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Pactos comunitários e proteção em San Salvador

Community pacts and protection in San Salvador

Resumos

Este artigo é uma reflexão sobre a experiência de fronteira que hoje se vive nos bairros populares urbanos de El Salvador. Considerado como um dos países mais violentos da América Latina, a resposta dos governos tem sido o combate às gangues. Porém, os índices de violência, ao contrário de diminuir, têm aumentado. Interessa aqui analisar os distintos pactos que as comunidades realizam em busca de proteção, em um cenário no qual uma multiplicidade de atores determina as dinâmicas legais e ilegais dos bairros. Com base em uma pesquisa realizada em dois bairros emblemáticos, este artigo discute o poder estatal na gestão de ilegalismos e o uso da violência de direito.

Cidade; Gangues; Ilegalismos; Violência urbana


This article explores the frontier experience now pervasive in working-class urban districts of El Salvador. Considered one of the most violent countries in Latin America, the response of the governments has been to combat the gangs. However, rather than falling, rates of violence have been on the increase. The interest here is analyzing the distinct pacts that the communities make in search of protection, part of a scenario in which a multitude of actors determine the legal and illegal dynamics of the neighbourhoods. Based on research conducted in two emblematic districts, the article discusses state power in the management of illegalisms and the use of state violence.

City; Gangs; Illegalisms; Urban Violence


DOSSIÊ - ILEGALISMOS NA AMÉRICA LATINA

Pactos comunitários e proteção em San Salvador

Community pacts and protection in San Salvador

Roxana Martel

Tradução de Fernando de Luiz Brito Vianna

RESUMO

Este artigo é uma reflexão sobre a experiência de fronteira que hoje se vive nos bairros populares urbanos de El Salvador. Considerado como um dos países mais violentos da América Latina, a resposta dos governos tem sido o combate às gangues. Porém, os índices de violência, ao contrário de diminuir, têm aumentado. Interessa aqui analisar os distintos pactos que as comunidades realizam em busca de proteção, em um cenário no qual uma multiplicidade de atores determina as dinâmicas legais e ilegais dos bairros. Com base em uma pesquisa realizada em dois bairros emblemáticos, este artigo discute o poder estatal na gestão de ilegalismos e o uso da violência de direito.

Palavras-chave: Cidade; Gangues; Ilegalismos; Violência urbana.

ABSTRACT

This article explores the frontier experience now pervasive in working-class urban districts of El Salvador. Considered one of the most violent countries in Latin America, the response of the governments has been to combat the gangs. However, rather than falling, rates of violence have been on the increase. The interest here is analyzing the distinct pacts that the communities make in search of protection, part of a scenario in which a multitude of actors determine the legal and illegal dynamics of the neighbourhoods. Based on research conducted in two emblematic districts, the article discusses state power in the management of illegalisms and the use of state violence.

Keywords: City, Gangs, Illegalisms, Urban Violence.

Viver aqui é como viver numa prisão. Às vezes

me sinto mais seguro lá fora, nas ruas, do que aqui.

[Jovem do bairro Iberias]

"Viver na fronteira já é difícil, mas nem sequer se compara a ser, em si mesmo, uma fronteira." Com essa citação do psicanalista André Green, Etienne Balibar (2005, p. 84) descreve a extraordinária viscosidade das fronteiras contemporâneas. Instrumento de poder e controle para a administração de territórios específicos, elas fixam limites e constituem comunidades; separam e diferenciam. Ademais, e sobretudo, determinam experiências concretas de sujeitos individuais e coletivos que nelas vivem, lutam, transitam, ou por elas se encontram contidos.

Este texto pretende uma aproximação à experiência de fronteira vivida nos bairros populares urbanos de San Salvador. Numa das regiões mais violentas do mundo (cf. PNUD, 2009), os papéis de vítima ou de vitimador parecem ser aqueles que inexoravelmente cabem aos habitantes desses bairros. A realidade, porém, é mais complexa. Ser fronteira tem sido a experiência mais permanente nas zonas populares do entorno urbano de San Salvador. Para boa parte da população que se encontra nos limites do modelo de desenvolvimento nacional, a ilegalidade, a informalidade, a precariedade são constitutivas do processo de modernização. São esses também os rótulos com os quais as administrações públicas têm intervido e controlado, desde o início, esses territórios.

Ser fronteira é parte constitutiva da história dos bairros populares. Entretanto, atualmente, há um aprofundamento das experiências limites que separam a vida e a morte, a confiança e a desconfiança, a proteção e o abandono. Nos bairros, homens e mulheres devem encarar sozinhos ou mediante pactos precários as consequências mais dramáticas de problemas políticos e econômicos globais: a produção em grande escala desses sujeitos, que o sociólogo Zygmunt Bauman (2004) chamou de "novos párias", dada a impossibilidade de se integrarem às lógicas econômicas globais; a aplicação de políticas de segurança que replicam fórmulas ditadas ou impostas pela lógica da segurança hemisférica, mas que têm por objetivo garantir a segurança do fluxo global de capitais; as consequências da expansão de mercados econômicos criminosos, concretizados no tráfico global de drogas, armas e pessoas. Enfim, uma série de problemas que são temas das agendas e das análises políticas da nova governança internacional, mas que se inserem diretamente, com frágeis mediações institucionais, na vida das comunidades dos bairros urbanos.

A fronteira, geográfica e relacional - relações com distintos atores -, determina a vida comunitária. Comércio informal, gangues, líderes comunitários, redes de narcovarejo, forças policiais, organizações não governamentais, governo local, governo central. Tudo isso instaura práticas e culturas cotidianas para quem vive nesses bairros. Mover-se nos limites estabelecidos por essas práticas é um dos maiores artifícios dos moradores, faz parte do deslocamento dessas fronteiras nômades, as quais escapam a classificações simples. A delimitação das relações entre os atores ilegais e a comunidade não é tão clara como as instituições públicas e os meios de comunicação pretendem mostrar.

A resposta do Estado salvadorenho ao aumento dos índices de violência criminal e social consistiu em focalizar as políticas de segurança em um dos atores mais visíveis: as gangues. A Mara Salvatrucha e a Mara Barrio 18 dominam a cena política, midiática e comunitária dos territórios da violência desde o início dos anos de 1990. As gangues foram os primeiros sinais de dinâmicas que se instalariam nos territórios comunitários, mas que iriam também transcendê-los.

Desde o início, a Mara Salvatrucha e a Barrio 18 integraram-se à vida de gangues já existentes nesses bairros, tendo sido influenciadas pelo retorno de indivíduos que haviam participado de gangues em Los Angeles.

A inimizade extrema entre os membros da Salvatrucha e da Barrio 18 e a incorporação das práticas de tatuagens e grafites como provas de adscrição foram os elementos mais visíveis da transformação das gangues locais. As identidades e os conflitos das gangues norte-americanas foram apropriados e territorializados pelas gangues locais1 1 . Há uma abundante bibliografia sobre o tema, produzida na América Central e nos Estados Unidos. Tanto a Mara Salvatrucha como a Barrio 18 estão ancoradas em uma ampla tradição de rivalidades entre gangues de origem latinoamericana na Califórnia. Nessa guerra entre gangues, destacam-se a inimizade intensa e mortal com o bando rival, a subordinação dos interesses individuais aos interesses e honras grupais, além de uma ideologia de solidariedade e respeito para com os companheiros de gangue (cf. Savanije, 2009). (cf. Cruz, 2005; Aguilar e Carranza, 2008; Savanije, 2009).

A relação entre uma adscrição transnacional com poder e o reconhecimento territorial obtido nas comunidades locais foi determinante para a presença hegemônica dessas duas gangues. Suas estruturas nos bairros, denominadas clicas, reproduzem conflitos, dinâmicas e valores originariamente presentes na estrutura e no imaginário transnacionais. A participação de membros de ambas as gangues em fatos de violência e criminalidade projetou esses atores no centro das políticas públicas de segurança no país.

No ano de 2003, o então presidente salvadorenho, Francisco Flores, anunciou oficialmente o início da chamada Operación Mano Dura. Com ela se declarou combate às gangues, responsáveis, segundo dados do governo, pela violência e pela criminalidade que o país estava vivendo. À operação Mano Dura, seguiram-se uma série de operações policiais e as reformas da Lei Penal Juvenil, dos Códigos Penal e do Processo Penal, com vigência até o presente2 2 . A Operação Mano Dura foi executada sob o marco legal fornecido pela Lei Antimaras (2003). Em seu artigo primeiro, ela definiu gangue ( mara ou pandilla) como "uma agrupação de pessoas que atuam para alterar a ordem pública ou atentar contra o decoro e os bons costumes, e que correspondem a vários ou todos os seguintes critérios: que se reúnam habitualmente; que sinalizem segmentos de territórios como próprios; que tenha ( sic) sinais ou símbolos como meios de identificação, que marquem seus corpos com cicatrizes ou tatuagens". Ao converter em delito o mero pertencimento a uma mara, os planos antigangues outorgaram às forças policiais uma ampla margem de discricionariedade, permitindo a detenção de qualquer adolescente ou jovem apenas por sua aparência. Malgrado a Lei Antimaras ter sido declarada inconstitucional pela Corte Suprema de Justiça em 2004, o Legislativo aprovou, no mesmo dia em que essa sentença foi pronunciada, uma segunda versão da lei, que padece dos mesmos vícios pelos quais a versão anterior teria sido anulada. .

Com essas intervenções, o Estado exerceu o seu poder no uso da violência legítima, dando forma, com isso, à figura do Grande Criminoso (El Gran Criminal). A Mara Salvatrucha e a Barrio 18 são os seres-fronteira da violência: são os limites designados e assumidos da violência ilegítima.

A resposta institucional do Estado policial foi consistente em sua política repressiva contra as gangues. Nesses sete anos, a Polícia Nacional Civil (PNC) realizou 63.519 detenções3 3 . Dados fornecidos pela Subdiretoria de Segurança Cidadã da PNC, 2009. de membros de gangues ou por delito de associação ilícita4 4 . A tipificação do delito "associação ilícita" é reconhecido desde a reforma do Código Penal, em 2004. Porém, a aprovação e a aplicação da Lei Antimaras (2003) e da lei para o Combate das Atividades Delinquenciais de Grupos ou Associações Ilícitas Especiais (2004) facultaram seu uso antes das reformas do Código. Ambas as leis eram transitórias. . A população no sistema carcerário de adultos cresceu de 11.451 pessoas privadas de liberdade em 2003 para 21.032 em julho de 20095 5 . Dados fornecidos pela Diretoria de Centros Penais, 2009. No cenário centro-americano, são de El Salvador as mais altas taxas de encarceramento, 195 por 100 mil habitantes.Também as taxas mais altas de sobrepopulação carcerária: 188% em 2006 ( Estado de la Región, 2008). . De cada cem presos, 35 estão registrados como participantes de alguma gangue.

Apesar desses números, longe de controlar a situação de insegurança, a tendência tem sido seu aumento e uma maior complexidade. Com base em dados da PNC, calculavam-se em 2003, para cada 100 mil habitantes, 33 homicídios, número que subiu para 72 em 2009. Ademais, o último triênio assistiu a um significativo aumento dos casos de extorsão, afetando diretamente bairros populares, setores médios e empresas. Nos últimos anos, setores empresariais e organismos nacionais e internacionais vêm reivindicando uma ação eficaz diante dos níveis de criminalidade. A resposta é a mesma: incrementar as ações punitivas contra as gangues.

Essa situação nos faz pensar na conclusão de Michel Foucault a respeito do papel da prisão no projeto da modernidade. Foucault constata as críticas que na Europa se dirigiram à instituição prisional, desde seus primórdios, por seu fracasso na correção dos delinquentes.

Seria preciso, então, supor que a prisão e, de maneira geral, os castigos não se destinam a suprimir as infrações, mas, antes, a distingui-las, distribuí-las, utilizálas [...]. A penalidade seria, então, uma maneira de gerir os ilegalismos, de traçar limites de tolerância, de dar certa margem de liberdade a alguns e exercer pressão sobre outros, de excluir uma parte e tornar útil outra; de neutralizar estes e tirar proveito daqueles (Foucault, 2002, p. 277).

O poder estatal estabelece múltiplas fronteiras em grupos e territórios específicos. Quais são os limites tolerados? Que setores dispõem de margens de liberdade? Quem é objeto de neutralização? A quem se concede poder? Tais perguntas fornecem pistas sobre as fronteiras nômades que, nos bairros, condicionam alianças e distâncias. Os atores hoje tolerados podem ser as ameaças de amanhã. E, nesse movimento, a experiência de ser fronteira se massifica. Será de nosso interesse, aqui, indagar como se vive tal experiência nos bairros, e quais as suas consequências para o projeto político de nação que se tem fortalecido.

Outro questionamento, talvez mais radical, refere-se à gestão dos ilegalismos por parte do Estado e suas consequências sobre as condições concretas dos sujeitos nos bairros populares. Seguindo Walter Benjamin, é possível formular uma crítica à violência desde seu ponto de partida e sua relação com o Estado. Nos Estados modernos, a violência legítima cumpre duas funções: de um lado, funda direitos (as conquistas sociais deram-se a partir de movimentos que irromperam na ordem existente) e, de outro, conserva direitos (cf. Benjamin, 1999, p. 30). A violência de direito é solidária com relações de poder estabelecidas. A eficácia da violência estatal consiste em garantir as condições do poder existente. Quais poderes os direitos estão preservando a partir da gestão dos ilegalismos nos bairros populares de San Salvador?

A imersão nos bairros urbanos nos permite observar de maneira mais complexa as relações de poder que a atual violência de direito está a preservar. A violência que hoje se vive em El Salvador tem características particulares e, como já dito, vínculos com lógicas globais. Veio a acoplar-se, no entanto, a dinâmicas históricas de violência e exercícios de poder.

Este exercício de reflexão será feito com base em dois bairros populares urbanos da Área Metropolitana de San Salvador: Sector Iberias e Comunidad Buenos Aires6 6 . Este trabalho baseia-se em pesquisa etnográfica conduzida pela autora, em distintos períodos durante os anos de 2003-2004, 2006 e 2009, no Sector Iberias, e entre 2008 e 2009, na Comunidad Buenos Aires (cf. Martel, 2006; 2010). . Ambos são bairros-fronteira devido a suas localizações espaciais e a suas dinâmicas internas, aos processos de conformação de suas comunidades e, sobretudo, ao modo como são tratados pelas instituições públicas, em especial as policiais.

Na primeira seção, passamos em revista as principais dinâmicas que conformaram os processos urbanos na Área Metropolitana de San Salvador, principalmente nos bairros populares. A segunda dá uma espécie de zoom nos dois bairros, e é desde ali que saímos a percorrer essas fronteiras nômades por onde se movem territórios e corpos.

As dinâmicas políticas e econômicas dos bairros estabelecem múltiplos limites, e com eles se demarca a experiência de seus habitantes. Isso será analisado na terceira e na quarta seções, para então finalizar com algumas reflexões sobre a gestão dos ilegalismos em El Salvador e a violência de direito que ora determina a experiência de ser fronteira nos bairros populares.

O cenário: processos de modernização na Área Metropolitana de San Salvador

El Salvador, com seus 5.744.000 habitantes e 21 mil quilômetros quadrados7 7 . VI Censo de Población, 2007. Disponível em < http://www.censos.gob.sv/>. , é um país predominantemente urbano. Quase 30% de sua população concentra-se na Área Metropolitana de San Salvador8 8 . A Área Metropolitana de San Salvador está conformada por catorze municípios. Não conta com autonomia política como instância administrativa intermediária, já que só há dois níveis de governo em El Salvador: o central e o local. No início de 1990, uma decisão concertada entre os governantes municipais ( alcaldes) deu origem ao Consejo de Alcaldes del Área Metropolitana de San Salvador - COAMSS. . Se esses são os dados gerais, o crescimento da cidade esteve marcado por processos crônicos de exclusão e segregação urbanas, com evidente deterioração das condições de vida nos bairros populares.

O processo de urbanização modernizante iniciou-se no país no final da década de 1950. Foi o resultado de uma industrialização eminentemente urbana, que incentivou a primeira onda migratória campo-cidade. Favoreceu o surgimento de setores médios associados à urbanização e à ampliação do emprego público. No entanto, gerou o empobrecimento de amplas massas de camponeses e assalariados que não puderam inserir-se na nova dinâmica (cf. Grigsby, 2008). A cena urbana foi configurada a partir de, ao menos, duas dinâmicas dominantes: a dimensão econômica e uma história de violência que manteve o país em permanente estado de exceção.

A centralidade das atividades urbanas na economia nacional foi uma constante no plano das políticas públicas, nas lógicas de investimento privado e também nas aspirações de progresso da população. No entanto, esses processos tiveram uma capacidade muito limitada de integração social. De fato, os processos de informalização da economia e, vinculada a isso, a especulação da terra urbana (cf. Lungo, 1996) foram parte constitutiva da modernização salvadorenha, não como consequência, mas como a outra face da moeda da urbanização, desde suas origens. Os bairros populares constituíram as fronteiras físicas, sociais e econômicas dos processos de urbanização.

Na década de 1990, os efeitos das políticas de ajuste estrutural fizeramse sentir nas famílias mais pobres. O aumento do custo de vida, os efeitos das privatizações e a precarização cada vez maior dos empregos levaram as famílias e os indivíduos a buscar saídas por seus próprios meios.

As condições de precariedade econômica no país não mudaram. No contexto globalizado, a histórica insegurança laboral e econômica dos bairros populares agravou-se em um contexto globalizado. Boa parte dos habitantes dos bairros populares encontra-se em situações de subemprego9 9 . Situação laboral de uma pessoa que se dedica a qualquer atividade para sobreviver, em virtude de não encontrar um emprego de dedicação integral, com plena proteção social e rendimentos que lhe permitam satisfazer as necessidades básicas próprias e de seus familiares. . De acordo com o PNUD (2008), 50% dos jovens de 14 a 24 anos vivem nessa condição. Ser parte do setor informal da economia não é uma saída nova nesses bairros. A novidade é que, sob essas condições, a economia associada ao crescente mercado da criminalidade converte-se numa opção.

A segunda dimensão que condicionou a dinâmica urbana relaciona-se com formas históricas de violência que, embora tenham particularidades próprias do momento atual, estão ancoradas em processos de longa duração.

Nas décadas de 1970 e 1980, por causa principalmente das políticas repressivas dos governos de então, produziu-se uma segunda onda migratória interna. A perseguição política forçou famílias inteiras a fugir de ameaças de que eram objeto em seus lugares de origem. A porcentagem de migrantes internos aumentou. Nos locais de destino - Grande San Salvador e outros centros urbanos -, instalou-se um aparelho de controle militar que, sob a lógica da guerra interna, se destinava a identificar e eliminar os inimigos10 10 . El Salvador viveu uma guerra civil que transcorreu oficialmente entre os anos de 1980 e 1992. No entanto, já durante a década de 1970 a prática recorrente e crescente de perseguição política e repressão gerou mobilizações políticas e militares de grupos insurgentes, de paramilitares e de forças do exército. .

A repressão política e a guerra civil dividiram o país. Nos bairros, as pessoas aprenderam a calar-se e a falar baixo, para não levantar suspeitas nem se envolver em problemas. Instaurou-se o silêncio como instrumento de controle. Ver - Ouvir - Calar era o lema repetido nas comunidades, a fim de evitar ser marcado ou acusado de inimigo. Como saldo dessa guerra, 70 mil mortos, cerca de 8 mil desaparecidos e milhares de retirantes.

Em 1992, a guerrilha e o governo firmaram os Acordos de Paz. Iniciou-se um processo de transição democrática que coincidiu com as consequências da implantação do modelo econômico liberal que iria vigorar nas décadas seguintes, até hoje. A violência política deu lugar à violência social, criminal, e à perpetuação da violência estrutural, sobretudo nos bairros populares. Nos esforços para entender a transformação das formas de violência no pósguerra, vários estudos apontam para as sequelas próprias ao conflito armado e à história de autoritarismo, que deixou como herança uma arraigada cultura de violência entre os cidadãos (cf. Cruz, 1999; Martín Baró, 1988); a existência e a proliferação de armas de fogo no seio da sociedade, assim como a permissividade do seu marco regulátorio e legal (cf. Cruz, 2006); elevados níveis de desigualdade e exclusão social (cf. PNUD, 2001); e uma profunda debilidade institucional (cf. Cruz e González, 2002; Lungo e Baires, 1994).

Diversos estudos (cf. Savanije e Eekhoff, 2003; Baires et al., 2006), bem como diagnósticos produzidos por instituições sociais (cf. PNUD, 2009; Estado de la Región, 2008), mostram que são múltiplas as formas da violência vividas nos bairros desde a década de 1990. Há a violência associada às gangues, mas também a delinquência comum, as expressões do crime organizado, a violência contra as mulheres e as crianças, o uso de armas de fogo como meio de resolução de conflitos e distintas formas de corrupção. A complexidade aumenta na medida em que ali se colhem as consequências mais graves da insegurança social e humana de um país com mais da metade dos domicílios no limite da exclusão (cf. Estado de la Región, 2008, p. 95).

Se as políticas institucionais e policiais focalizam o combate às gangues, outras formas de violência continuam a determinar a dinâmica comunitária. A resposta da Mara Salvatrucha e da Barrio 18 à atuação policial foi a adoção de mecanismos mais estritos de controle interno11 11 . Algumas dessas medidas são: proibição aos novos membros de usarem tatuagens visíveis (uma das dimensões mais expressivas das identidades das gangues, essa prática ficou restrita aos que ingressam no sistema carcerário); controle do consumo de drogas; maior hierarquização entre os membros e pessoas a eles vinculadas, com as classificações de veteranos, soldados e civis; nomeação de "porta-vozes" (denominados palabreros) para proteger as lideranças. e o estabelecimento de relações cada vez mais significativas entre as prisões e os bairros. Os ilícitos mesclam-se com relações cotidianas de sobrevivência e proteção para as famílias e aqueles que estão privados de liberdade.

Diante dessa complexidade e das múltiplas formas de insegurança, as comunidades desenvolvem acertos e pactos comunitários nas bordas das fronteiras nômades entre o legal e o ilegal: busca de proteção diante da insegurança, participação em redes informais de comércio, acordos específicos para a realização de atividades comunitárias, tudo isso condiciona a vida comunitária, instaurando uma ordem em que o institucional-legal tem um papel ambíguo, ainda que estratégico. Nos bairros, as pessoas fogem, silenciam ou se aproximam de uma maneira ou de outra dos diversos atores que exercem um poder fático nos territórios e que oferecem, se os pactos são respeitados, uma proteção precária na marginalidade.

Topografias do popular: um zoom em dois bairros urbanos emblemáticos da Área Metropolitana de San Salvador

Viver na fronteira, mas sobretudo ser fronteira, é uma experiência presente nos territórios. Os bairros populares urbanos são zonas ou franjas de separação e contato com a cidade. Os processos de formação dos assentamentos foram se impondo em uma luta autogestionada por recursos. As instituições públicas (especialmente os governos locais e as instâncias policiais) sempre exerceram a função administrativa de classificação, mapeamento e controle dos bairros. Isso não se traduziu em ações eficazes para a defesa e a promoção do acesso a direitos básicos, que foram sobretudo conquistas comunitárias. Mas supôs um conhecimento bastante completo das principais dinâmicas, problemas e conflitos que ali se geram.

Para que possamos aproximar-nos dessas dinâmicas, faremos um exercício de imersão no Sector Iberias e na Comunidad Buenos Aires, dois bairros emblemáticos da Área Metropolitana de San Salvador. Emblemáticos porque neles se vive a diversidade de conflitos antes comentada. Também, e sobretudo, porque as instituições públicas e privadas os colocam nos mapas de risco e insegurança com os quais são definidas as modalidades de intervenção institucional nos locais.

O Sector Iberias pertence ao município de San Salvador, localizando-se no extremo leste da capital. Ao norte, faz limite com a Força Naval; ao sul, com o terminal leste de ônibus interdepartamentais, com instalações da ferrovia nacional (Fenadesal - Ferrocarriles Nacionales de El Salvador), com o Instituto Técnico Exsal (Itexsal), com a Polícia Nacional Civil (PNC) e com a indústria de bebidas La Constancia; a leste, com a fábrica Molinos El Salvador; e a oeste, com o mercado atacadista La Tiendona.

O bairro está numa zona de grande vitalidade econômica, institucional e social. Segundo estimativas da Intercomunal12 12 . Entidade de organização e representação do bairro, que integra suas diferentes comunidades (N.T.). e da prefeitura (Alcaldía Municipal) de San Salvador, sua população girava em torno de 30 mil habitantes em 2003, numa área de 0,2 km2.

O bairro é produto do terremoto de 3 de maio de 1965. Um plano de emergência para os atingidos da cidade de San Salvador foi implementado pelas autoridades civis e militares, que instalaram temporariamente o chamado "Acampamento da Polícia Fazendária"13 13 . Policía de Hacienda, antiga força de segurança salvadorenha, extinta pelos acordos que puseram termo à guerra civil no país (N.T.). . Assim como ocorreu em outros bairros populares, o temporário e precário converteu-se em permanente.

Com os anos, veio a transformação. Aumentou o número de famílias que vivem no bairro, e distintas instituições públicas e privadas têm gerido projetos diversos através de diretivas comunitárias. Apesar dessas intervenções, o bairro enfrenta problemas crônicos em diversas áreas, como saúde, moradia, criminalidade e violência, infraestrutura e equipamentos.

Por causa de seus índices de violência criminal e não criminal, o Sector Iberias figura nas classificações dos funcionários do governo local e da PNC como uma das zonas mais críticas, caracterização que se mantém desde a década de 1990. Mapas da violência foram produzidos, vários deles identificando os pontos de perigo e ameaça. As instâncias públicas e seus habitantes sabem localizar os negócios que geram violência (determinados restaurantes e centros de diversão noturna), assim como os lugares de presença e influência da Mara Salvatrucha e da Barrio 18, de distribuição e consumo de drogas (com atores identificados pelos moradores), de posse e uso de armas de fogo procedentes de mercados legais e ilegais. Além disso, há informes anuais sobre mortes e lesões provocadas por conflitos entre gangues e vendedores de droga, ou por problemas pessoais entre moradores.

Diversas ações da operação Mano Dura tiveram lugar em Iberias. Os grafites (um dos emblemas que marcam os territórios de influência das gangues) foram periodicamente removidos. Também os membros das gangues foram detidos inúmeras vezes por associação ilícita. Esse é o delito responsável pelo maior número de detenções administrativas, mas é também o que menos resulta em condenações pelos tribunais, por inconsistência de provas. Por fim, após a descoberta de um cemitério ilegal em 2005, dezoito membros da clica da Mara Salvatrucha do bairro (ILS - Iberia Locos Salvatruchos) foram coletivamente julgados e condenados no ano seguinte, num caso que contou com cobertura e repercussão midiáticas.

A comunidade ficou "livre" dos integrantes da Mara Salvatrucha apenas por alguns meses. Jovens e adultos de outros lugares chegaram para viver nessas comunidades que haviam sido território da ILS. Os grafites, seguidamente removidos entre 2003 e 2005, voltaram a aparecer. Ao lado dos murais em que são lembrados os que caíram na guerra entre as gangues, agora desponta, ademais, a consigna que lembra o santo e senha dos anos da guerra civil: Ver - Ouvir - Calar. É um lema que os moradores seguem, com uma confiança inominável de que, se o acatam, poderão estar protegidos.

Ainda há outros atores que geram insegurança, e as ameaças não deixaram de ser variadas. Porém, o poder da Mara Salvatrucha nas lógicas comunitárias tem hoje uma presença ainda mais desafiadora do que antes, quando teve início o combate governamental contra as gangues.

O segundo bairro é o Buenos Aires, localizado no município de Mejicanos, o terceiro mais populoso da Área Metropolitana de San Salvador. O bairro foi registrado em 1972 como uma iniciativa privada de loteamento. Delimita-se ao norte com a Comunidad Finca Argentina; ao sul, com a Buena Vista; a leste, com a Villa Guadalupe; e, a oeste, com o bairro Corinto.

Diferentemente de Iberias, que está no meio da cidade, nosso segundo bairro situa-se numa zona fronteiriça entre o rural e o urbano. Localizado entre morros e ladeiras, é uma região das mais vulneráveis aos desmoronamentos provocados por terremotos, chuvas e furacões que periodicamente assolam o país. Com uma população estimada de 1.500 pessoas, ocupa 1,5 km2.

Os moradores do Buenos Aires foram comprando seus lotes de uma empresa privada. Por meio da luta comunitária, urbanizaram a região. "Tomaram"14 14 . "Tomar" é a expressão de que se servem as comunidades urbanas para explicar a instalação ilegal dos serviços básicos em seus bairros. Na década de 1980, as "tomadas [ tomas] de terras e serviços" fizeram parte das lutas comunitárias urbanas. e introduziram luz e água por meios informais. Construíram as ruas, as passagens, a capela, um centro comunitário. Tudo isso ante a presença passiva das autoridades públicas, as quais, após a instalação dos serviços, iniciaram processos de formalização para regularizar o pagamento de tarifas.

A presença da violência no bairro Buenos Aires não é tão totalizadora como em Iberias. A região foi zona de disputa entre as partes envolvidas na guerra civil. Nas memórias dos moradores sobre essa época figuram os desaparecidos, as ameaças, os combates ali ocorridos entre o exército e a guerrilha, os cadáveres de desconhecidos que surgiam nos arredores.

As mulheres e as crianças têm sido vítimas de uma violência que, embora ocultada pelas paredes das casas, os moradores reconhecem como um problema grave e crescente. O alcoolismo e o consumo de drogas também têm sido o estopim de disputas entre os moradores (especialmente homens) e têm provocado conflitos que vão deteriorando as relações comunitárias.

Nos últimos cinco anos, jovens e adultos de uma das clicas da Mara Salvatrucha na região (GCS - Guanaco Criminal Salvatruchos) mudaram-se para o bairro. Não há registro de fatos de violência contra os moradores, mas entre os adultos predomina uma sensação de medo e desconfiança pela presença dos membros da Mara no local. Rumores, não confirmados, circulam de que os membros dessa clica estariam envolvidos em crimes praticados em outras regiões. A Polícia Nacional Civil não dispõe de confirmação desses rumores, mas é certo que alguns dos integrantes da clica, entre os quais um de seus líderes, se encontram presos em centros penitenciários devido a inquéritos policiais em andamento.

As gangues (a Mara Salvatrucha, nos bairros aqui retratados) são atores relevantes nas experiências comunitárias. Exercem o poder fáctico que as políticas de segurança terminaram por lhes atribuir ao designá-las como o Grande Criminoso. A comunidade reconhece o poder que elas exercem com sua presença nos bairros. São temidas pelas consequências que os enfrentamentos com seus rivais podem provocar. São sujeitos individuais, mas operam em cada bairro sob o poder que lhes confere o imaginário transnacional ao qual estão vinculadas. Por isso, as gangues parecem móveis e ubíquas nos bairros, tomados como seus territórios próprios.

A presença das gangues não leva à supressão de outros poderes ou outros atores. Há algo como uma reacomodação e uma redistribuição de espaços, de práticas e dos sujeitos. Novas fronteiras são definidas, nas quais estão em jogo os limites entre o legal e o ilegal.

Dinâmicas internas aos bairros são provocadas por lógicas que lhes são externas, que vão mais além deles - são os impactos concretos das lógicas políticas e econômicas globais. Nos bairros, os sujeitos encontram-se na encruzilhada de regras e ritmos para os quais não parecem dispor de mediação. Esse é o campo de operação dos pactos comunitários em busca de proteção. Nas próximas seções, pretendo mostrar algumas pistas que nos permitem reconhecer essas lógicas e dinâmicas comunitárias.

A arte de contornar a política: ação institucional e dinâmicas comunitárias

A experiência fronteiriça nos bairros populares não é nova. Tampouco é nova a multiplicidade de arranjos que se fazem no entrecruzamento do legal com o ilegal. Entretanto, um dos elementos característicos do momento atual é a multiplicidade de atores que intervêm na maneira de se fazer política nas comunidades e o modo como as políticas incidem sobre os territórios. Não são políticas formuladas no âmbito dos bairros, mas neles incidem com toda a sua força. Na presente seção, pretende-se identificar algumas das dinâmicas que entrelaçam os bairros populares com a política e a ação de instituições.

Desde a época da guerra civil, mas sobretudo na década de 1990, instâncias de governo, organizações não governamentais e agências de cooperação internacional têm incidido na dinâmica dos bairros sob o primado da lógica da segurança. Nos últimos anos do conflito armado, tanto no bairro Buenos Aires como no Iberias, foram realizadas obras pelos governos municipais, contando com fundos da Comissão Nacional de Restauração (Conara). Esse apoio institucional fazia parte das ações militares no marco da guerra civil.

Órgão criado ainda em 1983, a Conara contou com fundos do governo estadunidense para financiar projetos de infraestrutura nos municípios mais afetados pelo conflito armado. Por intermédio do Ministério da Defesa, foram distribuídas rações de alimentos para as famílias afetadas nas zonas de conflito e que participavam de ações cívicas promovidas pela Conara (cf. Garst e Barry, 1990). Definitivamente, as comunidades eram territórios-fronteira.Territórios de disputa nos marcos da luta contrainsurgente que fez de El Salvador uma peça a mais no grande tabuleiro mundial dividido pela Guerra Fria. Luta ideológica que via as comunidades como instrumentos eficazes de contenção. Junto com isso, instaurava-se uma maneira de fazer política nos territórios.

Na prática, esses recursos também serviram para manter uma lógica clientelista arraigada na cultura política salvadorenha. No bairro Buenos Aires, há relatos de como o prefeito de plantão negociou as obras em troca de favores pessoais. Os moradores dos bairros são conscientes dessas práticas, que ainda persistem, e terminam por integrá-las na lógica da "viração" [lógica del "rebusque"]15 15 . A expressão rebusque parece aproximar-se de uma série de expressões brasileiras: arrumar ( dar, encontrar) um jeito; se virar; correr atrás; quebrar um galho; fazer um bico; ver um lado; fazer um adianto; batalhar um trocado etc. Sua tradução como "viração", de caráter tentativo, pretende ser uma espécie de "ponto médio" nesse campo semântico da experiência de vida marcada pela busca da inserção socioeconômica, pela necessidade extrema, pelo engenho e pela informalidade (N.T.). , da sobrevivência, da qual os políticos e os moradores lançam mão. Assumem o pacto não de uma maneira ingênua, mas com a disposição de atuar na micropolítica.

As violências sociais e criminais que passaram a dominar a cena dos bairros desde 1990 geraram, quase simultaneamente, uma série de projetos de segurança e prevenção social, contando com fundos da cooperação internacional. Nesse tipo de intervenção, duas grandes tendências impactam os projetos realizados. Na primeira delas, derivada do enfoque da Comunidade Europeia - seja como bloco ou bilateralmente -, predominam ações no âmbito da prevenção. A infraestrutura esportiva do Sector Iberias, por exemplo, foi construída com fundos da cooperação europeia. O problema enfrentado por esses tipos de projeto diz respeito à sustentabilidade comunitária. As dificuldades das comunidades são muito mais complexas e estão relacionadas com condições estruturais. Em algumas delas, as intervenções não incidiram significativamente nos campos prévios de conflitos e, no pior dos casos, geraram novos espaços de disputa.

Os moradores das comunidades transitam entre uma instância e outra para lidar com as exigências institucionais envolvidas nessas intervenções. Da mesma maneira como fazem em relação aos políticos, atuam sob uma lógica pragmática. Sabem, por experiência, que as negociações são feitas em uma zona cinzenta na qual os distintos atores comunitários estabelecem quem haverá de deter ou não o controle. As intervenções institucionais convertem-se, dessa forma, em um âmbito variado de negociações.

As instalações esportivas do Sector Iberia foram construídas em um lote vazio em frente a uma das comunidades. Antes da construção, e antes também do combate governamental contra as gangues, era nesse espaço que os integrantes da clica da Mara Salvatrucha se reuniam. Bem ali, aos olhos da comunidade. Depois da construção, passaram a se reunir atrás das instalações, o que contribuiu para o caráter clandestino que suas reuniões viriam a ganhar. Em 2005, nesse lugar, nos fundos do centro esportivo, foram encontrados alguns dos corpos do cemitério clandestino, pelo qual esta clica seria levada à prisão.

A segunda tendência dos projetos de segurança é a que provém da cooperação estadunidense. Essa relação não é nova. Distintas agências e empresas consultoras norte-americanas desenvolveram uma diversidade de projetos relacionados com o combate ao crime, com o foco direcionado às gangues e ao narcotráfico. As ações previstas na chamada Iniciativa Mérida16 16 . Convênio proposto pelo presidente George W. Bush e aprovado, em 2008, pelo Senado dos Estados Unidos. Trata-se de um fundo de 465 milhões de dólares, dos quais 400 milhões foram destinados ao México, 60 milhões à América Central e 5 milhões ao Haiti. também têm seu impacto concreto sobre os bairros (cf. Monterroso, 2009). A ênfase é o combate ao narcotráfico e às gangues, concebidas como estruturas vinculadas ao crime organizado transnacional. Privilegia o papel da polícia, não consegue integrar outros atores institucionais e os esforços de prevenção são marginais. Um programa de prevenção realizado por seis meses no bairro Buenos Aires foi financiado com esses fundos. A pressão por resultados concretos em pouco tempo gerou desconfianças entre os moradores, que desconhecem os jovens envolvidos nos programas, mas que disputam com eles o uso do espaço construído para o projeto.

A intervenção dos organismos de cooperação, das instituições de governo e de organizações não governamentais instaura outras dinâmicas de disputas e arranjos entre os atores comunitários. Os que se envolvem com o desenvolvimento dos diferentes projetos têm poder nas comunidades, estabelecem regras, reconfiguram espaços, concedem privilégios a outros atores locais que se aproximam das intervenções. Tudo isso, sem transformar nem realmente romper com as distintas formas de violência que se vão acumulando nesses territórios.

Na arte de contornar a política, outra instituição pública que também passou a determinar as dinâmicas comunitárias foram os presídios. Suas fronteiras parecem se estender quando as decisões e as ações tomadas nas prisões são executadas nas comunidades.

Um dos resultados quantitativos do combate às gangues é o aumento exponencial da população carcerária. Do total de privados de liberdade, 35% pertencem às gangues. Políticas administrativas adotadas nos últimos anos determinam que os reclusos sejam alocados em centros diferenciados. Os cárceres estão classificados para os presos da Mara Salvatrucha, da Barrio 18, para ex-integrantes de gangues e presos sem vinculação com elas17 17 . Esses últimos são denominados "civis", o que novamente lembra a linguagem da guerra. .

As próprias autoridades reconhecem que o encarceramento em massa de seus membros e sua concentração em centros específicos fortaleceram as estruturas de mando e controle de que as gangues dispõem em nível nacional. É certo que as operações Mano Dura e Súper Mano Dura lograram uma desarticulação parcial das gangues nos bairros - como ocorreu em 2006 no Sector Iberias, com a prisão da clica da Mara Salvatrucha. Porém, a essa desarticulação correspondeu uma nova conformação.

Reconfiguraram-se as práticas, as relações, a organização e o exercício do poder das gangues. Mas não só. Também se reorganizaram os atores associados a outras formas de violência criminal que já conviviam nos bairros. As consequências disso para a vida da comunidade são ao menos duas. De um lado, os que exercem esse tipo de violência aumentam as pressões e ameaças sobre os moradores, pela suspeita de que possam ser delatados. De outro, as famílias e as pessoas próximas a membros de gangues ou a atores vinculados a expressões do crime organizado articulam-se para lhes garantir proteção diante das relações de intimidação, vigilância e colaboração nos bairros.

A arte de driblar a política é a maneira como as comunidades se movem nas fronteiras e nos limites estabelecidos pelas ações de distintas instituições. Os políticos buscam garantir sua clientela de votos. Os organismos que executam projetos de intervenção incidem, com seus enfoques, sobre as dinâmicas de poder e, por sua vez, disputam seu próprio protagonismo nos territórios. As prisões - ou o sistema de punição - expandem suas lógicas e determinam as relações comunitárias.

Mas não é só a política que define fronteiras. No momento atual, distintas lógicas econômicas estabelecem nos bairros novas relações de poder, que uma vez mais tangenciam os limites entre o legal e o ilegal. De fora, esse cenário é dos mais confusos. No entanto, é nele que as comunidades elaboram suas estratégias de sobrevivência.

Na "viração": estratégias de sobrevivência e vínculo com as dinâmicas econômicas disponíveis

Confiança. Coragem. Humor. Astúcia. É com essa atitude que os setores populares traçam, a partir da experiência de fronteira, suas estratégias de sobrevivência18 18 . Aqui, a autora recupera explicitamente a ideia de rebusque. Com efeito, o intertítulo acima começa, no original, com " En el rebusque". Volta-se a traduzir a expressão como viração, mas também vale insistir no alerta sobre o vasto campo semântico a que ela parece remeter em português do Brasil (N. T.). , cujo espaço dominante nos bairros populares tem sido o mercado informal. Hoje, ele se encontra cada vez mais vinculado às dinâmicas do comércio informal global e às do consumo, as quais, no caso de El Salvador, são ainda influenciadas pelas remessas de dinheiro provindas de parentes no exterior19 19 . Segundo a Pesquisa de Domicílios, um quinto dos domicílios tem um membro vivendo no exterior do país. .

Iberias está fisicamente situado numa zona de intensa atividade econômica. O maior mercado atacadista de abastecimento da capital é um de seus limites. É o ponto de chegada dos carregamentos de frutas, verduras, cereais, mas também dos artigos do mundo da pirataria e do mercado informal. Trata-se de um importante ponto de conexão com as redes comerciais centro-americanas. Essa vitalidade é experimentada nas ruas e passagens do Iberias. Dessa dinâmica econômica, as mulheres participam com suas vendas informais dentro e fora do bairro, com as pequenas "maquiladoras" familiares, mercearias, lojas, oficinas de artesanato.

O bairro de Buenos Aires, apesar de não estar inserido numa dinâmica comercial tão intensa, também permite o comércio comunitário. Lojas, padarias familiares, mercearias, pequenas oficinas de costura atendem ao consumo dos próprios moradores. Por localizar-se no limite rural-urbano, alguns de seus habitantes trabalham na agricultura para o consumo familiar nos arredores da comunidade, ainda que cada vez menos pessoas se dediquem a isso. Outros, especialmente homens, oferecem serviços eventuais de pedreiro e encanador à prefeitura. Um significativo número de mulheres vende no mercado informal no centro de San Salvador.

Ainda que as porcentagens de migração para fora do país não sejam tão altas como em outras comunidades no interior, em ambos os bairros, mas principalmente no Buenos Aires, as remessas de dinheiro vindas de fora também compõem as economias familiares. As famílias que as recebem tendem a manter pequenos negócios, seja na comunidade, seja no centro de San Salvador20 20 . Segundo dados do PNUD (2005), em 2004 as remessas de dinheiro de salvadorenhos no exterior representaram 16,1% do PIB do país, 132,8% das exportações e o equivalente a 654,9% do investimento estrangeiro direto. A dependência da economia em relação ao ingresso de remessas ficou evidente nos últimos dois anos, com a diminuição de seu fluxo em decorrência da crise econômica internacional. .

Essas dinâmicas econômicas comunitárias e familiares convivem com complexas redes de economia criminal presentes nessas áreas. Drogas, armas e o mercado negro de telefones celulares são nichos que vêm crescendo nos últimos anos. Nos bairros é possível identificar as suas manifestações mais dramáticas. A violência associada a disputas por mercados, os ajustes de conta e as redes de vingança elevam significativamente o número de homicídios. Cada um desses nichos administra suas redes de pessoas e capitais, mas em alguns momentos estas se cruzam. Por exemplo, o mercado de armas tem como clientes os setores vinculados à venda de drogas e às gangues. Não é casual, portanto, o aumento do número de armas e do seu uso nos bairros. Uma boa parte delas vem do mercado ilegal, segundo os relatórios que a Polícia Nacional Civil produz quando das apreensões. Já foram encontradas armas de guerra, de uso exclusivo do exército, armas de última geração e até lança-foguetes.

Os moradores sabem quem usa e tem armas. Elas deixam marcas físicas e simbólicas, delineando uma topografia que indica para as pessoas os lugares e as horas em que a morte deixou seu rastro (cf. Martel, 2006). As esquinas, os becos, os muros nos quais um fato de violência tenha imprimido sua marca reaparecem nas histórias que os moradores contam e que circulam como lições a serem transmitidas.

No caso da droga, diversos estudos e informes (cf. Estado de la Región, 2008; PNUD, 2009) constatam o aumento dos mercados locais de consumo. Nos novos arranjos das redes transnacionais de narcotráfico, pagam-se em espécie as estruturas que garantem o transporte e a distribuição dos grandes carregamentos de droga, cujo destino são os Estados Unidos. Para que isso seja possível, são necessários, de um lado, atores poderosos que garantam a passagem de grandes carregamentos; de outro, mão de obra barata para a distribução local. Como consequência, nos territórios, aumentou o número de pessoas envolvidas no mercado varejista da droga. Embora, em alguns casos, as clicas das duas gangues tenham seu papel na venda nessas áreas, o monopólio da distribuição costuma estar nas mãos de outros atores.

Os participantes desse nicho e os que nele ditam as regras são conhecidos nos bairros. Sob o lema do Ver - Ouvir - Calar, protegem-se, garantindo uma precária segurança. No caso de moradores com um certo nível de legitimidade e respeito no bairro, chegam a negociar lugares e horas para a venda da droga, de modo a preservar sobretudo os centros escolares. Quando as comunidades estão fragmentadas, são esses poderes fácticos que determinam as regras, as condições e o ambiente de segurança ou insegurança que podem proporcionar.

O combate às gangues, além de recompor suas estruturas e outorgar-lhes um poder que foi aumentando nos territórios, também transformou as atividades econômicas com as quais elas se envolvem. A Polícia Nacional Civil e integrantes do poder judicial reconhecem que a prática de extorsão tem sido o tipo de delito que mais aumentou nos últimos três anos e no qual as gangues têm uma importante participação. Trata-se de um dos delitos que mais provoca temor nos bairros.

Assim como aumentou o número de casos reconhecidos e notificados de extorsão, também aumentou a diversidade de maneiras como ela é praticada. A mais usual é a extorsão - ou "renda", como é chamada nos bairros - imposta aos moradores proprietários de pequenos negócios ou então empresários do setor de transporte, aos quais é oferecida segurança em troca do pagamento. A cobrança é feita por telefone, em nome da gangue que tem influência na área, ou então apresentando-se como um membro da gangue recluso em algum presídio. A arrecadação é realizada, no mais das vezes, por menores de idade que não necessariamente pertencem à gangue, mas que recebem uma determinada quantidade de dólares pela tarefa. Além disso, instaura-se nos bairros toda uma rede de vigilância e proteção para garantir esses pagamentos.

Uma vez que, no momento de realizar a extorsão ou "renda", os delinquentes se identificam como participantes de gangues, não deixa de ser significativo que 32% dos casos anuais, entre 2007 e 2009, foram de fato atribuídos a membros de gangues, segundo as estatísticas da PNC. Em 2008, 22% dos casos de extorsão envolviam membros de gangues. Estudos recentes mostram que uma alta porcentagem de extorsionários faz uso do nome de alguma gangue, mas não pertence a nenhuma delas. Há, inclusive, processos de investigação abertos contra policiais por envolvimento com redes de extorsão (cf. Aguilar e Carranza, 2008). Tudo parece indicar que esse negócio generalizou-se e está criando um nicho bastante lucrativo para distintos atores que se fazem passar por integrantes de gangues.

Há experiências de organizações não governamentais, cada vez mais residuais, que trabalham com membros de gangues nos quadros de projetos de prevenção ou intervenção comunitária. Os membros da clica negociam com os moradores e, se estão cobrando "renda", comprometem-se a deixar de fazê-lo. Em troca, as comunidades apoiam os esforços das organizações que trabalham com as gangues. O tipo de atividade realizado nesses casos são empreendimentos laborais como padarias ou oficinas.

Até hoje, tem-se mostrado difícil garantir a sustentabilidade desses esforços. Para isso seriam necessárias alternativas viáveis de inserção. É precisamente a ausência desse tipo de alternativa o que termina por fortalecer nichos crescentes de economia criminal - mesmo que os custos pessoais e comunitários sejam o de colocar-se nas linhas de fronteira nas quais a vida é descartável.

Ser fronteira: entre os excessos e o controle

Caminhar no limite das fronteiras, cruzá-las, subvertê-las, tentar ludibriá-las é o movimento perpétuo de quem mora nos bairros populares. Trata-se de fronteiras impostas ou criadas por poderes que transitam entre o legal e o ilegal. Elas derivam dos ajustes que as dinâmicas globais, políticas e econômicas ganham nesses territórios. Aqui estão os sujeitos que tentam lidar com essas dinâmicas pelas vias de pactos precários para contornar as suas consequências mais letais. São populações que habitam essas zonas cinzentas, classificadas pela lógica do capital como economicamente inviáveis.

Do ponto de vista histórico, o Estado tem sido incapaz de garantir a integração digna de amplos setores da população às promessas do desenvolvimento e do progresso, deixando a eles próprios a tarefa de se arranjar como podem para garantir sua sobrevivência. Esse é o drama e o paradoxo dos setores populares. As possibilidades econômicas nesses territórios abarcam desde as formas de comércio informal até os crescentes e perigosos nichos oferecidos pela economia criminal. Nessa franja estreita, os moradores encontram-se com o Estado policial, que aciona seu poder exercendo a violência legítima contra a delinquência e a criminalidade.

No caso de El Salvador, o limite da violência ilegítima é o Grande Criminoso. O combate à Mara Salvatrucha e à Barrio 18 foi desenhado como mecanismo de controle desses atores, e não é casual que eles estejam no centro da política criminal. Desde suas origens, as duas gangues têm uma profunda inserção nos bairros populares. São os setores populares, especialmente seus jovens, que a política de combate ao crime quer controlar. A repressão e a violência por ela geradas constituíram-se num mecanismo de contenção em que não apenas as autoridades vigiam, intimidam e controlam os movimentos dos moradores dos bairros, mas também todos os outros atores que geram violência.

O combate às gangues alcançou dois resultados. De um lado, conferiulhes um extraordinário poder, que elas assumem e utilizam, não só nos bairros, mas no próprio sistema presidiário. As autoridades reconhecem o controle e os vínculos que se estabelecem entre o "dentro" e o "fora" das prisões. De outro lado, ficaram ocultos os outros atores e as práticas ilegais que convivem com o comunitário, mas que são apenas a face visível de redes, complexas e poderosas, incrustadas por toda a sociedade e por todas as instituições salvadorenhas. Se assim não fosse, seu poder e sua impunidade não seriam possíveis. Venda de droga, tráfico e circulação de armas, contrabando de mercadorias, todas essas atividades convivem nas comunidades. As gangues são um ator importante nos bairros, mas não o único. No território, cada um desses atores demarca limite, estabelece regras, fronteiras que todos os moradores devem saber contornar.

Cabe aqui a crítica à violência sugerida por Walter Benjamin: que poderes são preservados com o uso da violência de direito? O Estado pôs seu poder em ação mediante o combate às gangues, e para isso delegou o poder policial. O uso da violência, dirá Benjamin, "indica o ponto em que o Estado, por impotência ou pelas ordens imanentes a cada ordem legal, sente-se incapaz de garantir, por meio desta mesma ordem, os próprios fins empíricos que persegue a qualquer preço" (Benjamin, 1999, p. 32). Pretender enfrentar as múltiplas formas da insegurança pela via policial está levando, em nome da segurança, a um beco sem saída, cujas consequências são enfrentadas pelos moradores dos bairros populares.

A experiência de fronteira, de viver na fronteira e de ser fronteira é a que lhes permite gerar pactos concretos e localizados de proteção. É isso o que tem sido feito historicamente. Esse é o lugar em que o modelo de desenvolvimento os situou, e é com base nele que, todos os dias, constroem e reconstroem estratégias de sobrevivência e criatividade. O custo, porém, é demasiado alto. Se viver na fronteira já é difícil, isso nem sequer se compara a ser, em si mesmo, uma fronteira. Essa é a experiência de quem vive nos bairros populares de San Salvador.

Texto recebido e aprovado em 6/5/2010.

Roxana Martel é professora pesquisadora do Departamento de Letras e Comunicações da Universidade Centroamericana José Simeón Cañas, El Salvador. E-mail: <rox_martel@yahoo.com>.

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  • 1
    . Há uma abundante bibliografia sobre o tema, produzida na América Central e nos Estados Unidos. Tanto a Mara Salvatrucha como a Barrio 18 estão ancoradas em uma ampla tradição de rivalidades entre gangues de origem latinoamericana na Califórnia. Nessa guerra entre gangues, destacam-se a inimizade intensa e mortal com o bando rival, a subordinação dos interesses individuais aos interesses e honras grupais, além de uma ideologia de solidariedade e respeito para com os companheiros de gangue (cf. Savanije, 2009).
  • 2
    . A Operação Mano Dura foi executada sob o marco legal fornecido pela Lei Antimaras (2003). Em seu artigo primeiro, ela definiu gangue (
    mara ou
    pandilla) como "uma agrupação de pessoas que atuam para alterar a ordem pública ou atentar contra o decoro e os bons costumes, e que correspondem a vários ou todos os seguintes critérios: que se reúnam habitualmente; que sinalizem segmentos de territórios como próprios; que tenha (
    sic) sinais ou símbolos como meios de identificação, que marquem seus corpos com cicatrizes ou tatuagens". Ao converter em delito o mero pertencimento a uma
    mara, os planos antigangues outorgaram às forças policiais uma ampla margem de discricionariedade, permitindo a detenção de qualquer adolescente ou jovem apenas por sua aparência. Malgrado a Lei Antimaras ter sido declarada inconstitucional pela Corte Suprema de Justiça em 2004, o Legislativo aprovou, no mesmo dia em que essa sentença foi pronunciada, uma segunda versão da lei, que padece dos mesmos vícios pelos quais a versão anterior teria sido anulada.
  • 3
    . Dados fornecidos pela Subdiretoria de Segurança Cidadã da PNC, 2009.
  • 4
    . A tipificação do delito "associação ilícita" é reconhecido desde a reforma do Código Penal, em 2004. Porém, a aprovação e a aplicação da Lei Antimaras (2003) e da lei para o Combate das Atividades Delinquenciais de Grupos ou Associações Ilícitas Especiais (2004) facultaram seu uso antes das reformas do Código. Ambas as leis eram transitórias.
  • 5
    . Dados fornecidos pela Diretoria de Centros Penais, 2009. No cenário centro-americano, são de El Salvador as mais altas taxas de encarceramento, 195 por 100 mil habitantes.Também as taxas mais altas de sobrepopulação carcerária: 188% em 2006 (
    Estado de la Región, 2008).
  • 6
    . Este trabalho baseia-se em pesquisa etnográfica conduzida pela autora, em distintos períodos durante os anos de 2003-2004, 2006 e 2009, no Sector Iberias, e entre 2008 e 2009, na Comunidad Buenos Aires (cf. Martel, 2006; 2010).
  • 7
    . VI Censo de Población, 2007. Disponível em <
  • 8
    . A Área Metropolitana de San Salvador está conformada por catorze municípios. Não conta com autonomia política como instância administrativa intermediária, já que só há dois níveis de governo em El Salvador: o central e o local. No início de 1990, uma decisão concertada entre os governantes municipais (
    alcaldes) deu origem ao Consejo de Alcaldes del Área Metropolitana de San Salvador - COAMSS.
  • 9
    . Situação laboral de uma pessoa que se dedica a qualquer atividade para sobreviver, em virtude de não encontrar um emprego de dedicação integral, com plena proteção social e rendimentos que lhe permitam satisfazer as necessidades básicas próprias e de seus familiares.
  • 10
    . El Salvador viveu uma guerra civil que transcorreu oficialmente entre os anos de 1980 e 1992. No entanto, já durante a década de 1970 a prática recorrente e crescente de perseguição política e repressão gerou mobilizações políticas e militares de grupos insurgentes, de paramilitares e de forças do exército.
  • 11
    . Algumas dessas medidas são: proibição aos novos membros de usarem tatuagens visíveis (uma das dimensões mais expressivas das identidades das gangues, essa prática ficou restrita aos que ingressam no sistema carcerário); controle do consumo de drogas; maior hierarquização entre os membros e pessoas a eles vinculadas, com as classificações de
    veteranos,
    soldados e
    civis; nomeação de "porta-vozes" (denominados
    palabreros) para proteger as lideranças.
  • 12
    . Entidade de organização e representação do bairro, que integra suas diferentes comunidades (N.T.).
  • 13
    .
    Policía de Hacienda, antiga força de segurança salvadorenha, extinta pelos acordos que puseram termo à guerra civil no país (N.T.).
  • 14
    . "Tomar" é a expressão de que se servem as comunidades urbanas para explicar a instalação ilegal dos serviços básicos em seus bairros. Na década de 1980, as "tomadas [
    tomas] de terras e serviços" fizeram parte das lutas comunitárias urbanas.
  • 15
    . A expressão
    rebusque parece aproximar-se de uma série de expressões brasileiras:
    arrumar (
    dar,
    encontrar)
    um jeito;
    se virar;
    correr atrás;
    quebrar um galho;
    fazer um bico;
    ver um lado;
    fazer um adianto;
    batalhar um trocado etc. Sua tradução como "viração", de caráter tentativo, pretende ser uma espécie de "ponto médio" nesse campo semântico da experiência de vida marcada pela busca da inserção socioeconômica, pela necessidade extrema, pelo engenho e pela informalidade (N.T.).
  • 16
    . Convênio proposto pelo presidente George W. Bush e aprovado, em 2008, pelo Senado dos Estados Unidos. Trata-se de um fundo de 465 milhões de dólares, dos quais 400 milhões foram destinados ao México, 60 milhões à América Central e 5 milhões ao Haiti.
  • 17
    . Esses últimos são denominados "civis", o que novamente lembra a linguagem da guerra.
  • 18
    . Aqui, a autora recupera explicitamente a ideia de
    rebusque. Com efeito, o intertítulo acima começa, no original, com "
    En el rebusque". Volta-se a traduzir a expressão como
    viração, mas também vale insistir no alerta sobre o vasto campo semântico a que ela parece remeter em português do Brasil (N. T.).
  • 19
    . Segundo a Pesquisa de Domicílios, um quinto dos domicílios tem um membro vivendo no exterior do país.
  • 20
    . Segundo dados do PNUD (2005), em 2004 as remessas de dinheiro de salvadorenhos no exterior representaram 16,1% do PIB do país, 132,8% das exportações e o equivalente a 654,9% do investimento estrangeiro direto. A dependência da economia em relação ao ingresso de remessas ficou evidente nos últimos dois anos, com a diminuição de seu fluxo em decorrência da crise econômica internacional.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      06 Maio 2010
    Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, 05508-010, São Paulo - SP, Brasil - São Paulo - SP - Brazil
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