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O Instituto Millenium na busca por poder

The Millennium Institute in the search for power

Resumo

Propomos analisar como o Instituto Millenium busca estabelecer a sua legitimidade e, consequentemente, desenhar sua posição no campo do poder. Para isso, partimos da investigação do perfil social dos mais de 250 nomes elencados em seu site. Iniciamos o texto com uma análise da retórica difundida pelo Imil no momento de sua fundação, sublinhando em quais lutas ele investe; passamos para o exame das posições ocupadas por esses agentes por meio de uma Análise de Correspondências Múltiplas; em seguida, com a Análise de Cluster, traçamos os quatro grupos principais com os quais o Imil entabula relações. Concluímos que este think tank ainda ocupa uma posição frágil no campo do poder, buscando conquistar sua legitimidade por meio da mediação de uma rede de relações composta por jornalistas, empresários, intelectuais e agentes com postos na burocracia estatal, constituintes de uma elite que atua em diversos espaços sociais.

Palavras-chave:
Think tanks; Instituto Millenium; Campo do poder

Abstract

We propose to analyze how the Millennium Institute seeks to establish its legitimacy, and, consequently, to delineate its position in the field of power. For this, we start from the investigation of the social profile of the more than 250 names listed on your website. We start with an analysis of the rhetoric spread by Imil at the time of its foundation, highlighting in which struggles the think tank invests; we examine the positions occupied by these agents by performing a Multiple Correspondence Analysis; then, with the Cluster Analysis we trace the four main groups with which Imil establishes its relationships. We conclude that this think tank still occupies a fragile position in the field of power, seeking to conquer its legitimacy by the mediation of a network of relations composed of journalists, businessmen, intellectuals and agents with state positions, constituents of an elite that operates in several social spaces.

Keywords:
Think tanks; Instituto Millenium; Field of power

A expansão dos think tanks no Brasil, assim como sua importância para a ascensão da extrema-direita no país, vem sendo anunciada tanto pela imprensa (Flores, 2017Flores, Paulo. (2017), “O que são think tanks. E como eles influenciam a política”. Nexo. Disponível em https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/12/01/O-que-são-think-tanks.-E-como-eles-influenciam-a-política, consultado em 23/01/2020.
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; Fang, 2017Fang, Lee. (2017), “Esfera de influência: como os libertários americanos estão reinventando a política latino-americana”. The Intercept Brasil. Disponível em https://theintercept.com/2017/08/11/esfera-de-influencia-como-os-libertarios-americanos-estao-reinventando-a-politica-latino-americana/, consultado em 23/01/2020.
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) quanto por trabalhos acadêmicos (Chaloub & Perlatto, 2015Chaloub, Jorge & Perlatto, Fernando. (2015), “Intelectuais da ‘nova direita’ brasileira: ideias, retórica e prática política”. Anpocs, 39. Anais Eletrônicos... Caxambu, Anpocs. Disponível em http://www.anpocs.org/portal/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=9620&Itemid=461, consultado em 10/06/2019.
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; Rocha, 2015Rocha, Camila. (2015), “Direitas em rede: think tanks de direita na América Latina”. In: Cruz, S. V. et al. (org.). Direita, volver!: o retorno da direita e o ciclo político brasileiro. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo.; Alexandre, 2017Alexandre, Thiago. (2017), O Instituto Millenium e os intelectuais da “nova direita” no Brasil. Juiz de Fora, 114 f., dissertação de mestrado, Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Juiz de Fora.; Carlotto, 2018Carlotto, Maria Caramez. (2018), “Inevitável e imprevisível, o fortalecimento da direita para além da dicotomia ação e estrutura: o espaço internacional como fonte de legitimação dos think tanks latino-americanos”. Plural, 25: 63-91.; Meirelles & Fernandes, 2019Meirelles, Allana & Fernandes, Dmitri. (2019), “A direita mora do mesmo lado da cidade: Especialistas, polemistas e jornalistas”. Novos Estudos: Cebrap, 38, 1: 157-182.). Descritos de maneira genérica como institutos voltados para a produção de informação com vistas a influenciar a opinião pública e as políticas públicas (Rocha, 2015), os think tanks no Brasil passaram de 39, em 2008, para 103, em 2018, segundo o ranking Global Go To Think Tank (McGann, 2019McGann, James G. (2019), “2018 Global Go To Think Tank Index Report”. Pennsylvania, ttcsp Global Go To Think Tank Index Reports. 16.). Da 24ª posição mundial, o Brasil passou para a 11ª, nesses dez anos, sendo o segundo país latino-americano no ranking da América Latina, atrás apenas da Argentina (com 227 think tanks).

Embora esse crescimento tenha sido acompanhado em alguma medida pelo interesse das ciências sociais brasileiras em estudar tais organismos, essas pesquisas ainda são incipientes no país. A maior parte da literatura se concentra na área de ciência política e tem origem estado-unidense1 1 . Para acessar essa literatura mais consagrada pelas pesquisas sobre think tanks, ver: Medvetz (2012), Pautz (2012). (Hey, 2018Hey, Ana Paula. (2018), “Think tanks e Estado: o papel dos ‘acadêmicos’”. Anpocs, 42. Anais Eletrônicos… Caxambu, anpocs. Disponível em https://www.anpocs.com/index.php/papers-40-encontro-3/gt-31/gt10-25/11191-think-tanks-e-estado-o-papel-dos-academicos/file, consultado em 22/01/2019.
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; Antunes, 2019Antunes, Camila. (2019), “Think tanks brasileiros: Características, dinâmicas e intervenções no campo do poder”. Sociedade Brasileira de Sociologia, sbs, 19. Anais Eletrônicos... Florianópolis, sbs, 9 a 12 jul. 2019. Disponível em http://www.sbs2019.sbsociologia.com.br/atividade/view?q=YToyOntzOjY6InBhcmFtcyI7czozNToiYToxOntzOjEyOiJJRF9BVElWSURBREUiO3M6MjoiNDEiO30iO3M6MToiaCI7czozMjoiNjc3NDg0NmYzZjFiMWQ3NWY0OTY5MzM2OGFlMDgyYmEiO30%3D&ID_ATIVIDADE=41, consultado em 10/1/2020.
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), haja vista o fato de que foi nesse país que esses institutos se desenvolveram mais fortemente, tendo 1.871 think tanks em 2018 (McGann, 2019McGann, James G. (2019), “2018 Global Go To Think Tank Index Report”. Pennsylvania, ttcsp Global Go To Think Tank Index Reports. 16.). Os trabalhos sociológicos que vêm sendo gestados nos últimos anos no Brasil buscam, mormente, compreendê-los no seio do campo do poder e mais particularmente em sua relação com as universidades e o campo de produção cultural (Hey, 2018; Hitner; Carlotto, 2017Hitner, Verena & Carlotto, Maria Caramez. (2017), “A cooperação técnica brasileira e a busca pela inserção na ‘sociedade do conhecimento’: da subordinação Norte-Sul à aliança estratégia Sul-Sul?”. Revista Tempo do Mundo, 3, 2: 137-161.), ou ainda se voltam para a compreensão de uma chamada “nova direita” (Alexandre, 2017Alexandre, Thiago. (2017), O Instituto Millenium e os intelectuais da “nova direita” no Brasil. Juiz de Fora, 114 f., dissertação de mestrado, Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Juiz de Fora.; Carlotto, 2018).

Dentre estes últimos, alguns verificam a relação de agentes considerados de direita com certos think tanks, entre eles o Instituto Millenium (Imil) (Meirelles & Fernandes, 2019Meirelles, Allana & Fernandes, Dmitri. (2019), “A direita mora do mesmo lado da cidade: Especialistas, polemistas e jornalistas”. Novos Estudos: Cebrap, 38, 1: 157-182.; Meirelles & Chiaramonte, 2018; Messemberg, 2017; Chaloub & Perlatto, 2015Chaloub, Jorge & Perlatto, Fernando. (2015), “Intelectuais da ‘nova direita’ brasileira: ideias, retórica e prática política”. Anpocs, 39. Anais Eletrônicos... Caxambu, Anpocs. Disponível em http://www.anpocs.org/portal/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=9620&Itemid=461, consultado em 10/06/2019.
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; Rocha, 2015Rocha, Camila. (2015), “Direitas em rede: think tanks de direita na América Latina”. In: Cruz, S. V. et al. (org.). Direita, volver!: o retorno da direita e o ciclo político brasileiro. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo.), o qual estaria ligado à difusão de ideias liberais (Silveira, 2013Silveira, Luciana. (2013), Fabricação de ideias, produção de consenso: estudo de caso do Instituto Millenium. Campinas, 242 p., dissertação de mestrado, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas.; Alexandre, 2017Alexandre, Thiago. (2017), O Instituto Millenium e os intelectuais da “nova direita” no Brasil. Juiz de Fora, 114 f., dissertação de mestrado, Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Juiz de Fora.). Aliás, o Millenium é um dos institutos que mantêm parceria com a Atlas Network, uma rede que concentra mais de quinhentos think tanks pelo mundo, identificados como liberais ou de direita2 2 . No Brasil, fazem parte dela, além do Imil: o Instituto Liberdade, o Instituto Atlantos e o Instituto de Estudos Empresariais (iee), de Porto Alegre; o Instituto Líderes do Amanhã, de Vitória; os Institutos de formação de líderes, de Belo Horizonte, Santa Catarina e São Paulo; o Instituto Liberal e o Livres, do Rio de Janeiro; o Instituto Liberal de São Paulo, o Instituto Ludwig Von Mises Brasil, o Mackenzie Center for Economic Freedom, o Students for Liberty Brasil, de São Paulo. , e cuja atuação vai no sentido de estimular a criação de novos grupos, contribuir na manutenção dos existentes e homogeneizar os discursos e práticas dos think tanks ativistas de direita (Rocha, 2015). Messenberg (2017Messenberg, Debora. (2017), “A direita que saiu do armário: a cosmovisão dos formadores de opinião dos manifestantes de direita brasileiros”. Revista Sociedade e Estado, 32, 3: 621-647.) aponta, por exemplo, a ligação do Movimento Brasil Livre (mbl) e o Vem pra Rua - dois movimentos que atuaram fortemente em favor do impeachment da presidenta Dilma Rousseff - com a Atlas.

Além da rede Atlas, o próprio Think Tanks and Civil Societies Program da Universidade da Pennsylvania, que promove o ranking de think tanks citado acima, além de conferir certo prestígio às instituições, contribui para a formação de redes - o que é, inclusive, um dos objetivos expressos pela instituição em seu site (Think Tanks…). Foi em 2014 que o Millenium passou a figurar entre os institutos brasileiros no Global Go To Think Tank e, em 2018, ocupou o 34º lugar entre os maiores da América Central e do Sul3 3 . À sua frente, estão os brasileiros: Fundação Getúlio Vargas (em 1° lugar); Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) (em 3°); Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) (em 8°); o Brics Policy Center (em 11°); a Fundação Fernando Henrique Cardoso (fhc) (em 13°); o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) (em 17°); e o Núcleo de Estudos da Violência (nev) (em 31°). .

Contudo, a crescente visibilidade e o apontamento do Imil como um importante ator na articulação da direita no Brasil, tanto pela imprensa quanto pelos trabalhos acadêmicos, contrastam-se com o distanciamento que nomes elencados em seu site marcam em relação a ele e com a ausência do uso de tal credencial na apresentação desses nomes na imprensa, como será visto ao longo deste trabalho. Diante dessa aparente contradição, adotamos o Millenium como objeto de estudo, com o intuito de traçar a posição que ele ocupa no campo do poder. Sem formular uma caracterização substancial, buscamos testar a hipótese apresentada em trabalhos como o de Hey (2018Hey, Ana Paula. (2018), “Think tanks e Estado: o papel dos ‘acadêmicos’”. Anpocs, 42. Anais Eletrônicos… Caxambu, anpocs. Disponível em https://www.anpocs.com/index.php/papers-40-encontro-3/gt-31/gt10-25/11191-think-tanks-e-estado-o-papel-dos-academicos/file, consultado em 22/01/2019.
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), sobre o caráter intersticial da posição dos think tanks - ou seja, entre diferentes campos -, algo verificado por Medvetz (2012Medvetz, Thomas. (2012), Think tanks in America. Chicago, The University of Chicago Press.) nos Estados Unidos. Além disso, a proposta inclui tensionar a literatura acadêmica sobre o Millenium, o discurso que ele constrói para si e os dados levantados na pesquisa, testando a hipótese de que ele produz a crença de uma relevância no campo do poder maior do que de fato detém.

Este trabalho se propõe, então, a responder a seguinte questão: Como o Instituto Millenium busca construir sua legitimidade e, consequentemente, desenhar a posição que ocupa e/ou pretende ocupar no campo do poder? Para tanto, partimos das conexões que o Imil estabelece ou busca firmar, considerando os nomes indicados em seu site como seus especialistas, convidados e integrantes de suas câmaras internas, levando em consideração as credenciais sociais valorizadas. A partir dessas relações estabelecidas ou pretendidas, buscamos desenhar essa posição ocupada e/ou visada pelo Millenium, o que pode, em alguma medida, contribuir para as pesquisas que vêm sendo realizadas sobre think tanks no sentido de melhor entendê-los na teia de relações e lutas sociais que estruturam o campo do poder, indo além de suas formações ou estruturas institucionais - as quais não serão analisadas pormenorizadamente neste trabalho4 4 . Para estudos que abordem tal constituição, ver Silveira (2013); Alexandre (2017). .

O artigo se inicia com uma análise da retórica propalada pelo Imil no momento de sua fundação, indicando as lutas nas quais o instituto investe, e segue discutindo o modo como a identificação ou não dos nomes elencados em seu site com o think tank demonstra as lógicas de vinculação e construção de sua legitimidade. Posteriormente, a partir dos dados desses agentes coletados no próprio site do Imil, assim como em seus currículos Lattes e LinkedIn, realizamos uma Análise de Correspondências Múltiplas (acm), com o intuito de mapear as posições ocupadas por esses agentes no espaço social. Em seguida, com a Análise de Classificação Hierárquica (Análise de Cluster), traçamos quatro principais grupos com os quais o instituto mantém relação. Por fim, retomamos os principais resultados e, por meio dos atributos sociais valorizados pelo Imil, apontamos os jogos e lutas dos quais ele participa, assim como a posição que ele desenha para si.

O Instituto Millenium e a retórica da modernização

Criado em 2005, o Imil nasceu com o propósito claro de ser aquilo que seus fundadores defendiam que faltava ao Brasil: um think tank dedicado a difundir as ideias liberais e uma “corrente político-cultural de direita moderna”, fazendo frente ao que viam como hegemonia das ideias de esquerda e centro-esquerda no país (Andrade, Viola & Leis, 2005Andrade, Patrícia Carlos de; Viola, Eduardo & Leis, Héctor Ricardo. (13 abr. 2005), “Revolucionando a agenda política”. O Estado de S. Paulo.). As propostas e ideias que norteariam a ação do Imil foram divulgadas em 13 de abril de 2005, no jornal O Estado de S. Paulo, em um texto escrito por três de seus fundadores - a economista Patrícia Carlos de Andrade; o professor aposentado do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, Eduardo Viola; e o professor aposentado do Departamento de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina, Héctor Ricardo Leis. No artigo, os autores reverenciam a emergência de um novo ator no debate público em “países desenvolvidos e nos emergentes mais bem-sucedidos”: justamente os think tanks.

Observando neles o motor de transformação de outros países, os fundadores do Millenium vislumbraram, em 2005, a possibilidade de mudar os “Rumos do Brasil contemporâneo” - tal como foi tematizado o lançamento do instituto. Para assistir a palestras - entre elas, a de Paulo Guedes, hoje ministro da Economia do governo de Jair Bolsonaro -, reuniram-se, à época, no Rio de Janeiro, “um grupo de 25 debatedores - intelectuais, economistas, empresários, jornalistas, políticos, membros e ex-membros da alta administração federal” (Ibidem). Assim foi apresentado o então chamado Instituto de Estudos da Realidade Nacional no texto publicado no Estadão, antevendo o que seria o perfil social dos mais de 250 nomes elencados no site do Instituto Millenium.

Entre esses diferentes atores sociais, a um grupo é dada atenção especial: os empresários. Como os fundadores do Imil argumentaram no manifesto de lançamento do instituto, um componente especial seria necessário para “mudar os rumos da sociedade”:

[…] a visão de longo prazo da classe empresarial e seu comprometimento com o futuro de seu país. Os empresários formam o único grupo capaz de dar o suporte financeiro necessário para a existência de um think tank. Por meio de apoio às iniciativas do empreendimento, de patrocínio, de encomendas de pesquisas e cursos, de doações diretas, são fundamentais para atrair e manter equipe de profissionais altamente qualificados, apta a produzir debates, artigos, livros, documentos destinados a grupos de influência específicos, com linguagem acessível e atraente e, ao mesmo tempo, calcados em conhecimento sólido da tradição e da modernidade do pensamento ocidental (Ibidem).

Para além do suporte econômico dado diretamente ao think tank, os empresários ocupam um papel central na articulação desse campo de forças da direita, destinado a combater o que seriam os “obstáculos ao crescimento e à modernização do país”, haja vista seu poder de lobby na definição das políticas públicas, a partir dos financiamentos de campanha, de empresas de comunicação e de setores da educação (Michetti, 2018Michetti, Miqueli. (2018), “A atuação de elites empresariais na definição dos rumos da educação pública no Brasil contemporâneo”. Anpocs, 42. Anais Eletrônicos… Caxambu, anpocs. Disponível em https://www.anpocs.com/index.php/encontros/papers/42-encontro-anual-da-anpocs/gt-31/gt10-25, consultado em 10/01/2019.
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). Assim, mesclando “intelectuais e empresários” (Andrade, Viola & Leis, 2005Andrade, Patrícia Carlos de; Viola, Eduardo & Leis, Héctor Ricardo. (13 abr. 2005), “Revolucionando a agenda política”. O Estado de S. Paulo.) - como é apresentada a composição do Instituto Millenium em seu site oficial -, o Imil não inaugura, mas reforça uma modalidade de atuação intelectual que faz questão de fundir produção intelectual e atividade empresarial. Dessa maneira, afasta-se da histórica busca por autonomia em relação aos poderes econômicos e políticos que marcou o desenvolvimento do campo intelectual (Pinheiro, 2011; Pinto, 2009Pinto, Louis. (2009), Le café du commerce des penseurs: à propos de la doxa intellectuelle. Broissieux, Éditions du Croquant.; Sapiro, 2009Sapiro, Gisèle. (2009), “Modèles d’intervention politique des intellectuels. Le cas français”. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, 176-177: 8-31.), ainda que essa autonomia tenha sido sempre envolta por disputas acerca do seu sentido e de sua prática.

Se, em sua formação, as ambições do instituto pareciam muito mais grandiosas, como deixa transparecer a citação acima, com o passar dos anos, suas ações foram sendo direcionadas para um caminho específico. Segundo um integrante da Câmara de Fundadores e ex-presidente do Conselho de Governança do Imil:

Aí um pouco de filosofia da coisa: o think tank do século xxi é meio que um site. Não é mais como era no século xx, o grande think tank, o exemplo mais poderoso de todos aqui no Brasil é a Fundação Getúlio Vargas. O think tank do século xxi não tem aquele orçamento, não tem esses prédios. Ele é um site, ele exerce sua função distribuindo conteúdo, mais do que financiando a produção de conteúdo. Essa reinvenção do Millenium nesse formato virtual foi muito importante para tornar o Millenium muito influente, com um orçamento muito pequenininho, o que impressionou muito nossos mantenedores - porque com investimento pequeno, a gente conseguia ter uma influência muito grande (Integrante da Câmara dos Fundadores, 2019).

Desse modo, como Silveira (2013Silveira, Luciana. (2013), Fabricação de ideias, produção de consenso: estudo de caso do Instituto Millenium. Campinas, 242 p., dissertação de mestrado, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas.) já apontou, o Imil funciona sobretudo como um veículo de divulgação de ideias, atuando principalmente como reprodutor de textos publicados na imprensa ou em outros canais, e eventualmente produzindo algum conteúdo midiático, como podcasts e vídeos. A atuação primordial na internet é complementada por seminários em universidades públicas e privadas - no site, constam 145 edições do chamado “Imil na Sala de Aula” - e por palestras proferidas nas redações jornalísticas ou abertas ao público. É interessante ressaltar que, embora a atuação do Imil não tenha se baseado prioritariamente na produção de estudos para influência em políticas públicas - aproximando-se dos chamados think tanks ativistas (Rocha, 2015Rocha, Camila. (2015), “Direitas em rede: think tanks de direita na América Latina”. In: Cruz, S. V. et al. (org.). Direita, volver!: o retorno da direita e o ciclo político brasileiro. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo.) ou militantes (Silveira, 2013) -, em 2019 o instituto inaugurou o “Millenium Analisa”, publicando dois estudos com os seguintes títulos: “Previdência, setor público, pobreza e desigualdade” e “Educação e desenvolvimento - A formação do capital humano no Brasil”. Além disso, lançou, em 2018, o “Millenium Fiscaliza”, com o intuito de acompanhar os gastos públicos no Brasil. Soma-se a essas formas de atuação a autoria de campanhas como a #ApoieaReforma, da qual são coautores (Imil, 2019), cuja proposta era influenciar a opinião pública em favor da Reforma da Previdência.

Os membros do Imil e a construção de sua legitimidade

Em entrevista, um dos economistas elencados no site como integrante afirmou não ser possível identificar exatamente quem são os membros do Imil, confirmando os argumentos de Silveira (2013Silveira, Luciana. (2013), Fabricação de ideias, produção de consenso: estudo de caso do Instituto Millenium. Campinas, 242 p., dissertação de mestrado, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas.) de que basta ter participado de algum evento para ser inserido no rol de especialistas e convidados do instituto. Tais nomes, além disso, não se apresentam nos canais da imprensa como especialistas do Millenium (Silveira, 2013), mobilizando, por outro lado, credenciais mais legitimadas.

Em entrevistas realizadas em 2019 com alguns nomes apresentados no site do Imil5 5 . Tais entrevistas foram realizadas para a pesquisa de doutorado de Allana Meirelles Vieira, cujo tema não é propriamente o do artigo, mas com o qual se relaciona, já que tem como objeto de estudo os colunistas de política e economia do país. Foram entrevistados, assim, articulistas dos principais jornais e revistas do Brasil - como Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo, IstoÉ e Época -, entre os quais alguns são nomes elencados no site do Millenium. Apresentamos aqui os excertos da entrevista de sete desses colunistas, selecionados com base na relevância de suas falas para ilustrar os argumentos apresentados. Como as entrevistas não foram conduzidas com o objetivo final circunscrito neste trabalho, elas assumem aqui o caráter ilustrativo, não sendo, portanto, exaustivas. Optamos, também por isso, por manter os nomes em sigilo. , apenas um deles, quando perguntado sobre a participação em think tanks, apontou ligação efetiva com o Millenium. Os outros, ao serem questionados sobre tal vínculo, fizeram questão de marcar a frouxidão de tal relação e até mesmo um certo distanciamento:

Supostamente sim [participo do Imil]. Na prática, eu não sei nem onde fica. Eu sei que eles publicam meus textos; ocasionalmente, alguém procura o Instituto Millenium porque está me procurando, mas assim, dizer que eu participo mesmo, não. [...]. Nunca tive muito envolvido com isso não, mas acho que ninguém está exatamente envolvido. Sei lá, talvez, alguém esteja, mas não é meu caso (Economista elencado no site do Millenium, 2019).

Eu não tenho nada contra o Instituto Millenium e sou muito satisfeito que eles ponham lá minhas colunas e gosto do Instituto. Não sinto que sou um sócio participante. Mas eu sou uma pessoa simpática e sempre que eles me pedem alguma coisa, eu participo [...]. Acho que eu tenho uma certa distância do Instituto Millenium, no sentido de que o Instituto Millenium me parece um instituto mais liberal e eu me posiciono mais como social-democrata (Economista elencado no site do Millenium, 2019).

O Instituto Millenium, digamos assim, eles pedem para você assinar como membro. De tempos em tempos, eles fazem uma conferência, convidam, se você quer assistir ou se você quer falar. Eu devo ter falado umas duas vezes. Mas nunca me considerei membro (Cientista político elencado no site do Millenium, 2019).

Eu estive lá, naquela fase de recrutamento de nomes, eu acho que fiquei lá no site, associado ao grupo Millenium. Nunca tive um engajamento de participar de reuniões etc. ou colaborar financeiramente, nada a não ser essa atividade mais pro forma. Depois, quando passei a ser um participante mais ativo do debate, vez por outra, faziam alguma gravação sobre algum livro que eu lançava. [...] Eles me passam, como eles recebem muita demanda, de vez em quando, eles me passam: “ah, tal instituição solicita uma aula tua sobre...”, e aí, dependendo da agenda, às vezes aceito, às vezes, não (Economista elencado no site do Millenium, 2019).

O Instituto Millenium, na verdade, eu digo que não, porque eu não tive ali nenhuma prática de seminários, quer dizer, eles me convidaram, eles pediram para republicar textos meus e, eventualmente, palestrar para públicos deles. E foi isso que eu fiz. Quer dizer, nunca estive. Tanto que, nesses debates aí, às vezes, aparece, né?: “Fulano, do Instituto Millenium”. Acho que isso é uma leitura incorreta, porque não tem essa relação, nunca estive por dentro da instituição, nunca participei de seminários, nada disso (Jornalista elencado no site do Millenium, 2019).

Eles põem meu nome lá. [...] Eu fui convidado para dirigir o Instituto Millenium quando foi criado. E, por algumas desavenças internas, eu não aceitei e nunca participei. E aí, ficou o negócio lá do meu nome. Na época, até quem queria que eu assumisse a direção do Instituto foi o Paulo Guedes, hoje ministro da Economia. Mas eu não aceitei. E nunca participei. Mas eles põem meu nome, não sei por quê, gostam do meu nome (Filósofo elencado no site do Millenium, 2019).

É interessante notar nas falas dos entrevistados o lugar de mediação que o Imil eventualmente ocupa - e que se esforça em ocupar -, servindo como ponte de contato entre universidades, jornalistas e esses especialistas. Para essas figuras com maior visibilidade e mais dotadas de credenciais sociais legitimadas, essas mediações não parecem, porém, ocupar um papel central no desenvolvimento da carreira ou nas oportunidades de difusão pública de suas ideias. Nesses casos, o Imil é que acaba se beneficiando de uma crescente visibilidade de tais nomes, quando eles aceitam convites para gravar vídeos e proferir palestras. Nessas falas, é possível observar o esforço de se distanciarem das dinâmicas internas, bem como das ideias apresentadas pelo think tank. Um dos nomes que aparece como integrante da Câmara de Fundadores no site do Imil, embora negue uma participação efetiva, comenta:

Foi um convite feito pela Patrícia Carlos de Andrade [...]. Então, com a Patrícia havia uma convergência de pensamento, quer dizer, o que ela percebia no meu pensamento tinha a ver com o que ela se interessava, digamos. Então, nesse sentido a gente pode dizer que há um ambiente que eu vim a fazer parte, mas com diversas ressalvas, porque tem muitos autores ali, que eu já vi escrevendo coisas das quais eu discordo inteiramente e que levaram também a sua ação para caminhos que têm muito pouco a ver com o meu. Mas posso dizer que a origem foi ali com a Patrícia Carlos de Andrade, que é minha interlocutora até hoje com bastante convergência, e acho que teve também bastante participação do economista Gustavo Franco, [...]. Então, teve a ver também com essa relação com o Gustavo (Jornalista elencado no site do Millenium, 2019).

O excerto deixa evidente o jogo de aproximações e distanciamentos entre esses especialistas e jornalistas e o Imil. É por meio da identificação com outras figuras do instituto que eles se aproximam dele, e do repúdio a outras, que eles se afastam. Aliás, a citação acima, bem como a que vem em seguida são indícios do modo como esses think tanks, ainda não consagrados, vão ganhando legitimidade, sendo cada vez mais dependentes dos nomes de prestígio e com elevado capital social que deles participam:

Eu sou muito próximo da Elena Landal, uma pessoa que eu gosto muito, que eu respeito muito e confio muito. Elena está ligada àquele grupo do Livres, eu estou no Conselho do Livres; sempre que Elena pede minha participação, eu vou, falo, gravo coisas para o Livres. Sigo em detalhes o Livres? Não sigo… Helena está lá. Livres é legal (Economista elencado no site do Millenium, 2019, grifo nosso).

Com base na notabilidade dessas pessoas, esses think tanks vão tentando construir um capital simbólico, necessário tanto para as lutas que travam no campo do poder quanto para a manutenção de sua própria existência. O trabalho político realizado pelo Millenium destaca as propriedades comuns de agentes sociais com certa notoriedade e/ou poder de influência, para além da diversidade de características que os isolam, dividem e desmobilizam (Bourdieu, 2008Bourdieu, Pierre. (2008), A economia das trocas linguísticas. São Paulo, Edusp., p. 120); assim como marca oposição a outros grupos, como o que seria a esquerda, a centro-esquerda, a universidade pública, os populistas, os estatistas etc. (Andrade, Viola & Leis, 2005Andrade, Patrícia Carlos de; Viola, Eduardo & Leis, Héctor Ricardo. (13 abr. 2005), “Revolucionando a agenda política”. O Estado de S. Paulo.).

Para dar ênfase à excelência das formações e credenciais de seus supostos integrantes, algumas estratégias são mobilizadas. Os experts são apresentados, nas biografias do site do Millenium, como profissionais importantes da sua área de atuação: “Um dos cientistas políticos mais reconhecidos do Brasil” e “Prestigiado jurista brasileiro”. Já os mais destituídos de capital têm em suas minibiografias do site descrições como “articulista e especialista do Instituto Millenium”. A pertença ao think tank, portanto, é destacada pelos menos prestigiados - inclusive em outros currículos, como Lattes e LinkedIn - como forma de velar a escassez de capitais. Há ainda aqueles que criam credenciais para si de maneira a destacar certo conhecimento advindo da prática, como o rapaz que coloca no LinkedIn ser formado pela “Escola da Vida”, provavelmente para justificar sua incursão na área de educação, já que possui iniciativas empresariais e um livro publicado sobre a temática. Para esses, é possível supor, os convites do Millenium para a participação em seminários, palestras e vídeos publicados em seu site e redes sociais funcionam como trunfo, podendo assim alcançar certa visibilidade e, ao mesmo tempo, legitimidade, por dividirem certos espaços com nomes já consagrados no mundo político, econômico, acadêmico e jornalístico.

Algumas propriedades dos agentes

Um exame realizado no site do Imil, em 2019, apontou a presença de 272 nomes6 6 . Não há indicação sobre o período de participação, nem sobre as possíveis funções que esses nomes exercem no instituto. , entre aqueles denominados como “especialistas”, “convidados” ou ainda elencados como integrantes da Câmara de Fundadores, do Conselho de Governança, do Conselho Fiscal, do Comitê Gestor e como Mantenedores dos Projetos7 7 . Alguns nomes que compõem os conselhos de direção do Imil não têm suas minibiografias publicadas no site do instituto. Assim, os dados foram coletados nos currículos Lattes e LinkedIn ou em outras fontes, como publicações em jornais e revistas. .

Entre os nomes indicados, algumas características prevalecem: há quase uma exclusividade masculina (com apenas 26 mulheres, ou seja, 9,5% do total de integrantes)8 8 . As mulheres no Brasil equivalem a 51,5% da população. Para fins de comparação, entre os docentes de ensino superior, elas são 45,8% e, entre os discentes, 56,9%. Assim, a desigualdade de gênero dentro do Imil é muito mais acirrada que nas instituições de ensino superior do país. ; a maior parte é graduada em economia e administração ou direito, em universidades públicas, com doutorado e com o último nível da pós-graduação cursado no exterior. Esses nomes concentram-se, principalmente, no eixo Rio-São Paulo, e também nos estados da região Sul9 9 . Tal concentração das relações entabuladas pelo Imil segue a concentração regional dos think tanks no Brasil, verificada por Hey (2018). .

Há entre essas figuras, porém, diferenças em termos de capitais e credenciais mobilizados que indicam consequentemente variadas posições ocupadas ou vislumbradas no espaço social. Levando em consideração os atributos que essas figuras mencionam em seus currículos e apresentações, preenchemos um banco de dados e aplicamos a acm10 10 . Os dados foram coletados ao longo do ano de 2019. . Os tipos de capitais e as informações posicionais mais frequentes nesses materiais foram nos servindo de base para a elaboração das variáveis e modalidades da acm, as quais versam sobre propriedades como: 1) capital acadêmico; 2) posição acadêmica; 3) posição no Estado; 4) posição no setor privado; 5) posição na grande mídia. Nos anexos deste trabalho, apresentamos pormenorizadamente os critérios utilizados para construir as categorias analíticas.

Com a acm11 11 . Para explicações sobre a técnica, ver: Duval (2005), Klüger (2018), Bertoncelo (2016), Le Roux & Rouanet (2010). , intentamos compreender os diferentes polos de força com os quais o Imil se relaciona e a partir dos quais busca construir sua legitimidade e sua posição no espaço social. Articulamos os dados sobre a posição que os agentes ocupam em diferentes campos com aqueles referentes aos capitais acadêmicos, indicando como o tipo e o volume de capital se vincula com as diferentes posições no mundo social.

Assim, conseguimos visualizar como essas características sociais se agrupam e se relacionam e que figuras se aproximam ou se distanciam no espaço social. Essa aproximação não diz respeito, porém, à existência de interações reais entre esses indivíduos, mas ao “grau de homogeneidade de suas propriedades sociais” (Klüger, 2018Klüger, Elisa. (out. 2018), “Análise de correspondências múltiplas: fundamentos, elaboração e interpretação”. BIB, 86: 68-97., p. 74). Da mesma forma, a relação entre as características não se baseia em uma causalidade unidirecional, mas em afinidades eletivas entre propriedades e em múltiplas determinações, em uma “complexa estrutura de inter-relações” (Idem, p. 81).

A partir da acm (considerando os gráficos 1 e 2 bem como as tabelas de 1 a 4), é possível traçar algumas relações de oposição: a primeira delas (eixo 1 - horizontal)12 12 . A acm dos dados coletados na pesquisa concentra seu potencial explicativo nos dois primeiros eixos gerados, tendo em vista que eles correspondem a 96,3% da variância total (83,7% no eixo 1, e 12,6% no eixo 2, conforme a taxa modificada de Benzécri), de modo a possibilitar a desconsideração de outros eixos. diz respeito à oposição entre a carreira acadêmica - materializada, principalmente, na realização de pós-doutorado e no exercício da docência em universidades públicas (atributos localizados à direita do gráfico) - e a trajetória no setor privado - principalmente como proprietários de empresas (atributos localizados à esquerda). De um lado, portanto, estão os doutores, cujos diplomas foram conquistados, sobretudo, em universidades públicas ou internacionais; do outro, os que traçaram a carreira no setor privado, não tendo feito pós-graduação ou tendo realizado alguma especialização ou mestrado em instituições de ensino privadas.

Gráfico 1
Nuvem de casos - eixos 1 e 2.

Gráfico 2
Nuvem de modalidades ativas e suplementares.

A outra oposição evidenciada pela acm (eixo 2 - vertical) se dá entre a atuação jornalística e a atuação acadêmica conjugada à ocupação de cargos políticos de importância. De um lado, portanto, estão os jornalistas ou profissionais ligados à imprensa, canais de rádio e televisão (abaixo), os quais em geral não se graduaram ou têm apenas a formação em jornalismo; e do outro, estão os altos agentes da burocracia estatal, que também atuam como professores em universidades privadas e, em alguns casos, são ainda donos de empresas e agências de consultoria (acima). Opõem-se assim capital econômico, político e acadêmico versus capital midiático.

O que observamos - a partir do tipo e volume de capital que detêm - é que os mais dominados são aqueles que não dispõem de credenciais acadêmicas, não possuindo postos no Estado ou cargos de importância econômica, valendo-se consequentemente apenas da atuação jornalística. Por outro lado, os mais dominantes são os que construíram uma trajetória acadêmica conjugando-a com atividades econômicas no setor privado e com postos - sobretudo de indicação política - no interior do Estado. No meio termo, estão aqueles que, dominantes economicamente - pois donos de empresas, agências de consultoria, escritórios de advocacia etc. -, são relativamente dominados academicamente, com poucas credenciais universitárias.

Tabela 1
Modalidades ativas com maior contribuição para o Eixo 1
Tabela 2
Modalidades ativas com maior contribuição para o Eixo 2
Tabela 3
Modalidades ativas com menor contribuição para o Eixo 1
Tabela 4
Modalidades ativas com menor contribuição para o Eixo 2

As linhas de força do Instituto Millenium

A partir da Análise de Classificação Hierárquica, aplicada à acm, é possível visualizarmos quatro grupos (ou, no jargão da técnica, quatro clusters) principais com os quais o Millenium estabelece conexões. A técnica permite reunir aqueles que possuem características mais similares, de modo a “garantir maior homogeneidade interna a cada cluster e maior heterogeneidade entre eles” (Bertoncelo, 2016Bertoncelo, Edison. (2016), “O uso da Análise de Correspondências Múltiplas nas Ciências Sociais: possibilidades de aplicação e exemplos empíricos”. anpocs, 40. Anais Eletrônicos... Caxambu, anpocs. Disponível em https://www.anpocs.com/index.php/papers-40-encontro/st-10/st16-7/10296-o-uso-da-analise-de-correspondencias-multiplas-nas-ciencias-sociais-possibilidades-de-aplicacao-e-exemplos-empiricos/file, consultado em 23/01/2020.
https://www.anpocs.com/index.php/papers-...
, p. 17). Cada um desses clusters é, então, caracterizado com base em suas características mais predominantes e está representado no gráfico 1 por meio de elipses, as quais têm maior concentração quanto maior é a proximidade entre os agentes que a compõem (Klüger, 2018Klüger, Elisa. (out. 2018), “Análise de correspondências múltiplas: fundamentos, elaboração e interpretação”. BIB, 86: 68-97., p. 91). O dendograma abaixo é uma representação gráfica da hierarquia das partições, demonstrando o número de clusters possíveis (o qual é equivalente ao número de ramificações cortadas, podendo, portanto, ser três, quatro ou cinco neste caso). Na análise aqui empreendida, decidimos reter quatro clusters - inclusive, por sugestão da ferramenta spad, utilizada no processamento dos dados -, garantindo, assim, que a variância interna de cada um fosse menor do que a variância entre eles (como pode ser observado na figura 1 e na tabela 5), bem como mantendo a pertinência sociológica.

Figura 1
Dendograma da Análise de Classificação Hierárquica

Tabela 5
Dados da Análise de Classificação Hierárquica - Informações sobre os clusters
Tabela 6
Dados consolidados da Análise de Classificação Hierárquica - Indicadores de qualidade

Levando em consideração as propriedades com maior e menor recorrência em cada um dos grupos formados ( Quadros 1-7), podemos denominá-los da seguinte maneira: os empresários, empreendedores e executivos - presentes no cluster 2; os professores burocratas - presentes no cluster 3; os jornalistas - presentes no cluster 4; e a elite econômica e política - presentes no cluster 1. As próximas seções deste artigo dedicam-se a detalhar o perfil e as formas de atuação de cada um desses grupos, apresentando-os na ordem citada aqui, qual seja, começando pelo cluster 2, passando pelo 3 e pelo 4, até chegar ao cluster 1 - esta opção se deve ao fato de, no cluster 1, os agentes concentrarem recursos dos outros três clusters, de modo que nos parece mais adequado finalizarmos a caracterização com o mesmo.

Quadro 1
Modalidades ativas sobrerrepresentadas (azul) e sub-representadas (laranja) no cluster 2

Quadro 2
Modalidades suplementares sobrerrepresentadas (azul) e sub-representadas (laranja) no Cluster 2.

Quadro 3
Modalidades ativas sobrerrepresentadas (azul) e sub-representadas (laranja) no Cluster 3

Quadro 4
Modalidades suplementares sobrerrepresentadas (azul) e sub-representadas (laranja) no cluster 3

Quadro 5
Modalidades ativas sobrerrepresentadas (azul) e sub-representadas (laranja) no cluster 4

Quadro 6
Modalidades suplementares sobrerrepresentadas (azul) e sub-representadas (laranja) no cluster 4

Quadro 7
Modalidades ativas sobrerrepresentadas (azul) e sub-representadas (laranja) no cluster 1

Quadro 8
Modalidades suplementares sobrerrepresentadas (azul) e sub-representadas (laranja) no cluster 1

Os empresários, empreendedores e executivos

Representando a maior parte dos integrantes do Imil, com 115 nomes (42,27%), o cluster 2 é formado por sócios proprietários, funcionários de alto escalão e jovens empreendedores. Dentre eles, há desde nomes como Jorge Gerdau - de 83 anos, herdeiro do Grupo Gerdau, empresa siderúrgica brasileira, com operações em onze países e a 14ª maior produtora de aço do mundo -, até empreendedores novatos, como João Cristofolini - que se apresenta no currículo LinkedIn como fundador de mais de sete negócios -, passando por executivos de grandes empresas e bancos, como Mario Mello - que foi vice-presidente executivo da Visa e do Banco Safra.

Os nomes que foram classificados como Dono/Consultoria+ na acm referem-se aos sócios proprietários de agências de consultoria, as quais variam entre assessoria econômica e política para governos, políticos e grandes empresas, até serviços de gestão voltados para a criação e a sustentação de startups e novos negócios. Os capitais sociais, acadêmicos, políticos e econômicos - acumulados a partir das formações acadêmicas, das experiências no mundo dos negócios e na administração pública, das circulações em espaços de poder e decisão, das redes de contato estabelecidas dentro dos grupos de elite - confluem para a legitimação desses consultores enquanto figuras capazes de traçar diagnósticos e soluções para os problemas do país - quanto mais elevada é a posição que ocupam na hierarquia social - ou das empresas - com uma proporcionalidade entre o tamanho delas e a posição ocupada pelo consultor na hierarquia social. Há, portanto, entre esses consultores e seus públicos uma homologia estrutural.

É interessante notar que os consultores com maior capital acumulado - acadêmico, político e econômico - situam-se no cluster 1 - ou seja, entre a elite econômica e política -, apesar de também serem donos de empresas de consultoria (modalidade, Dono/Consultoria+ sobrerrepresentada no cluster 2). Isso porque no cluster 2, que analisamos nesta subseção, predominam os nomes que possuem a especialização como grau máximo ou nenhuma pós-graduação, assim como as modalidades indicadoras de capital acadêmico - como doutorado, pós-doutorado, exercício da docência em universidades públicas e privadas - e de capital político - como a passagem por cargos no serviço público, especialmente os de maior importância - são pouco frequentes nesse grupo. É justamente esse grupo que tem maior atuação nos conselhos e câmaras internos do Imil14 14 . Deve-se ressaltar que os dados sobre a participação interna foram coletados no site do instituto, podendo conter alguns desvios, dada a divergência entre as informações disponibilizadas no site e as declarações feitas por alguns entrevistados que constam neste trabalho. . Além disso, são menos frequentes aqui os nomes que atuam como colunistas ou comentaristas.

Assim, predominam nesse conjunto os nomes dominantes econômicos e dominados acadêmicos, aqueles que dependem quase que exclusivamente de suas posições no setor privado. Quanto menos estável é essa posição - ou seja, quanto menores o porte e o impacto das empresas de que são donos ou nas quais tiveram experiência profissional -, mais esses nomes conjugam o trabalho no setor privado com o ativismo pelo empreendedorismo e pelo liberalismo econômico, bem como mais eles valorizam seus vínculos com o Imil.

Para citar alguns exemplos, Cauê Bocchi é advogado formado pela fgv e, em seu texto de apresentação no site do Imil, cita a experiência de “mais de três anos com logística e infraestrutura, além de ter atuado como advogado especializado em direito empresarial, infraestrutura e startups”. Além disso, menciona o fato de ser professor de redação no curso pré-vestibular da fgv de São Paulo assim como coach de startups. Jovem e com uma carreira ainda no início, ele conjuga sua atividade profissional com a militância política, sendo filiado ao Partido Novo e coordenador do núcleo jovem do partido em São Paulo, tendo se candidatado a vereador da cidade pelo partido. Além disso, atua no movimento Estudantes pela Liberdade (sp) e como articulista do Instituto Liberal - ambos parte da Atlas Network.

Da mesma forma, Anthony Ling, graduado em Arquitetura e Urbanismo na ufrgs, herdeiro de uma holding company voltada para a industrialização e a comercialização de não tecidos de polipropileno e criador de startups, fundou o grupo Estudantes pela Liberdade, assim como atua no Instituto de Estudos Empresariais - também integrante da rede Atlas. É interessante notar que, neste cluster, situam-se também outros herdeiros, como Paula Guedes - filha de Paulo Guedes.

Os professores-burocratas

O cluster 3 é composto pelo menor número de pessoas, com 46 nomes (16,91%). São aqueles que conjugam a trajetória acadêmica - materializada nos diplomas de doutorado, sobretudo em universidades públicas, na realização de pós-doutorado e no exercício da docência em instituições de ensino também públicas - com a atuação em cargos na burocracia estatal ligados à assessoria, consultoria ou execução (e menos em postos de decisão). Neste cluster, predominam os cientistas sociais e filósofos (como Leôncio Martins Rodrigues, José Álvaro Moisés e Lourdes Sola, por exemplo). Por outro lado, nele são menos frequentes os donos de empresa ou agências de consultoria, os que fizeram carreira no setor privado e também os que possuem maior capital midiático.

Neste grupo, estão nomes como Eduardo José Viola e Héctor Ricardo Leis - que assinaram o texto de lançamento do então Instituto de Estudos da Realidade Nacional, mencionado no início deste artigo. O primeiro foi professor do Instituto de Relações Internacionais da unb entre 1993 e 2018 (quando se aposentou), já tendo obtido bolsa de produtividade do cnpq. Com graduação em sociologia pela Universidade de Buenos Aires, mestrado em sociologia pela Unicamp e doutorado em ciência política pela usp, sua carreira foi construída sobretudo na academia, de modo que na apresentação do site do Imil as credenciais destacadas são justamente a experiência como professor visitante em diversas universidades estrangeiras, a orientação de teses e dissertações, a participação em comitês científicos e a publicação de artigos em periódicos acadêmicos. Héctor Ricardo Leis foi professor do departamento de sociologia e ciência política da ufsc, também entre a década de 1990 e 2010, aposentando-se em 2012, e também foi bolsista de produtividade do cnpq. Fez graduação em ciências sociais, mestrado e doutorado em filosofia na puc do Rio de Janeiro. Não tem sua minibiografia publicada no site do Imil, mas consta na lista de fundadores.

Ambos, além da carreira acadêmica, exerceram funções de assessoria em órgãos governamentais, fazendo parte nos dois casos de comitês do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (Viola, de 2001 a 2006; Leis, em 1999) e do Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal (Viola, em 2011; Leis, em 1999).

Os acadêmicos do Imil, ainda que tenham constituído suas carreiras sobretudo nas universidades públicas, alguns sendo até mesmo pesquisadores com relativo nível de publicação, mesclam suas atuações com cargos ou experiências no serviço público, fazendo, portanto, parte da burocracia estatal, seja em nível federal, estadual ou municipal - por isso, foram nomeados como professores-burocratas.

Os jornalistas

O grupo dos jornalistas (cluster 4) é o que tem a segunda menor quantidade de integrantes (48 nomes e 17,64%). As características que predominam entre eles são, por um lado, as trajetórias em canais de rádio e televisão e na imprensa brasileira, assim como a posse de colunas periódicas em jornais da grande imprensa; por outro, a ausência de capitais acadêmicos, políticos e econômicos - ou seja, são os que não detêm diplomas de prestígio, não ocuparam cargos políticos importantes, nem são proprietários de empresas ou agências de consultoria. Embora dominados desse ponto de vista, esses nomes contribuem para a visibilidade dos interesses e princípios do Millenium e seus integrantes - ainda que não escrevam em nome deles.

Jornalistas relativamente prestigiados - alguns com prêmios de jornalismo, como o Esso -, nomes vinculados ao Grupo Globo, editores, diretores e chefes em redações jornalísticas, escritores de livros e colunistas semanais - quando não diários -, é possível conjecturar que os integrantes desse cluster atuam - ainda que indiretamente - como ponte para que outros membros do Imil ganhem espaço em reportagens, entrevistas, programas de debate e artigos opinativos. Com as evidências levantadas, não é possível afirmar em que medida essa atuação é direta e intencional. De todo modo, a seleção de nomes feita pelo Imil, assim como o contato que ele possibilita por meio de seminários e palestras contribuem para a formação de uma rede de contatos e diálogos. Desse grupo, fazem parte jornalistas como José Nêumanne Pinto e Guilherme Fiuza. Também nele estão Fernando Gabeira, Merval Pereira e Carlos Alberto Sardenberg - nomes que fizeram carreira na Rede Globo e que detêm relativo prestígio diante dos pares. Vale lembrar que uma das fundadoras do Imil, Patrícia Carlos de Andrade (localizada no cluster 2), é filha do jornalista Evandro Carlos de Andrade, que foi diretor de redação de O Globo (1971-1995) e da Central Globo de Jornalismo (1995-2001). Outro nome que aparece nesse grupo é o de João Roberto Marinho, herdeiro do Grupo Globo. Além disso, há, entre eles, algumas poucas pessoas ligadas também ao campo cultural, como o cineasta José Padilha e o compositor e produtor musical Nelson Motta.

É interessante notar que a maior parte dos jornalistas e comunicadores apontados no site do Imil é, em alguma medida, ligada ao mundo econômico, seja porque, ao longo da carreira, cobriu esse setor, porque ocupou cargos de chefia dentro das empresas (aproximando-se dos setores mais administrativos do jornalismo), porque investiu em empresas de comunicação corporativa, ou ainda porque fez especializações em comunicação empresarial, gestão ou empreendedorismo.

A elite econômica e política

Por fim, o cluster 1 (Quadros 7-8) reúne os mais dominantes entre os nomes com os quais o Imil mantém interlocução. Com 63 pessoas (23,16%), nele estão os que ocuparam os mais altos postos do Estado, ao mesmo tempo que são donos de empresas, seguradoras, financeiras e agências de consultoria. Os capitais acadêmicos - materializados nos diplomas de doutorado, sobretudo em economia e administração, obtidos em instituições de prestígio, como as universidades públicas e internacionais, bem como o exercício da docência - convertem-se em trunfos necessários para a ocupação de cargos no alto escalão de governos e empresas públicas.

Nesse cluster localizam-se, por exemplo, Simon Schwartzman, Armínio Fraga, Alexandre Schwartsman, Henrique Meirelles e Pedro Malan. Nomes como Gustavo Franco e Paulo Guedes - que participaram da fundação do Imil - ocuparam ou ocupam os mais altos postos no país: o primeiro foi secretário adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda, entre 1993 e 1999 (sendo um dos formuladores do Plano Real), presidente do Banco Central do Brasil e chegou a ser cotado para presidir o Conselho do bndes em 2019; Guedes é o atual ministro da Economia do país. Ambos participaram ativamente das últimas campanhas presidenciais - Gustavo Franco na campanha de João Amoêdo do Partido Novo, e Paulo Guedes na campanha de Jair Bolsonaro do Partido Social Liberal (psl). Assim, ainda que se afirme como uma entidade sem vinculação político-partidária, o Millenium se aproxima ideologicamente e é composto por nomes que se vinculam a partidos considerados de centro-direita, direita e extrema-direita.

Os diplomas de prestígio e os altos cargos políticos se combinam ainda com a atuação no sistema financeiro. Com suas expertises em investimentos financeiros, esses nomes oferecem previsões do chamado “mercado” e ditam, a partir desses interesses, as soluções necessárias para o país. Gustavo Franco fundou a Rio Bravo Investimentos, que, em agosto de 2019, geria mais de R$ 13 bilhões15 15 . Informação presente no texto de apresentação da empresa. Ver: https://www.riobravo.com.br/RioBravo/Paginas/Apresentacao.aspx, consultado em 10/08/2019. . Já o atual ministro da Economia foi um dos fundadores do Banco Pactual (que tinha, no mesmo período, mais de R$ 200 bilhões sob gestão16 16 . Informação presente no texto de apresentação da empresa. Ver: https://www.btgpactual.com/quem-somos/visao-geral, consultado em 10/08/2019. ), da Bozano Investimentos e da gestora de recursos jgp Nextar Fund, além de ter criado o Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (ibmec - voltado para pesquisas sobre o mercado financeiro).

A passagem por bancos, como bndes, Banco Central17 17 . Para estudos sobre as elites que dirigiram o Banco Central, ver: Perissinoto et al., 2017; e sobre o bndes, ver: Klüger, 2017. , Banco Interamericano de Desenvolvimento (bid) e Banco Mundial, também é frequente entre os membros desse grupo. Nele estão, portanto, os nomes que disputam e participam das definições econômicas do país. São agentes que atuam influenciando decisões, bem como tomando-as. Embora alguns tenham ocupado cargos de importância apenas no nível estadual ou municipal, o que predomina nesse grupo é a passagem pelos postos da administração e de empresas federais. Como Hey afirma:

Economistas e executivos das finanças constituem bons exemplos da junção de uma série de recursos sociais, profissionais e simbólicos provenientes da posse de alto capital acadêmico especializado, de relações sociais favoráveis à participação nas esferas dominantes e da aderência a princípios sociais hegemônicos (organização econômica e política), que conferem poder legítimo e o reconhecimento desse poder em vários campos sociais (Hey, 2017Hey, Ana Paula. (dez. 2017), “Elites, no plural”. Tempo Social, São Paulo, 29 (3): 1-8. Disponível em https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2017.126527.
https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.20...
).

Considerações finais

A análise do perfil social dos agentes com os quais o Millenium estabelece conexões aponta as linhas de força que contribuem para a construção da legitimidade do instituto, assim como os espaços de atuação visados: a mídia, a academia, o mercado e o Estado. O Imil valoriza a conexão entre “intelectuais e empresários” (Andrade, Viola & Leis, 2005Andrade, Patrícia Carlos de; Viola, Eduardo & Leis, Héctor Ricardo. (13 abr. 2005), “Revolucionando a agenda política”. O Estado de S. Paulo.), sendo esses últimos maioria nos conselhos internos e, também, entre os nomes elencados em seu site. Além deles, a importância dos jornalistas e, principalmente, dos agentes do Estado é significativa: são esses nomes conhecidos publicamente que importam para a construção de visibilidade, credibilidade e até mesmo legitimidade. Mais do que isso, os agentes do Estado que compõem uma elite acadêmica, política e econômica - caracterizados pela multiposicionalidade, caráter verificado em membros da elite, como apontam estudos ligados à sociologia das elites (Boltanski, 1973Boltanski, Luc. (1973), “L’espace positionnel: multiplicité des positions institutionnelles et habitus de classe”. Revue Française de Sociologie, 14: 3-26.; Reis; Grill, 2017Reis, Eliana & Grill, Igor. (2017), “Estudos de elites políticas e as bases das multinotabilidades no Brasil”. Tempo Social, 29, 3: 137-159. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702017000300137&lng=en&nrm=iso.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
; Hey, 2017Hey, Ana Paula. (dez. 2017), “Elites, no plural”. Tempo Social, São Paulo, 29 (3): 1-8. Disponível em https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2017.126527.
https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.20...
) - são os principais influenciadores e tomadores de decisão.

Nesse sentido, a retórica antiestatal do Imil se contradiz com as relações que busca engendrar. Assim, o discurso recorrente de oposição ao Estado mascara as disputas objetivas que visam justamente à ocupação de cargos em seu interior, ao controle de suas ações e até mesmo à apropriação privada de seus potenciais benefícios.

[…] um dos princípios unificadores do campo do poder é que as pessoas que dele fazem parte lutam pelo poder sobre o Estado, por esse capital que dá poder sobre a conservação e a reprodução das diferentes espécies de capital (Bourdieu, 2014Bourdieu, Pierre. (2014), Sobre o Estado. São Paulo, Companhia das Letras., p. 267).

A retórica do “Estado mínimo” (Andrade, Viola & Leis, 2005Andrade, Patrícia Carlos de; Viola, Eduardo & Leis, Héctor Ricardo. (13 abr. 2005), “Revolucionando a agenda política”. O Estado de S. Paulo.), na prática, diz respeito à minimização da ação do Estado em proveito da maioria da população, mas não em benefício dos dominantes:

Todos os nossos discursos sobre o liberalismo são de grande ingenuidade, e o interesse do estudo do Estado é justamente mostrar a que ponto as sociedades diferenciadas são penetradas de um extremo a outro pela lógica estatal. […] O paradoxo de muitas estratégias políticas atuais, que reivindicam, por exemplo, ser do liberalismo, é que são estratégias que visam garantir aos dominantes os proveitos do liberalismo, os proveitos da liberdade, e os proveitos da dependência estatal... (Idem, p. 401).

Buscando disfarçar suas ligações políticas - haja vista a supressão de dados sobre as ligações partidárias, como a participação em campanhas eleitorais (exceto no caso do Partido Novo, cuja vinculação é valorizada) -, exalta-se o caráter técnico dos cargos federais ocupados, combinando a apresentação desses às mais variadas credenciais acadêmicas. A política, portanto, ainda que fortemente presente, é disfarçada em prol de uma retórica do apartidarismo.

Como é possível conjecturar a partir dos excertos de entrevistas citados no início deste artigo, o Imil também atua em alguma medida como mediador entre especialistas e imprensa, universidade ou outros públicos. A importância de tal mediação, é plausível supor, aumenta quanto menos credenciais os membros apresentam, tornando-se, portanto, mais dependentes do relativo prestígio do instituto. Enquanto isso, para os mais prestigiados, tal vínculo se torna menos importante e, em alguns casos, até mesmo comprometedor - já que os aproxima de figuras com posições no espaço social e tomadas de posição menos legitimadas. Se, em alguns momentos, os mais dotados de capitais marcam distância em relação ao instituto, em outros, servem-se das conexões ali estabelecidas, identificam-se com os nomes de prestígio e de elevado capital social que sustentam a relativa legitimidade do Imil e difundem ideias defendidas pelo think tank. Para os mais prestigiosos, portanto, o cálculo em termos de ganhos e perdas simbólicos é feito a cada momento, seja para se afastar, seja para se aproximar do Millenium.

Isso demonstra também que, apesar de ser apontado como uma instituição relevante para a organização de uma nova direita e de fato atuar nesse sentido (Alexandre, 2017Alexandre, Thiago. (2017), O Instituto Millenium e os intelectuais da “nova direita” no Brasil. Juiz de Fora, 114 f., dissertação de mestrado, Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Juiz de Fora.; Rocha, 2015Rocha, Camila. (2015), “Direitas em rede: think tanks de direita na América Latina”. In: Cruz, S. V. et al. (org.). Direita, volver!: o retorno da direita e o ciclo político brasileiro. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo.; Meirelles; Fernandes, 2019Meirelles, Allana & Fernandes, Dmitri. (2019), “A direita mora do mesmo lado da cidade: Especialistas, polemistas e jornalistas”. Novos Estudos: Cebrap, 38, 1: 157-182.; Meirelles, Chiaramonte, 2018; Messemberg, 2017; Chaloub; Perlatto, 2015Chaloub, Jorge & Perlatto, Fernando. (2015), “Intelectuais da ‘nova direita’ brasileira: ideias, retórica e prática política”. Anpocs, 39. Anais Eletrônicos... Caxambu, Anpocs. Disponível em http://www.anpocs.org/portal/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=9620&Itemid=461, consultado em 10/06/2019.
http://www.anpocs.org/portal/index.php?o...
), bem como ser bem ranqueado em algumas pesquisas como o 2018 Global Go To Think Tank Index Report18 18 . O Millenium ocupa a 34ª posição entre os cinquenta principais think tanks da América Latina, neste ranking, que é elaborado pelo Think Tanks and Civil Societies Program da Universidade da Pennsylvania e que tem sido citado em diferentes pesquisas sobre think tanks (Rocha, 2015; Hey, 2018; Antunes, 2019). Ver o ranking em: https://repository.upenn.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1017&context=think_tanks, consultado em 8/1/2020. , o Millenium ainda não ocupa um espaço de consagração no campo do poder - ao contrário de outros think tanks, como a fgv, por exemplo (Loureiro, 1997Loureiro, Maria Rita. (1997), Os economistas no governo: gestão econômica e democracia. Rio de Janeiro, fgv.). A negação do vínculo por parte de alguns experts demonstra como a posição do Millenium ainda é frágil e como ele se coloca em disputa pela própria sobrevivência e pela conquista de certo poder e legitimidade.

Por outro lado, são essas relações que ele estabelece com pessoas de credenciais sociais diversas, mas que possuem a defesa do liberalismo como ponto em comum - ainda que com diferentes matizes de pensamento dentro desse liberalismo -, assim como com outras instituições - haja vista sua presença no ranking citado acima e na Atlas Network -, que vão contribuindo para a formação de capital social e, consequentemente, de certo poder de influência. Sua legitimidade, nesse sentido, se concentra, sobretudo, na rede de contatos e relações que consegue estabelecer, ainda que de maneira frágil. Essa rede age ainda no sentido de mascarar a própria escassez de credenciais do Millenium, produzindo a crença de que ele é mais central do que a análise detida deixa concluir.

Assim, entre a valorização de credenciais advindas de espaços com os quais estabelece em alguma medida uma concorrência, como as universidades públicas (Carlotto, 2018Carlotto, Maria Caramez. (2018), “Inevitável e imprevisível, o fortalecimento da direita para além da dicotomia ação e estrutura: o espaço internacional como fonte de legitimação dos think tanks latino-americanos”. Plural, 25: 63-91.), e a tentativa de engendrar formas próprias de credenciamento - haja vista a utilização do rótulo “especialista do Instituto Millenium” por alguns de seus nomes -, o Imil intenta garantir o cumprimento de seus objetivos: manter-se financeiramente, ser reconhecido como um propositor de agendas (atuação ainda incipiente) e assegurar atenção suficiente da mídia para suas ideias. É para atender a essas demandas que se organizam as atividades do instituto. Como observa Medvetz (2012Medvetz, Thomas. (2012), Think tanks in America. Chicago, The University of Chicago Press.) para o caso norte-americano - o que se aplica, também, ao Millenium -, levando em conta essas finalidades, é difícil que os produtos veiculados pelos think tanks desafiem as prescrições políticas e os interesses daqueles que os financiam, sejam eles agentes do mercado, da política ou da mídia. Além disso, a atuação dos think tanks no cenário nacional tem consequências para a mídia e para a imprensa, uma vez que, ao ocuparem uma posição intermediária entre os campos da produção política, intelectual, econômica e midiática, eles participam cada vez mais da circulação de conhecimento e de pessoal especializado entre essas esferas (Ibidem).

Referências Bibliográficas

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  • 1
    . Para acessar essa literatura mais consagrada pelas pesquisas sobre think tanks, ver: Medvetz (2012Medvetz, Thomas. (2012), Think tanks in America. Chicago, The University of Chicago Press.), Pautz (2012Pautz, Hartwig. (2012), Think tanks, social democracy and social polity. Londres, Palgrave Macmillan.).
  • 2
    . No Brasil, fazem parte dela, além do Imil: o Instituto Liberdade, o Instituto Atlantos e o Instituto de Estudos Empresariais (iee), de Porto Alegre; o Instituto Líderes do Amanhã, de Vitória; os Institutos de formação de líderes, de Belo Horizonte, Santa Catarina e São Paulo; o Instituto Liberal e o Livres, do Rio de Janeiro; o Instituto Liberal de São Paulo, o Instituto Ludwig Von Mises Brasil, o Mackenzie Center for Economic Freedom, o Students for Liberty Brasil, de São Paulo.
  • 3
    . À sua frente, estão os brasileiros: Fundação Getúlio Vargas (em 1° lugar); Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) (em 3°); Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) (em 8°); o Brics Policy Center (em 11°); a Fundação Fernando Henrique Cardoso (fhc) (em 13°); o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) (em 17°); e o Núcleo de Estudos da Violência (nev) (em 31°).
  • 4
    . Para estudos que abordem tal constituição, ver Silveira (2013Silveira, Luciana. (2013), Fabricação de ideias, produção de consenso: estudo de caso do Instituto Millenium. Campinas, 242 p., dissertação de mestrado, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas.); Alexandre (2017Alexandre, Thiago. (2017), O Instituto Millenium e os intelectuais da “nova direita” no Brasil. Juiz de Fora, 114 f., dissertação de mestrado, Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Juiz de Fora.).
  • 5
    . Tais entrevistas foram realizadas para a pesquisa de doutorado de Allana Meirelles Vieira, cujo tema não é propriamente o do artigo, mas com o qual se relaciona, já que tem como objeto de estudo os colunistas de política e economia do país. Foram entrevistados, assim, articulistas dos principais jornais e revistas do Brasil - como Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo, IstoÉ e Época -, entre os quais alguns são nomes elencados no site do Millenium. Apresentamos aqui os excertos da entrevista de sete desses colunistas, selecionados com base na relevância de suas falas para ilustrar os argumentos apresentados. Como as entrevistas não foram conduzidas com o objetivo final circunscrito neste trabalho, elas assumem aqui o caráter ilustrativo, não sendo, portanto, exaustivas. Optamos, também por isso, por manter os nomes em sigilo.
  • 6
    . Não há indicação sobre o período de participação, nem sobre as possíveis funções que esses nomes exercem no instituto.
  • 7
    . Alguns nomes que compõem os conselhos de direção do Imil não têm suas minibiografias publicadas no site do instituto. Assim, os dados foram coletados nos currículos Lattes e LinkedIn ou em outras fontes, como publicações em jornais e revistas.
  • 8
    . As mulheres no Brasil equivalem a 51,5% da população. Para fins de comparação, entre os docentes de ensino superior, elas são 45,8% e, entre os discentes, 56,9%. Assim, a desigualdade de gênero dentro do Imil é muito mais acirrada que nas instituições de ensino superior do país.
  • 9
    . Tal concentração das relações entabuladas pelo Imil segue a concentração regional dos think tanks no Brasil, verificada por Hey (2018Hey, Ana Paula. (2018), “Think tanks e Estado: o papel dos ‘acadêmicos’”. Anpocs, 42. Anais Eletrônicos… Caxambu, anpocs. Disponível em https://www.anpocs.com/index.php/papers-40-encontro-3/gt-31/gt10-25/11191-think-tanks-e-estado-o-papel-dos-academicos/file, consultado em 22/01/2019.
    https://www.anpocs.com/index.php/papers-...
    ).
  • 10
    . Os dados foram coletados ao longo do ano de 2019.
  • 11
    . Para explicações sobre a técnica, ver: Duval (2005Duval, Julien. (2005), Economic journalism in France. Cambridge, Polity Press.), Klüger (2018Klüger, Elisa. (out. 2018), “Análise de correspondências múltiplas: fundamentos, elaboração e interpretação”. BIB, 86: 68-97.), Bertoncelo (2016Bertoncelo, Edison. (2016), “O uso da Análise de Correspondências Múltiplas nas Ciências Sociais: possibilidades de aplicação e exemplos empíricos”. anpocs, 40. Anais Eletrônicos... Caxambu, anpocs. Disponível em https://www.anpocs.com/index.php/papers-40-encontro/st-10/st16-7/10296-o-uso-da-analise-de-correspondencias-multiplas-nas-ciencias-sociais-possibilidades-de-aplicacao-e-exemplos-empiricos/file, consultado em 23/01/2020.
    https://www.anpocs.com/index.php/papers-...
    ), Le Roux & Rouanet (2010Le Roux, Brigitte & Rouanet, Henry. (2010), Multiple correspondence analysis. Londres, Sage.).
  • 12
    . A acm dos dados coletados na pesquisa concentra seu potencial explicativo nos dois primeiros eixos gerados, tendo em vista que eles correspondem a 96,3% da variância total (83,7% no eixo 1, e 12,6% no eixo 2, conforme a taxa modificada de Benzécri), de modo a possibilitar a desconsideração de outros eixos.
  • 13
    . Segundo o guia da ferramenta spad, utilizada para a elaboração das análises, “a consolidação significa reatribuir os elementos de um cluster ao outro a que eles estão mais próximos a fim de melhorar a homogeneidade interna dos clusters. O processo é feito a partir de sucessivas interações usando o algoritmo ‘centro móvel’. Os centros móveis são inicialmente os centros de gravidade dos clusters obtidos cortando a árvore [dendograma]. Os centros mudam quando os casos vão de um cluster para outro” (Coheris-Spad, 2018, p. 16). Como pode ser observado ao longo do texto, os dados utilizados foram aqueles resultantes da consolidação.
  • 14
    . Deve-se ressaltar que os dados sobre a participação interna foram coletados no site do instituto, podendo conter alguns desvios, dada a divergência entre as informações disponibilizadas no site e as declarações feitas por alguns entrevistados que constam neste trabalho.
  • 15
    . Informação presente no texto de apresentação da empresa. Ver: https://www.riobravo.com.br/RioBravo/Paginas/Apresentacao.aspx, consultado em 10/08/2019.
  • 16
    . Informação presente no texto de apresentação da empresa. Ver: https://www.btgpactual.com/quem-somos/visao-geral, consultado em 10/08/2019.
  • 17
    . Para estudos sobre as elites que dirigiram o Banco Central, ver: Perissinoto et al., 2017; e sobre o bndes, ver: Klüger, 2017.
  • 18
    . O Millenium ocupa a 34ª posição entre os cinquenta principais think tanks da América Latina, neste ranking, que é elaborado pelo Think Tanks and Civil Societies Program da Universidade da Pennsylvania e que tem sido citado em diferentes pesquisas sobre think tanks (Rocha, 2015Rocha, Camila. (2015), “Direitas em rede: think tanks de direita na América Latina”. In: Cruz, S. V. et al. (org.). Direita, volver!: o retorno da direita e o ciclo político brasileiro. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo.; Hey, 2018Hey, Ana Paula. (2018), “Think tanks e Estado: o papel dos ‘acadêmicos’”. Anpocs, 42. Anais Eletrônicos… Caxambu, anpocs. Disponível em https://www.anpocs.com/index.php/papers-40-encontro-3/gt-31/gt10-25/11191-think-tanks-e-estado-o-papel-dos-academicos/file, consultado em 22/01/2019.
    https://www.anpocs.com/index.php/papers-...
    ; Antunes, 2019Antunes, Camila. (2019), “Think tanks brasileiros: Características, dinâmicas e intervenções no campo do poder”. Sociedade Brasileira de Sociologia, sbs, 19. Anais Eletrônicos... Florianópolis, sbs, 9 a 12 jul. 2019. Disponível em http://www.sbs2019.sbsociologia.com.br/atividade/view?q=YToyOntzOjY6InBhcmFtcyI7czozNToiYToxOntzOjEyOiJJRF9BVElWSURBREUiO3M6MjoiNDEiO30iO3M6MToiaCI7czozMjoiNjc3NDg0NmYzZjFiMWQ3NWY0OTY5MzM2OGFlMDgyYmEiO30%3D&ID_ATIVIDADE=41, consultado em 10/1/2020.
    http://www.sbs2019.sbsociologia.com.br/a...
    ). Ver o ranking em: https://repository.upenn.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1017&context=think_tanks, consultado em 8/1/2020.

ANEXO

A construção dos indicadores

Para a realização da acm, foram construídas variáveis referentes a cinco principais rubricas: 1) capital acadêmico; 2) posições na acadêmica; 3) posições no setor privado; 4) posições no Estado; 5) posições na mídia. Buscamos equilibrar o número de variáveis ativas por rubrica, assim como o número de modalidades ativas por variável. Além disso, agrupamos variáveis com frequências inferiores a 5%, seguindo, portanto, as convenções estatísticas estabelecidas (Le Roux & Rouanet, 2010Le Roux, Brigitte & Rouanet, Henry. (2010), Multiple correspondence analysis. Londres, Sage.). As variáveis e modalidades empregadas foram:

Capitais acadêmicos: considerando a graduação e a última formação. Vale ressaltar que, no caso de duas graduações, levou-se em conta a primeira; quando a pessoa tinha duas pós-graduações, observou-se a de maior grau - não sendo possível fazê-lo, se de mesmo nível, optou-se por aquelas mais significativas sociologicamente, adotando-se para cada variável o critério explicitado a seguir. Devido ao potencial explicativo das variáveis de capital acadêmico, elas foram inseridas como suplementares.

Década de conclusão da graduação: a) Grad-1940-1960, décadas consideradas conjuntamente devido à frequência reduzida; b) Grad-1970; c) Grad-1980; d) Grad-1990; e) Grad-2000-2010, referente às décadas de 2000 e 2010, que também apresentaram baixa frequência.

Área de estudo da graduação: a) Grad-Direito; b) Grad-EcoAdm, incluindo graduações em economia, administração, contabilidade e comércio exterior; c) Grad-Exatas, incluindo graduações em engenharias, física, química, agronomia, ciências da computação, arquitetura e medicina (apenas uma pessoa tinha graduação em arquitetura, e duas em medicina. Assim, embora a classificação desses dois cursos como Exatas não seja óbvia, o número reduzido de casos não interfere significativamente nos resultados); d) Grad-Sociais, incluindo filosofia, história, sociologia, letras, ciência política, relações internacionais, psicologia, pedagogia; e) Grad-Comunicação/Jornalismo, incluindo os que se graduaram em comunicação, marketing e artes cênicas (apenas uma pessoa) e também os jornalistas sem formação (os jornalistas sem formação apresentam uma frequência inferior a 5%; por isso, foram agrupados na categoria Grad-Comunicação/Jornalismo, sem com isso gerar problemas interpretativos).

Tipo de instituição de graduação: a) Grad-Pública, referente aos que cursaram a graduação em instituições públicas de ensino superior - estaduais ou federais; b) Grad-Privada, indicando os que se graduaram em instituições privadas de ensino superior; c) Grad-Internacional, para os que fizeram a faculdade no exterior; d) Grad-.

Grau/Nível de pós-graduação: a) Pós-graduação-; b) Especialização, incluindo as pessoas que cursaram especialização ou mba; c) Mestrado, composta pelos mestres; d) Doutorado, para os que têm doutorado.

Tipo de instituição de pós-graduação: a) Pós-Pública, para os que completaram o último grau de pós-graduação em uma instituição pública; b) Pós-Privada, para os que completaram o último grau de pós-graduação em uma instituição privada; c) Pós-Internacional, para os que completaram o último grau de pós-graduação em instituições do exterior; d) Pós-graduação-.

Posições na academia: considerando a realização ou não de pós-doutorado e o exercício da docência). Há que se destacar que só foram considerados como docentes aqueles que de fato ocupam cargos nas universidades (como titulares, adjuntos, associados, sendo descartados os professores visitantes, convidados e horistas).

Tipo de instituição em que se exerce a docência em Ensino Superior: a) Docência-; b) Docência-Pública, referente aos professores de instituição pública de ensino superior; c) Docência-Privada, composta pelos docentes de instituição privada de ensino superior. No caso em que a mesma pessoa exerceu a docência em mais de uma universidade, foi considerada aquela em que se passou mais tempo. Quando o período foi similar, deu-se preferência por contabilizar a docência em universidade pública, que carrega maior prestígio e indica maior pertencimento ao campo acadêmico.

Realização de pós-doutorado: a) Pós-doutorado+; b) Pós-doutorado-.

Posições no setor privado: considerando a experiência no setor privado e a propriedade de empresas.

A experiência no setor privado: a) SetorPrivado-; b) SetorPrivado+. Não foram consideradas aqui as experiências em empresas de jornalismo, nem em instituições de ensino superior privadas. Nessa variável, constam tanto os funcionários quanto os proprietários.

A propriedade de empresas: a) Dono-; b) Dono+: compõem essa variável os donos de grandes empresas, startups, pequenos negócios, agências de consultoria e escritórios de advocacia.

Posições no Estado: correspondendo à ocupação de cargos no serviço público ou não (sendo eles por meio de concurso ou indicação política, embora a maioria seja através dessa última) e seu nível de importância.

Nível de importância do cargo: a) Serviço Público-; b) Serviço Público-Importância+, para aqueles que ocupam ou ocuparam cargos de assessoria, consultoria ou postos de execução; c) Serviço Público-Importância++, para os que ocuparam cargos decisórios, como secretários, ministros, presidentes, vice-presidentes, diretores-executivos etc.

Posições na mídia: auferida pela posse de coluna periódica em jornais e revistas da grande imprensa (foram consideradas apenas as colunas em grandes veículos, assim como aquelas que são periódicas), pela trajetória na imprensa ou em canais de rádio e televisão (em cargos de repórter, editor, chefe de redação e diretor).

Coluna: a) Colunista+: para aqueles que atuam ou atuaram como colunistas de jornais e revistas do país ou comentaristas de canais de rádio e televisão; b) Colunista-: para aqueles que não tiveram tais vínculos identificados.

Trajetória na Imprensa: a) Imprensa+: para aqueles que fizeram carreira na imprensa e atuaram ou atuam como repórteres em veículos da imprensa ou ainda em canais de rádio e televisão; b) Imprensa-: para aqueles que não tiveram tais vínculos identificados.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    23 Jan 2020
  • Aceito
    16 Set 2020
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