativas vizinhas no espaço social em função da distribuição dos capitais relevantes. As classes assim construídas diferem das classes preconcebidas ou pressupostas como em muitas correntes do marxismo e da economia prevalentes na época (ver Bourdieu, 2015 Bourdieu, Pierre. (2015), Sociologie générale, volume 1. Paris, Seuil., pp. 99-120). A estatística e a computação, assim como os estatísticos reunidos no Instituto Nacional de Estatística e dos Estudos Econômicos (INSEE) e no Centro de Pesquisa pelo Estudo e Observação das Condições de Vida (Crédoc), permitem a representação visual e geométrica da sociedade que Bourdieu e seus colegas descobriam empiricamente.

Após A distinção, o tema do capital cultural permaneceu central na obra de Bourdieu, especialmente em suas grandes pesquisas dos anos 1980, Homo academicus (1984 Bourdieu, Pierre. (1984), Homo academicus. Paris, Les Éditions de Minuit.) e La noblesse d’État (1989 Bourdieu, Pierre. (1989), La noblesse d’État. Paris: Les Éditions de Minuit.), e foi desenvolvido também nas aulas de Bourdieu como membro do Collège de France. Nessas aulas, o sociólogo destaca as diferenças entre sua concepção e a ideia mais difundida na época de “capital humano”, associada a economistas como Gary Becker e Jacob Mincer, que buscava interpretar os resultados dos investimentos em educação apenas em relação à sua conversão direta em capital econômico. Já Bourdieu, como de costume, enfatizava o aspecto relacional e também temporal do conceito de capital cultural, que não pode ser reduzido diretamente a seu aspecto monetário (ver Bourdieu, 2016 Bourdieu, Pierre. (2016), Sociologie générale , volume 2. Paris, Seuil., pp. 239-257).

Assim, fica mais fácil perceber a função teórica desempenhada pelo conceito de capital cultural, além da função metodológica já explicitada em obras como A distinção. Em termos teóricos, o capital cultural e sua relação com os conceitos adicionais de habitus e capital simbólico permitem a Bourdieu afastar-se tanto de uma abordagem enfatizada em particular na economia, na qual o fundamento da ação social está em indivíduos racionais que buscam maximizar seu interesse (ver Bourdieu, 2017 Bourdieu, Pierre. (2017), Anthropologie économique. Paris, Seuil., passim), quanto de abordagens de inspiração durkheimiana que localizam aquilo que é próprio ao social e à sociologia em instituições completamente externas aos indivíduos (Bourdieu, 2016 Bourdieu, Pierre. (2016), Sociologie générale , volume 2. Paris, Seuil., pp. 229-262). Da mesma maneira, a ideia de distinção ganha maior aporte teórico na abordagem bourdieusiana como o fenômeno por excelência que permite àqueles que ocupam posições dominantes em determinados campos não só recolher e acumular lucros de distinção, mas também, através das lutas dentro do campo, estabelecer a própria estrutura do campo, ou seja, a hierarquia que favoreça a reprodução do capital que eles próprios possuem - num processo em que, como Bourdieu enfatiza, nada precisa acontecer intencionalmente, na lógica do complô (Bourdieu, 2016 Bourdieu, Pierre. (2016), Sociologie générale , volume 2. Paris, Seuil., p. 291).

Críticas e reflexões a partir dos debates sobre A distinção

Dessa forma, é possível dizer que não só A distinção é o resultado de quase duas décadas de um trabalho coletivo que reuniu tanto indivíduos quanto instituições francesas, mas também continuou alimentando as pesquisas e reflexões de Bourdieu no decorrer de sua carreira. E seu resultado é proporcional ao tamanho dos esforços e trabalhos despendidos. O estudo da relação entre classe e cultura tem uma longa tradição na sociologia e remonta ao menos a Weber, Veblen, Simmel e Elias. A distinção segue essa tradição e se torna - ao menos do que nela se consolida, como conceitos, métodos etc. - objeto frequente de reflexões e questionamentos na sociologia. Nas próximas seções, tematizamos alguns debates centrais à literatura que se debruçou nessa problemática construída n’A distinção.

Onivorismo e a crítica da homologia estrutural e do capital cultural

Na década de 1990, quando ganhava impulso o movimento de apropriação dos estudos de Bourdieu sobre a distinção para além da França (a primeira tradução da obra para o inglês ocorreu em 1984), surgiu uma ideia que, posteriormente, viria a ser interpretada por muitos autores dentro da sociologia da cultura e da sociologia da estratificação social como uma crítica à abordagem bourdieusiana da relação entre classes sociais, gostos e estilos de vida. Essa ideia, mais propriamente um conceito “provisório” do que uma teoria ou mesmo uma hipótese, foi desenvolvida nos estudos do sociólogo estadunidense Richard Peterson com seus colaboradores (Peterson, 1992Peterson, Richard A. (1992), “Understanding audience segmentation: From elite and mass to omnivore and univore”. Poetics , 21 (4): 243-258., 1997Peterson, Richard A. (1997), “The rise and fall of highbrow snobbery as a status marker”. Poetics , 25 (2-3): 75-92., 2005Peterson, Richard A. (2005), “Problems in comparative research: The example of omnivorousness”. Poetics , 33 (5-6): 257-282.; Peterson e Simkus, 1992Peterson, Richard A. & Simkus, A. (1992), “How musical tastes mark occupational status groups”. In: Lamont, M. & Fournier, M. (orgs.). Cultivating differences. Symbolic boundaries and the making of inequality. Chicago, University of Chicago Press, pp. 152-168.; Peterson e Kern, 1996Peterson, R. A. & Kern, R. M. (1996), “Changing highbrow taste: From snob to omnivore”. American Sociological Review , 61 (5): 900-907.).

Como argumenta Gayo (2016Gayo, Modesto. (2016), “A critique of the omnivore - From the origin of the idea of omnivorousness to the Latin American experience”. In: Hanquinet, Laurie & Savage, Mike (orgs.). Routledge International Handbook of the Sociology of Art and Culture. Nova York: Routledge, pp. 103-115.), “a ideia do onívoro foi desenvolvida de uma posição de alto status e forte legitimidade na sociologia norte-americana” (p. 104). Peterson era então reconhecido nacional e internacionalmente entre seus pares por seus trabalhos sobre indústrias culturais e produção cultural, além de ter publicado fartamente em revistas acadêmicas de elevado prestígio, como Poetics (Ibidem). Se os debates em torno do onivorismo cultural (o termo aludindo a uma “metáfora zoológica” tão criticada por Bernard Lahire) ganharam enorme impulso, estimulando a produção de vários estudos ao longo das décadas seguintes e tornando-se ponto de passagem obrigatório para as pesquisas recentes sobre gostos e práticas culturais, parte disso se deve, certamente, ao contexto acadêmico norte-americano e à posição de Richard Peterson nele. A esses fatores também se deve o fato de que essa ideia ganhou mais tração nos debates na sociologia norte-americana do que na sociologia europeia (sobretudo a francesa): “o onívoro cultural era uma reiteração posterior de um tema familiar dentro da sociologia dos Estados Unidos que afirmava que a geração nascida após a Segunda Guerra Mundial era mais próspera, educada, aberta e tolerante do que as gerações posteriores de norte-americanos” (Idem, p. 106).

É menos claro, no entanto, porque esse conceito foi interpretado posteriormente como tendo implicações críticas aos estudos de Bourdieu sobre a distinção. Ironicamente, Peterson, em seus próprios estudos (sobretudo em uma publicação recente, 2005Peterson, Richard A. (2005), “Problems in comparative research: The example of omnivorousness”. Poetics , 33 (5-6): 257-282.), afirmava que o onivorismo não apontava para uma refutação, mas apenas uma reformulação dos argumentos de Bourdieu. Se os estudos de Peterson foram lidos posteriormente como sendo uma espécie de refutação ao livro A distinção, isso se deve, em parte, à forma como essa obra foi apropriada fora da França, sobretudo pela sociologia de língua inglesa. Como destaca Holt (1998Holt, Douglas B. (1998), “Does cultural capital structure American consumption?”. Journal of Consumer Research, 25 (1): 1-25.), durante muito tempo a sociologia norte-americana fez uma leitura “substancialista” dessa obra, minimizando um elemento que lhe é central, seu caráter relacional. Lizardo e Skiles (2016Lizardo, Omar & Skiles, Sara. (2016), “After omnivorousness: Is Bourdieu still relevant?”. In: Hanquinet, Laurie & Savage, Mike (orgs.). Routledge International Handbook of the Sociology of Art and Culture . Nova York: Routledge , pp. 90-103.) sustentam que o entendimento convencional de que o debate sobre o onivorismo questionou a validade empírica das ideias de Bourdieu quanto à associação entre gosto e classe está baseado em uma leitura incorreta do trabalho de Bourdieu. Tal leitura parte de dois pressupostos: i) de que as práticas culturais dos indivíduos de “status elevado” podem ser classificadas em um padrão de tipo “exclusivismo esnobe” [snobbish exclusiveness], ou seja, tais indivíduos gostam ou fazem coisas associadas à “alta cultura”, rejeitando a cultura popular; ii) A distinção pode ser lida como um estudo de como as classes superiores, fortemente ligadas à alta cultura, se distinguem das classes populares, com seus gostos e práticas vulgares (Idem, p. 91). O argumento contido na primeira premissa ignora que a aversão estética é um mecanismo de produção de fronteiras simbólicas que opera tanto vertical quanto horizontalmente; no caso da segunda premissa, minimiza-se a ênfase conferida por Bourdieu à multidimensionalidade do espaço social, que se traduz, por intermédio do habitus, em oposições no espaço simbólico. Isso implica, por exemplo, que as lutas em torno da imposição dos modos legítimos de viver são travadas não apenas entre diferentes classes, mas, sobretudo, entre diferentes frações das mesmas classes (por exemplo, o “ascetismo aristocrático” dos intelectuais em oposição ao “gosto do luxo” da burguesia proprietária e dirigente).

Voltando aos estudos de Peterson, a ideia do onivorismo não parece muito complicada: a velha distinção entre alta e baixa cultura estaria sendo substituída por outra, entre onívoros e unívoros. Os primeiros, além de se apropriarem da “alta cultura”, também consumiriam “cultura popular”. Os unívoros teriam um repertório de gostos e práticas restrito à “baixa cultura”. Nesse sentido, o onivorismo apontaria para “repertórios de práticas culturais, emergindo no final do século xx, que são marcados por uma amplitude crescente de gostos e participação cultural e também por uma disposição para transgredir fronteiras previamente construídas entre itens ou gêneros culturais hierarquicamente ordenados” (Karademir e Warde, 2016Karademir, Irmak H. & Warde, Alan. (2016), “The cultural omnivore thesis: methodological aspects of the debate”. In: Hanquinet, Laurie & Savage, Mike (orgs.). Routledge International Handbook of the Sociology of Art and Culture . Nova York: Routledge , pp. 76-89., p. 77). Em alguns estudos, “onivorismo” é substituído por “ecletismo”, mas a ideia é a mesma. O desenvolvimento original do conceito aponta para mudanças nos princípios de distribuição dos gostos e das práticas culturais, do “esnobismo” para o “onivorismo”. O onivorismo implica, portanto, a combinação de gostos e práticas, que atravessam diferentes registros culturais. Não basta, portanto, para ser caracterizado como onívoro, que um indivíduo goste de muitos gêneros ou participe de muitas atividades culturais. Ocorrendo no contexto de transformações sociais e culturais - relacionadas com o aumento da oferta de bens culturais, a “estetização” da cultura popular, a maior mobilidade social -, a emergência dessa nova “orientação” em relação às formas culturais teria efeitos profundos para as estratégias de distinção, para a importância da “alta cultura” na hierarquização social etc.

Antes de analisarmos esses possíveis efeitos, no entanto, é essencial investigar a validade empírica da tese de Peterson. Como argumentam Karademir e Warde, há muitas dificuldades para avaliar a suposta importância do onivorismo enquanto novo “princípio” subjacente à distribuição de gostos e práticas culturais, dificuldades que dizem respeito à falta de consenso na literatura que opera com esse conceito quanto às maneiras de defini-lo e operacionalizá-lo, aos domínios e itens culturais que devem ser considerados, às medidas de posição social (classe social, status), à necessidade de uso de dados de diferentes tipos (qualitativos e/ou quantitativos), aos procedimentos para medir mudança social e, por fim, quanto aos critérios a empregar para operacionalizar uma noção central ao onivorismo, que é aquela da abertura à diversidade. Ora, se o onivorismo, pelo menos segundo a definição original, significa o “cruzamento” de fronteiras culturais e a composição “eclética” de gostos e práticas, então é necessário adotar algum critério para determinar quais são as fronteiras relevantes e onde estão localizadas. Por exemplo, em um estudo de Peterson e Kern (1996)Peterson, R. A. & Kern, R. M. (1996), “Changing highbrow taste: From snob to omnivore”. American Sociological Review , 61 (5): 900-907., ópera e música clássica foram consideradas gêneros eruditos; bluegrass, country, gospel, rock e blues, gêneros inferiores; musicais da Broadway, músicas leves (easy listening) e big band, gêneros médios. Com base nessa classificação, repertórios musicais que combinassem, por exemplo, ópera e rock, ou ópera e easy listening seriam considerados onívoros. É óbvio, portanto, que o modo de construir a classificação e a hierarquização dos gêneros musicais interfere fortemente nos resultados sobre a suposta emergência e/ou crescimento de repertórios onívoros. Nos próprios estudos de Peterson, como salienta Brisson (2019Brisson, Romain. (2019), “Back to the original omnivore: on the artefactual nature of Peterson’s thesis of omnivorousness”. Poetics , 76: 1-14.), há diferentes procedimentos para produzir tais classificações musicais, dificultando a comparabilidade dos resultados, o que não seria necessariamente um problema, tivessem tais modificações tido o objetivo de incorporar evoluções temporais das hierarquias musicais (estetização, intelectualização ou popularização de gêneros ou subgêneros musicais) ou, então, nos modos como tais hierarquias são subjetivamente percebidas e internalizadas pelos indivíduos. Não foi o caso.

Pelo que foi exposto, é provável que o onivorismo seja um “artefato metodológico” (Brisson, 2019Brisson, Romain. (2019), “Back to the original omnivore: on the artefactual nature of Peterson’s thesis of omnivorousness”. Poetics , 76: 1-14., p. 10). De fato, a falta de consenso sobre o que é onivorismo e como operacionalizá-lo reduz nossa capacidade de estimar a validade empírica da tese de Peterson. Além disso, é preciso refletir se, mesmo que empiricamente válida, a tese acrescentaria algo aos debates sobre classes, gostos e estilos de vida na tradição bourdieusiana (Bertoncelo, 2019Bertoncelo, Edison. (2019), “Consumo cultural e manutenção das distâncias sociais no Brasil”. In: Pulici, Carolina & Fernandes, Dmitri (orgs.). As lógicas sociais do gosto. São Paulo: Editora Unifesp.). A “tese” do onivorismo introduz implicações opostas ou radicalmente diferentes daquelas associadas à hipótese das homologias para a investigação das práticas culturais? Suspeitamos que não. No estudo d’A distinção, já está presente o argumento de que um dos principais marcadores da distinção é a propensão e a capacidade dos agentes para transpor a disposição estética para novos objetos e domínios da vida social. O “esnobe”, a quem supostamente o onívoro estaria substituindo no mundo contemporâneo, não seria mais distinto ou distintivo: ao invés disso, como sublinham Lizardo e Skiles (2016Lizardo, Omar & Skiles, Sara. (2016), “After omnivorousness: Is Bourdieu still relevant?”. In: Hanquinet, Laurie & Savage, Mike (orgs.). Routledge International Handbook of the Sociology of Art and Culture . Nova York: Routledge , pp. 90-103.), o “esnobismo”, entendido como uma orientação que privilegia tão somente os bens culturais institucionalmente consagrados em detrimento daqueles da “cultura popular”, seria um indício da aquisição tardia da disposição estética, mais próximo da “boa vontade cultural” da pequena burguesia.

Essas considerações críticas, no entanto, não invalidam por completo a importância dos debates acerca do onivorismo. Ainda que este não constitua um objeto sociológico propriamente novo e que faltem as condições adequadas para apreciar a validade empírica das mudanças apreendidas por esse conceito, o debate serviu para arejar as discussões em torno da distinção. De fato, como conceber e investigar a distinção e a formação de capital cultural em um contexto marcado pela crescente circulação global de pessoas e objetos, pela disseminação das tics, pela ampliação da esfera do simbólico, pelas mudanças nos sistemas educacionais? É possível que essa capacidade “tolerante” para transpor a disposição estética para domínios não artísticos ou culturais e para objetos não consagrados, mesmo vulgares, tenha ela própria sido transposta para outras regiões do espaço social, não se restringindo, portanto, às frações mais intelectualizadas? O estudo britânico Culture, class, distincion aponta nessa direção:

[…] em suma, a cultura importa para a classe média, e até mais para seus estratos mais elevados. O capital cultural objetivado e institucionalizado opera como um recurso valioso, mas não exclusivamente por meio do controle da cultura legítima. Ao invés, a orientação requerida se dirige para a apreciação reflexiva, em um espírito de abertura, de uma diversidade de produtos culturais, mas continuam a existir fronteiras além das quais não é respeitável atravessar (Bennett et al., 2009Bennett, Tony et al. (2009), Culture, class, distinction. Londres: Routledge., p. 194).

Diferentemente, outros estudos apontam que esse ecletismo seletivo é a manifestação de certas disposições ao consumo que “divertidamente” [playfully] atravessam fronteiras culturais estabelecidas. A combinação entre gostos “estabelecidos” e “emergentes” expressa não tanto uma orientação onívora ou um novo tipo de capital cultural, mas, ao invés disso, o domínio do simbólico que está na raiz do capital cultural teorizado por Bourdieu, que opera, no entanto, em um contexto social marcadamente diferente (Flemmen; Jarness e Rosenlund, 2018Flemmen, Magne; Jarness, Vegard & Rosenlund, Lennart. (2018), “Social space and cultural class divisions: the forms of capital and contemporary lifestyle differentiation”. The British Journal of Sociology, 69 (10): 124-153.).

A perda da eficácia da “alta cultura” como distintiva?

Uma das principais contribuições dos debates em torno do onivorismo para a Sociologia tem a ver com a problematização dos efeitos da “alta cultura” para os processos de distinção social2 2 Seguindo DiMaggio e Mukhtar, definimos “alta cultura” como as formas culturais “consideradas pelos críticos como ‘sérias’, caracterizadas por uma tendência de que a avaliação dê prioridade às respostas dos críticos e dos artistas mais do que àquelas do público em geral, representadas nos currículos das universidades e das faculdades, que mais provavelmente recebem subvenções de patronos privados, fundações, ou agências governamentais tendo em vista o valor estético percebido de seus produtos, e geralmente produzidas e distribuídas por organizações não lucrativas” (2004, p. 175). Essas formas culturais incluem os concertos de música clássica, o teatro, o museu, a galeria de arte, a ópera, as artes visuais etc. . Estudos recentes evidenciam que as classes superiores, sobretudo em suas frações mais intelectualizadas e cultivadas, possuem gostos “ecléticos”, que não se reduzem à “alta cultura” assim entendida (Flemmen; Jarness; Rosenlund, 2018Flemmen, Magne; Jarness, Vegard & Rosenlund, Lennart. (2018), “Social space and cultural class divisions: the forms of capital and contemporary lifestyle differentiation”. The British Journal of Sociology, 69 (10): 124-153., 2019Flemmen, Magne; Jarness, Vegard & Rosenlund, Lennart. (2019), “Class and status: on the misconstrual of the conceptual distinction and a neo-Bourdieusian alternative”. The British Journal of Sociology , 70 (3): 816-866.; Prieur; Savage, 2011Prieur, Annick & Savage, Mike. (2011), “Updating cultural capital theory: a discussion based on studies in Denmark and in Britain”. Poetics , 39: 566-580.; Bennett et al., 2009Bennett, Tony et al. (2009), Culture, class, distinction. Londres: Routledge.). Mais: o consumo da “alta cultura” vem declinando socialmente, mesmo nas classes superiores, em especial nas gerações mais novas (Gripsrud et al., 2011Gripsrud, Jostein; Hovden, Jan Fredrik & Moe, Hallvard. (2011), “Changing relations: Class, education and cultural capital”. Poetics , 39 (1): 507-529.; Purhonen et al., 2011Purhonen, Semi; Gronow, Jukka & Rahkonen, Keijo. (2011), “Highbrow culture in Finland: Knowledge, taste and participation”. Acta Sociologica, 54 (4): 385-402.; Dimaggio e Mukhtar, 2004Dimaggio, P. & Mukhtar, T. (2004), “Arts participation as cultural capital in the United States, 1982-2002: Signs of decline?”. Poetics , 32: 169-194.)3 3 Para uma revisão desse debate, Prieur e Savage, 2011, pp. 252-254. .

Quais as implicações disso para a relação entre “alta cultura” e capital cultural? Para alguns, a “alta cultura” não representa mais (ou jamais representou, fora do contexto francês) uma forma de capital cultural (Halle, 1992Halle, David. ([1992] 2015), “O público para a arte abstrata: classe, cultura e poder”. In: Lamont, Michèle & Fournier, Marcel. Cultivando diferenças: fronteiras simbólicas e a formação da desigualdade. São Paulo: Edições Sesc.; Lamont, 1992Lamont, Michèle. (1992), Money, morals and manners. The culture of the French and the American upper-middle-class. Chicago, University of Chicago Press. ). Diferentemente, DiMaggio e Mukhtar argumentam, baseados em um estudo sobre a evolução do consumo cultural nos Estados Unidos ao longo de duas décadas (1982-2002), que a “alta cultura” permanece central para a formação e acumulação de capital cultural, ainda que exista uma tendência geral de redução de seu público consumidor, mesmo que não na mesma magnitude para todas as formas culturais assim classificadas4 4 Por exemplo, os dados analisados pelos autores indicam que o público da ópera permaneceu estável. Por sua vez, os públicos do jazz e das artes visuais cresceram no período investigado. . Conforme esse mesmo estudo, as atividades culturais populares tiveram uma redução de seu público tão grande quanto aquela da “alta cultura”, e o consumo cultural dos menos educados caiu mais fortemente do que o dos mais educados. Tais processos evidenciam, assim, que o declínio da “alta cultura” tem mais a ver com o aumento da competição por outras formas de uso do tempo livre e de modos de consumo da cultura do que propriamente com a perda de eficácia distintiva da “alta cultura”5 5 Para conclusões similares, ver também Purhonen et al., 2011. .

De forma similar, um estudo conduzido entre estudantes de ensino superior na Noruega, que cobre um período parecido com o anterior (1998-2008), aponta que, apesar de um declínio significativo das práticas associadas à “cultura legítima tradicional” - em menor medida entre estudantes de humanidades do que de disciplinas técnicas -, elas permanecem fortemente associadas às classes superiores e ainda gozam de elevado reconhecimento, o que indicaria, segundo o estudo, a provável persistência da eficácia distintiva da “alta cultura”, ou seja, ela ainda opera como um capital cultural (Gripsurd et al., 2011Gripsrud, Jostein; Hovden, Jan Fredrik & Moe, Hallvard. (2011), “Changing relations: Class, education and cultural capital”. Poetics , 39 (1): 507-529., pp. 524-525).

Ao mesmo tempo, a contínua redução do interesse pela “alta cultura” e de seu consumo, especialmente entre os mais jovens e mais escolarizados, tenderia a torná-la uma cultura de “nichos sociais”, não mais gozando de reconhecimento social generalizado. Conforme argumentam DiMaggio e Mukhtar, “nós suspeitamos que se a participação [na “alta cultura”] continuar a cair, em algum momento, essas formas artísticas se tornarão irrelevantes para a cultura compartilhada das famílias e grupos sociais cujas chances de vida são mais dependentes do manejo de capital cultural” (Idem, p. 191).

Ainda que tal tendência se concretize, esse processo teria como consequência a irrelevância do capital cultural como um princípio de diferenciação e hierarquização social? Embora, como argumentamos, a “alta cultura” ainda goze de algum reconhecimento social para além de seu público consumidor, cada vez mais restrito às classes superiores, é pouco provável que o que se entende por “cultura legítima” se restrinja a essas formas culturais (Špaček, 2017Špaček, Ondřej. (2017), “Measuring cultural capital: Taste and legitimate culture of Czech youth”. Sociological Research Online, 22 (1): 1-17.). Uma leitura relacional do capital cultural e dos processos distintivos “abre caminho para uma definição da disposição estética parcialmente dissociada dos conteúdos nos quais ela opera” (Coulangeon, 2015Coulangeon, Philippe. (2015), “Social mobility and musical tastes: A reappraisal of the social meaning of taste eclecticism”. Poetics , 51 (4): 54-68., p. 56).

Holt (1998Holt, Douglas B. (1998), “Does cultural capital structure American consumption?”. Journal of Consumer Research, 25 (1): 1-25.) chama atenção para os riscos de uma leitura substancialista que associa a “cultura legítima” à “alta cultura”, leitura essa que leva à conclusão de que a ausência de qualquer associação significativa entre o consumo da “alta cultura”, de um lado, e o pertencimento às classes superiores, de outro, indicaria a irrelevância do capital cultural na produção de desigualdades e na construção de fronteiras simbólicas e sociais. Holt entende que tal argumento confunde os aspectos abstrato e particular do capital cultural. Para ele, enquanto o aspecto abstrato é produzido pela incorporação das estruturas sociais condicionadas pelas classes, o particular é específico do campo em que o capital cultural é articulado. Dessa forma, o que os agentes incorporam não é exatamente um gosto pela “alta cultura”, mas uma condição específica de julgamento do mundo social que se manifestará como distintivo em objetos diferentes em cada campo social. Não haveria nada, portanto, de essencial no domínio da “alta cultura” para Bourdieu, sendo isso apenas um capital particular relevante para o estudo da sociedade francesa, mas que pode não importar para outros tempos ou outras sociedades. Ao invés de pressupor, deve-se, então, encontrar qual o capital específico que importa em cada contexto. É por isso que, para Holt (1997)Holt, Douglas B. (1997), “Distinction in America? Recovering Bourdieu’s theory of tastes from its critics”. Poetics , 25: 93-120., mais importante é o estado incorporado do capital cultural, pois é ele que criará as condições para que os agentes possam ocupar posições dominantes em diferentes campos e neles controlar seus capitais específicos. Para dar um exemplo simples, é o capital cultural incorporado que permite a membros da elite ocuparem posições dominantes em campos tão distantes como o acadêmico e o financeiro, fazendo valer esse capital abstrato para o domínio dos capitais específicos.

Na mesma linha, seguiram Prieur e Savage (2013Prieur, Annick & Savage, Mike. (2013), “Emerging forms of cultural capital”. European Societies , 15 (2): 246-267.). Sem adentrarem em discussão sobre campo, eles diferenciam a visão sobre o conceito de capital cultural em flexível e fixo. Segundo eles, o fixo seria a visão que atrela o capital cultural a um objeto específico - por exemplo, à “alta cultura”. Com esse olhar, “é fácil descartar a análise de Bourdieu como obsoleta e irrelevante” (Prieur e Savage, 2013Prieur, Annick & Savage, Mike. (2013), “Emerging forms of cultural capital”. European Societies , 15 (2): 246-267., p. 249). Contudo, para eles, Bourdieu entendia o capital cultural como flexível, ou seja, uma forma de poder de qualidades exclusivas e relacionais, que se forma em objetos específicos de acordo com a relação que eles possuem com outros objetos. Assim, se a “alta cultura” não seria mais a concretização (ou, para voltar a Holt, a particularização) do capital cultural, outros objetos o são, devendo o pesquisador identificar quais. Na próxima seção voltaremos a esse debate, apresentando o que os autores chamam de “capital cultural emergente”.

Não entendemos, contudo, que devemos descartar de maneira tão radical a “alta cultura” como forma de distinção. Isso se dá por dois motivos. Um primeiro motivo se refere ao que encontramos em algumas pesquisas, mas destacamos aqui Omar Lizardo (2006Lizardo, Omar. (2006), “How cultural tastes shape personal networks”. American Sociological Review, 71: 778-807.). O autor estuda a relação de conversão entre capital cultural e capital social. Sua tese central é inverter a noção clássica de que capital social se converte em cultural, para mostrar que o cultural se converte, com mais frequência, em social. Entretanto, o que mais nos interessa aqui é notar que, em diferentes redes de relacionamento, há a operação de diferentes conhecimentos culturais. Segundo o autor, a cultura popular tem um “valor generalizado de conversão”. Ou seja, a cultura popular pode ser convertida em diferentes redes de relacionamento, produzindo, inclusive, redes amplas de laços fracos. Já a “cultura de elite (highbrow) […] tem um valor restrito de conversão: ela deve mais provavelmente sustentar redes de laços fortes” (Lizardo, 2006Lizardo, Omar. (2006), “How cultural tastes shape personal networks”. American Sociological Review, 71: 778-807., p. 783), que permitirão maiores vantagens para seus integrantes. Em outras palavras, o ecletismo cultural da elite lhe permite formar diferentes redes de socialização, sendo essas redes dependentes do conhecimento cultural mais amplo, mas também do reconhecimento das hierarquias culturais. Essa ideia se aproxima tanto à de repertório, de Michèle Lamont, quanto de variações intraindividuais de Bernard Lahire. Para ambos os autores, os agentes mobilizam diferentes conhecimentos em contextos específicos. A diferença, contudo, é que a ideia de Lizardo, e esse é o ponto aqui, nos permite vislumbrar a permanência da relevância da “alta cultura” como forma de distinção.

Esforço similar foi empreendido em artigo recente (Ábile et al., 2021Ábile, B. V.; Ferreira, T. A.; Miraldi, J. C. & Nicolau Netto, M. (2021), “A arte entre estilistas e chefs: os repertórios da arte e a delimitação das fronteiras na gastronomia e na moda”. CSOn-line: Revista Eletrônica de Ciências Sociais.), em que se argumentou que a perda da relevância da “alta cultura” foi observada em pesquisas que relacionaram a “alta cultura” ao campo propriamente artístico. O texto propõe olhar como a “alta cultura” é operada em outros campos para produzir distinções. Assim, demonstra-se que os capitais valorizados no campo artístico são mobilizados pelos campos da gastronomia e da moda para produzirem diferenciações. Estilistas e cozinheiros que se aproximam de artistas (e mesmo querem ser considerados artistas) se diferenciam dos outros, e seus produtos se tornam distintivos. Sendo práticas que recebem reconhecimento social (especialmente por programas de televisão), mas, ao mesmo tempo, exclusivas de uma elite, elas produzem distinção e operam como capital cultural. Dessa forma, argumenta-se que a “alta cultura” pode ser vista ainda operando como capital cultural, mesmo em domínios que não o artístico.

Do gosto à prática: de “o quê” para “como”

Uma outra forma de se pesquisar o capital cultural, mal captada especialmente por pesquisas baseadas em preferências, é a diferenciação entre “o que” se consome e o “como” se consome. Essa preocupação com a modalidade das práticas está bem exemplificada em um estudo de Vegard Jarness (2015Jarness, Vegard. (2015), “Modes of consumption: from what to how in cultural stratification research”. Poetics , 53: 65-79.), autor que pesquisou formas de consumo cultural e estratificação social na cidade de Stavanger, na Noruega. Segundo ele, as críticas direcionadas à noção de capital cultural ignoram a distinção entre opus operatum e modus operandi, ou seja, entre um conjunto de preferências (mais ou menos volumosas e “ecléticas”) e os esquemas de avaliação e apreciação subjacentes às escolhas. No contexto da ampliação da produção, difusão e consumo de bens simbólicos e das possibilidades de estetização da vida cotidiana, é provável que “gostar das mesmas coisas” signifique cada vez menos “ter os mesmos gostos” (Idem, p. 67). Na verdade, “quando os mesmos bens culturais comuns são apreciados de modos diferentes, isso pode tornar a prática ainda mais distintiva” (Idem, p. 77). Dessa forma, se indivíduos de diferentes classes ou frações de classe declaram preferências similares em gosto (por exemplo, musical), é possível que o modo como ouvem música ou mesmo a justificativa que dão para suas preferências possam se diferenciar, manifestando diferentes habitus incorporados e produzindo fronteiras que separam as classes e geram distinção.

Formas emergentes de capital cultural e novas formas de distinção?

Retornando à visão sobre capital cultural flexível ou à diferença de capital cultural abstrato e particular, alguns autores argumentam a favor da emergência de formas emergentes de capital cultural. Mike Savage e Annick Prieur argumentam que, em um contexto em que se ampliam os universos de possíveis escolhas estéticas e em que o valor do domínio da “cultura erudita tradicional” se reduz a mercados de concorrência social cada vez mais restritos, é provável que os agentes equipados com mais capital cultural privilegiem um tipo de apropriação “reflexiva”, distanciada e irônica, sustentada por uma capacidade de explicitar as razões da escolha. “Irônico” aqui implica que os agentes (re)conhecem os significantes do gosto e são capazes de associar diferentes significados a práticas mainstream. Além disso, tais agentes são capazes de se posicionar para além de certos enquadramentos nacionais, regionais ou locais, adotando uma orientação cosmopolita. Esses aspectos da prática - apropriação irônica, “reflexiva” e distanciada, a partir de um enquadramento cosmopolita - teriam um “novo” valor distintivo e, por isso, os autores utilizam o conceito de formas emergentes de capital cultural para apreendê-los (Prieur e Savage, 2011Prieur, Annick & Savage, Mike. (2011), “Updating cultural capital theory: a discussion based on studies in Denmark and in Britain”. Poetics , 39: 566-580., 2013Prieur, Annick & Savage, Mike. (2013), “Emerging forms of cultural capital”. European Societies , 15 (2): 246-267.).

Em suma, esse conceito apreende possíveis mudanças no gosto dominante, sobretudo nas gerações mais novas, indicando a operação de “novos” modos de distinção social não mais baseados na estética do desinteresse, que, nos trabalhos de Bourdieu, constituía o princípio subjacente à apropriação legítima das formas culturais “sérias” (Friedman et al., 2015Friedman, Sam; Savage, Mike; Hanquinet, Laurie & Miles, Andrew. (2015), “Cultural sociology and new forms of distinction”. Poetics , 53 (6): 1-8.) Por outro lado, outros estudos questionam a suposta novidade dessa modalidade de consumo que combina elementos do “tradicional” e do “contemporâneo”, argumentando que as “formas emergentes” de capital cultural ou as “novas” formas de distinção não pressupõem nada além do domínio do simbólico aplicado em novos contextos sociais (Flemmen; Jarness e Rosenlund, 2018Flemmen, Magne; Jarness, Vegard & Rosenlund, Lennart. (2018), “Social space and cultural class divisions: the forms of capital and contemporary lifestyle differentiation”. The British Journal of Sociology, 69 (10): 124-153.; Atkinson, 2017Atkinson, Will. (2017), Class in the new millennium: the structure, homologies and experience of the Britain social space. Londres, Nova York: Routledge, Taylor & Francis Group.).

Um outro conjunto de estudos busca perceber outras formas de capital. Trata-se também da emergência de capital, mas não necessariamente cultural. É o caso mais frequente de pesquisas que se focam na aparência ou na beleza. Um conjunto de autores (Vandebroek, 2015Vandebroek, Dieter. (2015), “Classifying bodies, classified bodies, class bodies: a carnal critique of the judgment of taste”. In: Coulangeon, Philippe & Duval, Julien. The Routledge companion to Bourdieu’s Distinction. Oxon; Nova York: Routledge .; Anderson, Grunert, Katz e Lovascio, 2010Anderson, Tammy L.; Grunert, Catherine; Katz, Arielle & Lovascio, Samantha. (2010), “Aesthetic capital: A research review on beauty perks and penalties”. Sociology Compass, 4: 564-575.; Holla e Kuipers, 2015Holla, Sylvia & Kuipers, Giselinde. (2015), “Aesthetic capital”. In: Hanquinet, Laurie & Savage, Mike (orgs.). Routledge International Handbook of the Sociology of Art and Culture . London: Routledge, pp. 290-304.) considera que tais características, ao serem avaliadas como distintivas por certos grupos, operam como um capital que denominam estético. Da mesma maneira que outras formas de capital, a condição de sua acumulação é predisposta pela posição do agente no espaço social. Uma variação dessa visão percebe que esse capital estético é mais importante para as mulheres (elas são mais frequentemente avaliadas por critérios estéticos). Contudo, mesmo a elas, esse capital é de pouca vantagem, pois é mobilizado pelos homens. Em outras palavras, o capital estético acumulado por uma mulher serve, no mais das vezes, como distinção para os homens. Ashley Mears (2015Mears, Ashley. (2015), “Girls as elite distinction: the appropriation of bodily capital”. Poetics , 53: 22-37.) mostra “os usos do capital corporal feminino por homens que se apropriam de mulheres como um recurso simbólico para gerar lucro, status e laços sociais num mundo exclusivo de homens de negócio” (Mears, 2015Mears, Ashley. (2015), “Girls as elite distinction: the appropriation of bodily capital”. Poetics , 53: 22-37., p. 22). Seus estudos se focam na relação entre homens e mulheres em feiras e eventos internacionais de produtos. Contudo, isso pode ser relacionado com aquilo que Randall Collins chama de “trabalho goffmaniano” das mulheres. Seu foco é mostrar que, seja em casa ou em suas profissões, as mulheres tendem a se focar em trabalhos que produzem status. O diálogo com Mears é que esse status também é apropriado no mais das vezes pelo homem, seja ele o chefe, seja ele o marido.

Essas duas análises colocam um ponto importante para a própria teoria dos capitais. Em geral, as pesquisas se focam na posse de capitais por agentes de acordo com suas posições sociais. Contudo, pouca atenção é dada à possibilidade de os agentes se apropriarem de capitais acumulados por outros. Ou seja, ainda que capitais sejam acumulados por determinados agentes de acordo com suas condições, esses mesmos capitais podem ser apropriados por outros em melhores condições sociais. Nas análises citadas, é o caso de capitais acumulados por mulheres e mobilizados em proveito de homens. Podemos estender esse raciocínio para outros campos, como a relação entre as altas classes e a cultura popular etc.

Distinção e classe social no mundo contemporâneo

O estudo da distinção nos coloca, como vimos, inúmeros desafios de natureza teórica. Ao mesmo tempo, existem dificuldades propriamente metodológicas no estudo desse tema. O conceito de distinção, tal como empregado por Bourdieu, supõe diferença e hierarquia. Há muitas evidências empíricas de que as práticas culturais são estratificadas e diferenciadas socialmente. Mais fundamentalmente, a hipótese da homologia - da correspondência estrutural entre o espaço social e o espaço dos estilos de vida - encontra sustentação empírica em estudos realizados em diversas sociedades, indicando que os estilos de vida são estruturados não apenas pelo volume de capital possuído pelos agentes, mas também por sua composição (Flemmen, Jarness e Rosenlund, 2019Flemmen, Magne; Jarness, Vegard & Rosenlund, Lennart. (2019), “Class and status: on the misconstrual of the conceptual distinction and a neo-Bourdieusian alternative”. The British Journal of Sociology , 70 (3): 816-866.; Atkinson, 2017Atkinson, Will. (2017), Class in the new millennium: the structure, homologies and experience of the Britain social space. Londres, Nova York: Routledge, Taylor & Francis Group.; Pereira, 2005Pereira, José Virgílio Borges. (2005), Classes e culturas de classe das famílias portuenses: classes sociais e modalidades de estilização da vida na cidade do Porto. Porto, Edições Afrontamento.)6 6 Para uma revisão desse debate, ver Rosenlund, 2015. . É possível, assim, não apenas diferenciar as classes superiores das classes médias e inferiores, mas também, como já demonstrado n’A distinção, diferenciar frações das classes superiores em função do peso dos diferentes recursos pertinentes a um dado universo social (Börjesson et al., 2016Börjesson, Mikael; Broady, Donald; Le Roux, Brigitte; Lidegran, Ida & Palme, Mikael. (2016), “Cultural capital in the elite subfield of Swedish higher education”. Poetics , 56 (3): 15-34.). E a mesma diferenciação interna pode ser encontrada para as demais classes, considerando os recursos específicos e modalidades de estilização da vida típicas a essas regiões do espaço social (Pereira, 2005Pereira, José Virgílio Borges. (2005), Classes e culturas de classe das famílias portuenses: classes sociais e modalidades de estilização da vida na cidade do Porto. Porto, Edições Afrontamento.).

Por outro lado, uma parte importante desses estudos voltou-se para a investigação de um aspecto da distinção, aquele referente à produção, acumulação e transmissão de capital cultural7 7 De fato, são relativamente pouco numerosos os estudos inspirados pela abordagem bourdieusiana que se debruçam sobre outros aspectos da prática que não os culturais, em um sentido mais estrito do termo. Algumas exceções são os estudos de Lindell (2018) e de Lindell e Hovden (2018) sobre as relações entre as classes e as práticas de mídia digital na Suécia, e os estudos de Harrits et al. (2010) e Flemmen e Haakestad (2018) sobre as homologias entre espaço social e as tomadas de posição política e ideológica. . Consequentemente, é pouco comum a utilização de uma ampla variedade de indicadores para mensurar as práticas dos agentes em diferentes domínios da vida social, restringindo-se frequentemente ao consumo da cultura entendida em um sentido bastante restrito (em parte devido às limitações decorrentes do uso de fontes secundárias). Ademais, a operacionalização da noção de espaço social, a partir da construção de diversos indicadores de formas de capital e de trajetórias sociais, tem recebido relativamente pouca atenção nos estudos de classe recentes inspirados pela tradição bourdieusiana8 8 As principais exceções, aqui, são Pereira (2005) e Rosenlund (2009). Para a importância do estudo das trajetórias sociais para o da formação das classes, ver Savage et al. (2015). .

Se, apesar das ressalvas anteriores, é possível dizer que o aspecto da distribuição diferencial das propriedades das práticas está, de alguma forma, bem documentado, o outro elemento da distinção, qual seja, a hierarquia, parece menos explorado nos estudos que se debruçam sobre essa temática. A mera evidência estatística da raridade de uma prática ou gosto não implica necessariamente que ele hierarquize os agentes. Os instrumentos geralmente utilizados para “mapear” os gostos e as práticas culturais não são suficientes para responder a esta questão. Os dados produzidos por meio de surveys são muito úteis (sobretudo quando produzidos a partir da problemática da pesquisa), porque possibilitam evidenciar a ocorrência empírica de homologias entre as práticas dos agentes em diferentes domínios e suas posições relativas no espaço social. É necessário, no entanto, dar alguns passos adicionais para apreendermos a problemática da distinção em sua totalidade.

Como a hipótese da homologia sugere haver correspondências entre as hierarquias operantes nos diversos campos sociais, por um lado, e entre elas e as hierarquias vigentes no espaço social, por outro, uma primeira tarefa consiste em situar as práticas em seus campos específicos e reconstruir a estrutura desses campos (suas instâncias de legitimação, suas hierarquias e seus agentes, os valores que os orientam, os objetos em disputa), além das relações entre eles9 9 O estudo de Nault et al. (2021) propõe soluções metodológicas interessantes, a nosso ver, para algumas dificuldades comumente enfrentadas nas tentativas de investigação das hierarquias de gosto a partir de dados de preferências individuais por diferentes gêneros culturais (no caso, preferências musicais). Tais dificuldades se referem, sobretudo, à escassez de procedimentos confiáveis e amplamente testados que permitam construir medidas “exógenas” de consagração de bens culturais e de seus produtores, ou seja, que não dependam tão somente do “senso comum esclarecido” do pesquisador. . Há muitos estudos desse tipo na sociologia no Brasil e alhures10 10 Entre outros, Miceli e Pontes, 2014; Bennett et al., 2009 (pp. 75-174). .

Ademais, é preciso avançar na investigação dos aspectos subjetivos de como “as pessoas explicitamente avaliam, estimam e julgam os estilos de vida dos outros (Sølvberg e Jarness, 2019Sølvberg, Lisa M. B. & Jarness, Vegard. (2019), “Methodological challenges when mapping symbolic boundaries”. Cultural Sociology, 13 (2): 178-197., p. 180). Como produzir dados desse tipo? Como apreender empiricamente os modos pelos quais as pessoas categorizam e hierarquizam os estilos de vida? Que técnicas de observação podemos empregar para investigar as disputas em torno do valor das propriedades dos estilos de vida e o reconhecimento pelos agentes dessas hierarquias? Essa é uma tarefa fundamental, uma vez que, para que possamos considerar determinadas práticas ou gostos como distintos e distintivos, é essencial evidenciar o amplo reconhecimento da legitimidade de tais práticas ou gostos.

Como argumentam Sølvberg e Jarness, os estudos de Lamont sobre as fronteiras sociais e simbólicas nos ajudam a avançar nessas indagações. Fronteiras simbólicas são “distinções conceituais feitas pelos atores sociais para categorizar objetos, pessoas, práticas, e, até mesmo, o tempo e o espaço. São ferramentas pelas quais os indivíduos e grupos lutam para chegar a definições da realidade compartilhadas” (Lamont e Molnár, 2002Lamont, Michèle & Molnár, Viràg. (2002), “The study of boundaries in the social sciences”. Annual Review of Sociology, 28: 167-195., p. 168). Por sua vez, fronteiras sociais são “formas objetivadas de diferenças sociais manifestadas no acesso desigual e na distribuição desigual de recursos (materiais e imateriais) e de oportunidades sociais” (Idem, ibidem).

Mapear as fronteiras simbólicas, retornando aos argumentos de Sølvberg e Jarness (2019Sølvberg, Lisa M. B. & Jarness, Vegard. (2019), “Methodological challenges when mapping symbolic boundaries”. Cultural Sociology, 13 (2): 178-197.), pode ser bastante útil para investigar empiricamente “se e como as diferenças de estilos de vida baseadas em classe estão, de fato, ligadas a processos de exclusão e inclusão” (p. 180). Em Money, morals and manners (1992Lamont, Michèle. (1992), Money, morals and manners. The culture of the French and the American upper-middle-class. Chicago, University of Chicago Press. ), Lamont investigou o processo de construção de fronteiras de diferentes tipos (cultural, econômica e moral) com base em entrevistas em profundidade com informantes norte-americanos e franceses. O modo como as pessoas falam de si e dos outros, as categorias que mobilizam, em seus discursos, para nomear, definir, avaliar suas próprias ações e as dos outros constituem dados importantes a partir dos quais podemos apreender como as fronteiras sociais e simbólicas são construídas e reconstruídas na vida social.

Ao mesmo tempo, há uma tendência quase incontornável por parte dos indivíduos de idealizar seus comportamentos em situações sociais. Por isso, em situações de entrevista, é provável que os informantes recorram à produção de narrativas “honoráveis”, por meio das quais buscam transmitir uma imagem de si como indivíduos tolerantes, minimizando as diferenças de classe e evitando julgamentos ou o uso de categorias que impliquem hierarquização ou estigmatização. Mais: para os membros das classes superiores, apresentarem-se como pessoas tolerantes, “decentes”, igualitárias contribuiria, intencionalmente ou não, para a reprodução da legitimidade cultural e das fronteiras de classe (Sølvberg e Jarness, 2019Sølvberg, Lisa M. B. & Jarness, Vegard. (2019), “Methodological challenges when mapping symbolic boundaries”. Cultural Sociology, 13 (2): 178-197., p. 23).

Para que a situação de entrevista não se transforme em uma mera instância de produção de discursos complacentes ou condescendentes, é essencial que adotemos técnicas que permitam “extrair” as chamadas narrativas “viscerais”, aquelas carregadas de sentimentos de desgosto, julgamentos morais e estéticos, de categorias que produzem hierarquias entre grupos de pessoas11 11 Uma dessas técnicas consiste em explorar nas entrevistas as interações que os informantes tiveram com pessoas de outras classes sociais, de modo a apreender as possíveis contradições entre seus relatos desses encontros e como se sentiram e os relatos em outras partes da entrevista (Sølvberg e Jarness, 2019, pp. 21-23). Para uma crítica a esses argumentos, ver Van Den Haak e Wilterdink, 2019. . A probabilidade de produção de tais narrativas “honoráveis” ou “viscerais” pode variar conforme o contexto: onde, com quem, de quem, do que se fala. Nos estudos de Sam Friedman sobre a estruturação social do gosto por comédia, por exemplo, seus informantes de frações superiores mais dotados de capital cultural construíam, em suas falas, fronteiras simbólicas baseadas na percepção da inabilidade de certas audiências de entenderem “formas mais elevadas” de comédia. Aparentemente, quando as pessoas falam sobre “o que as faz rir”, elas se sentem menos constrangidas em marcar distância com quem não compartilham seus gostos: “a comédia parece ter um poder único para definir fronteiras simbólicas, enraizado em sua conexão às propriedades sociais do humor…” (Friedman, 2014Friedman, Sam. (2014), Comedy and distinction: the cultural currency of a “good” sense of humour. Abingdon, Routledge. Disponível em http://eprints.lse.ac.uk/59932/.
http://eprints.lse.ac.uk/59932...
, p. 148)12 12 Um artigo de Carolina Pulici (2014) que aborda a percepção das elites paulistanas sobre as práticas alimentares das classes populares traz muitos exemplos dessas narrativas “viscerais”, talvez porque, no contexto da enorme desigualdade que caracteriza a sociedade brasileira, a grande distância social que separa esses grupos reduza a força dos imperativos morais de tolerância e abertura ao outro que matizam as barreiras simbólicas erigidas no discurso. .

Neste sentido, tem sido cada vez mais relevante o emprego de múltiplas técnicas de pesquisa, que captem a complexidade das relações entre classe e distinção. Muito além de buscar saber as práticas raras e comuns, as que caracterizam mais o gosto de uma classe do que de outra, essas técnicas buscam nos ajudar a responder quais as práticas e os gostos mobilizados para a produção de fronteiras simbólicas. Em uma pluralidade de práticas e gostos que caracterizam a vida dos sujeitos, quais aqueles que se tornam, para usar outra expressão de Lamont, o repertório das diferentes classes nas lutas sociais. Ao fazer esse tipo de pergunta, deslocamos o capital cultural de seu aspecto distintivo para a temática do poder. Isso significa que o interesse recai na esfera da legitimidade de gostos e práticas. E, dessa forma, importa perguntar sobre as novas e antigas instâncias de legitimidade que marcam a esfera cultural. A legitimidade cultural na França de Bourdieu era altamente marcada pelo controle do Estado (operando nas escolas, nos museus, nas salas de concerto etc.), pelo gosto burguês e pela separação de alta e baixa culturas. O que ocorre com essas instâncias com o desenvolvimento da indústria cultural, da cultura produzida por empreendimentos privados e, em especial, pelos novos meios de comunicação, como a internet?

A busca de respostas a perguntas como essa e outras que fizemos aparecem nos textos reunidos neste dossiê. A temática de novas configurações do capital cultural e formas de definição das fronteiras simbólicas são observadas no texto “Consumo e capital informacional nas lógicas de distinção entre os grupos dominados”, de Ana Lúcia de Castro. A autora leva o debate sobre a distinção para as classes populares e, nelas, a cultura de consumo. Seu objeto privilegiado de análise é o movimento hype, que envolve a adoção por jovens das classes populares de um consumo de bens restritos típicos do universo do luxo, mas ao mesmo tempo um afastamento das práticas mais legítimas desse universo e da classe dominante. A autora nota como nesse movimento o capital cultural é mobilizado não a partir de seus elementos tradicionais (como a “alta cultura”), mas a partir de um conhecimento da cultura digital que produz um capital informacional. Assim, é pela mobilização desse capital que os agentes do movimento hype são capazes de traçar as fronteiras simbólicas que os diferenciam de outros membros das classes populares. O capital cultural, ela argumenta, continua operando, mas sob formas não antevistas por Bourdieu.

Mas se o capital cultural continua operando, sob novas formas, também deve haver instâncias que sejam fonte desse capital na contemporaneidade. Não é estranho à obra de Bourdieu observar o papel da escola e da língua nesse contexto. Contudo, a contemporaneidade exige que repensemos a escola, em especial em relação ao processo de globalização. A isso se dedica Miqueli Michetti no texto “Bilíngues, bilíngues de verdade e global citizens: distinção e disposições no mercado educacional”. O foco agora se volta para as classes altas e sua tentativa de buscar manter o valor do capital cultural que detêm. Para tanto, a inserção dessas classes em uma suposta cultura cosmopolita produz o efeito desejado. Os filhos da elite vão estudar em escolas em que não apenas aprendem uma língua estrangeira (o inglês, em geral), mas incorporam uma disposição cosmopolita e, com ela, a noção de que uma vida desterritorializada, voltada para o mundo, é superior. Dessa forma, em torno de noções que supõem o “bem”, como diversidade cultural, a valorização da diferença, a tolerância etc., o que na verdade se produz é um capital cultural, marcado pela disposição cosmopolita, que, mais uma vez, apenas a elite é capaz de adquirir.

Ainda sobre o campo educacional brasileiro, Carlos Moris, Fernando Casselato, Matheus Nascimento, Gabriela Agostini e Luciana Massi mostram outro lado da atuação do capital cultural através de uma excelente aplicação do método de análise de correspondências múltiplas, que demonstra o efeito muito forte do capital cultural nas chances de sucesso no Enem e, portanto, nas chances de acesso à universidade, remetendo aos estudos bourdieusianos clássicos sobre o tema.

O tema da distinção ligado ao capital cultural das elites muda de ares e nos leva ao Chile, onde Modesto Gayo e María Luisa Méndez mostram, através de métodos quantitativos e qualitativos, a existência de uma fragmentação ideológica na elite chilena, em contraposição a teorias que pressupõem um conservadorismo inerente a qualquer grupo no topo da hierarquia social. Aproveitando-se do momento de alta tensão e conflitos na sociedade chilena, o artigo estabelece correlações que sugerem uma clivagem entre grupos de elite que apoiam a mudança constitucional e querem um papel protagonista nesse processo, e outros que temem e gostariam de impedir mudanças profundas. Esses grupos, por sua vez, podem ser correlacionados a atitudes opostas no espectro político e ideológico.

Do Chile, passamos para a Argentina e o texto de Alexandra Tedesco, um trabalho de sociologia histórica centrado na figura de Victoria Ocampo, escritora fundamental para a formação do campo intelectual argentino no século XX. Através de uma análise cuidadosa de sua trajetória, percebemos também a operação do habitus e do capital cultural incorporado na formação e reprodução de mecanismos de distinção da elite cultural argentina.

A relação entre classe, cultura e política reaparece no artigo de Alana Meirelles Vieira, “Entre cultura e política: a distinção da produção de opinião na mídia”. Mobilizando de modo bastante frutífero os conceitos bourdieusianos de espaço social, habitus, campo e capital, a autora problematiza as tomadas de posição no mercado de produção política, centrado na mídia, considerando as homologias das posições e das trajetórias sociais dos agentes nos campos político, jornalístico, econômico e, mais amplamente, no espaço das classes sociais. Com base na análise de dados primários produzidos a partir de entrevistas em profundidade e de pesquisa documental, o trabalho contribui para dar corpo a uma vertente da Sociologia da Cultura que não se furta aos desafios de apreender os determinantes de classe, pela mediação do habitus, nas tomadas de posição política e ideológica.

O texto de Michel Nicolau Netto e Bárbara Venturini Ábile propõe a tematização das homologias das hierarquias no campo da moda e no espaço das classes sociais, a partir da investigação empírica de dois eventos de colaboração criativa entre marcas de luxo e fast fashion, entendidos como instâncias empíricas do encontro entre o “sagrado” e o “profano”. Com base em dados produzidos por meio de pesquisa de material visual e de entrevistas em profundidade, os autores argumentam que tais colaborações pressupõem (e também reproduzem) o reconhecimento pelos agentes das hierarquias simbólicas e, portanto, do valor das marcas enquanto signos de distinção nesse subespaço simbólico. Por isso, os eventos de colaboração criativa servem também como uma instância de observação da luta de classes em torno da imposição dos modos legítimos de viver, luta em que as classes superiores quase sempre detêm os recursos necessários para a preservação da raridade relativa em que se assentam seus privilégios.

Fechando o dossiê, apresentamos uma entrevista realizada por e-mail com o pesquisador norueguês Johannes Hjellbrekke, que nos traz observações muito interessantes sobre o uso da metodologia bourdieusiana para a produção de projetos de pesquisa no século XXI e a relevância contínua do conceito de capital cultural em nossas sociedades, já tão distantes da França das décadas de 1960 e 70 que Bourdieu investigou.

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  • 1
    Bertoncelo, 2022Bertoncelo, Edison. (2022), Construindo espaços relacionais com a análise de correspondências múltiplas: aplicações nas ciências sociais. Brasília: Editora da Enap..
  • 2
    Seguindo DiMaggio e Mukhtar, definimos “alta cultura” como as formas culturais “consideradas pelos críticos como ‘sérias’, caracterizadas por uma tendência de que a avaliação dê prioridade às respostas dos críticos e dos artistas mais do que àquelas do público em geral, representadas nos currículos das universidades e das faculdades, que mais provavelmente recebem subvenções de patronos privados, fundações, ou agências governamentais tendo em vista o valor estético percebido de seus produtos, e geralmente produzidas e distribuídas por organizações não lucrativas” (2004Dimaggio, P. & Mukhtar, T. (2004), “Arts participation as cultural capital in the United States, 1982-2002: Signs of decline?”. Poetics , 32: 169-194., p. 175). Essas formas culturais incluem os concertos de música clássica, o teatro, o museu, a galeria de arte, a ópera, as artes visuais etc.
  • 3
    Para uma revisão desse debate, Prieur e Savage, 2011Prieur, Annick & Savage, Mike. (2011), “Updating cultural capital theory: a discussion based on studies in Denmark and in Britain”. Poetics , 39: 566-580., pp. 252-254.
  • 4
    Por exemplo, os dados analisados pelos autores indicam que o público da ópera permaneceu estável. Por sua vez, os públicos do jazz e das artes visuais cresceram no período investigado.
  • 5
    Para conclusões similares, ver também Purhonen et al., 2011Purhonen, Semi; Gronow, Jukka & Rahkonen, Keijo. (2011), “Highbrow culture in Finland: Knowledge, taste and participation”. Acta Sociologica, 54 (4): 385-402..
  • 6
    Para uma revisão desse debate, ver Rosenlund, 2015Rosenlund, Lennart. (2015), “Working with Distinction: Scandinavian experiences”. In: Coulangeon, Philippe & Duval, Julien. The Routledge Companion to Bourdieu’s Distinction. Oxon; Nova York: Routledge ..
  • 7
    De fato, são relativamente pouco numerosos os estudos inspirados pela abordagem bourdieusiana que se debruçam sobre outros aspectos da prática que não os culturais, em um sentido mais estrito do termo. Algumas exceções são os estudos de Lindell (2018)Lindell, Johan. (2018), “Distinction recapped: Digital news repertoires in the class structure”. New media & society, 20 (8): 3029-3049. e de Lindell e Hovden (2018) Lindell, Johan & Hovden, Jan Fredrik. (2018), “Distinctions in the media welfare state: audience fragmentation in post-egalitarian Sweden”. Media, Culture & Society, 40 (5). sobre as relações entre as classes e as práticas de mídia digital na Suécia, e os estudos de Harrits et al. (2010)Harrits, Gitte S.; Prieur, Annick; Rosenland, Lennart & Skjott-Larsen, Jakob. (2010), “Class and politics in Denmark: Are both old and new politics structured by class?”. Scandinavian Political Studies, 33 (1): 1-27. e Flemmen e Haakestad (2018)Flemmen, Magne & Haakestad, Hedda. (2018), “Class and politics in twenty-first century Norway: a homology of positions and position-taking”. European Societies, 20 (3): 401-423. sobre as homologias entre espaço social e as tomadas de posição política e ideológica.
  • 8
    As principais exceções, aqui, são Pereira (2005Pereira, José Virgílio Borges. (2005), Classes e culturas de classe das famílias portuenses: classes sociais e modalidades de estilização da vida na cidade do Porto. Porto, Edições Afrontamento.) e Rosenlund (2009)Rosenlund, Lennart. (2009), Exploring the city with Bourdieu: applying Pierre Bourdieu’s theories and methods to study the community. Sarbruque, vdm Verlag.. Para a importância do estudo das trajetórias sociais para o da formação das classes, ver Savage et al. (2015)Savage, Mike et al. (2015), Social class in the 21 century. Londres, Pelican Books..
  • 9
    O estudo de Nault et al. (2021)Nault, Jean-François; Baumann, Shyon; Childress, Clayton & Rawlings, Craig M. (2021), “The social positions of taste between and within music genres: From omnivore to snob”. European Journal of Cultural Studies, 24 (3): 717-740. propõe soluções metodológicas interessantes, a nosso ver, para algumas dificuldades comumente enfrentadas nas tentativas de investigação das hierarquias de gosto a partir de dados de preferências individuais por diferentes gêneros culturais (no caso, preferências musicais). Tais dificuldades se referem, sobretudo, à escassez de procedimentos confiáveis e amplamente testados que permitam construir medidas “exógenas” de consagração de bens culturais e de seus produtores, ou seja, que não dependam tão somente do “senso comum esclarecido” do pesquisador.
  • 10
    Entre outros, Miceli e Pontes, 2014Miceli, Sergio & Pontes, Heloisa (orgs.). (2014), Cultura e sociedade: Brasil e Argentina. São Paulo, Edusp.; Bennett et al., 2009 Bennett, Tony et al. (2009), Culture, class, distinction. Londres: Routledge.(pp. 75-174).
  • 11
    Uma dessas técnicas consiste em explorar nas entrevistas as interações que os informantes tiveram com pessoas de outras classes sociais, de modo a apreender as possíveis contradições entre seus relatos desses encontros e como se sentiram e os relatos em outras partes da entrevista (Sølvberg e Jarness, 2019Sølvberg, Lisa M. B. & Jarness, Vegard. (2019), “Methodological challenges when mapping symbolic boundaries”. Cultural Sociology, 13 (2): 178-197., pp. 21-23). Para uma crítica a esses argumentos, ver Van Den Haak e Wilterdink, 2019Van Den Haak, Marcel & Wilterdink, Nico. (2019), “Struggling with distinction: How and why people switch between cultural hierarchy and equality”. European Journal of Cultural Studies , 22 (4): 416-432..
  • 12
    Um artigo de Carolina Pulici (2014)Pulici, Carolina. (2014), “A alimentação solene e parcimoniosa: práticas gastronômicas como fonte de distinção das elites brasileiras”. Revista Eco Pós, 17 (3): 1-15. que aborda a percepção das elites paulistanas sobre as práticas alimentares das classes populares traz muitos exemplos dessas narrativas “viscerais”, talvez porque, no contexto da enorme desigualdade que caracteriza a sociedade brasileira, a grande distância social que separa esses grupos reduza a força dos imperativos morais de tolerância e abertura ao outro que matizam as barreiras simbólicas erigidas no discurso.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Set 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    07 Jun 2022
  • Aceito
    10 Jun 2022
Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, 05508-010, São Paulo - SP, Brasil - São Paulo - SP - Brazil
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