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Sindicalismo e neoliberalismo: Oito países, oito experiências e um inimigo comum

I

Ao contrário do que aconteceu após a crise capitalista de 1929 e a de 1973 (essa, depois do choque do petróleo), a crise que eclodiu em 2008 não resultou no abandono do modelo econômico dominante na maioria dos países, o neoliberalismo. Com poucas exceções, esses países experimentaram uma nova onda de medidas neoliberais, com medidas mais ou menos intensas e radicais em seus efeitos sobre os trabalhadores, dependendo da posição desses países na economia internacional: como centrais ou dependentes.

Como elas afetaram o movimento sindical organizado? Qual foi a resposta do movimento sindical? Quais políticas impactaram diretamente a vida dos trabalhadores? Quais foram as formas de luta usadas pelos trabalhadores? Mais especificamente, qual era o lugar do sindicalismo e das greves como uma forma de luta contra essas políticas?

O dossiê que apresentamos tem como objetivo oferecer algumas respostas para essas perguntas investigando empiricamente a situação dos trabalhadores e suas organizações em oito países que parecem diferentes, mas nos quais, como será visto pela leitura de cada um dos artigos, as políticas aplicadas têm perturbadoras semelhanças, visando enfraquecer a organização sindical e limitar ou anular o direito de greve, atacando direitos conquistados em períodos anteriores, implementando políticas de ajuste financeiro que impactam diretamente na quantidade e na qualidade dos empregos, o que coloca, no geral, o sindicalismo em posição bastante defensiva. Mas também mostram como a greve persiste como uma forma de luta – refutando, na prática, o discurso que a apresenta como “algo do passado”1 1 . Foi assim que um ministro do governo Macri na Argentina se referiu à greve. A realidade demonstrada pelas investigações apresentadas aqui o contradiz: a greve continua na França, na Argentina, na Itália, nos Estados Unidos e, mesmo com as restrições impostas pelos governos, no Reino Unido e também na Índia, onde foi realizada a maior greve da história em número de grevistas no momento em que esse dossiê era produzido. – enquanto criam-se novas formas de organização e ação. As políticas neoliberais falharam em eliminar a luta dos trabalhadores.

II

A origem da doutrina batizada por Ludwig von Mises como “neoliberalismo” refere-se à formação da Sociedade Mont Pelerin em 1947 (com o antecedente do Colóquio Walter Lippmann, realizado em Paris em 1938)2 2 . Na medida em que deriva criticamente do liberalismo, suas raízes podem ser rastreadas muito mais atrás. Murillo (2015) aponta sete “momentos lógicos” no processo histórico de formação da doutrina neoliberal, o primeiro encontrado na “matriz hobbesiana do pensamento político”. Outro desses momentos é a formulação da teoria subjetiva do valor em 1871. e pretendia defender a “civilização capitalista” contra o avanço do comunismo e da socialdemocracia. Foi a resposta à concepção econômica predominante após a crise capitalista que eclodiu em 1929, a consequente estagnação da atividade econômica e o fim da Segunda Guerra Mundial. Essa concepção, sintetizada como “keynesianismo”, enfatizou como objetivo o crescimento econômico com pleno emprego para alcançar o bem-estar geral. Mas no final das décadas de 1960 e 1970, a inflação generalizada e o crescimento do desemprego, “estagflação”, sinalizaram uma crise de acumulação de capital e o esgotamento de um modelo de acumulação, assolado pela queda da inflação, da taxa de lucro e pelo aumento das lutas populares, socialistas e de libertação nacional. Foi a oportunidade de impor políticas neoliberais, com o objetivo como indicado por autores como Gérard Duménil e Dominique Lévy (2004DUMÉNIL, Gérard & LÉVY, Dominique. (2004), “O imperialismo na era neoliberal”. Crítica Marxista , 18: 11-36. e 2006DUMÉNIL, Gérard & LÉVY, Dominique. (2006), “Néoliberalisme: dépassement ou renouvellement d’un ordre social?” Actuel Marx , 40: 86-101. ) e David Harvey (2015)HARVEY, David. (2015), Breve historia del neoliberalismo . Buenos Aires, Akal. , de restaurar o poder de classe da burguesia.

Harvey define neoliberalismo como:

[…] uma teoria das práticas político-econômicas que afirma que a melhor maneira de promover o bem-estar humano consiste em não restringir o livre desenvolvimento das capacidades e liberdades comerciais do indivíduo dentro de uma estrutura institucional caracterizada por fortes direitos de propriedade privada, livres mercados e liberdade de comércio (2015, p. 6).

O papel do Estado seria criar e preservar a estrutura institucional apropriada para o desenvolvimento dessas práticas por meio de suas funções e estruturas militares e policiais, para garantir direitos de propriedade e, em espaços onde não há mercado, criar as condições para a sua existência. Em suma, é um discurso que enfatiza a liberdade individual e a defesa da propriedade privada, deixando ao “mercado” a função de regular a atividade econômica e a própria vida.

III

Nas décadas de 1950 e 1960, o neoliberalismo, como doutrina, respaldado por generosas contribuições monetárias de empresas com capital concentrado, já havia conseguido se estabelecer no mundo acadêmico e universitário ( Harvey, 2015HARVEY, David. (2015), Breve historia del neoliberalismo . Buenos Aires, Akal. ). Mas conseguiu se impor como políticas governamentais apenas por meio de uma série de confrontos, nos quais o uso da força material não foi pouco e, depois, construiu o consenso social necessário. O “experimento” foi realizado nos países do Cone Sul da América Latina, especificamente no Chile, que se tornou o país “modelo” e, com menos sucesso, na Argentina, após os sangrentos golpes de Estado de 1973 e 1976, respectivamente. Embora menos sangrenta em termos de mortes físicas, mas não de “mortes sociais”, a mesma função foi cumprida pelas derrotas impostas aos controladores de tráfego aéreo pelo governo de Ronald Reagan (1981) e aos mineiros em greve de um ano pelo governo de Margaret Thatcher (1984). A violência, em termos de destruição das relações sociais, também assumiu outras formas, como o “choque Volker” em 1979 ( Harvey, 2015HARVEY, David. (2015), Breve historia del neoliberalismo . Buenos Aires, Akal. , p. 31)3 3 . “O antigo compromisso do Estado liberal-democrático com os princípios do New Deal, que geralmente envolviam políticas monetárias e fiscais keynesianas com pleno emprego como objetivo principal, foi abandonado para dar lugar a uma política projetada para reduzir a inflação, independentemente das consequências que isso possa ter no emprego. Assim começou ‘uma recessão longa e profunda que esvaziaria as fábricas e quebraria os sindicatos nos Estados Unidos e levaria os países devedores à beira da insolvência, iniciando a longa era de ajuste estrutural’”. ( Harvey, 2015 , p. 30). ou a “hiperinflação” no Brasil (segunda metade da década de 1980) e na Argentina em 1989-19904 4 . “No processo de subordinação total do capital industrial e realização de sua hegemonia [...] em março de 1976, o capital financeiro recorreu a seus quadros militares para assumir o governo do Estado, impondo por força as condições para alcançar sua hegemonia. Mas as novas condições só puderam ser totalmente concretizadas após a chamada crise terminal ‘de 1989-90, com hiperinflação’. […] A crise de 1989-90 também contém outros elementos: expressa uma luta entre capitais financeiros e, ao mesmo tempo, a subordinação absoluta dos quadros políticos a esses capitais” ( Iñigo Carrera e Podestá, 1997 ). .

Essa violência nos permite apontar uma característica do neoliberalismo que excede em muito o escopo da atividade econômica para abranger toda a vida. Em grande medida, ele constrói seu poder sobre o terror: o medo do crime (constituído em grande parte como resultado dos processos de repulsa da população dos espaços sociais que ocupava, somados ao empoderamento do crime organizado vinculado ao capital financeiro), o medo de estar desempregado, o medo da inflação e a consequente perda do poder de compra dos salários, o medo da repressão do protesto. Em síntese, o terror que Murillo (2015MURILLO, Susana. (2015), Neoliberalismo y gobiernos de la vida: diagrama global y sus configuraciones en la Argentina y América Latina . Buenos Aires, Biblos. , p. 11) nomeia como “terror da morte”, físico ou simbólico, e que constitui um elemento fundamental na construção do poder que inspira políticas neoliberais5 5 . No paradigmático caso chileno, Milton Friedman “aceitou a proposta de Hayek de que modelos [...] poderiam construir condições nas quais certos padrões comportamentais emergiriam. Ele completou essas ideias com os conceitos e práticas de um psicólogo obscuro, Ewen Cameron, que partiu da suposição de que sujeitar os humanos a situações de terror e incerteza lhes permite desconstruir seus valores e impor novos. […] Friedman, apoiado nas premissas de Hayek e Cameron, aconselhou Pinochet em 1975, aproveitando o estado de choque em que o povo chileno se viu, introduzindo as medidas mais extremas de liberdade de mercado” ( Murillo 2015 , p. 30). .

Como foi apontado pelas análises já feitas sobre esse modelo econômico, há uma diferença abissal entre o que o neoliberalismo apresenta como doutrina e a realidade do capitalismo. Assim, por exemplo, a livre concorrência declarada – que na realidade é bastante regulada pelos Estados ( Basualdo e Arceo, 2006BASUALDO, Eduardo M. & ARCEO, Enrique (compiladores). (2006), Neoliberalismo y sectores dominantes: tendencias globales y experiencias nacionales . Buenos Aires, Clacso. , p. 17)6 6 . Assim como sintetiza Harvey (2015 , p. 88), “[...] o neoliberalismo não torna irrelevantes o Estado ou instituições estatais particulares (como tribunais e funções policiais)”, mesmo que tenha havido “[...] uma reconfiguração radical das instituições e práticas do Estado (particularmente em relação ao equilíbrio entre coerção e consentimento, entre o poder do capital e movimentos populares e entre os poderes executivo e judicial, por um lado, e os poderes da democracia representativa, por outro)”. , – favorece os capitais para as quais os processos de concentração e centralização se tornaram mais poderosos em comparação com os pequenos capitais. Também gerou os monopólios ou oligopólios que dominam a atividade econômica, tornando essa uma característica fundamental do capitalismo. Igualmente, é possível notar uma diferença entre o que é o neoliberalismo nos países de economia central e nos países de economia dependente. Se em todos eles o ataque aos direitos dos trabalhadores está presente, nos países dependentes às consequências desses ataques se somam aquelas das políticas imperialistas ( Boito Jr., 1999BOITO JR., Armando. (1999), Política neoliberal e sindicalismo no Brasil . São Paulo, Xamã. ): imposição de políticas alfandegárias prejudiciais às indústrias nacionais mais frágeis, pacotes de ajuste fiscal e financeiro que provocam recessão e queda de crescimento econômico, entre outras.

Essa diferença entre discurso e realidade também é verificada em outras áreas das políticas e da ideologia ( Dardot e Laval, 2016DARDOT, Pierre & LAVAL, Christian. (2016), A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal . São Paulo, Boitempo. ) neoliberais. Isso não significa que uma parte daqueles que apoiam políticas neoliberais ou seus postulados teóricos não o faça por convicção e/ou conveniência: a oligarquia financeira conseguiu apresentar seu interesse como o interesse de outras facções burguesas e até de algumas facções assalariadas. Essa oligarquia financeira conseguiu se tornar a fração dominante de uma força social que se mobiliza sob suas bandeiras de livre mercado, competição, mérito e defesa da propriedade privada individual, às quais podemos acrescentar, em virtude das experiências recentes de eleições na maioria dos países que estão abarcados pelos textos desse dossiê, um discurso genérico e de cunho conservador contra a “corrupção” – fingindo não ter consciência de que ela é inerente ao capitalismo.

A crise capitalista de 2008, embora expusesse de maneira crua e dura as características do capitalismo contemporâneo, não alterou, em sentido positivo para os trabalhadores, o curso do neoliberalismo.

IV

O conjunto de textos que o leitor terá no dossiê deste número da revista Tempo Social reflete sobre as consequências do neoliberalismo sobre o sindicalismo em oito países: Inglaterra, Índia, Itália, Argentina, Estados Unidos, África do Sul, França e Brasil; nessa ordem. Como já dito, os impactos do neoliberalismo em suas diferentes fases e sobre economias tão desiguais quanto as desses países são variados. Nos países de economia capitalista dependente, normalmente ex-colônias – com a conhecida exceção dos Estados Unidos –, as medidas neoliberais impactam em sistemas de proteção social já frágeis e colocam os trabalhadores e trabalhadoras sindicalmente organizados em lutas defensivas que vão da reivindicação do mais elementar, a luta por salários atrasados (Brasil) e por respeito a uma jornada de trabalho máxima (Índia), até mobilizações mais amplas, como aquelas ocorridas no governo Macri, na Argentina, contra a carestia.

Mas a luta defensiva, quando observamos toda a quadra histórica do neoliberalismo (ou seja, desde seu nascimento na década de 1970), não é exclusiva do sindicalismo dos países dependentes. Na França, por exemplo, ainda que as manifestações e greves impressionem por sua dimensão e durabilidade, o que tem estado em jogo não é a conquista de novos direitos, mas a manutenção dos direitos que os movimentos dos trabalhadores já tinham alcançado no decorrer do período de Estado de bem-estar social. Isso se aplica, inclusive, à grande greve geral contra mais reformas da previdência pública, que teve início depois que Baptiste Giraud escreveu o seu texto sobre o sindicalismo francês: entre 5 de dezembro 2019 e o final de janeiro de 2020. O sindicalismo lida com um inimigo comum diante do neoliberalismo; isso, além dos muitos específicos: a informalidade ou ausência de contrato de trabalho de 90% da população trabalhadora indiana e a inexistência prática do direito de greve no país; o neofascismo que ameaça toda e qualquer oposição no Brasil e coloca em cheque conquistas da década de 1930; as permanentes tentativas de tornar a aposentadoria da maior parte da população trabalhadora italiana próxima daquilo que é o benefício mínimo; as greves menores em termos de duração e adesão na Europa como um todo; o sindicalismo mais afeito a negociação à frio do que às massas mobilizadas – mas ainda assim com dificuldades de se estabelecer em virtude de uma estrutura sindical restritiva e de práticas abertamente antissindicais das empresas – dos Estados Unidos, entre outros.

Os textos do dossiê “Sindicalismo e neoliberalismo” possuem abordagens temporais e escopos de análises bastante distintos. O leitor também observará diferenças nas linguagens de cada texto, fruto do tipo de inserção institucional de seus autores e do conjunto teórico que cada um esposa. Tal como os estudiosos das Ciências Sociais o sabem, estudos comparativos são difíceis e demandam muito tempo de trabalho sobre dados que são colhidos, no geral, de maneiras muitos distintas e por instituições de objetivos variados: Estados, organismos intersindicais, organizações não governamentais etc. Portanto, não há entre estes textos qualquer tentativa de estabelecer comparações internacionais. Obviamente, o leitor interessado fará as suas. Mas desejamos que elas sejam feitas com base em textos sobre realidade nacionais calcados em bibliografia específica, mas extensa, e em pesquisas empíricas (seja em dados estatísticos, fontes documentais, entrevistas ou imprensa sindical e geral) feitas de maneira rigorosa.

O texto dos colegas argentinos Nicolás Iñigo Carrera, Maria Célia Cotarelo e Fabián Fernandez é, dentro todos, o que aborda o menor espaço de tempo do neoliberalismo. Os autores refletem sobre a experiência do sindicalismo argentino diante do período de governo da direita no país, entre 2015 e 2019 com Maurício Macri. Para Iñigo Carrera, Cotarelo e Fernandez o sindicalismo se demonstrou muito ativo diante das políticas econômicas implementadas, mas pôde avançar de maneira limitada dado o nível de fragmentação das organizações sindicais.

Baptiste Giraud, em seu texto sobre o sindicalismo francês, privilegiou abordar as consequências do neoliberalismo para esse tipo de organização. Para o autor, o neoliberalismo fragilizou a ação sindical, especialmente no que tange às negociações coletivas e às greves, embora, desde o início dos anos 2000, seja possível ver uma retomada da atividade grevista no país.

Assim como o artigo de Paula Marcelino e Andréia Galvão sobre o Brasil, o texto de Chris Rhomberg sobre o sindicalismo nos Estados Unidos retrocede à crise de 2008 para analisar o comportamento e a situação sindical. Para esse autor, merecem destaque os novos repertórios de ação dos sindicatos e as novas ofensivas conservadoras no plano local e nacional. No decorrer da administração Trump teria havido um acirramento dos conflitos e das greves.

No caso do artigo sobre o Brasil, as autoras procuram refletir sobre o perfil das greves e das movimentações no nível das centrais sindicais ao longo dos anos pós crise de 2008. Segundo apontam as autoras, o sindicalismo brasileiro viveu uma fase algo excepcional em termos de ativismo e conquistas, com especial ênfase na formação de novas centrais sindicais e nas reivindicações econômicas. Mas essa fase durou o tempo dos governos do Partido dos Trabalhadores. Passados os doze anos desses governos, o sindicalismo brasileiro enfrenta uma verdadeira contraofensiva restauradora do neoliberalismo mais ortodoxo.

O artigo de Davide Bubbico sobre o sindicalismo na Itália talvez seja o mais rico em termos de detalhamento das políticas neoliberais; lá implantadas por governo de centro-esquerda e centro-direita. Segundo Bubbico, o nível de adesão à maior central sindical de esquerda do país não tem se refletido na mesma proporção na capacidade de mobilização e de greve dos trabalhadores. Tanto grandes empresas quanto serviço público, bastiões do movimento sindical na Itália, assim como na maioria dos países abarcados neste dossiê, presenciam queda na atividade sindical no geral e na grevista em particular.

Para refletir sobre o sindicalismo e o neoliberalismo na Grã-Bretanha, temos um artigo do historiador Steven Cushion. O autor está especialmente interessado na discussão sobre o Brexit (processo de saída da União Europeia) e nos conflitos que essa saída do Reino Unido, decidida em plebiscito no ano de 2016, significou em termos de divisão tanto entre as várias frações burguesas quanto entre as alas neoliberal e reformista do sindicalismo. Para o autor, a opção pela saída trará muitos custos ao sindicalismo britânico.

O dossiê também disponibiliza para o leitor da Tempo Social um artigo sobre o sindicalismo diante do neoliberalismo na África do Sul. Bridget Kenny expõe a realidade de um país cujo conflito entre a força de trabalho negra e branca ainda é bastante acentuado; em que as organizações sindicais, presença constante no cenário político do país, se veem diante da necessidade de novas formas de ação e luta e da fragmentação dentro da maior federação sindical, a COSATU.

As situações sociais que o sindicalismo e os trabalhadores devem enfrentar em países como Brasil, Argentina e África do Sul são, claramente, muito piores que as de Estados Unidos, Grã-Bretanha, Itália e França. Mas ainda não se comparam aos desafios enfrentados pelos trabalhadores, organizados em sindicatos ou não, da Índia. Tendo por base uma larga pesquisa empírica no setor de confecções, Vijay Prashad e Pindiga Ambedkar refletem sobre a natureza e a proporção dos problemas enfrentados pelo sindicalismo indiano. Mesmo antes do governo de extrema direita de Narendra Modi, desde o período de liberalização iniciado em 1991, os sindicatos indianos sofrem com tentativas permanentes de desmobilização e desmoralização. Uma classe trabalhadora que conta com apenas 10% de seu total possuidor de um contrato de trabalho formal, vivendo a contradição de estar no país que é a sétima economia7 7 . Na ordem decrescente, os oito países em análise estão assim classificados quanto à sua posição econômica: Estados Unidos (1ª), Índia (7ª), Reino Unido (8ª), França (9ª), Itália (10ª), Brasil (11ª), Argentina (31ª) e África do Sul (39ª). Todos os dados sobre a posição da economia de cada país em comparação com os outros foram retirados de: https://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2019/ 02/weodata/index.aspx. Há outras formas de estimar essa posição, diferentes daquelas do FMI. Acesso em: 16/03/2020. do mundo, mas cujo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) não passa de 0,6098 8 . Disponível em http://demo.istat.it/bilmens2019gen/index.html , consultado em 16/3/2020. – o menor dentre os oito países que compõem este dossiê9 9 . Em ordem decrescente, os IDHs dos oito países são: Reino Unido, 0,922; Estados Unidos, 0,920; França, 0,891; Itália, 0,833; Argentina, 0,825; Brasil, 0,791; África do Sul, 0,699 e Índia, 0,609. Todos os dados sobre IDH foram retirados de: http://hdr.undp.org/en/composite/HDI . Para um debate não muito extenso sobre os limites e alcances da métrica IDH, ver o site https://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home.html . Por hora, é importante retermos que o índice varia de zero a um; assim, países com IDH até 0,499 têm desenvolvimento humano considerado baixo, os países com índices entre 0,500 e 0,799 são considerados de médio desenvolvimento humano e países com IDH superior a 0,800 têm desenvolvimento humano considerado alto. – enfrenta o desafio de resistir à sua integração absurdamente subordinada às cadeias globais de produção.

V

Por fim, uma palavra sobre os desafios que a leitura de um dossiê como este pode nos colocar. Para além da dificuldade já apontada de estabelecer comparações diante de realidades nacionais tão distintas e, ao mesmo tempo, da necessidade de fazê-las, parece-nos pertinente recolocarmos a questão da importância de uma retomada do debate no nível teórico, de uma teoria da ação sindical. Há traços gerais que são característicos do sindicalismo no mundo todo para além daquele da defesa da venda, nas melhores condições possíveis, da mercadoria força de trabalho? O sindicalismo de tipo tradeunionista, americano ou inglês, bem como a ação cada vez mais de concertação social e reformista dos sindicatos, federações e centrais de Itália e Grã-Bretanha seriam o destino do sindicalismo no capitalismo? Se não, o que define as características possíveis da ação sindical? Se o sindicalismo nasce com o modo de produção capitalista ( Boito Jr., 2001BOITO JR., Armando. (2001), “Pré-capitalismo, capitalismo e resistência dos trabalhadores: nota para uma teoria da ação sindical”. Crítica Marxista , 12. São Paulo, Boitempo, pp. 77-104. ), seria o neoliberalismo uma fase que alteraria de maneira definitiva a estrutura dessa forma de luta das classes trabalhadoras? O convite à leitura e à reflexão está feito.

Referências Bibliográficas

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    » www.pimsa.secyt.gov.ar
  • MURILLO, Susana. (2015), Neoliberalismo y gobiernos de la vida: diagrama global y sus configuraciones en la Argentina y América Latina . Buenos Aires, Biblos.
  • 1
    . Foi assim que um ministro do governo Macri na Argentina se referiu à greve. A realidade demonstrada pelas investigações apresentadas aqui o contradiz: a greve continua na França, na Argentina, na Itália, nos Estados Unidos e, mesmo com as restrições impostas pelos governos, no Reino Unido e também na Índia, onde foi realizada a maior greve da história em número de grevistas no momento em que esse dossiê era produzido.
  • 2
    . Na medida em que deriva criticamente do liberalismo, suas raízes podem ser rastreadas muito mais atrás. Murillo (2015)MURILLO, Susana. (2015), Neoliberalismo y gobiernos de la vida: diagrama global y sus configuraciones en la Argentina y América Latina . Buenos Aires, Biblos. aponta sete “momentos lógicos” no processo histórico de formação da doutrina neoliberal, o primeiro encontrado na “matriz hobbesiana do pensamento político”. Outro desses momentos é a formulação da teoria subjetiva do valor em 1871.
  • 3
    . “O antigo compromisso do Estado liberal-democrático com os princípios do New Deal, que geralmente envolviam políticas monetárias e fiscais keynesianas com pleno emprego como objetivo principal, foi abandonado para dar lugar a uma política projetada para reduzir a inflação, independentemente das consequências que isso possa ter no emprego. Assim começou ‘uma recessão longa e profunda que esvaziaria as fábricas e quebraria os sindicatos nos Estados Unidos e levaria os países devedores à beira da insolvência, iniciando a longa era de ajuste estrutural’”. ( Harvey, 2015HARVEY, David. (2015), Breve historia del neoliberalismo . Buenos Aires, Akal. , p. 30).
  • 4
    . “No processo de subordinação total do capital industrial e realização de sua hegemonia [...] em março de 1976, o capital financeiro recorreu a seus quadros militares para assumir o governo do Estado, impondo por força as condições para alcançar sua hegemonia. Mas as novas condições só puderam ser totalmente concretizadas após a chamada crise terminal ‘de 1989-90, com hiperinflação’. […] A crise de 1989-90 também contém outros elementos: expressa uma luta entre capitais financeiros e, ao mesmo tempo, a subordinação absoluta dos quadros políticos a esses capitais” ( Iñigo Carrera e Podestá, 1997IÑIGO CARRERA, Nicolás & PODESTÁ, Jorge. (1997), “Las nuevas condiciones en la disposición de fuerzas objetiva: la situación del proletariado”. In: PIMSA. Documentos y comunicaciones. Disponível em www.pimsa.secyt.gov.ar, consultado em 16/3/2020.
    www.pimsa.secyt.gov.ar...
    ).
  • 5
    . No paradigmático caso chileno, Milton Friedman “aceitou a proposta de Hayek de que modelos [...] poderiam construir condições nas quais certos padrões comportamentais emergiriam. Ele completou essas ideias com os conceitos e práticas de um psicólogo obscuro, Ewen Cameron, que partiu da suposição de que sujeitar os humanos a situações de terror e incerteza lhes permite desconstruir seus valores e impor novos. […] Friedman, apoiado nas premissas de Hayek e Cameron, aconselhou Pinochet em 1975, aproveitando o estado de choque em que o povo chileno se viu, introduzindo as medidas mais extremas de liberdade de mercado” ( Murillo 2015MURILLO, Susana. (2015), Neoliberalismo y gobiernos de la vida: diagrama global y sus configuraciones en la Argentina y América Latina . Buenos Aires, Biblos. , p. 30).
  • 6
    . Assim como sintetiza Harvey (2015HARVEY, David. (2015), Breve historia del neoliberalismo . Buenos Aires, Akal. , p. 88), “[...] o neoliberalismo não torna irrelevantes o Estado ou instituições estatais particulares (como tribunais e funções policiais)”, mesmo que tenha havido “[...] uma reconfiguração radical das instituições e práticas do Estado (particularmente em relação ao equilíbrio entre coerção e consentimento, entre o poder do capital e movimentos populares e entre os poderes executivo e judicial, por um lado, e os poderes da democracia representativa, por outro)”.
  • 7
    . Na ordem decrescente, os oito países em análise estão assim classificados quanto à sua posição econômica: Estados Unidos (1ª), Índia (7ª), Reino Unido (8ª), França (9ª), Itália (10ª), Brasil (11ª), Argentina (31ª) e África do Sul (39ª). Todos os dados sobre a posição da economia de cada país em comparação com os outros foram retirados de: https://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2019/ 02/weodata/index.aspx. Há outras formas de estimar essa posição, diferentes daquelas do FMI. Acesso em: 16/03/2020.
  • 8
    . Disponível em http://demo.istat.it/bilmens2019gen/index.html , consultado em 16/3/2020.
  • 9
    . Em ordem decrescente, os IDHs dos oito países são: Reino Unido, 0,922; Estados Unidos, 0,920; França, 0,891; Itália, 0,833; Argentina, 0,825; Brasil, 0,791; África do Sul, 0,699 e Índia, 0,609. Todos os dados sobre IDH foram retirados de: http://hdr.undp.org/en/composite/HDI . Para um debate não muito extenso sobre os limites e alcances da métrica IDH, ver o site https://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home.html . Por hora, é importante retermos que o índice varia de zero a um; assim, países com IDH até 0,499 têm desenvolvimento humano considerado baixo, os países com índices entre 0,500 e 0,799 são considerados de médio desenvolvimento humano e países com IDH superior a 0,800 têm desenvolvimento humano considerado alto.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2020

Histórico

  • Recebido
    18 Mar 2020
  • Aceito
    20 Mar 2020
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