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Violência de gênero e telenovelas nacionais: um diagnóstico crítico

Gender violence and national telenovelas: a critical diagnosis

Resumo

O artigo apresenta um diagnóstico dos últimos dezenove anos de representação da violência de gênero em telenovelas nacionais, pensando essas produções ficcionais em consonância com o contexto sociojurídico brasileiro de combate às violações de mulheres. Trata-se de um balanço crítico composto por um corpus de 21 novelas, que investiga as representações de agressões contra mulheres para além da fachada do merchandising social, isto é, dos núcleos dramáticos que pretenderam debater e educar sobre esse problema público. Ao fim, demonstram-se os sofisticados mecanismos narrativos que edificam e sustentam imagens dissidentes da violência de gênero, ora interpretada como sofrimento, ora como castigo necessário.

Palavras-chave:
Violência de gênero; Telenovelas; Contexto sociojurídico

Abstract

This paper presents a diagnosis of the last 19 years of gender violence representations in national telenovelas, thinking these fictional productions in line with the Brazilian socio-legal context of combat women’s violation. It is a critical balance composed by a corpus of 21 telenovelas, which investigates the representations of aggressions against women beyond the facade of social merchandising, that is, the dramatic nuclei that intended to debate and educate about this public problem. In the end, it is shown the sophisticated narrative mechanisms that build and sustain dissident images of gender violence, sometimes interpreted as suffering, other times as necessary punishments.

Keywords:
Gender Violence; Telenovelas; Socio-legal context

Nas últimas quatro décadas acompanhamos na esfera sociojurídica o desenvolvimento e a expansão das discussões e denúncias da violência de gênero contra mulheres1 1 Violência de gênero é uma categoria descritiva e analítica (Bandeira, 2014) que aponta para uma miríade de formas de violações sofridas por mulheres, meninas e minorias de gênero e sexualidade. Neste texto, concentro-me apenas nas agressões às mulheres e nos casos de violência doméstica. (Bandeira, 2014Bandeira, Lourdes. (2014), “Violência de gênero: a construção de um campo teórico e de investigação”. Revista Sociedade e Estado, 2 (29): 449-469. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69922014000200008&lng=en&nrm=iso.
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), que reverberaram em importantes instâncias sociais, dentre as quais se destaca a produção ficcional televisiva. Desde as amplas mobilizações do movimento feminista nacional nas décadas de 1970 e 1980 (em especial no contexto do caso Doca Street) até a implementação de uma série de leis e protocolos para coibir as agressões motivadas por gênero (cujo principal marco é a Lei Maria da Penha), presenciamos o advento e a expansão de narrativas de ficção televisionadas que pretenderam debater esse problema público. Entre 1980 e 1990, duas minisséries da Rede Globo se destacam: Quem Ama não Mata (1982) e Delegacia de Mulheres (1990). Na virada para os anos 2000, vemos serem produzidas treze telenovelas de horário nobre, que inseriram em suas tramas de merchandising social a questão da violência doméstica, demonstrando os mecanismos de resolução dos conflitos no lar (Caminhas, 2018Caminhas, Lorena. (2018), “Face e contraface da violência de gênero: diálogos entre telenovelas e contexto nacional”. Mana [online], 24 (3): 33-62. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93132018000300033&lng=pt&nrm=iso.
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). Esse intrincado campo sociocultural, institucional e televisivo reflete a penetração crescente das injúrias físicas e psicológicas às mulheres no Brasil, país no qual ocorrem, por dia, treze feminicídios, 135 estupros e 606 casos de lesão corporal dolosa registrados (Agência Patrícia Galvão, 2018-2020Agência Patrícia Galvão. (2018-2020), Dossiê “Violência contra as mulheres em dados”. Disponível em: https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/violencia-em-dados/.
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). Entretanto, mesmo diante dessa conjuntura alarmante, os avanços legislativos, jurídicos e socioculturais convivem com a constante relativização e naturalização do sofrimento de mulheres, como retrata pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) “Tolerância Social à Violência Contra as Mulheres” de 2014IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. (4 abr. 2014), “Tolerância social à violência contra as mulheres”. Disponível em http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2014/04/IPEA_sips_violenciamulheres04042014.pdf.
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(discutida mais adiante). E isso se reflete no conjunto de dezesseis novelas de horário nobre exibidas nos últimos dezenove anos que retrataram personagens femininas sendo agredidas pelas masculinas sem que essas ocorrências fossem interpretadas como formas de violência (Caminhas, 2019Caminhas, Lorena. (maio 2019), “Imagens de violência de gênero em telenovelas brasileiras”. Revista Estudos Feministas , (27): 1. Disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/1806-9584-2019v27n152253.
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).

É justamente no interior desse contexto multifacetado, imbricado e até mesmo contraditório que se insere a reflexão que desenvolvo neste artigo: a produção de um balanço crítico cujos pilares são: a) uma reconstrução conjuntural que retoma os principais avanços legislativos das últimas quatro décadas para combater a violência de gênero, somada à recapitulação das telenovelas de horário nobre que pretenderam retratar, discutir e educar sobre esse problema público; b) uma sistematização dos mecanismos e das estratégias centrais acionados nas narrativas das novelas para representarem e simbolizarem situações de agressões contra mulheres. É fundamental ressaltar de antemão a alçada crítica desse diagnóstico: seleciono e analiso as histórias novelescas para além da fachada do merchandising social2 2 Trata-se de uma estratégia adotada pela Rede Globo, a partir de 1974, para afirmar a responsabilidade social da emissora. Posteriormente, como pontua Lopes (2009), o merchandising social se torna um recurso comunicativo para inserir nas tramas discussões de problemas nacionais. Na seção de análise retomo essa estratégia narrativa, comentando seu uso concreto. , questionando os núcleos específicos de violência doméstica criados pelas próprias emissoras como a única via através da qual essas violações são apresentadas ao público. Em função disso, o corpus selecionado compreende 21 telenovelas, todas da faixa das 21 horas, exibidas entre 2000 e 20193 3 A escolha dessa faixa temporal se baseou na primeira novela a empregar o merchandising social para educar e discutir a violência doméstica: Mulheres Apaixonadas (2003), televisionada em contexto de expansão das Delegacias da Mulher e da criação do Pacto Nacional para Enfrentamento da Violência contra a Mulher. Telenovelas anteriores apresentaram situações de agressões contra mulheres, tais como Roque Santeiro (1985) e O Rei do Gado (1996), mas sem inserir em suas tramas uma mensagem pedagógica e educativa sobre o problema. Ademais, mantive apenas telenovelas das 21 horas porque são elas que historicamente procuram retratar os problemas sociais brasileiros (Lopes, 2009). . Todas essas produções apresentaram em seus enredos direta ou indiretamente a violência de gênero: seja por meio de mensagens educativas, encenadas em tramas específicas para essa finalidade; seja por meio da banalização do sofrimento de personagens mulheres, tornando-as alvos preferenciais da agressividade dos homens (como acontece com as vilãs). Ao fim desse percurso, demonstro uma dissidência nas imagens da violência de gênero4 4 Esse balanço é fruto de pesquisa mais ampla desenvolvida pela autora, publicada previamente em dois artigos principais (Caminhas, 2018, 2019). Nesses outros textos são analisadas cuidadosa e meticulosamente as narrativas das novelas, bem como a construção das cenas e dos personagens. construída nesses produtos televisivos, escancarando os sofisticados mecanismos de dessensibilização moral (Butler, 2010Butler, Judith. (2010), Marcos de guerra: las vidas lloradas. Buenos Aires, Paidós. ) para determinadas circunstâncias de sofrimento de mulheres.

As telenovelas, como bem sabemos, são importantes atores sociais no contexto brasileiro, principalmente porque dialogam com os dramas da nação (Lopes, 2010Lopes, Maria. (2010), “Ficção televisiva e identidade cultural da nação”. Alceu, 20 (10): 5-15. Disponível em http://revistaalceu-acervo.com.puc-rio.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=362&sid=32.
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; Boreli, 2001Boreli, Silvia. (2001), “Telenovelas brasileiras: balanço e perspectivas”. São Paulo em Perspectiva, 3 (15): 29-36. ), transbordando o universo narrado para o cotidiano de seus telespectadores. Essas narrativas compõem um mundo sensível projetado, que engendra e suprime simultaneamente uma diversidade de moralidades e padrões de conduta sociais, sensibilizando ou dessensibilizando seus espectadores para determinados problemas públicos. A urgência em compreender as imagens da violência de gênero erigidas pelas novelas está associada à sutileza desse fenômeno, que, por seu caráter difuso e onipresente, consegue estabelecer dinâmicas discrepantes e contrastantes de definir sofrimento e castigo necessário, colocadas em circulação contínua entre o factual e o ficcional.

Violência de gênero: do contexto nacional às telenovelas

O combate à violência de gênero no Brasil se traduz em um conjunto de legislações elaboradas ao longo dos últimos quarenta anos, fruto das demandas e dos debates promovidos pelo feminismo nacional. Na literatura sobre o tema (Blay, 2003Blay, Eva. (2003), “Violência contra a mulher e políticas públicas”. Estudos Avançados, 49 (17): 87-98. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142003000300006&lng=en&nrm=iso.
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; Pasinato e Santos, 2008Pasinato, Wânia; Santos, Cecília. (2008), Mapeamento das Delegacias da Mulher no Brasil. Pagu - Núcleo de Estudos de Gênero, Unicamp/Ceplaes/IDRC, Campinas. ; Bandeira, 2014Bandeira, Lourdes. (2014), “Violência de gênero: a construção de um campo teórico e de investigação”. Revista Sociedade e Estado, 2 (29): 449-469. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69922014000200008&lng=en&nrm=iso.
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), é comum apontar como principal marco das mobilizações para erradicação das violações contra mulheres o caso Doca Street, que vai do assassinato de Ângela Diniz em 1976 até a condenação do réu em 1981. Esse crime é considerado um divisor de águas exatamente porque contrasta dois momentos distintos da sensibilidade moral em relação aos delitos motivados por gênero: anteriormente considerados como problemas privados da família, em que agressões e mortes se sustentavam na prerrogativa de legítima defesa da honra, passaram a ser interpretados como questões de saúde e segurança públicas, envolvendo diretamente os direitos humanos das mulheres.

Ainda na década de 1980, uma série de esforços legislativos e políticas públicas5 5 Apresento apenas iniciativas centrais de combate e assistência. Para um panorama mais completo, consultar Pasinato e Santos (2008) e Bandeira (2014), bem como o Observatório Maria da Penha (http://www.observe.ufba.br/). foram implementados para conter a violência de gênero e para atender suas vítimas. Essas iniciativas passaram a configurar um campo narrativo (Bandeira, 2014Bandeira, Lourdes. (2014), “Violência de gênero: a construção de um campo teórico e de investigação”. Revista Sociedade e Estado, 2 (29): 449-469. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69922014000200008&lng=en&nrm=iso.
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), possibilitando enquadrar agressões e mortes de mulheres na categoria de delitos, apontando as punições cabíveis. Nesse sentido, a esfera jurídico-política assume, conforme Segato (2003Segato, Rita. (2003), Las estructuras elementales de la violencia. Bernal, Universidad Nacional de Quilmes. ), uma eficácia simbólica, nomeando e caracterizando esse fenômeno, e também um êxito instrumental, coibindo parcialmente agressões e assassinatos por meio da penalização. As primeiras políticas públicas de atendimento às mulheres em situação de violência foram as Delegacias de Defesa da Mulher (DDMS), criadas na cidade de São Paulo em 1985. Nesse mesmo ano surge o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), desarticulado no governo Collor. O SOS MULHERES (organização feminista) também atuava desde o início de 1980, oferecendo apoio jurídico e psicológico gratuito. Já em 1986, inaugura-se a primeira Casa Abrigo para mulheres com risco de morte. Em consonância a essas políticas de combate às violações motivadas por gênero, a Rede Globo lança as minisséries Quem Ama Não Mata (1982), repercutindo o lema feminista à época, e Delegacia de Mulheres (1990), retratando o cotidiano de atendimento das vítimas de agressão.

Nos primeiros anos da década de 1990, mais especificamente em 1994, o Brasil se torna signatário da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Convenção Belém do Pará), um dos mais importantes protocolos de combate à violência de gênero. Outro marco desse decênio é a criação dos Juizados Especiais Criminais (Jecrim) em 1995, que serviriam para agilizar os julgamentos e as sentenças de crimes contra a mulher. Contudo, os delitos enviados para o Jecrim eram considerados de menor potencial ofensivo, o que facilitava a aplicação de penalidades alternativas e pecuniárias. Nos anos 2000 é implementada a Política Nacional de Prevenção, Enfrentamento e Erradicação da Violência Contra a Mulher, que se torna Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM) em 2003, assumindo status de ministério. Em 2005 a SPM funda o Ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência), primeira linha telefônica a receber exclusivamente denúncias de violência de gênero.

Em 2006 é instituída a Lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, o mais importante mecanismo para combater e coibir a violência contra as mulheres na legislação nacional. Outro acontecimento fundamental na segunda metade dos anos 2000 foi a mudança na legislação sobre o crime de estupro (Lei 12.105/09), que passa a considerar infração tanto o constrangimento por meio de ameaças ou violência, quanto a permissão ou estímulo à conjunção carnal, ampliando o escopo das condutas interpretadas como estupro. Já em 2015 é criada a Lei do Feminicídio (Lei 13.104/15), que considera o assassinato de mulheres como homicídio e o classifica como crime hediondo. Mais recentemente, em 2018, o Decreto 9.586 instaurou o Sistema Nacional de Políticas para Mulheres e o Plano Nacional de Combate à Violência Doméstica.

No início dos anos 2000, aparece a primeira telenovela a retratar, através de merchandising social, a violência doméstica: Mulheres Apaixonadas (2003) destaca o drama de Raquel (Helena Ranaldi), que apanha cotidianamente de seu marido Marcos (Dan Stulbach)6 6 Os atores inclusive compareceram ao lançamento do Programa Nacional de Combate à Violência contra a Mulher do governo Lula, criado em 2003. . Durante as décadas de 2000 e 2010, outras doze7 7 Apenas Vidas Opostas e Vidas em Jogo são da Record. novelas são produzidas acompanhando os debates e o desenvolvimento de legislações sobre agressões motivadas por gênero, exibidas ou pela Rede Globo ou Rede Record e televisionadas em horário nobre. São elas: Senhora do Destino (2005), retratando as agressões de Cigano (Ronnie Marruda) em sua esposa Rita (Adriana Lessa); Vidas Opostas (2006), com o casal Neusa (Ana Tabalipa) e Nogueira (Marcelo Serrado); A Favorita (2008), com Catarina (Lilia Cabral) e Leonardo (Jackson Antunes); Duas Caras (2008), com Dália (Leona Cavalli) e Ronildo (Rodrigo Hilbert); Insensato Coração (2011), com o relacionamento abusivo entre Cecília (Giovanna Lancellotti) e Vinícius (Thiago Martins); Fina Estampa (2011), com Celeste (Dira Paes) e Baltazar (Alexandre Nero); Vidas em Jogo (2011), com Zizi (Lucinha Lins) e Adalberto (Luiz Guilherme); Amor à Vida (2013), com Marilda (Renata Castro) e Ivan (Adriano Toloza); A Regra do Jogo (2015), com Domingas (Maeve Jinkings) e Juca (Osvaldo Mil); O Outro Lado do Paraíso (2017), com Clara (Bianca Bin) e Gael (Sérgio Guizé); Segundo Sol (2018), com Nice (Kelzy Ecard) e Agenor (Roberto Bonfim); e O Sétimo Guardião (2018), com Afrodite (Carolina Dieckmann) e Nicolau (Marcelo Serrado).

Apesar do diagnóstico positivo evidenciado nas últimas páginas, identifico igualmente um movimento inverso, que aponta para a normalização da violência de gênero no contexto brasileiro. De um prisma, a despeito das legislações para combater e coibir as agressões e morte de mulheres, essas violações continuam a ser consideradas possíveis quando se trata de uma vingança ou de uma correção aplicada por um homem no contexto de relações afetivas e familiares (Segato, 2003Segato, Rita. (2003), Las estructuras elementales de la violencia. Bernal, Universidad Nacional de Quilmes. ). Em pesquisa de 2014 realizada pelo Ipea8 8 Ipea - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. (4 abr. 2014), “Tolerância social à violência contra as mulheres”. Disponível em http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2014/04/IPEA_sips_violenciamulheres04042014.pdf. , constatou-se uma alta tolerância de formas de agressão contra mulheres: 58% dos entrevistados concordaram que “se as mulheres soubessem se comportar haveria menos estupros”; 63% afirmaram que “casos de violência dentro de casa devem ser discutidos somente entre membros da família”; e 82% aprovaram a frase “em briga de marido e mulher não se mete a colher”.

De outro prisma, existe um padrão recorrente em novelas nacionais de retratarem mulheres sendo agredidas constantemente por homens de sua convivência, sem que essas ocorrências sejam interpretadas como violações: as tramas que envolvem vilãs (Caminhas, 2018Caminhas, Lorena. (2018), “Face e contraface da violência de gênero: diálogos entre telenovelas e contexto nacional”. Mana [online], 24 (3): 33-62. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93132018000300033&lng=pt&nrm=iso.
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, 2019Caminhas, Lorena. (maio 2019), “Imagens de violência de gênero em telenovelas brasileiras”. Revista Estudos Feministas , (27): 1. Disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/1806-9584-2019v27n152253.
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). Mesmo nas narrativas que tratam pedagogicamente a violência doméstica, presenciamos as malfeitoras em situação de extrema vulnerabilidade, sendo açoitadas e espancadas por homens com quem têm relações familiares ou afetivas: em Vidas Opostas testemunhamos Nogueira estuprar sua amante Erínia (Lavínia Vlasak); em Mulheres Apaixonadas vemos as surras e humilhações de Carlão (Marcos Caruso) em sua filha Dóris (Regiane Alves); em Fina Estampa presenciamos Rafael (Marco Pigossi) esbofetear sua ex-amante Zuleika (Juliana Knust); em Vidas em Jogo observamos Adalberto (Luiz Guilherme) açoitar sua filha Rita (Julianne Trevisol); em Amor à Vida assistimos a César (Antônio Fagundes) ameaçar de morte sua esposa Aline (Vanessa Giácomo) e também a Thales (Ricardo Tozzi) e Daniel (Rodrigo Andrade) baterem e humilharem Leila (Fernanda Machado); em A Regra do Jogo, Atena (Giovanna Antonelli) é mantida em cárcere privado e humilhada por Vander (Roney Vilella) e Romero (Alexandre Nero); em O Outro Lado do Paraíso presenciamos Gael ameaçar e enforcar sua mãe Sophia (Marieta Severo); em Segundo Sol testemunhamos Roberval (Fabrício Boliveira) humilhar publicamente sua noiva Cacau (Fabiula Nascimento)9 9 Cacau não é propriamente uma vilã, mas destoa do padrão de mulher de bem da novela, porque comete adultério toda a trama, enganando o apaixonado Roberval. .

Além dessas produções, outras oito telenovelas exibidas entre 2000 e 2019 repetem as cenas de agressão contra vilãs perpetrada por homens próximos a elas: as ameaças e palmadas de Pedro (José Mayer) em seu par romântico Íris (Deborah Secco) em Laços de Família (2000); May (Camila Morgado) e Edward (Caco Ciocler) de América (2005), em momentos de xingamentos e empurrões agressivos; em Páginas da Vida (2006), Alex (Marcos Caruso) enforca, ameaça e estapeia sua esposa Marta (Lilia Cabral); Carminha (Adriana Esteves) apanha de seu marido Tufão (Murilo Benício) e toma uma surra de seu amante Max (Marcello Novaes) em Avenida Brasil (2012); em Salve Jorge (2012), o oficial do exército Théo (Rodrigo Lombardi) esgana e ameaça Lívia Marine (Cláudia Raia); José Alfredo (Alexandre Nero) sufoca Cora (Drica Moraes) em Império (2014); em Babilônia (2015) é Otávio (Herson Capri) que mantém Beatriz (Glória Pires) em cárcere privado mediante coação e chantagem; em A Lei do Amor (2016), Magnólia (Vera Holtz) é estapeada por seu marido Fausto (Tarcísio Meira) e leva um soco na face de seu amante Tião (José Mayer).

Se considerarmos todas as 21 telenovelas elencadas anteriormente que retrataram a violência de gênero, veremos que em dezesseis delas (76,1%) as vilãs apanham constantemente de homens de sua convivência próxima, muitas vezes em tramas paralelas àquelas que pretendem discutir e denunciar as constantes violações de mulheres. Diante do exposto, fica evidente que situações de agressão motivadas por gênero são tão presentes e naturalizadas nas novelas como no cotidiano nacional, corroborando o alarmante diagnóstico de Saffioti (1994Saffioti, Heleieth. (1994), “A violência de gênero no Brasil atual”. Estudos Feministas, (2): 443-461., 1997), para quem as diferentes formas de injúrias são interpretadas ora como excessos passíveis de punição (porque consideradas abusos por excelência), ora como condutas necessárias e admissíveis perante a situação. Se essa é a realidade sociocultural e simbólica da violência de gênero, é urgente questionar como essas imagens são construídas e fundamentadas. Na sequência me dedico a essa tarefa, apresentando uma síntese dos principais mecanismos adotados em telenovelas para distinguir a violência doméstica da punição necessária, normalizando o sofrimento de determinadas mulheres.

Paradigmas da representação da violência contra a mulher

A fim de avançarmos na compreensão sobre a constituição das imagens de violência de gênero em telenovelas, precisamos apreender a estrutura narrativa10 10 Reconheço a necessidade de pesquisa de recepção para construir um diagnóstico mais preciso sobre essas imagens dissidentes da violência de gênero, entendendo como elas são percebidas pelos telespectadores. dessas produções, permeada por mecanismos que permitem ou impedem o reconhecimento de sofrimento de mulheres. O primeiro eixo a ser considerado é a distinção entre problemas públicos e privados nas tramas, diretamente relacionada à concatenação da matriz melodramática com elementos de representação da realidade nacional (Lopes, 2009Lopes, Maria. (2009), “Telenovela como recurso comunicativo”. Matrizes, São Paulo, 1 (3): 21-47.)11 11 Conforme Lopes (2009), desde a década de 1970 as telenovelas passaram a empregar, junto ao melodrama, uma linguagem jornalística e documental para apresentar as dinâmicas sociopolíticas do Brasil, constituindo-se como espaços de retratação da nação. . O melodrama continua atuando como principal alicerce das histórias, sustentando suas moralidades e seus valores, fundamentando, conforme Almeida (2017Almeida, Heloisa. (2017), “Educação do corpo: o seriado Mulher e a promoção de mensagens médico-educativas”. Revista Estudos Feministas, 25 (1): 315-335. ), um enquadramento comum para as discussões sociopolíticas inseridas nos enredos ficcionais. Destarte, questões de caráter coletivo passam a ser retratadas em meio aos dramas íntimos e amorosos dos personagens, borrando os limites daquilo que seria considerado público ou privado (Hamburger, 2005Hamburger, Esther. (2005), O Brasil antenado: a sociedade da novela. Rio de Janeiro, Jorge Zahar. ). Essa formatação da narração aponta para um processo de privatização das questões públicas e publicização da vida privada, constituído por meio da expressão de “dramas privados em termos públicos e dramas públicos em termos privados” (Lopes, 2010Lopes, Maria. (2010), “Ficção televisiva e identidade cultural da nação”. Alceu, 20 (10): 5-15. Disponível em http://revistaalceu-acervo.com.puc-rio.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=362&sid=32.
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, p. 5).

Uma das principais estratégias narrativas das emissoras para introduzirem nas tramas ficcionais elementos de discussão dos problemas públicos nacionais é o merchandising social. Inicialmente empregado pela Rede Globo como forma de ampliar sua imagem de responsabilidade social (Almeida, 2017Almeida, Heloisa. (2017), “Educação do corpo: o seriado Mulher e a promoção de mensagens médico-educativas”. Revista Estudos Feministas, 25 (1): 315-335. ), o merchandising social assume a função de “recurso comunicativo e narrativo” (Lopes, 2010Lopes, Maria. (2010), “Ficção televisiva e identidade cultural da nação”. Alceu, 20 (10): 5-15. Disponível em http://revistaalceu-acervo.com.puc-rio.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=362&sid=32.
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), responsável por elaborar e sistematizar mensagens educativas e pedagógicas com objetivo de instruir e informar a audiência sobre determinada questão sociopolítica brasileira. Esse recurso se configura quando núcleos dramáticos e personagens específicos são selecionados nas tramas para encenarem histórias que refletem discussões públicas e políticas, contextualizadas em meio aos acontecimentos cotidianos e às relações interpessoais da novela. Assim, um fragmento específico do enredo é responsável por enquadrar e delimitar os contornos de determinado debate, definindo, inclusive, aqueles acontecimentos que estão fora de seus limites. A representação da violência contra as mulheres nos últimos dezenove anos em telenovelas foi elaborada por meio do merchandising social, que formatou as violações motivadas por gêneros a partir de situações e personagens típicos, simbolizando uma forma específica de sofrimento.

A violência doméstica é tomada nas histórias do merchandising social como caso paradigmático das agressões contra mulheres, regulando a representação desse fenômeno político, excluindo dele outras formas de sofrimento. Essa configuração narrativa vai ao encontro de discursos sociojurídicos em território nacional que assumem o “ciclo da violência doméstica” como parâmetro para compreender e julgar as violações motivadas por gênero (Debert e Oliveira, 2007Debert, Guita; Oliveira Marcella. (2007), “Domestic violence and different forms of conciliation” [Os modelos conciliatórios de solução de conflitos e a “violência doméstica”]. Cadernos Pagu, (29): 305-337. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332007000200013&lng=en&nrm=iso.
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). A dinâmica típica que fundamenta o ciclo de injúrias das relações violentas é constantemente encenada nas treze novelas selecionadas que tratam especificamente da violência doméstica, sendo que os casais reprisam as mesmas experiências de relacionamento abusivo, reafirmando a situação de injustiça sofrida pelas personagens femininas dos núcleos de merchandising social. Trata-se de casais em que os homens desrespeitam e maltratam continuamente suas parceiras, revelando sua agressividade por meio de tapas, sacolejos, empurrões e xingamentos, reafirmando sua posição de autoridade na interação; à medida que a situação se agrava, aparecem esganamentos, espancamentos, estupros, cárcere privado, humilhação pública e até mesmo tentativas de assassinato; a última fase corresponde ao processo de recuperação dos ferimentos da mulher e ao arrependimento do agressor, reajustando a união do casal (sempre mantida a partir da resignação e sujeição da personagem feminina). Esse esquema se repete por vários episódios até que são acionadas vias legais e policiais para proteger a vítima e conter o algoz, ou simplesmente até que haja um rompimento total ou parcial do vínculo afetivo.

A distinção entre problemas públicos e privados nas telenovelas, mediada pelo recurso do merchandising social, cria um campo simbólico em que o debate e o enfrentamento de questões sociopolíticas dependem de sua adequação aos esquemas narrativos e interpretativos da trama. Isso fica claro quando observamos as situações de agressões contra as vilãs que, apesar de serem contínuas nas tramas e perpetradas por homens com quem elas possuem relação afetivo-sexual, não reprisam o ciclo da violência doméstica, sendo tratadas como consequências das atitudes individuais dessas mulheres. Nas dezesseis telenovelas que apresentam as malfeitoras sofrendo injúrias de homens de sua convivência íntima, elas apanham quando suas falcatruas e mentiras são descobertas, revelando seus interesses perversos e suas personalidades corrompidas. Em geral, as injúrias acontecem quando os personagens masculinos percebem o desvio de caráter da mulher e a imoralidade de suas ações, que requerem uma correção e reparação para que ela mude de comportamento. As vilãs, por sua vez, permanecem comportando-se do mesmo modo corrupto e depravado ao longo da trama, praticando outras fraudes e trapaças cada vez mais cruéis e maldosas. Ao final da história, as mulheres más sofrem outros ataques dos personagens masculinos, agora mais severos, que servem para reparar ou revidar o sofrimento que causaram.

A partir dessa descrição das ocasiões em que as mulheres sofrem violência em telenovelas, podemos depreender dois regimes representativos distintos. No primeiro caso, em que as agressões são tratadas pelas lentes dos problemas públicos, sendo tomadas como excessos passíveis de punição, acompanhamos um cotidiano incessante de violações, ritualizado em dinâmicas de briga e reconciliação, fundamentando relações violentas. Aqui as injúrias ocorrem no espaço privado do lar, mas frequentemente extravasam essas esferas, sendo mediadas pela segurança pública ou por dispositivos judiciais. No segundo caso (o das vilãs), vemos abusos físicos e psicológicos em momentos específicos e circunscritos, especialmente nas ocasiões de desmascaramento dessas mulheres nas quais é preciso repreendê-las e puni-las. Ademais, esses ataques são retratados como uma reação que ocorre e permanece no interior das relações pessoais, sem que haja recursos legais possíveis de serem acionados (tal como acontece nas histórias de violência doméstica). Nesse caso, estamos diante de uma violência pontual e episódica, que se mantém de foro íntimo nas tramas. Essas diferenças na representação da violência de gênero abrem espaço para uma interpretação dissidente do sofrimento de mulheres: de um lado, vemos o padecimento, revelado pelas lentes da exorbitância e covardia, demandando formas de reparação sociojurídica; de outro lado, encaramos o castigo necessário, demonstrado pela lógica da correção pedagógica, que carece de mediação social ou judicial.

Nesse ponto da análise é fundamental assinalar que a discussão sobre a constituição dos problemas sociais como públicos ou privados, para além de figurar como um mecanismo narrativo acionado pelas telenovelas para criarem imagens dissidentes da violência de gênero, é um importante vetor de debate no feminismo nacional, que buscou acentuar o caráter público e político do fenômeno de agressão às mulheres (Segato, 2003Segato, Rita. (2003), Las estructuras elementales de la violencia. Bernal, Universidad Nacional de Quilmes. ). As novelas com núcleos de merchandising social de violência doméstica buscaram dialogar com essa premissa feminista, acompanhando os desenvolvimentos sociojurídicos a respeito do tema. Entretanto, esse diálogo é estabelecido apenas parcialmente, na medida em que elas enclausuram a dimensão pública apenas nas representações de relações violentas que seguem o ciclo da violência doméstica, tipificando quais injúrias devem ser reparadas e quais se mantêm confinadas às relações interpessoais. Essa equação fica ainda mais clara quando olhamos para as histórias das vilãs, que permanecem como dramas pessoais ao longo de toda a trama. Essa construção ambígua nos enredos da agressão contra mulheres reprisa a base argumentativa dos crimes de honra, que, para Saffioti (1999Saffioti, Heleieth. (1999), “O estatuto teórico da violência de gênero”. In: Santos, José. Violência em tempos de globalização. São Paulo, Hucitec, pp. 142-163. ), é responsável por distinguir situações em que as injúrias são necessárias e merecidas. Assim, a estrutura híbrida dessas produções, que mistura o melodrama com temas nacionais atuais, embasa essa dicotomização das representações, uma vez que, como assevera Lopes (2010Lopes, Maria. (2010), “Ficção televisiva e identidade cultural da nação”. Alceu, 20 (10): 5-15. Disponível em http://revistaalceu-acervo.com.puc-rio.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=362&sid=32.
http://revistaalceu-acervo.com.puc-rio.b...
), há uma centralidade do lar e das interações familiares que sobressai mesmo quando se busca introduzir uma questão sociopolítica.

O segundo eixo narrativo central da representação da violência de gênero em telenovelas é a função que assume a vida doméstica nas tramas, que vem acompanhada do papel atribuído às personagens femininas. Segundo Gomes (2007Gomes, Márcia. (2007), “Os personagens das telenovelas: trajetórias típicas e projetos de identidade social”. Comunicação Midiática, (7): 29-48. ), o universo principal das novelas é o ambiente da casa, sendo que o mundo social se desdobra em meio às lógicas e aos processos do lar. Essa afirmação é também verdade no caso da retratação das agressões contra mulheres: seja nos núcleos de merchandising social, seja nas histórias de vilania, as violações ocorrem no interior das residências e se instituem nas relações interpessoais. Tanto as ocasiões das injúrias quanto suas possíveis formas de reparação (no caso dos dramas da violência doméstica) passam pela esfera familiar e íntima. Conforme Lopes (2009Lopes, Maria. (2009), “Telenovela como recurso comunicativo”. Matrizes, São Paulo, 1 (3): 21-47.) e Gomes (2007)Gomes, Márcia. (2007), “Os personagens das telenovelas: trajetórias típicas e projetos de identidade social”. Comunicação Midiática, (7): 29-48. , a passagem dessas experiências privadas para os domínios públicos depende da mediação das personagens femininas, uma vez que elas são as principais articuladoras do enredo e suas histórias são o fio central dos dramas pessoais e socioculturais. Ademais, as personalidades e condutas das mulheres funcionam como balizas morais dos acontecimentos em torno delas, sendo suas práticas avaliadas de acordo com as convenções sociais imiscuídas nessas produções ficcionais, expressando em suas performances o mundo moral proposto pela narrativa. Os princípios e as normas das tramas recaem mais diretamente sobre figuras femininas, servindo de balizas para avaliar sua dignidade e decência, e também a pertinência ou injustiça das situações que elas vivenciam (Gomes, 2007Gomes, Márcia. (2007), “Os personagens das telenovelas: trajetórias típicas e projetos de identidade social”. Comunicação Midiática, (7): 29-48. ).

Para construir as imagens da violência de gênero, as telenovelas edificam personalidades e comportamentos padronizados para os personagens envolvidos nas agressões, que direcionam a avaliação da justeza ou inadequação das injúrias sofridas. Essas personagens são construídas a partir de “clichês interpretativos” (Almeida, 2017Almeida, Heloisa. (2017), “Educação do corpo: o seriado Mulher e a promoção de mensagens médico-educativas”. Revista Estudos Feministas, 25 (1): 315-335. ), que informam o modo correto e incorreto de se portar, marcado por uma dicotomia entre aquelas pessoas do “bem” e do “mal”. Em primeiro lugar, quando as novelas retratam contextos de violência doméstica, apresentam uma mulher vítima de um homem algoz que usa seu poder físico e simbólico para subjugá-la; em segundo lugar, quando as violações atuam como corretivos, presenciamos uma relação que aponta para uma similaridade de forças dos sujeitos envolvidos. Nesse segundo caso, o papel de opressor é atribuído à vilã (porque ela contamina os laços sociais e corrompe os demais personagens), enquanto a virtude é representada pelo homem que vai restaurar o mundo moral narrado através de surras e humilhações corretivas. Assim, é possível destacar, por um lado, uma interação pautada pela dicotomia vítima (bem) versus algoz (mal) e, por outro lado, uma perversão (mal) versus virtuosidade (bem). Para percebermos o caráter, o tipo de conduta e os vínculos entre os indivíduos que compõem esses enredos, apresento quadros 1 e 2 demonstrativos:

Quadro 1
Personalidade, conduta e relacionamento de personagens masculinas e femininas (vilãs)
Quadro 2
Personalidade, conduta e relacionamento de personagens masculinas e femininas (violência doméstica)

A partir dos quadros acima, podemos notar como as personagens femininas que aparecem nas histórias de violência doméstica incorporam atributos mistificados e normativos do feminino (Segato, 2003Segato, Rita. (2003), Las estructuras elementales de la violencia. Bernal, Universidad Nacional de Quilmes. ), atrelados ao maternal, ao fraternal, à subserviência, à delicadeza e ao recato. Essas mulheres são caracterizadas como honestas, sempre expondo suas intenções; são todas esposas dedicadas e mães zelosas; cuidam de seus lares e algumas possuem trabalho formal para ajudar nas despesas domésticas; todas se comportam adequadamente, tanto na vestimenta quanto em sua postura moral (são decentes). Elas são benquistas na comunidade em que vivem e reconhecidas pelos vizinhos e colegas como pessoas bondosas e bem-intencionadas. Apenas Dália e Rita destoam sutilmente desse padrão no início de suas narrativas: a primeira devido ao uso forçado de drogas, a segunda por causa da extrema pobreza. Entretanto, ambas se regeneram ao longo das novelas assim que se separam de seus algozes, assumindo as qualidades supracitadas.

O extremo oposto das mulheres exemplares são as vilãs: têm caráter corrompido, são naturalmente afeitas à mentira e às trapaças, têm postura soberba, são gananciosas e promíscuas, péssimos exemplos de comportamento nas tramas. Em geral, as malfeitoras são representadas em meio a um conjunto de classificações e rotulações, que direcionam a interpretação de seu papel nas histórias. Elas são, correntemente, tomadas como ambiciosas (mulheres que buscam adquirir dinheiro e bens materiais por meio de ações escusas), indecentes (usam roupas provocantes e agem de modo a seduzir os homens), trambiqueiras e traiçoeiras (agem de forma proposital para enganar os outros), encrenqueiras (afeitas às brigas e desavenças) e adúlteras (péssimas companheiras, que se envolvem com vários homens ao mesmo tempo).

A padronização das personalidades e condutas das mulheres boas e más nas novelas se relaciona diretamente a um conjunto de convenções de gênero incrustrado nas narrativas, convenções essas que atuam como balizas para construir e avaliar os personagens. Se retomarmos Butler (2004Butler, Judith. (2004), Undoing gender. Nova York, Routledge. ), veremos que o gênero é regulado por normas e regras socioculturais, que delimitam sua coerência e estabilidade, normalizando os atributos e papéis considerados masculinos e femininos. Essas normatividades se traduzem, para a autora, em práticas incorporadas pelos sujeitos, que se tornam a base para apreciar sua adequação às prescrições morais, definindo o posicionamento simbólico desse indivíduo na distribuição desigual dos valores sociais. No caso das telenovelas, tais normas são instituídas pelo mundo proposto da trama, que enseja as moralidades que serão encenadas e encarnadas por cada personagem em suas histórias, promovendo, como aponta Almeida (2017Almeida, Heloisa. (2017), “Educação do corpo: o seriado Mulher e a promoção de mensagens médico-educativas”. Revista Estudos Feministas, 25 (1): 315-335. ), valores e preceitos. A padronização dos atributos e das performances de gênero nas personagens, baseada na dicotomia entre bem versus mal, edifica o campo de inteligibilidade para suas personalidades e condutas, direcionando a construção das cenas e situações de agressão às mulheres. Destarte, o gênero, enquanto forma de regulação, entra nas histórias ficcionais como um enquadramento para a violência apresentada.

A uniformização das personalidades e comportamentos também marca a representação dos personagens masculinos, que são tomados como tipos ideias que agem de modos padronizados. Os homens das tramas de violência doméstica são considerados ou naturalmente violentos e brutos, habituados com uma rotina de agressões; ou viciados em álcool e drogas, substâncias responsáveis por alterar seu humor; ou maus-caracteres, com moralidade corrompida e sem dignidade. Todos eles são mostrados como péssimos maridos e pais ausentes, desrespeitando suas esposas e faltando com todas as suas responsabilidades domésticas, inclusive o sustento do lar. Por outro lado, os homens que agridem as vilãs se dividem em duas categorias: aqueles que são boas pessoas na novela, muito bem relacionados na comunidade, mas com tolerância e paciência limitada; aqueles que são inescrupulosos e malfeitores na trama, ou inclusive criminosos, já relacionados com o universo da agressividade e covardia.

A personalidade e o comportamento dos personagens masculinos reverberam em um tipo de índole, marcada igualmente por normas de gênero, que se inscrevem nas narrativas configurando o quadro interpretativo do contexto de injúria às mulheres. Enquanto os homens dos núcleos de violência doméstica são agressivos, movidos por álcool, drogas ilícitas ou ideais conservadores, os homens das histórias das vilãs têm um surto de raiva momentâneo, agindo conforme demanda a situação, ou são necessariamente brutos, descontrolados e imorais. Quando a violação é perpetrada por alguém “violento por natureza”, ela é representada como consequência do temperamento daquele indivíduo; ao contrário, quando se trata de alguém pacífico e decente, os ataques constituem desdobramentos da conjuntura na qual ocorrem. Entretanto, quando, na trama das malfeitoras, alguns dos homens são considerados semelhantes a elas, igualmente corruptos, ardilosos e calhordas, as telenovelas buscam demonstrar uma equivalência de poder entre ambos (os dois seriam “farinha do mesmo saco”), situando os momentos de agressão como um embate entre iguais. Vale notar que nos dramas da violência doméstica os homens se mantêm sempre como o oposto de suas vítimas, revelando a desproporcionalidade e o desequilíbrio no uso da força, enquadrando uma relação injusta e abusiva. (Quadro 3)

Quadro 3
Índole e temperamento dos personagens masculinos

Aqui vale assinalar, ainda, que as ações e os temperamentos dos homens da violência doméstica estão associados nas novelas à impulsividade ou à sua natureza (sua essência enquanto um tipo de sujeito construído pela narrativa). Ao contrário, alguns dos homens do núcleo das vilãs agem agressivamente apenas quando percebem uma situação de injustiça que precisa ser escancarada e reparada. Então, as motivações para a violência diferem, sendo que em um dos casos ela é apenas uma ação gratuita e impensada, e no outro, uma atitude essencial de correção. Muito do que embasa o tratamento diferencial das violações às malfeitoras está atrelado a esse imaginário da justiça agregado a alguns homens que as agridem, sendo as injúrias consideradas um corretivo necessário e justificado, aplicado por um indivíduo moralmente superior. Nesses casos, as agressões atuam como “lições” que visam a corrigir a conduta e o caráter das mulheres más (isto é, reposicioná-las dentro das regulações de gênero do mundo narrado).

Um terceiro mecanismo narrativo empregado em telenovelas para distinguir as situações de agressão às mulheres, separando violência de castigo merecido, é a atribuição de uma função às diversas violações, estabelecendo um vínculo entre tipos de injúria e suas finalidades na trama. Nós nos deparamos com um regime representativo sustentado pela oposição que situa, de um lado, casos extremos e injustificáveis e, de outro lado, casos pontuais e necessários. Essa segmentação nas novelas não esconde, porém, a coincidência das formas de agressões sofridas pelas mulheres, sejam elas vistas como decentes ou como imorais (Quadro 4 e 5).

Quadro 4
Tipos de agressão e sua finalidade (vilãs)
Quadro 5
Tipos de agressão e sua finalidade (violência doméstica)

Nos dramas da violência doméstica, as agressões têm a finalidade de submeter as mulheres aos desejos de maridos e namorados, ou servem para regular seu comportamento, afirmando a dominação do homem na relação. Outra possibilidade é que as violações atuem como desforra ou retaliação pelo rompimento do relacionamento. Em qualquer um desses casos, a agressividade do homem é representada como injustificada, ou porque as personagens femininas já estão conformadas aos padrões de gênero da novela, apresentando-se como boas esposas e mães, ou porque elas teriam abandonado seus companheiros devido às injúrias sofridas. Já nas tramas da vilania, as humilhações e surras assumem função corretiva e pedagógica (um castigo moralizante), acompanhadas de reprovação e desprezo, ou de revide e vingança. Isso porque as vilãs representam nas histórias a subversão das convenções e normas que definem os sujeitos generificados, sendo tomadas como o “exterior constitutivo” (Butler, 2004Butler, Judith. (2004), Undoing gender. Nova York, Routledge. ) das regras morais incrustadas nas telenovelas. Todavia, devemos notar que as modalidades de abusos e desrespeito são praticamente as mesmas nos dois contextos, com destaque para a vexação, empurrões e tapas, esganamentos, xingamentos. As ameaças de morte, o cárcere privado, os socos (sobretudo na face), o estupro e o espancamento aparecem nas cenas que destacam ou o auge do ciclo de violência doméstica (para as mulheres comportadas), ou o ápice das tramoias e trapaças (para as malfeitoras).

Ainda que consigamos detectar uma coincidência entre as modalidades de agressões sofridas pelas diferentes mulheres nas novelas, o modo como elas são representadas depende do contexto de sua ocorrência e de quem são os personagens envolvidos (considerando em que medida a sua tipicidade corresponde às regulações de gênero das narrativas). Destarte, nem sempre que vemos cárcere privado ele é necessariamente retratado como uma forma de violação. Conforme Segato (2003Segato, Rita. (2003), Las estructuras elementales de la violencia. Bernal, Universidad Nacional de Quilmes. ) e Saffioti (1997Saffioti, Heleieth. (1997), “Violência de gênero: o lugar da práxis na construção da subjetividade”. Lutas Sociais, 2: 59-79. Disponível em https://revistas.pucsp.br/index.php/ls/article/view/18789.
https://revistas.pucsp.br/index.php/ls/a...
), no contexto brasileiro consideram-se violência de gênero propriamente as ocorrências em que as injúrias são percebidas como excessos, sendo lidas como desproporcionais e ilegítimas. Isso depende, sobremaneira, de como a distribuição dos corpos com gênero é processada, instituindo um conjunto de hierarquias que passam a ser normalizadas no cotidiano, diferenciando o papel de homens e mulheres. Esse traço da nossa cultura nacional se difunde nas telenovelas, dificultando que as tramas das vilãs sejam vistas a partir da chave do excesso: sua personalidade e seu comportamento são nefastos, imorais as suas ações, seu mau-caratismo é incontestável, e pontuais os momentos em que são agredidas, com finalidade de reparação e correção.

Por fim, destaco um quarto elemento fundamental na construção de narrativas de telenovelas, que permite a representação desigual das agressões às mulheres: o papel central que a violência assume na edificação do mundo moral proposto pela trama. Nas histórias, toda forma de opressão e intimidação das personagens femininas assume função regulatória, visando a estabelecer um conjunto de condutas e posições de sujeito que se adequem às normatividades socioculturais inscritas nas tramas. Contudo, enquanto em alguns casos essa regulação é considerada essencial para a manutenção ou restauração da ordem e moralidade instituída na novela (caso das vilãs), em outros casos ela é representada como despropositada e excessiva, rompendo com as convenções ao invés de reconstruí-las (caso dos núcleos de violência doméstica).

Para as malfeitoras, personagens responsáveis pelo rompimento do equilíbrio das tramas e pela corrosão dos valores e papéis femininos, a causalidade é o que propriamente justifica seu constante sofrimento nas mãos de homens com quem elas têm relações afetivas: todo o mal que causam deve retornar a elas, ecoando o ditado popular “aqui se faz, aqui se paga”. Desse modo, a estrutura narrativa estabelece um compasso entre as causas e os efeitos da violência. Opostamente, nos núcleos da violência doméstica, não é apresentada a necessidade da ingerência masculina para recompor as posições e atitudes das mulheres, tornando as violações como abusivas e desnecessárias e edificando um descompasso entre suas causas e consequências. Por conseguinte, em um dos casos a recomposição da ordem social da novela precisa ser realizada por meio de maus-tratos, que passam a ser tomados como meio de instituir as normatividades que regem as histórias; no outro caso, as agressões funcionam como um subterfúgio para perpetrar o terror e medo, reverberando no rompimento com o mundo moral proposto, instaurando instabilidade e fragilidade. Aqui vale assinalar que esses enredos que retratam a violência de gênero possuem centralidade nas telenovelas, sendo importantes componentes na conformação de seu mundo sociocultural e moral: os núcleos da vilania fazem parte da intriga principal, e os dramas da violência doméstica se destacam por serem o recurso de merchandising social. Assim sendo, eles são eixos primordiais para compreender como essas produções ficcionais direcionam e catalisam as “sensibilidades éticas” (Butler, 2010Butler, Judith. (2010), Marcos de guerra: las vidas lloradas. Buenos Aires, Paidós. ) sobre o sofrimento experimentado por mulheres, enquadrando-o como um padecimento real ou como uma punição apropriada.

Em suma, as telenovelas empregam quatro mecanismos narrativos principais para retratar diferencialmente a violência de gênero, que aparece ora como violação, ora como punição necessária: (a) a distinção entre problemas públicos e privados nas novelas, com uma tendência a situar as questões coletivas em meio aos dramas pessoais e íntimos. Adicionalmente, o emprego do recurso de merchandising social, tomado como o espaço para a discussão sociocultural por excelência, enclausura os contextos e as situações em que os debates sobre as agressões contra as mulheres podem ocorrer; (b) a centralidade do ambiente doméstico e o papel vinculador das personagens femininas nos enredos, encadeados a uma padronização e tipificação das condutas e personalidades dos sujeitos envolvidos nas violações. As histórias geralmente se baseiam na lógica da oposição para edificar seus personagens, oposição essa que fundamenta as regulações em termos de gênero incrustadas nas tramas (articuladas em meio às pessoas do bem e do mal); (c) a atribuição de uma função às injúrias, que são consideradas ora como ocorrências extremas e injustificadas, ora como casos pontuais e necessários, a depender de como elas atuam na ordenação do universo de moralidades imiscuído nas intrigas; (d) a violência como forma de manutenção do mundo moral proposto, criando ou um compasso ou um descompasso entre as causas e as consequências do sofrimento de mulheres.

Considerações finais

O alarmante quadro de relativização e naturalização de violência de gênero em telenovelas nacionais não estaria completo se eu não citasse as mais recentes produções que centralizaram em suas tramas falsas denúncias de violência doméstica (todas da Rede Globo), apresentadas como mecanismo utilizado por algumas mulheres para castigarem seus ex-parceiros. Rock Story (2016) mostra Mariane (Ana Cecília Costa) mentindo que Gui (Vladimir Brichta), seu ex-namorado, a teria agredido: na verdade a personagem cai da escada, mas decide gravar um vídeo denunciando a agressão para se vingar pelo fim do relacionamento. Em A Força do Querer (2017), Cibele (Bruna Linzmeyer) registra uma ocorrência na polícia contra Ruy (Fiuk), seu ex-noivo, para “incriminá-lo” por injúria porque não aceita o rompimento da relação. Como se não fossem suficientes todos os mecanismos de apagamento da violência de gênero, na telenovela Segundo Sol (2018) acompanhamos o casal Doralice (Roberta Rodrigues) e Ioan (Armando Babaioff), em que a esposa agride o marido, contrariando as estatísticas nacionais que apontam para 49% de agressores como homens com relação afetiva com as mulheres, e outros 21% de ex-companheiros12 12 Dados da pesquisa “Violência doméstica e familiar contra a mulher”, publicada em 2017 pelo Instituto de Pesquisa DataSenado (https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/arquivos/aumenta-numero-de-mulheres-que-declaram-ter-sofrido-violencia). .

Ao final deste balanço crítico, cabe salientar que regimes de normalização e banalização da violência de gênero colaboram, sem dúvida, para uma trivialização dos diversos tipos de sofrimento infligidos às mulheres, recuperando a antiga e permanente distinção entre crimes de fato e crimes de honra. A busca por demonstrar o quadro político-institucional brasileiro no enfrentamento a essas violações em consonância com a produção das novelas que abordam esse grave problema nacional teve como objetivo revelar a constante oscilação entre as diversas formas de interpretação desse fenômeno. Se acompanhamos avanços notáveis na esfera legislativa ao longo dos últimos anos, principalmente após a sanção da Lei Maria da Penha, vemos também um país povoado por uma percepção distorcida da violência de gênero, não muito distante dos regimes representativos das telenovelas aqui analisadas. Casos como os das personagens femininas apresentadas neste texto são parte de um cotidiano habituado a ter mulheres apanhando e sendo violentadas.

Longe de querer afirmar uma influência direta das narrativas aqui apresentadas para a relativização da violência de gênero no contexto nacional, e sem a menor intenção de apresentar as novelas como reflexos imediatos das concepções socioinstitucionais sobre as agressões de mulheres, busco chamar atenção para a constante construção e fundamentação das sensibilidades morais que direcionam nossa interpretação sobre as situações de sofrimento e de injustiça - que circulam tanto nas instâncias sociais, culturais, políticas e institucionais, quanto em narrativas ficcionais televisionadas nacionalmente.

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  • Pasinato, Wânia; Santos, Cecília. (2008), Mapeamento das Delegacias da Mulher no Brasil Pagu - Núcleo de Estudos de Gênero, Unicamp/Ceplaes/IDRC, Campinas.
  • Saffioti, Heleieth. (1994), “A violência de gênero no Brasil atual”. Estudos Feministas, (2): 443-461.
  • Saffioti, Heleieth. (1997), “Violência de gênero: o lugar da práxis na construção da subjetividade”. Lutas Sociais, 2: 59-79. Disponível em https://revistas.pucsp.br/index.php/ls/article/view/18789
    » https://revistas.pucsp.br/index.php/ls/article/view/18789
  • Saffioti, Heleieth. (1999), “O estatuto teórico da violência de gênero”. In: Santos, José. Violência em tempos de globalização São Paulo, Hucitec, pp. 142-163.
  • Segato, Rita. (2003), Las estructuras elementales de la violencia Bernal, Universidad Nacional de Quilmes.
  • 1
    Violência de gênero é uma categoria descritiva e analítica (Bandeira, 2014Bandeira, Lourdes. (2014), “Violência de gênero: a construção de um campo teórico e de investigação”. Revista Sociedade e Estado, 2 (29): 449-469. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69922014000200008&lng=en&nrm=iso.
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    ) que aponta para uma miríade de formas de violações sofridas por mulheres, meninas e minorias de gênero e sexualidade. Neste texto, concentro-me apenas nas agressões às mulheres e nos casos de violência doméstica.
  • 2
    Trata-se de uma estratégia adotada pela Rede Globo, a partir de 1974, para afirmar a responsabilidade social da emissora. Posteriormente, como pontua Lopes (2009)Lopes, Maria. (2009), “Telenovela como recurso comunicativo”. Matrizes, São Paulo, 1 (3): 21-47., o merchandising social se torna um recurso comunicativo para inserir nas tramas discussões de problemas nacionais. Na seção de análise retomo essa estratégia narrativa, comentando seu uso concreto.
  • 3
    A escolha dessa faixa temporal se baseou na primeira novela a empregar o merchandising social para educar e discutir a violência doméstica: Mulheres Apaixonadas (2003), televisionada em contexto de expansão das Delegacias da Mulher e da criação do Pacto Nacional para Enfrentamento da Violência contra a Mulher. Telenovelas anteriores apresentaram situações de agressões contra mulheres, tais como Roque Santeiro (1985) e O Rei do Gado (1996), mas sem inserir em suas tramas uma mensagem pedagógica e educativa sobre o problema. Ademais, mantive apenas telenovelas das 21 horas porque são elas que historicamente procuram retratar os problemas sociais brasileiros (Lopes, 2009)Lopes, Maria. (2009), “Telenovela como recurso comunicativo”. Matrizes, São Paulo, 1 (3): 21-47..
  • 4
    Esse balanço é fruto de pesquisa mais ampla desenvolvida pela autora, publicada previamente em dois artigos principais (Caminhas, 2018Caminhas, Lorena. (2018), “Face e contraface da violência de gênero: diálogos entre telenovelas e contexto nacional”. Mana [online], 24 (3): 33-62. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93132018000300033&lng=pt&nrm=iso.
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    , 2019Caminhas, Lorena. (maio 2019), “Imagens de violência de gênero em telenovelas brasileiras”. Revista Estudos Feministas , (27): 1. Disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/1806-9584-2019v27n152253.
    https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref...
    ). Nesses outros textos são analisadas cuidadosa e meticulosamente as narrativas das novelas, bem como a construção das cenas e dos personagens.
  • 5
    Apresento apenas iniciativas centrais de combate e assistência. Para um panorama mais completo, consultar Pasinato e Santos (2008)Pasinato, Wânia; Santos, Cecília. (2008), Mapeamento das Delegacias da Mulher no Brasil. Pagu - Núcleo de Estudos de Gênero, Unicamp/Ceplaes/IDRC, Campinas. e Bandeira (2014)Bandeira, Lourdes. (2014), “Violência de gênero: a construção de um campo teórico e de investigação”. Revista Sociedade e Estado, 2 (29): 449-469. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69922014000200008&lng=en&nrm=iso.
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    , bem como o Observatório Maria da PenhaObservatório Maria da Penha: http://www.observe.ufba.br/.
    http://www.observe.ufba.br...
    (http://www.observe.ufba.br/).
  • 6
    Os atores inclusive compareceram ao lançamento do Programa Nacional de Combate à Violência contra a Mulher do governo Lula, criado em 2003.
  • 7
    Apenas Vidas Opostas e Vidas em Jogo são da Record.
  • 8
    Ipea - Instituto de Pesquisa Econômica AplicadaIPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. (4 abr. 2014), “Tolerância social à violência contra as mulheres”. Disponível em http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2014/04/IPEA_sips_violenciamulheres04042014.pdf.
    http://www.compromissoeatitude.org.br/wp...
    . (4 abr. 2014), “Tolerância social à violência contra as mulheres”. Disponível em http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2014/04/IPEA_sips_violenciamulheres04042014.pdf.
  • 9
    Cacau não é propriamente uma vilã, mas destoa do padrão de mulher de bem da novela, porque comete adultério toda a trama, enganando o apaixonado Roberval.
  • 10
    Reconheço a necessidade de pesquisa de recepção para construir um diagnóstico mais preciso sobre essas imagens dissidentes da violência de gênero, entendendo como elas são percebidas pelos telespectadores.
  • 11
    Conforme Lopes (2009)Lopes, Maria. (2009), “Telenovela como recurso comunicativo”. Matrizes, São Paulo, 1 (3): 21-47., desde a década de 1970 as telenovelas passaram a empregar, junto ao melodrama, uma linguagem jornalística e documental para apresentar as dinâmicas sociopolíticas do Brasil, constituindo-se como espaços de retratação da nação.
  • 12
    Dados da pesquisa “Violência doméstica e familiar contra a mulherInstituto de Pesquisa DataSenado; Observatório da Mulher contra a Violência. (jun. 2017), Violência doméstica e familiar contra a mulher. Brasília/DF. Disponível em https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/arquivos/aumenta-numero-de-mulheres-que-declaram-ter-sofrido-violencia.
    https://www12.senado.leg.br/instituciona...
    ”, publicada em 2017 pelo Instituto de Pesquisa DataSenado (https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/arquivos/aumenta-numero-de-mulheres-que-declaram-ter-sofrido-violencia).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    17 Set 2019
  • Aceito
    29 Maio 2020
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