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Léxicos urbanos e arenas públicas: observando tempos e espaços no Centro de Fortaleza

Urban lexicon and public arenas: Observing times and spaces in the city center of Fortaleza

Resumo

O presente artigo referencia-se nas classificações, representações e propostas de intervenção urbana como matéria relevante para o registro da cidade como prática e linguagem. O centro de Fortaleza oferece aporte empírico para a questão por constituir local exemplar de acionamento de classificações, reformas e intervenções feitas em diversos momentos. Basendo-se nos aportes metodológicos da ritmoanálise, sugeridos por Henri Lefebvre, a pesquisa registra os vários movimentos, lentos ou fortes, que permeiam as relações sociais cotidianas no centro. Inclui as percepções e classificações de atores e porta-vozes que contribuem para conformar um léxico urbano acionado, sobretudo através de arenas públicas que adquirem realce em determinadas conjunturas.

Tempo; Espaço; Léxicos urbanos; Cidade

Abstract

This article refers to classifications, representations and proposals of urban intervention as relevant subjects for analyzing the city as both practice and language. The central area of the city of Fortaleza, in Brazil, provides the empirical support for this issue, being an exemplary site to activate classifications, reforms and interventions made at different times. Based on the methodological contribution of rhythmanalysis, by Henri Lefebvre, the research records the various movements, both slow and intense, that permeate everyday social relations in the city center. These include the perceptions and classifications of the actors and spokespersons who contribute to compose an urban lexicon, activated particularly through public arenas, which may be further enhanced under certain social conjunctures.

Time; Space; Urban lexicon; City

Lugares paradigmáticos da cidade condensam narrativas temporais e espaciais convocando estudos empíricos em diálogo com a teoria. O centro de Fortaleza1 1 . Embora a referência empírica deste artigo seja o centro de Fortaleza, algumas das reflexões aqui expostas são tratadas em outros contextos espaciais, sob a perspectiva do patrimônio e modos de lidar com os vazios urbanos (Rubino, 2009; Meneguello, 2009). oferece aporte empírico para a questão, constituindo-se em uma área exemplar de acionamento de reformas e intervenções, feitas em diversos momentos. Tais intervenções vêm acompanhadas de discursos de preservação do patrimônio, classificações e busca de organização do chamado espaço público e, também, de representações provenientes de moradores e frequentadores idosos que associam, de forma comparativa, o passado e o presente do local, hoje considerado sem a dinâmica e o reconhecimento social e político de outrora2 2 . É notória a presença de idosos em praças de maior adensamento comercial, destacando-se a renomada Praça do Ferreira, sobretudo durante o dia. .

Propostas e projetos vêm surgindo nas últimas décadas, conforme será explorado mais adiante, acionando antigas e novas representações para pensar o centro com perpectivas de disciplinamento baseadas na preservação de áreas e estabelecimentos considerados históricos3 3 . Ver o projeto de pesquisa intitulado “Etnografias urbanas: rede, conflitos e lugares”, em que foram explorados discursos e intervenções com subsídios da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNpQ) no período 2012/2014. .

Do ponto de vista teórico e metodológico, o artigo encaminha-se na direção de perceber a cidade em suas expressões e vivências heterogêneas, em sentido contrário à concepção de espaço urbano indiviso e estático que se forma independente de representações e práticas de usuários4 4 . A importância dos usuários como praticantes do espaço urbano encontra-se formulada em Certeau (2003). . Utilizo-me também dos artefatos perceptivos da metodologia de Henri Lefebvre (1992)LEFEBVRE, Henri. (1992), Éléments de rythmanalyse, introduction à la connaissance des rythmes. Paris, Éditions Syllepse., tendo em conta o significado, a sazonalidade do centro de Fortaleza e sua variação de ritmo ao longo dos dias da semana e no caminhar de sua história. As linguagens presentes no senso comum, na concepção de urbanistas e nos projetos de intervenção são também metodologicamente significativas para o registro de percepções temporais e espaciais. Entre as instituições e projetos que tomaram o centro de Fortaleza como alvo importante, embasando o tema das classificações e discursos sobre a cidade, destacamos: os Fóruns Adolfo Herbster e Viva Centro e os planos “Pacto por Fortaleza” e “Fortaleza 2040”5 5 . O Fórum Viva Centro constitui um espaço de discussão estimulado pela Câmara Municipal de Fortaleza que congrega entidades em torno do debate sobre a área, articulando empresários, associações da sociedade civil, representantes da mesma Câmara, representantes de regionais e empresários, desde 2011. Já o Fórum Adolfo Herbster foi organizado pela Superintendência de Planejamento do Município, em 1980, com apoio do governo do estado, abrindo espaço para interlocução e debate entre gestores urbanos, representantes da sociedade civil e profissionais da área do urbanismo. O nome “Adolfo Herbster” homenageia o engenheiro que elaborou, em 1859, a planta da cidade de Fortaleza que serviu de referência a reformas urbanas. Os fóruns são permanentes e os planos resultam na formação de documentos abrangentes que pretendem não se ater a gestões específicas de governos. Distinguindo-se dos plurianuais que são restritos a mandatos, os planos “Pacto por Fortaleza” e “Fortaleza 2040” se propuseram a pensar um planejamento para a cidade a longo prazo. . Trata-se de orientações de participação e intervenção elaboradas desde 1980 e enfatizadas no período 2010-2015 que condensam narrativas espaciais e temporais. Apontam modos de orquestrar a cidade, tomando o centro como um dos espaços paradigmáticos que refletem as marcas da cidade ao longo da sua história. Os fóruns e planos são convergentes, configurando-se o “Pacto por Fortaleza” e o “Fortaleza 2040” como propostas ousadas para pensar a cidade de forma abrangente e não restrita a um tempo de mandato municipal.

O centro e seu movimento: sob o olhar da ritmanálise

Na perspectiva de recuperar aspectos criativos da experiência urbana por meio de pesquisas, recorro ao pensamento de Lefebvre (1992)LEFEBVRE, Henri. (1992), Éléments de rythmanalyse, introduction à la connaissance des rythmes. Paris, Éditions Syllepse. que analisa a cidade tomando como metáfora o ritmo das ações que se apresentam no corpo, nos ciclos da natureza, nas ciências sociais e exatas, na música e na poesia, associando-se tanto ao repetitivo quanto ao descontínuo e inovador. A ritmanálise, concedendo prioridade ao sensível, permite registrar, em observações de pesquisa, os vários movimentos, lentos ou fortes, as tensões e sociabilidades que permeiam as relações sociais cotidianas na cidade. O ritmanalista escuta rumores e silêncios e cuida de evitar as interpretações apressadas, na medida em que é um pesquisador sensível a mudanças e situações que se processam em tempos e espaços diferenciados. Nessa percepção ele buscará, na concepção criativa de Lefebvre (1992LEFEBVRE, Henri. (1992), Éléments de rythmanalyse, introduction à la connaissance des rythmes. Paris, Éditions Syllepse., p. 35), “escutar” uma casa, uma rua, uma cidade, uma praça ou mercado, identificando sinais de variação tal como um auditor que escuta uma sinfonia. O ritmanalista transformaria a presença em presente, aproximando-se da poesia e registrando a temporalidade urbana materializada por jovens, turistas, carros e objetos, sinalizando interações e alternâncias de silêncio ou barulho, com movimentos policêntricos ou sinfônicos.

O vocábulo “centro” contém uma historicidade evidenciada no Dicionário Aurélio6 6 . Ver < https://dicionariodoaurelio.com/centro> , acesso em 1.3.2018. , que o define, entre outras formulações, como um lugar onde habitualmente eram estabelecidos certos negócios. Trata-se de concepção evocadora de uma marcação indiciária do aglomerado urbano que condensou, em sua origem e desenvolvimento, funções relevantes referentes a trocas comerciais e políticas sumarizadas na caracterização de Max Weber (1979WEBER, Max. (1979), “Conceito e categorias da cidade”. In: VELHO, Guilherme Otávio (org.). O fenômeno urbano . Rio de Janeiro, Zahar, pp. 69-89., p. 70) sobre a cidade como um estabelecimento de mercado. De fato, o centro da maioria das cidades foi historicamente um ponto de nucleação de atividades comerciais e administrativas, até o momento em que a expansão urbana criou “novos centros”, diversificando os usuários, estratificando o consumo e acionando os descompassos da unidade e diversidade a serem disciplinados e problematizados nas várias instâncias de poder.

Na lógica desse processo, o centro de Fortaleza congregava, até meados de 1950, atividades comerciais, de lazer, residenciais e político-administrativas. Constituía o local onde moradores iam resolver negócios e fazer compras, sendo usual sua identificação com a “cidade”7 7 . As palavras “centro” e “cidade” possuiam uma homologia no discurso nativo. Do ponto de vista espacial, o centro faz limite com os bairros Joaquim Távora, Aldeota e Praia de Iracema. . Era comum o emprego da expressão “vou à cidade”, utilizada na capital cearense para referir-se ao deslocamento até o centro, demonstrando o fato de que esse era um “lugar” em sentido oposto ao “não lugar” conceituado por Augé (1994)AUGÉ, Marc. (1994), Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade . Campinas, Papirus.. O centro era então detentor de uma história de valorização que tinha um significado preciso para os usuários. Representava um sítio para andar, observar vitrines de lojas exclusivas, frequentar casas comerciais e observar hotéis e cafés que fizeram nome na história do consumo, em uma cidade caracterizada por fortes raízes mercantis. O centro de Fortaleza identificava-se também com o sentido de “rua”, expressando uma sociabilidade peculiar, marcada pela diversidade de usos e temporalidades, acenando com possibilidades variadas de transitar pela parte mais importante e significativa da cidade8 8 . A temporalidade das ruas permite observar mudanças e práticas cotidianas. Sobre a temporalidade característica das ruas de São Paulo durante a segunda metade do século XIX ver Frehse (2005). .

Confundia-se também o centro com uma espécie de espaço público no sentido atribuído por Jürgen Habermas (1984)HABERMAS, Jürgen. (1984), Mudança estrutural da esfera pública . Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro., sendo lá que as notícias circulavam: na boca de literatos, políticos, jornalistas ou intelectuais que mantinham pontos de frequência em bares, farmácias ou cafés. Era quando o centro fazia jus à sua nomenclatura, aglutinando não só atividades utilitárias, mas múltiplas formas de sociabilidade, incluindo o circuito de opiniões. O cronista Marciano Lopes assim se reporta ao centro na Fortaleza dos anos 1945: “Pequenina e tranquila, com seus duzentos mil habitantes, Fortaleza era singela, com seus poucos bairros que dependiam do Centro para praticamente tudo, pois nenhum bairro possuía, ainda, vida própria a exemplo de agora. Tirando as mercearias ou cinemas, nuns poucos, tudo o mais estava localizado no Centro: lojas, bancos, correio, farmácias, mercearias finas.” (Lopes, 2011LOPES, Marciano. (2011), Royal Briar: a Fortaleza dos anos 40 . Fortaleza, Armazém da Cultura., p.88)

A criação de shoppings centers , desde 1970, e a diversificação de atividades comerciais e administrativas em variados bairros formalizaram o processo policêntrico que já vinha ocorrendo, configurando divisões espaciais e simbólicas entre as zonas leste e a oeste da capital cearense, segundo critérios hierárquicos de moradia e oferta de serviços9 9 . Ver Lustosa (2009, p, pp.179-191). . Um primeiro deslocamento de moradores do centro ocorreu para áreas adjacentes, a exemplo do bairro Jacarecanga. Posteriormente, a busca por moradias mais afastadas do denominado “barulho do comércio”10 10 . Expressão nativa utilizada por moradores da cidade para se referir ao complexo de atividades que estariam fora das expectativas de tranquilidade associada à moradia. e mais condizentes com um então relativamente novo padrão de habitação11 11 . O modelo de habitação, instaurado nos anos de 1960, supunha moradias amplas, com muros altos e jardins. Em Fortaleza, o padrão de habitação foi e continua sendo símbolo de status . ensejou a criação de outros núcleos comerciais a servirem de apoio ao consumo: expandiu-se, portanto, um comércio com distinções evidentes de classe.

Práticas reminiscentes de usos tradicionais do centro ainda se mantêm com vigor. Trata-se de venda de mercadorias mais baratas12 12 . Durante o curso de sociologia urbana que ministrei no departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará, em 2013 (2º semestre), alunos registraram, em pesquisa feita no centro, trocas comerciais de baixo custo, envolvendo eletrodomésticos, roupas, calçados, livros didáticos etc. . Ademais, são oferecidos serviços de conserto de eletrodomésticos, tornando o local um reduto patrimonial de ofertas voltadas, preferencialmente, para o consumo de classes populares. O deslocamento e a repartição de atividades no centro não impediram que ele continuasse a ser, ao longo do tempo, um lugar paradigmático de atribuição de sentidos, sejam relacionados com o prestígio perdido, sejam associados à busca de dinamização e consequente necessidade de intervenção dos poderes públicos.

As caminhadas ao centro expostas a seguir – inspiradas na proposta de observação concebida por Lefebvre – apresentam ritmos, movimentos e tensões que abarcam um circuito de temporalidades com características de mudança e permanência.

O ritmo descompassado do centro

As visitas ao centro13 13 . Participou das visitas ao centro, Igor Monteiro Silva, bolsista de pós-doutorado, pela Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap). , realizadas pela autora no primeiro semestre de 2015, tiveram como objetivo verificar atividades e movimentos específicos, comparando ritmos e usos no início e final de semana. A começar pelo mercado, local onde a partir das 11 horas da manhã de sábado, costuma não haver estacionamento em seu entorno, é evidente a presença efervescente de um comércio passível de ser caracterizado como popular. Feiras nas vizinhanças do mercado, na Praça José de Alencar, nas imediações da Praça do Ferreira e Praça da Estação costumam materializar o encontro entre habitantes de municípios próximos e moradores da capital, que para lá se encaminham com intuito de fazer compras, especialmente nos finais de semana.

O primeiro impacto de quem chega ao centro no sábado, contesta a ideia de “esvaziamento” – palavra até hoje presente em muitos discursos e projetos mencionados mais adiante neste artigo que apontam a “desvitalização” da área e consequente necessidade de intervenção14 14 . Uma “revista” resultante do plano “Fortaleza 2040” apresenta a seguinte avaliação do centro: “A cadeia de espaços públicos no Centro é insuficiente para a densidade de uso humano durante a jornada diária, sendo deserta no período noturno. Tal desequilíbrio tem como resultado a queda do coeficiente de uso final, causando economia de prejuízos e queda da vitalidade final da zona urbana” (Parente e Assouka, 2015, p, p. 52, grifo meu). . Um grande corredor de vendas que costuma ocupar praças, becos e calçadas mostra, ao contrário, uma dinamicidade que desafia as fronteiras da legalidade tanto no que se refere ao uso do espaço como às vendas. Barraqueiros e consumidores realizam intensa troca de mercadorias, destacando-se a presença marcante de populares que vão ao centro em busca de produtos mais baratos – a “feira ao ar livre”, que dribla os impostos, viabilizando vendas com preço mais baixo. A disputa por mercadorias de baixo custo, especialmente roupas e calçados, inicia-se às 4 horas, momento no qual a oferta de achados é mais abundante, com vestidos que parecem, segundo expressão nativa, “comprados em boutiques caras da Aldeota”15 15 . Trata-se de um bairro de classe média alta. .

Do ponto de vista arquitetônico, o centro comporta lugares de patrimonialização, com intervenções que vêm buscando combinar relíquias de construções do início do século passado, com o movimento de modernização de prédios de fachadas variadas. Na circunstância em que o centro era local de convergência de funções comerciais e políticas, edifícios em torno de três andares representavam um primeiro momento de expansão dessas atividades. Atualmente, em precárias condições de preservação, eles convivem, na qualidade de edificações classificadas como patrimoniais, que recebem subvenção dos poderes públicos, com outras designadas como “decadentes”, à espera de vendas ou outras ações de salvaguarda.

O centro apresenta também uma espécie de morfologia temporal e espacial. Durante os dias da semana, o espaço comercial segue rotinas, sendo o sábado animado por músicas e frequentadores de barracas que se postam ao longo da praça diante do Teatro José de Alencar (Figura 1), ou aproveitam a folga para descanso em grandes bancos na Praça do Ferreira (Figura 2).

Figura 1
: Feira na Praça José de Alencar, 2018 (© Igor Monteiro Silva)

Figura 2
: Praça do Ferreira, 2018 (© Igor Monteiro Silva)

O comércio nas calçadas, em contraste com as lojas, agrega um público específico, com apoios de animação musical e alimentação. Compõe uma espécie de circuito em pequena escala no sentido de José Guilherme Magnani (2002)MAGNANI, José Guilherme Cantor. (2002), “De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana”. Revista Brasileira de Ciências Sociais , São Paulo, 49 (17): 11-29., pondo, em espaços contíguos, vendas do comércio legal e ilegal, reunindo visitantes, turistas e frequentadores de classes populares16 16 . Sobre as articulações entre o ilegal e legal na cidade, ver Telles (2010). . Outros locais de menor prestígio, como cinemas pornôs e bares com frequência de prostituição feminina e masculina, exemplificam a diversidade de sociabilidades noturnas e diurnas.

O “velho centro”, com suas histórias, apresenta-se na voz de cantores através de violões e conjuntos regionais. O bar na calçada acolhe frequências diversas, transbordando as fronteiras que separavam os “de fora” e os “de dentro”, os que pedem esmola, os que vendem, os que bebem, os que cantam e os que se encontram, conferindo um momento efêmero de encontro entre desiguais. O estabelecimento Raimundo dos Queijos corresponde a um reduto de sociabilidade, sinalizando costumes e formas de estar típicas de um passado mais provinciano.

Não tão longe dali, a pastelaria Leão do Sul17 17 . Localizada na Praça do Ferreira, a pastelaria é reconhecida por moradores da cidade como a mais tradicional e típica, com oitenta anos de existência, hoje fazendo parte de roteiros turísticos. constitui também ponto tradicional de consumo, notabilizado pela frequência de moradores e turistas. Nesse conjunto arquitetônico, museus e espaços que abrigam atividades culturais representam potencialidades para tornar o local atrativo, sobretudo para jovens. A recomposição dos valores locais por meio de atividades e eventos como o chamado Natal da Luz, o Carnaval de Blocos e apresentações musicais no Cine Teatro São Luiz exemplificam possibilidades de usar o centro em sua diversidade e temporalidade múltiplas.

As observações sobre o centro encontram-se articuladas com a ideia de cidade que o contém, sendo o local a metonímia de uma conjunção de tensões entre passado e presente, contradições entre usos e propostas de reforma. Quando Lefebvre (1992)LEFEBVRE, Henri. (1992), Éléments de rythmanalyse, introduction à la connaissance des rythmes. Paris, Éditions Syllepse. refere-se à escuta de uma rua, na perspectiva já referida da ritmanálise, está nos falando da compreensão dos ritmos, diversidades e processos que estão postos de forma paradigmática no centro. Nele, temporalidades se avizinham, tensões e apropriações espaciais de classe emergem, lembrando os dilemas da convivência coletiva. O centro de Fortaleza tornou-se, assim, a partitura desafinada em busca de orquestração. Essa breve descrição permite situar o leitor na reflexão sobre evocações espaciais e temporais que tomam o centro da cidade como referência, apresentando-se em propostas de projetos de intervenção.

Evocações temporais: falas que miram o passado e o futuro

Há circunstâncias históricas nas quais determinadas situações urbanas conotam o sentido de uma pauta de percepções e classificações, contribuindo para conformar o que Christian Topalov (2002)TOPALOV, Christian. (2002), Les divisions de la ville . Paris, Unesco/ Maison des Sciences de l’Homme. denominou léxico urbano18 18 . Este consiste em se pensar a cidade com base em divisões e classificações, sendo as palavras formas de objetivação da diversidade espacial (Topalov, 2002, p, p. 1). . Utilizando a terminologia do autor, recupero a percepção de que os léxicos urbanos adquirem realce em conjunturas e contextos, aglutinando um elenco de questões postas no cômputo das “prioridades”.

Os fóruns de discussão e os projetos caracterizados pela exposição de um elenco de questões consideradas prioritárias em Fortaleza incluem o centro como espaço problemático e carente de soluções. No âmbito dessas reflexões emerge um léxico urbano presente em falas, documentos e projetos, e organizado em torno de evocações temporais e espaciais.

As evocações temporais referem-se ao passado e ao futuro da cidade, estando permeadas pela temática da “requalificação”, “revitalização”, contendo referências sobre como pensar o futuro da cidade. As atribuições espaciais comportam os temas do “vazio” e da “mistura”, os quais são arrolados de forma direta ou indireta nas diferentes falas provenientes de lugares vários de enunciação. Essas evocações de fato encontram-se articuladas, mas mencionadas de forma separada, tendo em vista a organização dos argumentos.

O centro de Fortaleza viveu diferentes momentos de intervenção. A reforma da Praça do Ferreira, principal ícone da cidade19 19 . A praça constitui um marco histórico e patrimonial da cidade. O nome origina-se do Boticário Ferreira, presidente da Câmara da cidade em 1871. O local foi objeto de várias reformas e abrigou cafés, lojas e hotéis em seu entorno. , ocorrida em 1991, baseava-se na tentativa de manter a “história do local”. O projeto urbanístico levou em consideração a recuperação de antigos monumentos e prédios, valorizando também espaços emergentes de sociabilidade. O Plano Diretor de 1992 considerava a importância de operações especiais para o centro, sendo a cidade percebida pelos poderes públicos como metrópole com “vocação para o turismo”20 20 . Formulação presente na fala de gestores preocupados em definir estratégias de investimento para o Estado, sendo enfatizada desde o governo estadual de Tasso Jereissati (que integra o PSDB), sobretudo no período 1995-1998. . Emergiam, nesse contexto, recomendações de regulação de atividades e preservação da “memória” da cidade, acompanhadas de tentativas de identificação de bens patrimoniais e busca de dinamização de atividades culturais.

Posteriormente, o argumento da “revitalização” justificou-se em vários projetos de reforma urbana pela necessidade de intervenção associada ao princípio da vigilância, tendo em vista a existência da violência, a depredação de antigos prédios e todas as práticas que apontavam o considerado uso indevido de áreas. O sentido de “revitalização” supôs, também, a possibilidade de considerar o centro da cidade como área por excelência significativa de um passado dotado de dignidade e historicidade. O vocábulo não é específico da capital cearense, considerando que as expressões “reviver ”, “ revitalizar ”, “ resgatar” e outras alusões à necessidade de dinamizar espaços urbanos passam, nas últimas décadas, a integrar o léxico de metrópoles contemporâneas, a exemplo de São Luís, Salvador e Recife21 21 . Ver Vasconcellos e Mello (2006, pp. 53-65). .

Os fóruns especiais de discussão sobre a cidade e as formas propositivas mais recentes, baseadas em planejamentos estratégicos, fazem eclodir discursos que buscam acionar vivências do passado e presente, articuladas ao futuro da cidade. Trata-se de situações significativas que tornam visíveis discursos de porta-vozes e usuários, dando realce ao que é geralmente designado por intelectuais e operadores do espaço urbano como “problemas de uma cidade que se transforma em uma metrópole” (Dantas, 2009DANTAS, Eustógio. (2009), “O centro de Fortaleza na contemporaneidade”. In: DANTAS, Eustógio; LUSTOSA, Clélia & BORZACCIELLO, José (orgs.). De cidade a metrópole: transformações urbanas em Fortaleza . Fortaleza, Edições UFC, pp. 187-227., pp. 187-227).

Há, portanto, um sentido de articulação nas percepções e intervenções que acompanham os fóruns, debates e planejamentos estratégicos participativos. Outras cidades brasileiras também apresentam situações exemplares. Maria Stella Bresciani (2004)BRESCIANI, Maria Stella Martins. (2004), “Améliorer la ville (São Paulo 1850-1950)”. In: TOPALOV, Christian. Les divisions de la ville . Paris, Unesco/Maison des Sciences de l’Homme, pp. 169-192., analisando projeto estético em São Paulo no período 1850-1950, verifica que a palavra “melhoramento” constitui um senso comum, uma metáfora que permite articular diferentes significados e uma figuração presente em intervenções concretas. São concepções que se deslocam constantemente, acompanhando experiências estéticas e afetivas que contribuem para a construção de um ideal de cidade moderna.

De fato, as propostas de atuação não estão separadas de concepções sobre a cidade, advindas de diferentes interlocutores que formam uma espécie de campo da intervenção urbana composto por representantes do governo, arquitetos, usuários e intelectuais especialistas. A chamada “decadência do centro” – comprovada pelos usos efetivados em espaços anunciados nos discursos – foi considerada desde o Fórum Adolf Herbster (1994FÓRUM ADOLFO HERBSTER. (1994), “Pensando o futuro do coração de Fortaleza” [folder]. Fortaleza, Prefeitura Municipal de Fortaleza.) por meio de alguns sinais: perda de habitabilidade, presença de “marginais”, prostituição e “desorganização” das atividades de comércio. A transferência de funções que abrigavam os postos de poder local para outras localidades, tais como o Palácio do Governo do Estado e a Assembleia Legislativa, concorria, segundo vários pronunciamentos de representantes da sociedade civil, para tornar o centro “abandonado”, em oposição a outras zonas da cidade que estavam em processo mais efervescente de expansão.

O “Pacto por Fortaleza”22 22 . O plano efetivado em 2010 contou com apoio da Câmara Municipal de Fortaleza, sendo subvencionado pelo Banco do Nordeste do Brasil, com investigações executadas por pesquisadores especialistas das áreas de arquitetura, sociologia e geografia da Universidade Federal do Ceará. O plano foi desenvolvido pelo Instituto de Planejamento de Fortaleza (Iplanfor), com apoio da Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura (FCPC) da Universidade Federal do Ceará (UFC). , envolvendo ações e estratégias para pensar a cidade, propôs, inicialmente, realizar diagnóstico com o objetivo de criar subsídios para planos de ação urbana, pensando no processo de expansão da cidade para os próximos vinte anos. Sob a iniciativa da Câmara Municipal, através do presidente Salmito Filho (PDT), realizou encontros em locais paradigmáticos de Fortaleza, sendo o centro discutido sob várias perspectivas, dentre as quais se incluíam o comércio e a requalificação de praças e edifícios históricos. Segundo os idealizadores do plano, liderado pelo presidente da Câmara Municipal, o projeto anunciado no documento Pacto por Fortaleza, a cidade que queremos até 2020 “surgiu da necessidade de apontar ao Poder Executivo os principais problemas da cidade, estando o centro incluído entre as expectativas da sociedade em relação aos investimentos que seriam destinados para o bairro” (Salmito Filho, 2015SALMITO FILHO, João. (2015), Pacto por Fortaleza: a cidade que queremos até 2020 . Fortaleza, Câmara Municipal de Fortaleza., p. 1).

A perspectiva de pensar a cidade em longo prazo foi retomada pelo executivo municipal no plano “Fortaleza 2040”, implementado em 2015, tendo em conta o envolvimento direto não só da Câmara de Vereadores, mas da Prefeitura e do governo do Estado. Buscava ampliar e consolidar sentidos de uma projeção urbanística de articulação entre o centro e demais bairros da cidade, sob coordenação e liderança do Instituto de planejamento de Fortaleza - Iplanfor. Para tanto, foi constituída uma equipe interdisciplinar responsável por subprojetos, que teve como missão assegurar complementaridades e convergências de produção, articuladas em torno de um princípio de planejamento para o conjunto da cidade. Além das razões urbanistas, critérios econômicos foram justificados para as intervenções previstas no espaço urbano23 23 . Segundo Ricardo Pereira Sales, representante da Secretaria Regional do Centro de Fortaleza, durante reunião realizada em 8 de abril de 2015, no âmbito da proposta “Fortaleza 2040”, o local comporta 17% da economia e 45% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). .

Sob o signo do “planejamento estratégico”, as intervenções e proposições sobre a cidade incluem a fala dos arquitetos e consultas à população por meio de mecanismos de participação, envolvendo comprometimento de representantes governamentais. No âmbito do plano “Fortaleza 2040”, foram recomendadas intervenções ainda em estudo, considerando os custos financeiros e as possibilidades de regulação especial no prazo de décadas24 24 . Conforme o plano urbanístico, o centro deverá receber, sem data ainda indefinida, o corredor da Esplanada Administrativa Municipal que se estenderá da praia – nas proximidades da antiga área portuária – até a Praça José de Alencar. Nesse percurso está prevista a construção de prédios para uso misto nos locais em que hoje há galpões e lojas, além da transferência das sedes do poder público municipal para esse trecho do centro. A estimativa é que até 2020 algumas dessas intervenções tenham início. .

Pensar Fortaleza em um horizonte não próximo – delineando um cenário futuro, segundo análise das condições efetivas de mudança e controle no âmbito social, econômico, político e urbanístico – tornou-se o pano de fundo do qual vêm emergindo formulações de intervenção. A concepção de uma temporalidade que atravessaria gestões municipais retoma as características de planejamento urbano, observando a cidade em sua totalidade pelo desafio mais complexo de articular atualmente as diversidades de uso do espaço. Os debates e planos comprovam a recorrência de questões que cada vez mais assumem a condição de arenas públicas.

Ressalte-se que a retomada das discussões sobre a necessidade de intervenção no centro da cidade tem acontecido nos âmbitos municipal e estadual. A realização de audiências públicas sobre o tema do centro e a criação da Secretaria Extrordinária do Centro (Sece), desde 2005, evidenciam o momento no qual o local passa a fazer parte das estratégias de intervenção e planejamento da cidade25 25 . Ver, a esse respeito, Vasconcelos (2008). , instituindo um tipo de expressão da esfera pública.

A concepção de uma intervenção planejada encontra um de seus suportes na perspectiva de incrementar o uso da cidade pelos turistas, questão presente em discursos que chamam atenção para a necessidade de valorizar outros espaços alternativos às praias. Eles seriam também balizadores de liames entre as antigas e novas formas de praticar o espaço.

Os fóruns como arenas públicas e a difusão de léxicos urbanos

As arenas públicas tornam as falas sobre a cidade expressivas, formando um conjunto de questões urgentes a serem tratadas no curto, médio e longo prazo. Uma reflexão sobre os tema da espacialidade e temporalidade, tendo por referência o centro da cidade, não pode deixar de considerar a existência desse campo de discursos e ações envolvendo arquitetos, gestores, jornalistas, intelectuais e políticos, que vêm mobilizando ações e diferentes rituais coletivos de apresentação, incluindo materiais escritos em forma de cadernos e folhetos.

Os fóruns constituem, assim, ocasiões simultaneas de articulação dos poderes públicos com um campo de saberes especializados bem como momentos de denúncia de setores populares convocados a participar dos planos26 26 . As reuniões envolvendo segmentos populares organizados constituem oportunidades de exposição de demandas. Em reunião já referida, realizada em abril de 2015 na Câmara de Dirigentes Lojistas e abordando a temática do centro da cidade, uma das lideranças pertecentes à Associação de Moradores do Centro afirmou o seguinte: “Quero abolir a palavra ‘revitalização’ porque nós adoramos o centro, não vamos sair daqui. Os programas têm que pensar nos moradores”. . Constituem ainda, na perspectiva de denúncia pública elaborada por Boltanski (1990)BOLTANSKI, Luc. (1990), L´amour et la justice comme compétences . Paris, Éditions Métailé., oportunidades de condensação de problemáticas urbanas que fundamentam documentos, antecipando demandas dirigidas aos poderes públicos em gestões municipais posteriores. O discurso dos profissionais do urbanismo (intelectuais e arquitetos) não ocupantes de cargos públicos assumem, na maioria das vezes, uma formulação arguitiva, sendo os representantes de categorias populares espécies de porta-vozes autorizados da denúncia. Há, nesse contexto, um conjunto complexo de enunciações acusatórias, justificadoras e propositivas.

Os vários encontros e debates anteriormente mencionados apontam para um tipo de arena pública na qual diversos atores são convocados a intervir, acrescentando momentos de “escuta da população” formalizados e intensificados desde o “Pacto por Fortaleza”, sendo retomados com maior vigor no plano “Fortaleza 2040”. Ressalta-se, nesse último, o uso de metodologia baseada no planejamento estratégico, que prevê as sugestões de participantes de entidades populares manifestas na composição dos interlocutores e porta-vozes. A ampliação dessa “escuta” – nem sempre abrangente, pois efetivada de forma breve, em consonância com as propostas de construção do que é denominado por cenário no ambito do planejamento estratégico – inclui a presença de representantes de órgãos públicos, empresas, entidades civis, organizações populares, professores e estudantes universitários que legitimam as fases de construção dos projetos.

Atribuições espaciais: as misturas e os vazios

O centro de Fortaleza caracteriza-se pela mescla de funções, suscitando o tema da “mistura” presente em discursos do senso comum: “o centro é muito misturado”, ou o “centro está abandonado ou esvaziado”27 27 . As expressões são difundidas no senso comum e em documentos. A revista Fortaleza 2040 , na seção denominada “Indícios de uma zona urbana em declínio”, aponta o seguinte: “Espaços construídos e espaços desertos e sem vida durante a noite; herança cultural edificada sem serventia e em estado de abandono ; vazio de vida de vizinhança permanente em suas praças e parques” (Parente e Assouka, 2015, p, p. 49). . A mudança de ritmos durante a semana, em contraste com o esvaziamento do domingo, e a peculiaridade da frequência de classe traduzem a existência de temporalidades articuladas. Se havia marcas do passado, o presente do comércio legal e ilegal e a “vitalidade” do antes – agora transformada em patrimônio – suscitam muitas questões para se pensar sobre a acomodação e a convivência de camadas temporais e espaciais. As propostas de intervenção e os discursos justificadores constituem a busca por “dar liga” a esses diferentes momentos.

As falas referentes à desordem e à “mistura” não omitem as vantagens competitivas do centro, considerado o terceiro local de geração de renda do Estado – motivo, portanto, de necessidade de intervenção28 28 . O local de comércio informal chamado popularmente de shopping Chão, que começa às 5 horas da manhã do sábado e termina segunda-feira no mesmo horário, consagrou-se, não obstante sua ilegalidade, como local de fluxo intenso de troca de mercadorias e fonte de geração de renda. . As “misturas” ocorrentes no centro foram também percebidas em vários discursos como entraves à preservação do patrimônio, sendo o comércio ambulante acusado de responsável pela ocupação indevida de espaços. A preservação do patrimônio foi tema tratado no quarto encontro do Fórum Viva Centro, em 2011, incluindo reformas e construção de memorial, além de restauros. A tensão entre usos atuais e conservação patrimonial foi assim expressa, no referido evento, por Luíza Perdigão, representante da Secretaria Executiva Regional do Centro de Fortaleza (Sercefor): “Não devemos ter a visão de engessar, pois nada é imutável, as reformas são necessárias”. A fala buscava ajustar as tensões provenientes da necessidade de articular passado e presente na definição de usos do espaço.

O comércio ilegal – incluindo ambulantes – vem provocando grandes polêmicas, a exemplo da operação designada “Linha Vermelha”, que visa tirar ambulantes da calçada de prédios históricos ou tombados29 29 . Informações sobre essa questão podem ser encontradas no site do jornal O Povo: <http:opovo.com.br>; acesso em 10.4.2017. , fazendo vir à tona a perspectiva da disciplina nos usos do espaço, considerada questão de ordem pública.

As discussões sobre o centro remetem a sentidos de espaço público que estão subjacentes aos projetos apresentados, fazendo emergir questões ligadas ao passado, presente e futuro da cidade. Uma mirada mais ampla na problemática, embasada em outros contextos históricos, pode ajudar no aprofundamento do tema.

No livro intitulado O declínio do espaço público: Tiranias da intimidade , Richard Sennett (1999)SENNETT, Richard. (1999), O declínio do homem público: as tiranias da intimidade . São Paulo, Companhia das Letras. afirma que é no ambiente citadino de trocas múltiplas que se explicitam nitidamente as regras de convivência coletiva. O estranhamento diante do desconhecido aciona regras de convivência, gestos de cortesia e rituais que, antes de serem exclusivas de um encontro entre “iguais”, promovem a proximidade com os diferentes.

A retração progressiva do espaço público discutida pelo autor corresponde a um predomínio da intimidade sobre as ações coletivas que pontuam a prática da maioria dos moradores urbanos nas últimas décadas do século XX. O centro, como suposto lugar de emergência de um público urbano, pode ser o exemplo dessa formulação.

No rumo da percepção de espaços públicos na cidade, as ideias desenvolvidas por Jane Jacobs (2011)JACOBS, Jane. (2011), Morte e vida de grandes cidades . São Paulo, Martins Fontes. são também importantes e lembram as formas de vitalidade pautadas justamente na diversidade, em oposição à perspectiva homogenizadora e disciplinada que alguns delineamentos parecem conter.

Analisando os processos de planejamento urbano instituídos desde a modernidade, constata a autora que as cidades não se submetem a uma lógica prevista de crescimento. Ao contrário, são um imenso laboratório de ensaio e erro, fracasso e sucesso, em termos de seu movimento cotidiano. O imaginário perfeito da cidade parece distanciar-se de uma realidade de práticas plena de contradições nos usos diversificados da vida urbana. Em defesa da manutenção da vitalidade, por meio do incentivo de usos do espaço público, a autora critica o iderário do planejamento construído, sobretudo no período pós-guerra, baseado em segregação e discriminação de usos, que, ao contrário da intenção dos idealizadores, torna as ruas inseguras porque permeadas de vazios.

A rua, palco por excelência da diversidade, deveria estar preparada para lidar com estranhos por meio de uma demarcação boa e eficaz de áreas privadas e públicas. Nesse contexto de interatividade, o olhar de frequentadores constituiria, na visão da autora, o sentido dessa regulação, não baseada em território separado, mas na noção de rua, com suas possibilidades de partilha. A maioria das “personagens de rua”, isto é, indivíduos que cuidam de lojas ou bares e são pessoas públicas, está estabelecida em locais públicos estratégicos, funcionando como figuras capazes de observar as ruas. As janelas de residências, o pequeno comércio, as formas diferenciadas de sociabilidade e os controles usuais feitos por moradores promovem uma espécie de “regulação cotidiana que o planejamento utópico não consegue alcançar”, segundo as palavras da autora (Jacobs, 2011JACOBS, Jane. (2011), Morte e vida de grandes cidades . São Paulo, Martins Fontes., p. 161).

As cidades necessitariam, portanto, de uma diversidade de usos mais complexa e densa, capaz de produzir sustentação econômica e social. Os componentes dessa heterogeneidade podem variar, mas se complementam. Os geradores dessa diversidade são as pequenas empresas e serviços, pois “onde quer que existam locais cheios de vida e atraentes nas cidades os pequenos são muito mais numerosos que os grandes” (Jacobs, 2011JACOBS, Jane. (2011), Morte e vida de grandes cidades . São Paulo, Martins Fontes., p. 161). Assim, bares, lojas, drogarias e docerias desempenham papel importante de dinamicidade e incremento da diversidade. Em síntese, as cidades monótonas contêm o germe de sua destruição, mas as vivas, diversificadas e intensas contêm a semente de sua regeneração.

É evidente que Jacobs está se referindo a cidades não tão marcadas pela exclusão e desigualdade social como Fortaleza ao longo de sua história30 30 . Sobre as desigualdades sociais presentes em Fortaleza, sobretudo após a seca de 1915, ver Ponte (1993). . No entanto, a conservação das diferenças sugerida pela autora reforça o poder de reconfiguração baseado na variabilidade de usos. Tendo-se em conta essa reflexão de Jacobs, é possível mencionar linguagens presentes nos registros empíricos sobre Fortaleza que se reportam aos “vazios” e “misturas” como parte de um léxico urbano instituído não só para o centro mas para o conjunto da cidade. São comuns as evocações aos “vazios” e “misturas” em metrópoles cujas mutações implicam a proliferação de áreas de comércio e lazer descentralizadas e a consequente valorização e desvalorização simbólica de segmentos do espaço urbano, em consonância com o peso do capital imobiliário.

O uso de drogas, comércio ilegal e prostituição em Fortaleza são mencionados como sinais de decadência, pondo o centro como o espaço fronteiriço de liminaridades, apontando, assim, para o teor negativo de classificações que remetem ao tema da “mistura”. O vocábulo “mistura” tem raízes na conformação de um espaço segregado e no próprio modo como os habitantes da capital cearense frequentam o espaço público. Os moradores de Fortaleza conhecem esse termo nativo que exprime formas de classificação baseadas na experiência desigual de inserção dos usuários na cidade. A “mistura” não se refere apenas ao complexo de atividades, mas, sobretudo, ao modo como os indivíduos se apropriam de espaços e instituem regras de evitação. A frequência se torna um termômetro de distinção de classe, com ritualizações de pertencimentos e exclusões. A convivência, em uma mesma localidade, de estratos sociais diferentes acaba por afastar a presença das classes média e alta, ambas com a baliza de conferir “dignidade” aos espaços frequentados.

É a frequência difusa de usuários que questiona a reprodução de espaços atrativos, sugerindo a presença do “perigo” ou da “insegurança”, tal como se passou no bairro Praia de Iracema, cuja circulação periódica da classe média, após a criação do Centro Dragão do mar, em 1999, assegurou, por uma temporada de ao menos cinco anos, o prestígio e a estabilidade do local31 31 . Com relação ao bairro Praia de Iracema, ver Barreira (2007, p, pp. 163-180). . A frequência mais homogênea de classe e a identificação de comportamentos passam a ser o parâmetro de comprovação da vitalidade e a certeza de estabilidade dos espaços citadinos. Tudo se passa como se a cidade agregasse nichos de homogeneidade, criando situações liminares em diferenças que nem sempre dialogam entre si.

Não seria exagerado afirmar que a “mistura” de classes funciona também como alerta ao sentido de “degradação” percebida pelo comparecimento, em determinado local, de um público indefinido. A sociabilidade considerada adequada à reputação espacial funciona com base em uma linguagem de moralização que se opera entre “iguais”. A mistura se opõe ao lugar seleto, o que não oferece perigo de presenças consideradas “indesejáveis”.

Referir-se a um lugar “misturado” quer dizer que ele deve ser evitado, pois submete os presentes a uma situação de perda de identificação de códigos de conduta e reconhecimento: mal-estar e medo diante do supostamente inferior32 32 . Trata-se de registro da linguagem corriqueira comprovada empiricamente nos usos do espaço na cidade. Sobre estratificação espacial no centro de Fortaleza, exemplificada na Praça dos Mártires (Passeio Público), ver Lopes (2013). , também justificado no sentimento de insegurança. A retração das classes média e alta no centro de Fortaleza é também sintoma de um processo de evitação das “misturas” que se materializa no uso restrito de transportes coletivos por esses segmentos sociais.

Por essa razão, investimentos culturais de comensalidade e eventos públicos específicos, como shows e apresentações musicais, têm a intenção de reconstruir um novo mapa de prestígio, atraindo moradores pertencentes a outros estratos sociais.

A título de exemplo, a proposta de requalificação feita no Passeio Público de Fortaleza, em 2007, constituiu uma das obras que incorporou novos usos associados a sentidos de preservação, enquadrando-se no conjunto de medidas de restauro da área do centro histórico (Lopes, 2013LOPES, Francisco Wiliams Ribeiro. (2013), A “requalificação” do patrimônio: intervenções, estratégias e práticas na Praça dos Mártires (passeio público) de Fortaleza . Fortaleza, dissertação de mestrado, Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará.)33 33 . Trata-se de local classificado como histórico, por servir de palco de fuzilamento de confederados, além de ter sido ocupado no século passado por elites urbanas. . O Passeio Público34 34 . Os passeios públicos brasileiros, inspirados no modelo da cidade do Rio de Janeiro, faziam parte de muitos programas urbanos solicitados em fins do século XVIII, sendo expressão de sofisticação da incipiente vida urbana (Castro, 2006, p, p. 219). é considerado uma experiência bem-sucedida de intervenção, não obstante apresentar tensões na busca de disciplinar os usos considerados indevidos. O Passeio era interpretado por moradores e poderes públicos, no período anterior à reforma, como espaço “abandonado” ou vítima de estigma por conta da presença de prostitutas. O projeto de intervenção dos poderes públicos incluiu a construção de quiosques, com venda de comidas típicas, organizou guias de turismo e sediou eventos artísticos para crianças, além de outras atividades recreativas visando atrair a classe média.

A “mistura” associa-se ao tema da diversidade, relacionando-se com os processos de crescimento de cidades. Análises sobre metrópoles de grande porte como São Paulo também vinculam o tema da diversidade urbana com o da segregação, implicando forte estratificação espacial, que é revelada na existência de periferias, em 1980. (Kowarick, 2009KOWARICK, Lucio. (2009), Viver em risco: sobre a vulnerabilidade socioeconômica e civil. São Paulo, Editora 34.). As periferias em Fortaleza nem sempre estão demarcadas em fronteiras espaciais rígidas, tendo em vista a proximidade de moradias entre classes distintas, reforçando os cuidados e controles da “mistura”. Associada ao termo “degradação”, a ideia de “mistura” integra um léxico acusatório que supõe também ausência de controle e disciplina por parte das instituições responsáveis pela política urbana. Revela também uma visão que vai de encontro à própria noção de espaço público, percebido conceitualmente como múltiplo e diversificado.

Para além de intervenções de natureza institucional, projeções que exigem investimentos de ordem pessoal reforçam sentidos coletivos de uso do espaço público. A matéria difundida no jornal O Povo de 14 de setembro de 2015 sintetiza algumas das iniciativas que vêm reforçando a busca de construção de elos dos moradores com a cidade. O projeto “WALK – Caminha” estimula as pessoas a reconhecerem a cidade caminhando a pé, incentivadas por placas que indicam caminhos e distâncias. Na Praça do Ferreira, placas espalhadas em pontos considerados históricos (por exemplo “até o sobrado José Lourenço35 35 . Trata-se de prédio tombado pelo estado do Ceará, construido na segunda metade do século XIX que serviu de residência ao médico José Lourenço de Castro Silva. são quatro minutos”) incentivam a prática de andar a pé e reconhecer a cidade, transitada principalmente por carros. A ideia de ocupar as ruas reforça o sentido público já referido por Jane Jacobs, que, embora não tenha se baseado diretamente na formulação de Lefebvre, propõe um desenho urbano capaz de levar em conta uma diversidade reguladora baseada em tempos, ritmos e espaços diferenciados.

Diz Lefebvre (1992LEFEBVRE, Henri. (1992), Éléments de rythmanalyse, introduction à la connaissance des rythmes. Paris, Éditions Syllepse., p. 35) que o ritmanalista seria um personagem enigmático, nem puramente sociólogo, antropólogo ou psicólogo, que se serviria das matérias de seu conhecimento para escutar palavras, barulhos e sons, observando as atitudes humanas dentro de uma temporalidade e espacialidade condensadas. Saberia assim, eu acrescentaria, captar os diferentes ritmos e as representações de espaço e tempo, como propostas de renovação e incorporação de políticas na vinculação entre planejamento e práticas cotidianas de moradores.

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  • WEBER, Max. (1979), “Conceito e categorias da cidade”. In: VELHO, Guilherme Otávio (org.). O fenômeno urbano . Rio de Janeiro, Zahar, pp. 69-89.
  • 1
    . Embora a referência empírica deste artigo seja o centro de Fortaleza, algumas das reflexões aqui expostas são tratadas em outros contextos espaciais, sob a perspectiva do patrimônio e modos de lidar com os vazios urbanos (Rubino, 2009RUBINO, Silvana. (2009), “Enobrecimento Urbano”. In: FORTUNA, Carlos & LEITE, Rogério Leite (orgs.). Plural de cidade: novos léxicos urbanos . Coimbra, Almedina, pp. 25-40.; Meneguello, 2009MENEGUELLO, Cristina. (2009), “Espaços e vazios urbanos”. In: FORTUNA, Carlos & LEITE, Rogério (orgs.). Plural de cidade: novos léxicos urbanos . Coimbra, Almedina, pp. 127-135.).
  • 2
    . É notória a presença de idosos em praças de maior adensamento comercial, destacando-se a renomada Praça do Ferreira, sobretudo durante o dia.
  • 3
    . Ver o projeto de pesquisa intitulado “Etnografias urbanas: rede, conflitos e lugares”, em que foram explorados discursos e intervenções com subsídios da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNpQ) no período 2012/2014.
  • 4
    . A importância dos usuários como praticantes do espaço urbano encontra-se formulada em Certeau (2003)Certeau, Michel de. (2003), A invenção do cotidiano: morar, cozinhar . Rio de Janeiro, Vozes, vol. 2..
  • 5
    . O Fórum Viva Centro constitui um espaço de discussão estimulado pela Câmara Municipal de Fortaleza que congrega entidades em torno do debate sobre a área, articulando empresários, associações da sociedade civil, representantes da mesma Câmara, representantes de regionais e empresários, desde 2011. Já o Fórum Adolfo Herbster foi organizado pela Superintendência de Planejamento do Município, em 1980, com apoio do governo do estado, abrindo espaço para interlocução e debate entre gestores urbanos, representantes da sociedade civil e profissionais da área do urbanismo. O nome “Adolfo Herbster” homenageia o engenheiro que elaborou, em 1859, a planta da cidade de Fortaleza que serviu de referência a reformas urbanas. Os fóruns são permanentes e os planos resultam na formação de documentos abrangentes que pretendem não se ater a gestões específicas de governos. Distinguindo-se dos plurianuais que são restritos a mandatos, os planos “Pacto por Fortaleza” e “Fortaleza 2040” se propuseram a pensar um planejamento para a cidade a longo prazo.
  • 6
    . Ver < https://dicionariodoaurelio.com/centro> , acesso em 1.3.2018.
  • 7
    . As palavras “centro” e “cidade” possuiam uma homologia no discurso nativo. Do ponto de vista espacial, o centro faz limite com os bairros Joaquim Távora, Aldeota e Praia de Iracema.
  • 8
    . A temporalidade das ruas permite observar mudanças e práticas cotidianas. Sobre a temporalidade característica das ruas de São Paulo durante a segunda metade do século XIX ver Frehse (2005)FREHSE, Fraya. (2005). O tempo das ruas na São Paulo de fins do Império. São Paulo, Edusp..
  • 9
    . Ver Lustosa (2009, pLUSTOSA, Clélia. (2009). “Desigualdade socioespacial e vulnerabilidade na região metropolitana de Fortaleza”. In: PEQUENO, Luiz Renato Bezerra. (org.), Como anda Fortaleza . Rio de Janeiro, Observatório das Metrópoles/Letra Capital, pp. 179- 191., pp.179-191).
  • 10
    . Expressão nativa utilizada por moradores da cidade para se referir ao complexo de atividades que estariam fora das expectativas de tranquilidade associada à moradia.
  • 11
    . O modelo de habitação, instaurado nos anos de 1960, supunha moradias amplas, com muros altos e jardins. Em Fortaleza, o padrão de habitação foi e continua sendo símbolo de status .
  • 12
    . Durante o curso de sociologia urbana que ministrei no departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará, em 2013 (2º semestre), alunos registraram, em pesquisa feita no centro, trocas comerciais de baixo custo, envolvendo eletrodomésticos, roupas, calçados, livros didáticos etc.
  • 13
    . Participou das visitas ao centro, Igor Monteiro Silva, bolsista de pós-doutorado, pela Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap).
  • 14
    . Uma “revista” resultante do plano “Fortaleza 2040” apresenta a seguinte avaliação do centro: “A cadeia de espaços públicos no Centro é insuficiente para a densidade de uso humano durante a jornada diária, sendo deserta no período noturno. Tal desequilíbrio tem como resultado a queda do coeficiente de uso final, causando economia de prejuízos e queda da vitalidade final da zona urbana” (Parente e Assouka, 2015, pPARENTE, Lia & ASSOUKA, Adhemar. (2015), Fortaleza 2040 , 4., p. 52, grifo meu).
  • 15
    . Trata-se de um bairro de classe média alta.
  • 16
    . Sobre as articulações entre o ilegal e legal na cidade, ver Telles (2010)TELLES, Vera da Silva. (2010), A cidade nas fronteiras do legal e ilegal . Belo Horizonte, Fino Traço..
  • 17
    . Localizada na Praça do Ferreira, a pastelaria é reconhecida por moradores da cidade como a mais tradicional e típica, com oitenta anos de existência, hoje fazendo parte de roteiros turísticos.
  • 18
    . Este consiste em se pensar a cidade com base em divisões e classificações, sendo as palavras formas de objetivação da diversidade espacial (Topalov, 2002, pTOPALOV, Christian. (2002), Les divisions de la ville . Paris, Unesco/ Maison des Sciences de l’Homme., p. 1).
  • 19
    . A praça constitui um marco histórico e patrimonial da cidade. O nome origina-se do Boticário Ferreira, presidente da Câmara da cidade em 1871. O local foi objeto de várias reformas e abrigou cafés, lojas e hotéis em seu entorno.
  • 20
    . Formulação presente na fala de gestores preocupados em definir estratégias de investimento para o Estado, sendo enfatizada desde o governo estadual de Tasso Jereissati (que integra o PSDB), sobretudo no período 1995-1998.
  • 21
    . Ver Vasconcellos e Mello (2006, pp. 53-65).
  • 22
    . O plano efetivado em 2010 contou com apoio da Câmara Municipal de Fortaleza, sendo subvencionado pelo Banco do Nordeste do Brasil, com investigações executadas por pesquisadores especialistas das áreas de arquitetura, sociologia e geografia da Universidade Federal do Ceará. O plano foi desenvolvido pelo Instituto de Planejamento de Fortaleza (Iplanfor), com apoio da Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura (FCPC) da Universidade Federal do Ceará (UFC).
  • 23
    . Segundo Ricardo Pereira Sales, representante da Secretaria Regional do Centro de Fortaleza, durante reunião realizada em 8 de abril de 2015, no âmbito da proposta “Fortaleza 2040”, o local comporta 17% da economia e 45% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
  • 24
    . Conforme o plano urbanístico, o centro deverá receber, sem data ainda indefinida, o corredor da Esplanada Administrativa Municipal que se estenderá da praia – nas proximidades da antiga área portuária – até a Praça José de Alencar. Nesse percurso está prevista a construção de prédios para uso misto nos locais em que hoje há galpões e lojas, além da transferência das sedes do poder público municipal para esse trecho do centro. A estimativa é que até 2020 algumas dessas intervenções tenham início.
  • 25
    . Ver, a esse respeito, Vasconcelos (2008)VASCONCELOS, Leonardo Costa de. (2008), Um centro para uma cidade pós-moderna: a requalificação do centro histórico de Fortaleza . Fortaleza, dissertação de mestrado, Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará..
  • 26
    . As reuniões envolvendo segmentos populares organizados constituem oportunidades de exposição de demandas. Em reunião já referida, realizada em abril de 2015 na Câmara de Dirigentes Lojistas e abordando a temática do centro da cidade, uma das lideranças pertecentes à Associação de Moradores do Centro afirmou o seguinte: “Quero abolir a palavra ‘revitalização’ porque nós adoramos o centro, não vamos sair daqui. Os programas têm que pensar nos moradores”.
  • 27
    . As expressões são difundidas no senso comum e em documentos. A revista Fortaleza 2040 , na seção denominada “Indícios de uma zona urbana em declínio”, aponta o seguinte: “Espaços construídos e espaços desertos e sem vida durante a noite; herança cultural edificada sem serventia e em estado de abandono ; vazio de vida de vizinhança permanente em suas praças e parques” (Parente e Assouka, 2015, pPARENTE, Lia & ASSOUKA, Adhemar. (2015), Fortaleza 2040 , 4., p. 49).
  • 28
    . O local de comércio informal chamado popularmente de shopping Chão, que começa às 5 horas da manhã do sábado e termina segunda-feira no mesmo horário, consagrou-se, não obstante sua ilegalidade, como local de fluxo intenso de troca de mercadorias e fonte de geração de renda.
  • 29
    . Informações sobre essa questão podem ser encontradas no site do jornal O Povo: <http:opovo.com.br>; acesso em 10.4.2017.
  • 30
    . Sobre as desigualdades sociais presentes em Fortaleza, sobretudo após a seca de 1915, ver Ponte (1993)PONTE, Sebastião Rogério. (1993), Fortaleza Belle Époque: reformas urbanas e controle social 1860-1930 . Fortaleza, Fundação Demócrito Rocha..
  • 31
    . Com relação ao bairro Praia de Iracema, ver Barreira (2007, pBARREIRA, Irlys. (2007), “Usos da cidade: conflitos simbólicos em torno da memória e imagem de um bairro”. Análise Social , 182 (42): 163-180, mar.-maio., pp. 163-180).
  • 32
    . Trata-se de registro da linguagem corriqueira comprovada empiricamente nos usos do espaço na cidade. Sobre estratificação espacial no centro de Fortaleza, exemplificada na Praça dos Mártires (Passeio Público), ver Lopes (2013)LOPES, Francisco Wiliams Ribeiro. (2013), A “requalificação” do patrimônio: intervenções, estratégias e práticas na Praça dos Mártires (passeio público) de Fortaleza . Fortaleza, dissertação de mestrado, Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará..
  • 33
    . Trata-se de local classificado como histórico, por servir de palco de fuzilamento de confederados, além de ter sido ocupado no século passado por elites urbanas.
  • 34
    . Os passeios públicos brasileiros, inspirados no modelo da cidade do Rio de Janeiro, faziam parte de muitos programas urbanos solicitados em fins do século XVIII, sendo expressão de sofisticação da incipiente vida urbana (Castro, 2006, pCASTRO, Celso. (2006), Narrativas e imagens do turismo no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor., p. 219).
  • 35
    . Trata-se de prédio tombado pelo estado do Ceará, construido na segunda metade do século XIX que serviu de residência ao médico José Lourenço de Castro Silva.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2019

Histórico

  • Recebido
    19 Out 2018
  • Aceito
    7 Nov 2018
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