Resumos
Este ensaio procura proceder uma articulação entre os conceitos de "alienação" de Marx e o de "narcisismo" da psicanálise. E através desta articulação indicar: 1) que, do ponto de vista teórico, não existe uma radical incompatibilidade entre aquelas duas teorias; 2) que um aprofundamento da questão da estruturação mesma dos sujeitos, e, por extensão, do caráter das relações sociais sob condições capitalistas-mercantis, requer uma articulação entre uma história social e uma história individual (edípica), sem a qual se corre o risco de se assumir ou um reducionismo sociológico (sociologismo-objetivismo) ou um reducionismo psicológico (psicologismo-subjetivismo) em detrimento de uma dialética entre o subjetivo e o objetivo, entre o social e o psíquico.
alienação; narcisismo; falta; outro; eu; sujeito; objeto
This essay tries to develop an articulation between Marx's "alienation" concept and that of "narcisism" in psychoanalysis. Through this articulation it aims at showing: 1) that from the theoretical point of view, a radical incompatibility between those two theories does not exist; 2) that a deeper analysis of the structuring of the subjects, and by extension of the character of the social relationships under merchant-capitalist conditions, requires an articulation between the social history and the individual (oedipical) history, otherwise there is a risk of accepting, either a sociological reduccionism or a psychological reduccionism, with no consideration of the dialectics between the subjective and the objective, between the social and the psychic.
alienation; narcisism; fault; other; ego; subject; object
Texto completo disponível em PDF.
-
1
"Desejo é o movimento pelo qual o sujeito é descentrado, isto é, que a busca do objeto de satisfação, do objeto da falta, faz o sujeito viver a experiência de que seu centro não está nele mesmo, que está fora de si num objeto do qual está separado (...)" (Green, 1988, p. 23).
-
2
"Um ser que não tenha sua natureza fora de si não é um ser natural. Um ser que não tem nenhum objeto fora de si não é um ser objetivo. (...) Um ser não objetivo é um não ser. (...) é um ser não efetivo, não sensível, somente pensado, isto é, apenas imaginado, um ser da abstração" (Marx, 1974. P. 47).
-
3
Uma discussão teoricamente exemplar dessa situação é feita por Hegel na dialética entre o senhor e o escravo. Nesta o completo domínio do senhor sobre o escravo retira deste último a dignidade subjetiva que o senhor precisamente requeria para confirmar-se em sua dignidade de sujeito. (V. Hegel, 1939: v. I, cap. IV, esp. item A, "Independência e Dependência da Consciência de Si; Dominação e Servidão".)
-
4
S. Freud, Introdução ao Narcisismo (1914). Uma sugestiva análise da conjuntura teórica que animava a elaboração deste texto de Freud é feita por Jurandir Freire Costa, "Narcisismo em Tempos Sombrios". In: FERNANDES, Heloisa R. (org.). Tempo do Desejo. São Paulo, Brasiliense, 1989.
-
5
Em contexto diverso, discutindo a questão da ideologia, Althusser se refere a essa mesma estrutura que estamos analisando como correspondente ao narcisismo: "(A ideologia) é profundamente inconsciente, mesmo quando se apresenta sob uma forma refletida (...) Na ideologia, os homens expressam, não as suas relações nas suas condições de existência, mas a maneira como vivem a sua relação às suas condições de existência: o que supõe, ao mesmo tempo, relação real e relação vivida, imaginária. (...) Na ideologia, a relação real está inevitavelmente, investida na relação imaginária." (Althusser, 1967, p. 206-207, grifos no original). Trata-se apenas de uma coincidência, ou ao contrário, de existirem correspondências estruturais efetivas, práticas, entre processos sociais, coletivos (como a ideologia) e processos subjetivos (como o narcisismo)?
-
6
Ainda sob esse aspecto a dialética do senhor e do escravo de Hegel é exemplar; trata-se aí de um desejo de reconhecimento do Eu por um outro desejo, que leva a uma luta (com risco de morte) para submeter, subjugar, dominar o desejo (do outro) do qual se requer o reconhecimento. Pode-se notar aqui não apenas a forte influência hegeliana sobre o pensamento de Lacan, mas, simultaneamente, a diferença que o separa do flósofo, ao estabelecer a distinção entre demanda (por reconhecimento do Eu) e desejo do sujeito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- ALTHUSSER, L. Análise Crítica da Teoria Marxista (Pour Marx) Rio de Janeiro, Zahar, 1967.
- BORNHEIM, G. Dialética; Teoria/Práxis Porto Alegre, Editora Globo/Edusp, 1977.
- COSTA, J.F. Narcisismo em Tempos Sombrios. In: FERNANDES, H.R. (org.). Tempo do Desejo São Paulo, Brasiliense,1989.
- FREUD, S. Introdução ao Narcisismo. In: Obras Completas, v. 1. Madrid, Editorial Biblioteca Nueva, 1948.
- GREEN, A. Narcisismo de Vida/Narcisismo de Morte São Paulo, Editora Escuta, 1988.
- HEGEL, G . W. F. La Phénoménologie de L'Esprit Tr. Jean Hyppolite. Paris, Aubier/Éditions Montaigne, 1939.
- JURANVILLE, A. Lacan e a Filosofia Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1987.
- KOJÈVE, A. La Dialectica del Amo y del Esclavo en Hegel Buenos Aires, La Pleyade, 1987.
- LACAN, J. Escritos Buenos Aires, Siglo Veintiuno Editores, 1984.
- _______. O seminário — livro 2: O Eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor,1985.
- _______. O seminário — livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor,1979.
- LAPLANCHE, J. Vida e morte em psicanálise Porto Alegre, Artes Médicas, 1985.
- MARX, K. O trabalho alienado. (Primeiro Manuscrito). In: FERNANDES, F. (org.). Marx/Engels. História São Paulo,Editora Atica, 1983.
- _______. Manuscritos Econômico-Filosóficos — Terceiro Manuscrito In: Col. "Os Pensadores", vol. XXXV. São Paulo,Abril Cultural, 1974.
- _______. O dinheiro como relação social. In: Elementos Fundamentales para la crítica de la economía política (GRl NDRISSE).Buenos Aires, Siglo Veintiuno Editores, 1971, vol. 1.
- _______. A Mercadoria. In:El Capital México — Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 1964, vol. 1.
- SILVEIRA, P. Da alienação ao fetichismo — formas de subjetivação e de objetivação. In: SILVEIRA, P. & DORAY,B. (orgs.). Elementos para uma teoria marxista da subjetividade São Paulo, Editora Vértice, 1989.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jul-Dec 1990
Histórico
-
Recebido
Maio 1990