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Escravidão emoldurada: entre noções locais de cativeiro e definições legais de escravidão contemporânea

Framed Slavery: amid local notions of captivity and legal definitions of contemporary slavery

Resumo

O que é escravidão? É possível identificá-la em contextos em que foi legalmente abolida? Para responder às questões, o artigo analisa os usos da escravidão como moldura interpretativa, criada a partir de um rito da cultura popular, que atribui sentido a experiências de exploração e privação vividas no trabalho. Essa moldura permite reconhecer formas contemporâneas de escravidão previstas na legislação nacional e identificar outras não abarcadas. Baseada em pesquisa etnográfica sobre os congados mineiros, a análise oferece uma contribuição antropológica aos estudos sobre os elementos constitutivos da escravidão e suas definições legais. Apresenta possibilidades para melhor adequação desses dispositivos jurídicos às circunstâncias em que operam, sugerindo maneiras de traduzi-los nos termos dos que percebem suas condições de trabalho, ou as do segmento social a que pertencem, como associadas à escravidão.

Palavras-chave:
Escravidão Contemporânea; Cativeiro; Moldura; Dívida; Controle

Abstract

What is slavery? Is it possible to identify it in contexts where it was legally abolished? To answer these questions, the article analyzes the uses of slavery as an interpretative framework, created from a popular culture rite, which gives meaning to experiences of exploitation and deprivation lived at work. This framework makes it possible to recognize contemporary forms of slavery foreseen in national legislation and to identify others that are not covered. Based on ethnographic research on the congados mineiros, the analysis offers an anthropological contribution to studies of the constitutive elements of slavery and its legal definitions. It presents possibilities for better adapting these legal devices to the circumstances in which they operate, suggesting ways of translating them in terms of those who perceive their working conditions, or those of the social segment to which they belong, as associated with slavery.

Keywords:
Contemporary Slavery; Captivity; Frame; Debt; Control

Nina e Francisco (nomes fictícios) eram trabalhadores rurais, não brancos, que em meados dos anos 2000 atuavam nas lavouras de café no Alto do Paranaíba, região oeste do estado de Minas Gerais. Além da atividade laboral, partilhavam a prática devocional da congada realizada no catolicismo popular brasileiro e fundamentada na experiência da escravidão que, entre os/as congadeiros/as, é expressa pela categoria cativeiro. Ambos carregavam na memória individual e familiar experiências contemporâneas de trabalho associadas ao cativeiro. Elas foram vividas no trabalho rural, pelo pai de Francisco, e no trabalho doméstico realizado por Nina durante sua infância e juventude.

Suas histórias, além dos dados e informações aqui apresentados, decorrem de pesquisa etnográfica realizada em 2004 sobre os congados mineiros na região, que permitiu reconhecer a importância da escravidão enquanto moldura interpretativa que atribui sentido às experiências atuais de trabalho1 1 A pesquisa etnográfica realizada na região do Alto do Paranaíba, oeste de Minas Gerais, pretendeu responder a indagações teóricas que, de forma simples e resumida, procuravam a África no Brasil ou, mais particularmente, buscavam diferentes expressões das culturas africanas em Minas Gerais, estado apresentado por Bastide e Fernandes (1955, p. 103), ao lado de Rio de Janeiro, Bahia e São Paulo, como uma província negreira da nação. Se era comum o esforço analítico de buscar a África na Bahia, por que não realizá-lo a partir de Minas Gerais? A herança africana possivelmente estaria imiscuída a aspectos herdados da escravidão e, desse modo, fazia sentido analisar cidades em que a presença da escravidão africana tivesse sido significativa. Procuravam-se contextos que possibilitassem identificar quais estratégias de resistência à discriminação poderiam ser elaboradas pela parcela não branca de cidades mineiras. Indagava se essas estratégias não estariam ligadas à construção de uma tradição ou um mito - e um rito - de origem ligados à ancestralidade africana. Durante a pesquisa de campo realizada em 2004, quando residi na cidade de Serra do Salitre, aquelas indagações iniciais foram paulatinamente desconstruídas. A escravidão lembrada e periodicamente atualizada nos congados, ao invés da ancestralidade africana, aparecia como experiência central para a realização de estratégias de resistência e contestação das desigualdades sociais, bem como para a elaboração de uma cosmologia sociocultural em que o negro e/ou o descendente de escravos aparece de forma efetiva e socialmente reconhecida (Costa, 2012, p. 15). . Elaborada a partir de um rito da cultura popular, que contesta as desigualdades de uma estrutura social rigidamente assimétrica, essa moldura possibilita identificar a injustiça e a exploração de situações laborais. O que revela formas contemporâneas de escravidão previstas na legislação nacional e outras não abarcadas por esta.

As histórias de Nina e Francisco são emblemáticas de situações que estabelecem pressupostos de inferioridade aos/às trabalhadores/as e viabilizam distintas formas de controle que restringem significativamente suas liberdades individuais, para fins de exploração do seu trabalho. Por isso, podem ser consideradas casos de escravidão contemporânea (Bales, 2012BALES, Kevin. (2012), “Slavery in its contemporary manifestations”. In: ALLAIN, Jean (ed.) The Legal understanding of slavery. From the historical to the contemporary. Oxford, Oxford University Press, pp. 281-303., p. 283). Ao mesmo tempo, não são formas individuais e excepcionais de subserviência e exploração, mas práticas estabelecidas e recorrentes que mantêm uma estrutura social e econômica, bem como que se imiscuem em relações de classe marcadamente desiguais nessa estrutura.

Reconhecer formas contemporâneas de escravidão nas histórias abordadas impede que a análise incorra no risco apontado por Meillassoux (1991MEILLASSOUX, Claude. (1991), The anthropology of slavery. The womb of iron and gold. Chicago, University of Chicago Press., p. 9) de esmiuçar uma definição de escravizado sem caracterizar a escravidão como um sistema social. A libertação de Madalena Gordiano, em dezembro de 2020, trabalhadora doméstica de 46 anos submetida a condições de escravidão por 38 anos na cidade de Patos de Minas-MG2 2. Conferir: “MG: após 38 anos, mulher em condições semelhantes a escravidão é libertada” (2020). , ou, ainda, a libertação de catorze trabalhadores, em agosto de 2020, em uma fazenda no Maranhão, que, além de escravizados, podiam ouvir do produtor: Eu quero meus dez trabalhadores! Cadê os cinco que eu comprei?3 3. Conferir: “‘Cadê os cinco que eu comprei?’: pandemia acentua retomada da escravidão no país” (Stropasolas, 2020). , apontam para a pertinência e a atualidade das histórias de Nina e Francisco. Entender as práticas e os significados do cativeiro vividos nas situações por eles narradas revela a persistência da escravidão nos termos daqueles que a sofreram.

A partir das duas histórias este artigo analisará: como a escravidão emerge como enquadramento organizador de experiências contemporâneas de privação e exploração; que formas de escravidão contemporânea são reveladas nas situações de cativeiro narradas; e como essas práticas desafiam a adequação do dispositivo legal brasileiro, expresso no Artigo 149 do Código Penal, para criminalizar as “condições análogas à escravidão” vigentes no país e proteger os/as sobreviventes e vulneráveis.

Sua contribuição destina-se aos estudos sobre os elementos constitutivos da escravidão e suas definições legais, considerando sua pertinência para interpretar a realidade atual. Nesse sentido, o artigo segue os estudos históricos de Scott (2012SCOTT, Rebecca J. (2012), “Under Color of Law: Siliadin v. France and the dynamics of enslavement in historical perspective”. In: ALLAIN, Jean (ed.). The legal understanding of slavery. From the historical to the contemporary. Oxford, Oxford University Press, pp. 152-164. e 2013) sobre manifestações de escravidão quando o status jurídico de escravo foi legalmente abolido. Da mesma forma, acompanha as análises sociológicas de Quirk (2012)QUIRK, Joel. (2012), “Defining slavery in all its forms”. In: ALLAIN, Jean (ed.). The legal understanding of slavery. From the historical to the contemporary. Oxford, Oxford University Press, pp. 253-277. e Bales (2012)BALES, Kevin. (2012), “Slavery in its contemporary manifestations”. In: ALLAIN, Jean (ed.) The Legal understanding of slavery. From the historical to the contemporary. Oxford, Oxford University Press, pp. 281-303., sobre a relevância da definição de escravidão contida na Convenção sobre a Escravatura de 19264 4. Convenção de 1926 e seu suplemento elaborado em 1956, conferir: http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/trabalho-escravo/convencao_escravatura_genebra_1926.pdf, consultado em 11/2/2021. , bem como de Cullen (2012)CULLEN, Holly. (2012), “Contemporary International Legal Norms on Slavery: Problems of Judicial Interpretation and Application”. In: ALLAIN, Jean (ed.) The legal understanding of slavery. From the historical to the contemporary. Oxford, Oxford University Press, pp. 304-321. sobre a centralidade do aspecto controle para identificar a escravidão em diferentes formas de exploração. Como contraponto serão mencionadas críticas à Convenção de 1926, destacadas por Miers (2005)MIERS, Suzanne. (2005), “Le nouveau visage de l’esclavage au XXe siècle”. Cahiers d’Études Africains, 179-180: 667-688. e Botte (2005)BOTTE, Roger. (2005), “Les habits neufs de l’esclavage: métamorphoses de l’oppression au travail”. Cahiers d’Études Africains, 179-180: 651-666., quanto à impossibilidade de ela fornecer uma definição consensual de escravidão capaz de abarcar situações enraizadas e díspares no cenário internacional. O que impede a adoção de medidas corretivas particulares por parte dos Estados que assumem o compromisso de abolir a prática nos termos definidos pelo tratado internacional.

Além disso, o artigo visa a contribuir para a formulação de repostas necessárias às questões igualmente feitas por esses/as autores/as: O que é escravidão? É possível identificá-la na contemporaneidade em contextos em que foi legalmente abolida? A noção de moldura utilizada por Trajano Filho (2011)TRAJANO FILHO, W. (2011), “Goffman en Afrique. Les cortèges des tabancas et les cadres de l’experience”. Cahiers d’Études Africains, 201: 193-236., os estudos de Patterson (1982)PATTERSON, Orlando. (1982), Slavery and social death. A comparative study. Cambridge, Massachusetts, Harvard University Press. e Bales (2000BALES, Kevin. (2000), Disposable people. New slavery in the global economy. Berkley e Los Angeles, University of California Press. e 2012) sobre os elementos constitutivos da relação de escravidão, as diretrizes Bellagio-Harvard (2012)5 5. The Bellagio-Harvard Guidelines on the Legal Parameters of Slavery. Disponível em: https://glc.yale.edu/sites/default/files/pdf/the_bellagio-_harvard_guidelines_on_the_legal_parameters_of_slavery.pdf, consultado em 10/3/2021. sobre os parâmetros jurídicos de escravidão, bem como as discussões de Scott (2013)SCOTT, Rebecca J. (2013), “O trabalho escravo contemporâneo e os usos da História” (Contemporary Slave Labor and the uses of History). Public Law and Legal Theory Research Paper Series. Paper n. 333, July., Kalil e Gurjão (2018)KALIL, Renan Bernardi & GURJÃO, Paulo Henrique, (2018), “Os descaminhos do conceito de trabalho em condições análogas às de escravo no congresso nacional: aonde o poder legislativo quer chegar?”. In: FIGUEIRA, Ricardo R.; PRADO, Adonia A.; GALVÃO, Edna M. & JACOB, Valena (orgs.). Estudos sobre as formas contemporâneas de trabalho escravo. Rio de Janeiro, Mauad X, pp. 509-530. sobre a adequação do dispositivo legal brasileiro para abordar situações contemporâneas serão orientadores desta análise. A eficácia da lei será analisada quanto a sua capacidade de corresponder à realidade objetiva em que opera, o que dialoga com os estudos sobre consciência legal (legal consciousness) abordados por Silbey (2005)SILBEY, Susan S. (2005), “After legal consciousness”. Annual Law Review of Law and Social Science, 1: 323-368., cujo foco era a análise da manutenção do poder institucional da lei frente à lacuna presente entre a lei nos livros e a lei em ação (Silbey, 2005SILBEY, Susan S. (2005), “After legal consciousness”. Annual Law Review of Law and Social Science, 1: 323-368., p. 323). Sugere-se que o cativeiro como moldura cultural pode contribuir para a consistência e a coerência entre a lei, seus usos e os fatos concretos sobre os quais ela deve atuar.

O cativeiro como moldura

Difundida em quase todo o território nacional, em áreas rurais, urbanas e nas periferias das grandes cidades, a congada é uma manifestação artística de cunho religioso. É constituída por diversos grupos que durante as festas religiosas, sobretudo em homenagem à N. Sra. do Rosário, tocam e dançam em diferentes ritmos e estilos (catopés, moçambiques, congos e vilões), além de cantarem versos que lembram a escravidão e louvam a santa.

A partir de narrativas amplamente partilhadas pelos/as praticantes da congada, a santa branca apareceu para os/as escravizados/as e se manteve ao seu lado nos momentos de dor, embora os/as senhores/as tentassem carregá-la para uma capela construída em sua homenagem. Sua transferência definitiva para a igreja só foi possível quando os/as cativos/as a conduziram em meio a seus cantos e danças próprios6 6. Narrativas sobre esse evento mítico são compartilhadas pelos congadeiros de outras partes do território nacional, o que é considerado característica específica e restrita à congada (Brandão, 1974 e 1985). . A preferência da santa pelos/as escravizados/as os/as transformou no povo de Nossa Senhora, Filhos/as do Rosário, devolvendo-lhes, assim, a condição humana que a situação do cativeiro lhes havia negado. A igualdade de condição é instaurada entre senhores/as e cativos/as, ainda que restrita ao momento.

A dança dos/as escravos/as permaneceu nos grupos de congada, pensados hoje como formas únicas de devoção à N. Sra. do Rosário. A atualização periódica do evento ocorre em festas religiosas. Isso permite reavivar entre os congadeiros/as a consciência de igualdade estabelecida por intermédio da santa entre escravizados/as e senhores/as, e que hoje pode ser transposta para a relação entre patrões/oas e empregados/as. Essa lembrança é parte indissociada das performances rituais realizadas pelos congados e encerra um potencial contestador das desigualdades sociais7 7. Sobre o aspecto performativo dos ritos, ou sobre a propriedade dos ritos de alcançarem uma mudança de estado ou de “fazerem algo” efetivamente pela combinação de palavras e ações, conferir Tambiah (1985). (Costa, 2012COSTA, Patricia Trindade Maranhão. (2012), As raízes da congada: A renovação do presente pelos Filhos do Rosário. Curitiba, Editora Appris., pp. 29-30). Ao atualizar um mito de origem que confere e ressalta a capacidade de agir dos/as escravizados/as, os/as congadeiros/as criam um campo semântico que lhes permite questionar as rígidas posições sociais vigentes no passado e no presente e, a partir disso, identificar, denominar e denunciar situações contemporâneas associadas à escravidão.

Se a escravidão é a principal referência para pensar a congada, no Alto do Paranaíba ela é expressa a partir da categoria cativeiro e se constitui num conjunto de ideias sobre um contexto marcado pela exploração, discriminação, maus-tratos, falta de liberdade e de autonomia produtiva (Idem, p. 35). Via de regra, refere-se a um período de tempo ligado ao passado. Pode ser um passado distante, quando associado à escravidão do período colonial que afetou principalmente os/as escravizados/as trazidos/as da África e seus descendentes, ou um passado próximo, quando não havia escravidão legalizada, mas situações que resultaram na privação de liberdade e na exploração do trabalho de sujeitos formalmente considerados livres. Este foi o caso de trabalhadores/as rurais vindos, sobretudo, do nordeste do Brasil, que muitos anos após a abolição foram trabalhar nas fazendas de café do Alto do Paranaíba sendo submetidos a semelhantes privações e discriminações. O cativeiro, desse modo, fala de uma situação que estabelece certos pressupostos de inferioridade aos /às escravizados/as e que na região atingiu preferencialmente, mas não exclusivamente, os/as negros/as.

A escravidão, portanto, aparece como evento, que é parte de um passado histórico, e como moldura que ajuda os sujeitos de hoje a pensar experiências de exploração e privação vividas, sobretudo, no âmbito do trabalho. A noção de moldura refere-se à ferramenta analítica utilizada por Trajano Filho (2011)TRAJANO FILHO, W. (2011), “Goffman en Afrique. Les cortèges des tabancas et les cadres de l’experience”. Cahiers d’Études Africains, 201: 193-236. nos estudos sobre os festejos das tabancas que se realizam periodicamente em Cabo Verde. Essa noção foi inspirada nos conceitos de frame (work) e keying desenvolvidos por Goffman (1986 apudTrajano Filho, 2011TRAJANO FILHO, W. (2011), “Goffman en Afrique. Les cortèges des tabancas et les cadres de l’experience”. Cahiers d’Études Africains, 201: 193-236.) para falar das estruturas que organizam as experiências das pessoas, fornecendo os esquemas de interpretação utilizados para definir e dar sentido às situações sociais em que estão envolvidas. É por meio dessas molduras ou enquadramentos (frames) que os sujeitos percebem, identificam, localizam e nomeiam as atividades em que estão inseridos. As várias molduras de uma sociedade funcionam como modelos que podem ser transformados, dando sentido e organizando a experiência dos sujeitos em outras situações e gerando novos enquadramentos.

A atualização dessa moldura parece estar refletida na utilização da categoria cativeiro pelos/as congadeiros/as para pensar situações presentes marcadas pela exploração no trabalho. Tais situações podem ser tipificadas no artigo n. 149 do Código Penal Brasileiro, que criminaliza práticas que submetem os/as trabalhadores/as a “condições análogas à escravidão”. Estas são caracterizadas pela presença de condições degradantes de trabalho, jornadas exaustivas, trabalho forçado ou cerceamento da liberdade, seja em razão de dívida, por restrição ao uso de transporte, pela manutenção de vigilância ostensiva ou pela retenção de documentos e objetos pessoais, conforme o texto da lei8 8. Ver: Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. “Lei n. 10.803, de 11 de dezembro de 2003”. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.803.htm, consultado em 4/2/2021. . O cativeiro e as “condições análogas à escravidão” sugerem possíveis maneiras pelas quais a escravidão legalizada ocorrida no Brasil pode ser acionada para denominar e dar sentido às circunstâncias encontradas hoje.

No entanto, a expressão “análoga” utilizada na lei marca a diferença entre a escravidão legalizada e a contemporânea, com o objetivo de desconstruir o estereótipo do escravo colonial, acorrentado e submetido às senzalas, na medida em que não corresponde exatamente às condições em que são encontradas e resgatadas as vítimas da escravidão contemporânea no Brasil (Melo, 2007MELO, Luís Antônio Camargo de. (2007), “Atuação do Ministério Público do Trabalho no Combate ao Trabalho Escravo - crimes contra a organização do trabalho e demais crimes conexos”. In: Possibilidades jurídicas de combate à escravidão contemporânea. Brasília, International Labour Office, ILO, pp. 65-103.). Esse estereótipo foi desconstruído no texto da lei para evitar que situações de escravidão contemporânea que não correspondessem a essa imagem pudessem ser descartadas por operadores do Direito, deixando de ser punidas a pretexto de não corresponderem àquela imagem estereotipada (Costa, 2010COSTA, Patricia Trindade Maranhão. (2010), Combatendo o trabalho escravo contemporâneo: o exemplo do Brasil. Brasília, International Labour Office, ILO.).

Na congada estão atualmente reunidos todos/as aqueles/as que identificam nas suas histórias individuais ou familiares situações de privação associadas ao cativeiro ou interpretadas a partir da experiência da escravidão. Os congados agregam, por isso, os descendentes dos antigos escravos ou dos negros cativos que construíram as cidades e fazendas do Alto do Paranaíba, bem como reúnem filhos/as e netos/as daqueles/as trabalhadores/as que reconhecem a escravidão como parte do seu passado de grupo.

Os cativeiros de Nina e Francisco

Nina pertence a uma família originária da região. Sua bisavó estava entre os/as antigos/as escravos/as que construíram as primeiras fazendas e cidades do Alto do Paranaíba, além de ter ajudado a manter as famílias proprietárias daquelas terras. Semelhante a outros/as escravizados/as, sua bisavó trazia marcas físicas e psicológicas do período de escravidão e que afetavam muito a família, como a reprodução, entre os membros da própria família, de um padrão de maus-tratos sofridos naquele contexto (Costa, 2012COSTA, Patricia Trindade Maranhão. (2012), As raízes da congada: A renovação do presente pelos Filhos do Rosário. Curitiba, Editora Appris.). Outra característica partilhada pelos/as descendentes dos antigos escravos é a vulnerabilidade social e econômica decorrente da ausência de meios de vida e da dificuldade de acesso a oportunidades (educação, saúde, emprego, assistência e previdência social) que lhes permitissem assegurar a sobrevivência da família de forma contínua.

Tais vulnerabilidades decorrem do processo social que acompanhou a transformação dos antigos escravos em trabalhadores/as livres na região. Sem recursos para a aquisição de terras e outros meios de produção logo após a abolição, em 1888, sua sobrevivência permaneceu atrelada ao trabalho nas fazendas, transformando-os/as em agregados/as das mesmas. Paradoxalmente, a “lei de usucapião”, oficialmente instituída no Brasil pelo Código Civil de 19169 9. Conferir: “Origem histórica da usucapião” (Barbosa, 2016). , fez com que esses/as trabalhadores/as rurais fossem expulsos do campo. A lei permitia a reivindicação do título de propriedade por meio da ocupação e do trabalho contínuos comprovadamente realizados em uma área rural, de até 25 hectares, durante cinco anos ininterruptos10 10. Idem. .

A possibilidade de ter parte das fazendas legalmente apropriadas pelas famílias que viveram e trabalharam nessas terras por mais de vinte anos, primeiro na condição de escravizados/as e, posteriormente, como trabalhadores/as livres, levou à expulsão dessas famílias para as cidades próximas. Estas se tornaram a periferia urbana daquelas propriedades rurais ou cidades-dormitório que abrigavam trabalhadores/as, cuja sobrevivência permanecia vinculada ao trabalho nas fazendas e que agora seria realizado de forma sazonal na condição de boia-fria.

De forma paralela, a decadência econômica instalou-se gradualmente na região devido às dificuldades de administrar as fazendas e à divisão das terras entre inúmeros herdeiros, restringindo as possibilidades de trabalho rural. Isso vulnerabilizou sobremaneira as famílias de descendentes dos/as antigos/as escravos/as, ameaçando sua sobrevivência pela escassez de renda proveniente do trabalho e pela impossibilidade de acesso a bens e serviços sociais básicos. Um estado de carência material e de privação de capacidades para o exercício de uma vida digna foi tomando a região, culminando em um processo migratório que dividiu essas famílias e espalhou seus/as membros/as para outras regiões de Minas Gerais e do país.

As vulnerabilidades sociais que afetaram a população local desprovida de terras abarcaram três sentidos: 1) ausência ou escassez de renda; 2) falta de acesso a serviços sociais básicos; e 3) privação de capacidades (Carneiro, 2005CARNEIRO, Carla B. L. (2005), “Concepções sobre a pobreza e alguns desafios para a intervenção social”. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, 84.). Este último, inspirado na noção de pobreza desenvolvida por Amartya Sen (2010)SEN, Amartya. (2010), Desenvolvimento como liberdade. São Paulo, Companhia das Letras., refere-se à impossibilidade de as pessoas desenvolverem suas capacidades básicas, o que impede a expansão das liberdades individuais, como a liberdade de escolha sobre o que fazer e o que deixar de fazer (Chaves, 2018CHAVES, Krystima. (2018), “O trabalho escravo contemporâneo sob a perspectiva da teoria do desenvolvimento humano de Amartya Sen”. In: FIGUEIRA, Ricardo R.; PRADO, Adonia A.; GALVÃO, Edna M. & JACOB, Valena (orgs.). Estudos sobre as formas contemporâneas de trabalho escravo. Rio de Janeiro, Mauad X, pp. 73-91., p. 78). Essa vulnerabilidade foi ali exacerbada e criou as condições favoráveis para que o trabalho dos/as que não possuíam terras fosse realizado sob exploração e servidão.

Esse foi o caso da família de Nina, que permaneceu morando na cidade de Serra do Salitre em situação de pobreza, vivida de forma intergeracional, além da carência de renda. Foi a partir dela que a mãe de Nina permitiu que a filha, ainda criança, fosse morar na casa de uma família afluente da cidade e com a qual mantinha um vínculo de compadrio. De afilhada, Nina tornou-se criada da família que a adotou, sendo responsável, primeiro, pelas tarefas ligadas ao cuidado de outras crianças e, posteriormente, por todos os serviços domésticos. Em troca, recebia alimentação e vestuário sem qualquer remuneração monetária. Sua entrada e saída de casa eram reguladas pelos/as patrões/oas. Além disso, Nina considerava-se afetivamente capturada por aqueles/as que a criavam: parece que o carinho cativa a gente, né?, afirmava ao justificar sua permanência em uma situação tida por ela como uma forma de cativeiro (Costa, 2012COSTA, Patricia Trindade Maranhão. (2012), As raízes da congada: A renovação do presente pelos Filhos do Rosário. Curitiba, Editora Appris., pp. 45-46).

O criado, semelhante à categoria cativo, proveniente de cativeiro, condensa significados ligados à hierarquia e à afetividade. Ao mesmo tempo que o/a criado/a cuida da casa e da sua reprodução física, ele/a é sustentado/a e sente-se cuidado/a pela família dos/as patrões/as (Idem). O afeto que permeia a situação transforma-se em um sentimento de dívida e gratidão que aprisiona moralmente os/as criados/as numa relação de exploração. A dívida moral traduz-se no compromisso de lealdade e reforça a subordinação ao/à patrão/a, impedindo a ruptura com a dominação11 11. Sobre a dívida moral como fator de imobilização do/a trabalhador/a em uma situação de trabalho, ver Esterci (1999, p. 102), para quem essa dívida implica não apenas a prestação compulsória de trabalho, mas a lealdade com o patrão. . A lealdade foi uma forma bastante eficaz de controle sobre Nina. Ela foi forjada durante sua condição de criada, mas foi impulsionada pelo compadrio instaurado numa relação fortemente assimétrica mantida entre a familia de Nina e a de seus patrões/as naquela estrutura social. Isso forneceu a base sobre a qual a relação de trabalho foi posteriormente estabelecida.

Vale notar que o compadrio é um vínculo moral respaldado por noções religiosas e remete a um laço consanguíneo que auxilia na manutenção física dos/as afilhados/as. Há, portanto, imensa responsabilidade atribuída ao elo instaurado e que acaba naturalizando a situação da criança criada. Em um contexto em que acidentes de trabalho e adoecimentos decorrentes da falta de saneamento básico e de acesso a serviços de saúde aumentam a taxa de mortalidade entre pobres, é elevada a possibilidade de uma criança ser criada pelos padrinhos e madrinhas. Se o compadrio foi estabelecido entre famílias situadas em posições simétricas, o/a afilhado/a poderá ser percebido/a como filho/a e irmão/ã na família que o/a acolhe.

Por outro lado, se há desigualdade de poder e posição entre as famílias, o compadrio é associado a laços verticais (patronagem), impedindo uma troca simétrica entre as partes envolvidas. Enquanto uma família afluente pode oferecer coisas imediatamente tangíveis, como ajuda econômica e trabalho em troca de sustento, famílias como as de Nina só conseguem retornar o apoio a partir de vantagens intangíveis, como o compromisso de lealdade.

A extrema vulnerabilidade cria as condições materiais para que a oferta de trabalho a uma criança seja percebida como dádiva por quem a recebe, dada a dificuldade de sobrevivência e manutenção dessa criança na casa materna. Da mesma forma, a impossibilidade de a família de Nina e de tantas outras estabelecerem uma troca recíproca com amigos/as e compadres situados em posições hierarquicamente superiores cria as condições morais para que o criado se torne uma situação recorrente e aceitável por todas as partes. No compadrio vertical forma-se o criado, uma relação de trabalho associada ao cativeiro por quem a viveu. Nela o/a padrinho e madrinha tornam-se uma mistura de pai/mãe e patrão/oa, denotando a ambivalência de uma relação de poder e dominação dotada de afetividade, controle e exploração.

Se a patronagem, ou a relação patrão-cliente, ocorre quando uma amizade instrumental, cujo objetivo é obter acesso a recursos (materiais e sociais), atinge seu ponto máximo de desequilíbrio e assimetria (Wolf [1966] apudFeldman-Bianco e Ribeiro, 2003FELDMAN-BIANCO, Bela & RIBEIRO, Gustavo Lins. (2003), Antropologia e poder. Contribuições de Eric R. Wolf. Brasília, Editora da Universidade de Brasília; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, Editora Unicamp., p. 108), o cativeiro do criado expressa a exacerbação dessa assimetria e sua apropriação numa relação abusiva de trabalho. Seus componentes emocionais (afeto e gratidão) criam uma dívida impagável, incapaz de ser mensurada, e socialmente aceita.

O cativeiro narrado por Francisco é igualmente baseado em uma dívida. Esta, no entanto, é quantificável, pois se baseia nos préstimos materiais e financeiros oferecidos por um patrão aos trabalhadores rurais vindos de fora para trabalhar nas plantações de café do Alto do Paranaíba. A impossibilidade de pagamento, dada a assimetria entre o valor cobrado pelo que foi emprestado e aquele obtido a partir do trabalho na lavoura, os aprisionou a uma relação de trabalho, viabilizando sua exploração e o controle das suas ações.

O cativeiro narrado por Francisco refere-se à experiência vivida pelo seu pai e que resultou na instalação da família na cidade de Serra do Salitre. Originário do estado da Bahia, o pai de Francisco recebeu a oferta para trabalhar nas terras distantes do Ato do Paranaíba. Estas eram originalmente destinadas à pecuária de bovinos e suínos. Na década de 1970, com a queda do preço da terra, foram compradas por produtores oriundos de outros estados. Primeiro, foram destinadas ao plantio de hortaliças e posteriormente do café, cujo sucesso das primeiras safras atraiu um número cada vez maior de produtores e deu novo impulso à economia local. Paulatinamente, o café substituiu as outras atividades agropecuárias ainda vigentes, e o produto se tornou internacionalmente reconhecido por selo de qualidade atribuído ao café da região.

A ascensão dessa atividade produtiva gerou demanda crescente por mão de obra para o trabalho na lavoura, levando à importação de trabalhadores, pois grande parte dos/as trabalhadores/as locais haviam emigrado anteriormente. O pai de Francisco estava entre os homens adultos atraídos por promessas de trabalho e emprego nas fazendas de café. Ao chegar à região, descobriu estar em um caminhão de baianos comprado por um fazendeiro (Costa, 2012COSTA, Patricia Trindade Maranhão. (2012), As raízes da congada: A renovação do presente pelos Filhos do Rosário. Curitiba, Editora Appris., p. 35). A compra era consequência da crescente dívida financeira contraída por ele e pelos demais trabalhadores vindos de fora. A passagem de ida, o que foi consumido durante a viagem e o necessário para ali viver e se instalar eram adiantamentos fornecidos pelo patrão, via de regra a um valor superfaturado, e cujo pagamento deveria ser descontado do salário. Essa prática, denominada truck system ou política do barracão, é recorrente em diferentes regiões do país e consiste em fator de privação de liberdade para inúmeros/as trabalhadores/as (Melo, 2007MELO, Luís Antônio Camargo de. (2007), “Atuação do Ministério Público do Trabalho no Combate ao Trabalho Escravo - crimes contra a organização do trabalho e demais crimes conexos”. In: Possibilidades jurídicas de combate à escravidão contemporânea. Brasília, International Labour Office, ILO, pp. 65-103.). Sua presença acarreta a “escravidão por dívida”12 12. Sobre a escravidão por dívida realizada no Brasil recomendo os trabalhos seminais de Martins (1994), Esterci (1999) e Figueira (2004). .

Deixar a fazenda só seria possível quando a dívida fosse quitada. O desequilíbrio entre o valor dos bens adquiridos na fazenda e o baixo valor do salário criava uma dívida financeira crescente e impagável, tornando-a instrumento de controle e de exploração dos/as trabalhadores/as. Ter sido comprado não significava naquele contexto que o pai de Francisco e seus companheiros eram parte de um sistema que os tornava mercadoria com valor de troca, pois eles não eram vendidos a outros fazendeiros, mas significava a sua extrema subordinação a uma relação de trabalho em que a vontade do/a trabalhador/a era irrelevante, seja quanto às condições laborais que lhes eram impostas, como o endividamento progressivo, ou quanto à sua capacidade de deixar aquela situação.

Todos foram reduzidos a ferramentas de produção destinadas ao uso do patrão conforme sua conveniência. Se em um primeiro momento a ausência de meios de sobrevivência obrigou o pai de Francisco a deixar seu lugar de origem, tornando-o vulnerável para situações de exploração, no cativeiro ele ainda perdeu o fruto do seu trabalho, já que o salário era quase integralmente apropriado para o pagamento da dívida. Nessa dinâmica, o cativeiro aparecia como parte de uma situação de acumulação primitiva, em que o/a trabalhador/a, além de perder seus meios de vida, perde sua força de trabalho, que é super explorada a ponto de comprometer sua própria sobrevivência ou a de sua família (Martins, 1994MARTINS, José de Souza. (1994), “A reprodução do capital na frente pioneira e o renascimento da escravidão no Brasil”. Tempo Social, São Paulo, 6 (1-2): 1-26.).

O investimento sobre as condições de trabalho era baixo, permitindo a maximização do lucro obtido pelo uso dessa mão de obra. Quando o trabalhador perdia seu valor de uso, em caso de adoecimento ou morte por acidentes de trabalho, ele podia ser facilmente substituído por outro trabalhador vulnerável, oriundo de lugares igualmente empobrecidos, sem alternativas de sobrevivência e sem acesso a oportunidades para o desenvolvimento de suas capacidades.

Para Francisco, as circunstâncias de trabalho vividas pelo pai constituíam formas de cativeiro ocorridas na atualidade. Não receber o pagamento, ou não recebê-lo em dinheiro, ter a entrada e a saída do trabalho rigorosamente controladas são práticas que destituem os/as empregados/as da sua autonomia, a exemplo do que ocorria com os antigos cativos (Costa, 2012COSTA, Patricia Trindade Maranhão. (2012), As raízes da congada: A renovação do presente pelos Filhos do Rosário. Curitiba, Editora Appris.). Os cativeiros narrados, no entanto, não são reminiscências do passado, mas formas atuais de exploração e subordinação. Elas são parte de um sistema social que coloca à disposição, por diferentes meios, os corpos e o trabalho de pessoas econômica e socialmente vulneráveis para quem quiser deles usufruir, lucrar ou obter vantagens (materiais ou não). Usar o termo cativeiro para falar dessas experiências não constitui anacronismo, como podem supor alguns historiadores, mas analogia, configurada pela moldura da escravidão, para denunciar a gravidade e a injustiça de situações contemporâneas de trabalho13 13. Dentre os historiadores que criticam os usos do termo escravidão, especificamente trabalho escravo, para falar de situações contemporâneas, cito Paiva (2005). Para ele, retomar a categoria escravo atribuiria ao/à trabalhador/a atualmente explorado/a características atribuídas ao escravo do passado, desprezando sua agencialidade e vitimizando homens e mulheres do passado e do presente. .

O cativeiro como escravidão contemporânea

As definições sociológicas de escravidão focam sobre critérios essenciais da escravidão e padrões mais amplos sobre os quais esses critérios agem através do tempo e das culturas14 14. Sobre a análise das características da escravidão e sua diversidade histórica e cultural, recomendo Patterson (1982) e Meillassoux (1991). . Para Bales (2012BALES, Kevin. (2012), “Slavery in its contemporary manifestations”. In: ALLAIN, Jean (ed.) The Legal understanding of slavery. From the historical to the contemporary. Oxford, Oxford University Press, pp. 281-303., p. 283), o essencial sobre a escravidão é o controle exercido sobre uma pessoa, de modo a privá-la significativamente de sua liberdade individual, com o objetivo de exploração. As histórias de Nina e Francisco revelam diferentes formas de controle: uma é objetiva e foi realizada pelo endividamento financeiro do pai de Francisco, a outra é subjetiva e ocorreu a partir de mecanismos sutis de sujeição e subordinação exercidos sobre Nina, por meio do seu compromisso de lealdade perante os/as patrões/oas, decorrente da dívida moral que ela supunha ter contraído.

Nas duas situações, houve a privação da liberdade de ir e vir, ainda que a vigilância sobre os corpos não precisasse ser ostensiva, pois as dívidas eram suficientes para mantê-los atados àquelas relações de trabalho. Era possível exercer controle na medida em que a vulnerabilidade vivida antes do cativeiro havia destituído Nina e o pai de Francisco da liberdade de escolha sobre o trabalho a ser realizado e em quais condições desempenhá-lo. Essa vulnerabilidade viabilizou sua sujeição a situações exploratórias, que não lhes permitiam escolher as condições para dispor e vender o seu trabalho, bem como usufruir do seu fruto, seja na forma de salário ou de outros direitos decorrentes das relações trabalhistas. Enquanto tal, Nina e o pai de Francisco deixaram de ser sujeitos de direitos, passando a objetos sobre os quais eram exercidos poderes normalmente atribuídos ao direito de propriedade, como o uso, o benefício e a disposição de seus corpos e força de trabalho, independente da sua vontade15 15. Usar, gozar e dispor são atributos do direito de propriedade previstos na lei brasileira e expressos no Artigo 1.228 do Código Civil. . Isso os privou, significativamente, de suas liberdades individuais e contribuiu para a sua coisificação, assemelhando-os, no âmbito daquelas relações de trabalho, a objetos de propriedade (ou coisas) que não foram legalmente adquiridos (Vasconcelos, 2011VASCONCELOS, Beatriz. (2011), “O escravo como coisa e o escravo como animal: da Roma antiga ao Brasil contemporâneo”. In: FIGUEIRA, Ricardo; SANT’ANA JÚNIOR, Horácio & PRADO, Adonia (orgs.). Trabalho escravo contemporâneo: um debate transdisciplinar. Rio de Janeiro, Mauad, pp. 179-194., p. 182). A ausência de direitos vivida por Nina e o pai de Francisco, que decorreu da vulnerabilidade anteriormente partilhada, tornou-os passíveis de controle e exploração.

O controle que priva a liberdade individual corresponde ao poder inerente ao direito de propriedade conhecido como posse, aspecto fundamental para entender a definição jurídica de escravidão descrita na Convenção sobre a Escravatura de 1926, mesmo quando o Estado não admite o direito de propriedade em relação a pessoas16 16. The Bellagio-Harvard Guidelines on the Legal Parameters of Slavery. Disponível em: https://glc.yale.edu/sites/default/files/pdf/the_bellagio-_harvard_guidelines_on_the_legal_parameters_of_slavery.pdf, consultado em 10/3/2021. . Considerada pelos especialistas que formam a Rede de Investigação sobre Parâmetros Jurídicos de Escravidão a mais clara e útil definição existente na estrutura jurídica internacional (Bales, 2012BALES, Kevin. (2012), “Slavery in its contemporary manifestations”. In: ALLAIN, Jean (ed.) The Legal understanding of slavery. From the historical to the contemporary. Oxford, Oxford University Press, pp. 281-303., p. 282), a Convenção de 1926 define a escravidão em seu Artigo 1º como: status ou condição de um indivíduo sobre o qual se exercem, total ou parcialmente, os atributos do direito de propriedade17 17. Como se observou, para ler na íntegra o texto da Convenção de 1926 e seu suplemento elaborado em 1956, conferir: http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/trabalho-escravo/convencao_escravatura_genebra_1926.pdf, consultado em 11/2/2021. . A posse, o benefício, a transferência, o gerenciamento, o uso, o gozo e a disposição são exemplos de atributos do direito de propriedade. E quando exercidos sobre as pessoas, independente da sua vontade, privando-as de sua liberdade e com a intenção de exploração, há indícios de escravidão.

O controle pode ser físico ou realizado de forma mais abstrata por um período de tempo que, para quem o sofre, é indeterminado. Vale lembrar que também há o exercício do controle quando empregadores/as tomam decisões legítimas sobre seus/uas trabalhadores/as. No entanto, há escravidão quando, nas decisões tomadas, a vontade do/a trabalhador/a se torna irrelevante. A irrelevância revela a subordinação absoluta perante o/a empregador/a, privando o/a trabalhador/a de sua liberdade individual. Essa forma de controle torna-se equivalente à posse, configurando o exercício de um atributo do direito de propriedade.

Para determinar se existe escravidão em um caso concreto devem-se observar as circunstâncias que o envolvem, analisando o conteúdo, não apenas a forma, da relação que o engendra, e se estão sendo exercidos os atributos do direito de propriedade18 18. Idem. . A ênfase em uma noção de propriedade cujos significados não são compartilhados em todos os lugares e a falta de clareza quanto aos seus atributos são importantes críticas direcionadas à Convenção de 1926 e, consequentemente, à definição de escravidão nela contida, tornando-a vaga, falha e reduzida. Baseada na figura paradigmática do escravo das plantations inserido em um mundo agrário organizado em torno da cana de açúcar e da escravidão fundada sobre a propriedade, tal definição não abarcaria diversas práticas de trabalho forçado e violações de direitos humanos (Botte, 2005BOTTE, Roger. (2005), “Les habits neufs de l’esclavage: métamorphoses de l’oppression au travail”. Cahiers d’Études Africains, 179-180: 651-666., pp. 5-6, e Miers, 2005MIERS, Suzanne. (2005), “Le nouveau visage de l’esclavage au XXe siècle”. Cahiers d’Études Africains, 179-180: 667-688., p. 676)19 19. Sobre os eventos históricos que suscitaram a elaboração de tratados internacionais contra a escravidão e o trabalho forçado, sugiro o estudo de Miers (2005), que apresenta as discussões sobre o tema ocorridas em comissões criadas no âmbito da Liga das Nações e, posteriormente, das Nações Unidas, em um contexto marcado por conflitos políticos internacionais associados à independência das colônias, às Guerras Mundiais e à Guerra Fria. Sobre as diversas formas de escravidão presentes em diferentes momentos históricos e o desafio de entendê-las a partir de uma definição única, a exemplo daquela expressa na Convenção sobre a Escravidão de 1926, ver Botte (2005). . Para suprir essa lacuna, foi elaborado o Suplemento à Convenção de 1926, aprovado em 1956, apresentando sem ambiguidades práticas consideradas “análogas à escravidão”, o que alargou a definição inicial adicionando formas reconhecidas de escravidão e outras práticas, como servidão, servidão por dívida, casamento forçado e adoção de crianças para fins de exploração20 20. “Supplementary Convention on the Abolition of Slavery, the Slave Trade, and Institutions and Practices Similar to Slavery”. Office of the High Commissioner for Human Rights (UN Human Rights). Disponível em: https://www.ohchr.org/en/professionalinterest/pages/supplementaryconventionabolitionofslavery.aspx, consultado em 13/8/2021. . No entanto, permaneceram ausentes mecanismos que obrigassem os Estados a aplicar as disposições que haviam aceitado ao ratificar o tratado internacional (Miers, 2005MIERS, Suzanne. (2005), “Le nouveau visage de l’esclavage au XXe siècle”. Cahiers d’Études Africains, 179-180: 667-688., p. 679, e Botte, 2005BOTTE, Roger. (2005), “Les habits neufs de l’esclavage: métamorphoses de l’oppression au travail”. Cahiers d’Études Africains, 179-180: 651-666., p. 9).

A necessidade de relativizar a noção de propriedade e de explicar seus atributos conforme as concepções de cada país foi objeto de estudo e ação da Rede de Investigação sobre os Parâmetros Jurídicos de Escravidão. A partir de discussões realizadas entre 2010 e 2012, seus especialistas definiram orientações para esclarecer e auxiliar na aplicação da Convenção de 1926, o que foi expresso nas Diretrizes Bellagio-Harvard sobre os Parâmetros Jurídicos da Escravidão (The Bellagio-Harvard Guidelines on the Legal Parameters of Slavery). No documento foram elucidados os poderes inerentes ao direito de propriedade para que as características de qualquer instância ou suspeita de escravização pudessem ser comparadas com o critério definido na Convenção. A análise de um caso concreto deveria, portanto, apresentar os atributos de propriedade associados à lei de propriedade da realidade investigada e esclarecer como eles se aplicam à situação analisada (Bales, 2012BALES, Kevin. (2012), “Slavery in its contemporary manifestations”. In: ALLAIN, Jean (ed.) The Legal understanding of slavery. From the historical to the contemporary. Oxford, Oxford University Press, pp. 281-303.). A relativização do conceito de escravidão ocorreria, desse modo, no âmbito jurídico à luz dos significados de propriedade e seus atributos contidos nas leis que regulam o tema em cada país.

Seguindo essa recomendação, pode-se estabelecer que no Brasil as leis reguladoras dos direitos e obrigações relativos à propriedade constam no Código Civil, particularmente em seu Artigo 1.22821 21. Ver: Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. “Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002”. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm, consultado em 17/2/2021. . Ele define o uso, o gozo e a disposição como poderes a serem exercidos sobre uma propriedade. As histórias aqui apresentadas revelaram situações em que formas distintas de controle foram exercidas sobre duas pessoas para que outros pudessem se beneficiar dos seus serviços e se apropriar do gozo dos frutos do seu trabalho, em troca de pouca ou nenhuma remuneração. Isso evidenciou o uso daqueles/as trabalhadores/as e, portanto, indícios de escravidão nas situações narradas, pois demonstraram o exercício sobre pessoas de um atributo do direito à propriedade definido na lei nacional.

Se os cativeiros narrados adequam-se aos parâmetros jurídicos de escravidão internacionalmente estabelecidos, eles também apontam para a presença de elementos constitutivos da relação de escravidão sociologicamente definidos, como: dominação coercitiva, alienação natal e desonra. Percebida como uma forma extrema de dominação, a escravidão decorre de uma relação de poder profundamente desigual, aproximando-se do limite da total falta de poder do ponto de vista do/a escravizado/a e do poder total do ponto de vista do/a patrão/oa (Patterson, 1982PATTERSON, Orlando. (1982), Slavery and social death. A comparative study. Cambridge, Massachusetts, Harvard University Press.).

Para ser estabelecida podem ser acionados diversos mecanismos de dominação sobre o/a escravizado/a, como o uso ou a ameaça de violência, a persuasão e a obediência (Patterson, 1982PATTERSON, Orlando. (1982), Slavery and social death. A comparative study. Cambridge, Massachusetts, Harvard University Press.). A alienação natal refere-se às formas culturalmente utilizadas para despojar o/a escravizado/a dos laços socialmente valorizados e reconhecidos decorrentes do seu pertencimento a uma ordem social legitimada. Isso o/a torna uma pessoa socialmente morta, forçadamente alienada de todos os direitos e, portanto, passível de escravização. Nesse sentido, o/a escravizado/a é sempre o de fora, o outro, o migrante, o diferente, o que não é de casa (Figueira e Prado, 2011FIGUEIRA, Ricardo & PRADO, Adonia. (jul.-dez. 2011), “Ele não chega nunca… Experiências de mulheres no contexto do trabalho escravo”. REMHU: Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, 19 (37):175-193.). A desonra, por sua vez, é resultado da violência (dominação coercitiva) e da alienação natal. A ausência de poder e status retiram a honra do/a escravizado/a, pois sua vida social ocorre somente a partir do seu/ua patrão/oa e por meio da relação de escravidão. Ele/a não tem honra, porque não tem poder, nem existência social independente e, por isso, não possui valor público, exceto através do valor do seu/sua patrão/oa (Patterson, 1982PATTERSON, Orlando. (1982), Slavery and social death. A comparative study. Cambridge, Massachusetts, Harvard University Press.).

Essa destituição do valor do/a escravizado/a assemelha-se ao processo da modernidade denominado por Agamben (2002)AGAMBEN, Giorgio. (2002), Homo sacer: O poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte, Editora da UFMG. biopolítica, em que a vida está implicada em cálculos de poder, envolvendo a decisão sobre as vidas que deixam de ser politicamente relevantes. Desse modo, tornam-se vidas nuas, destituídas de valor e importância social, podendo ser impunemente eliminadas ou, nesse caso, escravizáveis, pois se tornam socialmente mortas.

Os três elementos aparecem nos cativeiros narrados por Nina e Francisco. A alienação natal ocorreu de formas distintas em cada situação, o que aumentou a vulnerabilidade social vivida por ambos e que permitiu o estabelecimento da relação de escravidão.

O pai de Francisco era de fora, migrante de procedência desconhecida. Não conhecia física e socialmente o lugar onde foi trabalhar, não dominava os padrões culturais que baseavam sua nova relação de trabalho e, possivelmente, desconhecia os direitos trabalhistas assegurados por lei e as formas de acessá-los nesse novo ambiente. Isso o tornou ainda mais vulnerável para a exploração e a dominação que foram exercidas sobre ele a partir do endividamento financeiro. Deixar o local de trabalho sem quitar a dívida seria romper com um contrato e violar o princípio da honestidade que constitui a honra do/a trabalhador/a mesmo fora do seu lugar de origem22 22. Sobre a preocupação moral e do/a trabalhador/a escravizado/a saldar a dívida ilegalmente contraída, ver Costa (2008, p. 186). . A desonra gerada por ter sido submetido ao cativeiro poderia ser agravada pelo não pagamento da dívida, mesmo que ela seja injusta e ilegal, contribuindo para a sua permanência naquela situação.

Nina, por sua vez, pertencia à cidade em que foi submetida ao cativeiro. Ela era de dentro, nesse sentido, mas sua alienação natal foi construída a partir da adoção. Apesar do termo, a adoção não implicou a aquisição, por parte de Nina, de status, direitos, deveres e privilégios compartilhados com os/as demais membros/as da família. Ao contrário, consolidou uma relação marcadamente assimétrica de poder e autoridade já existente entre Nina e a família que a recebeu, viabilizando a exploração do seu trabalho e o controle das suas ações a partir de vínculos que resultavam no compromisso de lealdade com os patrões. Como sua dívida não era quantificável, tornou-se genuinamente impagável, exceto pelo rompimento da relação.

Além disso, enquanto criada, foi construído um status liminar para Nina, pois não pertencia à família que a adotou nos termos de pertencimento vivenciados pelos/as outros/as membros/as, ainda que pudesse chamar seus patrões de padrinhos, denotando a carga afetiva impressa nessa relação de poder. Da mesma forma, não convivia com a sua família de origem, estando mais submetida à autoridade dos/as patrões/oas do que à dos próprios pais. Essa liminaridade, estabelecida e plenamente aceita naquele contexto, pode ser percebida como resultado cultural da perda de honra e poder, sendo partilhada por pessoas consideradas à margem da ordem social, porém essenciais à sua sobrevivência (Patterson, 1982PATTERSON, Orlando. (1982), Slavery and social death. A comparative study. Cambridge, Massachusetts, Harvard University Press.).

Os cativeiros narrados apontam, portanto, para formas contemporâneas de escravidão definidas segundo parâmetros jurídicos internacionalmente estabelecidos, em termos sociológicos e nos termos daqueles que sofreram essas histórias de exploração e privação de liberdade. Elas referem-se a uma nova escravidão, para usar o termo de Bales (2000)BALES, Kevin. (2000), Disposable people. New slavery in the global economy. Berkley e Los Angeles, University of California Press., firmada num contexto em que não se trata mais de ter a posse legal de pessoas escravizadas, como ocorria antes e implicava a responsabilidade de mantê-las, pois se constituíam em patrimônio do/a proprietário/a. Trata-se hoje de controlar as pessoas por diferentes meios, para fins de exploração.

O aumento do lucro, mediante diminuição dos custos de manutenção do/a trabalhador/a, com a oferta de condições precárias de trabalho ou retenção do seu salário, tornou a nova escravidão uma estratégia bastante praticada, economicamente valorizada e socialmente aceita. Quando o trabalho acaba, o/a escravizado/a pode ser facilmente substituído/a. A vulnerabilidade de diferentes grupos sociais criou um exército de reposição para a nova escravidão. O caráter descartável23 23. Bales (2000, p. 4). dos/as escravizados/as é aspecto constitutivo da nova escravidão, que transformou pessoas em ferramentas de produção descartáveis, mantidas com baixo custo.

No entanto, perceber a nova escravidão nas histórias de Nina e Francisco pode não ser suficiente para caracterizá-la como crime previsto no Artigo 149 do Código Penal Brasileiro.

O cativeiro como “condição análoga à escravidão”

Na legislação nacional a escravidão contemporânea refere-se a práticas circunscritas às relações de trabalho. Envolvem, portanto, um/a tomador/a e um/a prestador/a de serviços em situações que afetam a liberdade ou a dignidade do/a trabalhador/a, seja pela presença de formas de controle que o/a impedem de deixar o local de trabalho, conforme sua vontade, ou pela sua submissão a condições consideradas degradantes por ameaçarem sua saúde, segurança ou integridade física durante a atividade laboral.

Como mencionado, a prática é descrita pela categoria jurídica “condições análogas à escravidão”, presente no Artigo 149 do Código Penal Brasileiro. Ela criminaliza possibilidades fáticas de escravidão contemporânea - trabalho forçado24 24. Trabalho forçado é a categoria descrita na Convenção 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) como: todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade. Ver: “C029 - Trabalho forçado ou obrigatório”. OIT, Organização Internacional do Trabalho. Disponível em https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_235021/lang--pt/index.htm, consultado em 24/2/2021. , jornada exaustiva, condições degradantes e cerceamento da liberdade - que foram incorporadas à legislação nacional apenas em 2003, pela Lei 10.80325 25. Conferir: Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. “Lei n. 10.803, de 11 de dezembro de 2003”. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.803.htm, consultado em 5/3/2021. . Para caracterizar o crime não é necessária a combinação desses fatores, a presença de um já é suficiente (Melo, 2007MELO, Luís Antônio Camargo de. (2007), “Atuação do Ministério Público do Trabalho no Combate ao Trabalho Escravo - crimes contra a organização do trabalho e demais crimes conexos”. In: Possibilidades jurídicas de combate à escravidão contemporânea. Brasília, International Labour Office, ILO, pp. 65-103.).

Qualquer uma das hipóteses de escravidão apontadas na lei revela a exploração e a extrema subordinação do/a trabalhador/a a um/a prestador/a de serviços em situações em que sua vontade é considerada irrelevante. Isso desconsidera os atributos da personalidade do/a trabalhador/a, reduzindo-o/a à condição de coisa material (Kalil e Gurjão, 2018KALIL, Renan Bernardi & GURJÃO, Paulo Henrique, (2018), “Os descaminhos do conceito de trabalho em condições análogas às de escravo no congresso nacional: aonde o poder legislativo quer chegar?”. In: FIGUEIRA, Ricardo R.; PRADO, Adonia A.; GALVÃO, Edna M. & JACOB, Valena (orgs.). Estudos sobre as formas contemporâneas de trabalho escravo. Rio de Janeiro, Mauad X, pp. 509-530.). Nessa condição, o controle sobre ele/a é total, atribuindo ao/à tomador/a de serviços a capacidade de exercer sobre seu/sua empregado/a algum ou todos os atributos do direito de propriedade. Para os parâmetros jurídicos internacionais, as situações enunciadas na lei brasileira correspondem a formas contemporâneas de escravidão, conforme o critério estabelecido na Convenção de 1926, mesmo que pela lei brasileira não seja permitida a propriedade de pessoas. Portanto, ainda que o status jurídico de escravo/a tenha sido abolido, existem situações que podem estabelecer a condição de escravidão, evidenciando que a definição fornecida pela lei internacional abrange a escravidão de fato e a de direito (Scott, 2013SCOTT, Rebecca J. (2013), “O trabalho escravo contemporâneo e os usos da História” (Contemporary Slave Labor and the uses of History). Public Law and Legal Theory Research Paper Series. Paper n. 333, July.).

No Brasil o debate jurídico centra-se na tentativa de estabelecer os elementos mínimos para a caracterização das “condições análogas à escravidão”, destacando a necessidade de haver correspondência entre a norma jurídica e a realidade social como critério para aferir a efetividade do conceito26 26. Sobre esse debate conferir: Kalil e Gurjão (2018) e Brito Filho (2015 e 2016). . As quatro hipóteses previstas no Artigo 149 consideram formas atuais de superexploração que vão além das irregularidades previstas nas leis trabalhistas brasileiras e resultam na privação da liberdade do/a trabalhador ou afetam a sua dignidade. Liberdade e dignidade tornam-se, portanto, os principais bens jurídicos tutelados pela lei.

A liberdade enunciada é, principalmente, a de ir e vir, enquanto a dignidade refere-se a situações que explicitam o controle exercido sobre o/a trabalhador/a, transformando-o/a em objeto e não sujeito de direitos. Esse controle é exercido nas condições degradantes de trabalho, na jornada exaustiva, no trabalho forçado e na restrição, por qualquer meio, da liberdade de ir e vir. Se é possível estabelecer uma precedência entre os bens jurídicos mencionados, a dignidade parece mais preponderante e dela defluiria a liberdade (Kalil e Gurjão, 2018KALIL, Renan Bernardi & GURJÃO, Paulo Henrique, (2018), “Os descaminhos do conceito de trabalho em condições análogas às de escravo no congresso nacional: aonde o poder legislativo quer chegar?”. In: FIGUEIRA, Ricardo R.; PRADO, Adonia A.; GALVÃO, Edna M. & JACOB, Valena (orgs.). Estudos sobre as formas contemporâneas de trabalho escravo. Rio de Janeiro, Mauad X, pp. 509-530.). As “condições análogas à escravidão” violam primeiramente a dignidade das pessoas a elas submetidas.

Os cativeiros narrados por Nina e Francisco parecem revelar outras possibilidades para constatar situações de escravidão contemporânea corriqueiras no país. Enquanto o pai de Francisco viveu uma situação plenamente abarcada pelo conceito jurídico brasileiro, o cativeiro de Nina não está contemplado nessa definição. A liberdade do pai de Francisco foi restringida em função de uma dívida financeira contraída por ele, restrição esta que passou a ser textualmente criminalizada desde 2003 no Artigo 149. Isso permite, a partir de então, a rápida constatação do crime, sua punição e o desenvolvimento de ações preventivas destinadas ao esclarecimento dos/as trabalhadores/as sobre a ilegalidade da dívida e da privação de liberdade em função da mesma.

As formas subjetivas e sutis de controle presentes no cativeiro de Nina são de difícil constatação ainda nos dias de hoje, mesmo que sejam tão eficazes quanto um endividamento financeiro para promover a restrição da liberdade e a submissão total à vontade do outro. Além disso, a inviolabilidade do domicílio, direito fundamental assegurado pelo Artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal, restringe a possibilidade de fiscalização do ambiente doméstico, salvo em caso de flagrante delito, ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial27 27. Conferir: “Inciso XI do Artigo 5 da Constituição Federal de 1988”. Jus Brasil. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10730672/inciso-xi-do-artigo-5-da-constituicao-federal-de-1988, consultado em 24/2/2021. . A subjetividade da dívida moral aliada à aceitação social ampla da condição do/a criado/a impedem a denúncia dessa forma de cativeiro, possibilitando sua recorrência por tempo e espaços indeterminados, salvo em caso de situações gritantes de maus-tratos sofridos pelo/a criado/a que ultrapassam os limites aceitáveis impostos no meio em que a prática ocorre. Os/as demais criados/os, no entanto, permanecem invisíveis à estrutura social que ajudam a manter, presos/as a um padrão de relação ambíguo com seus patrões-padrinhos em que a mescla de hierarquia e afetividade assegura a superexploração do seu trabalho e o controle sobre seus corpos.

A lacuna entre a lei expressa no ordenamento jurídico e sua capacidade de atuar em situações concretas coloca em questão sua consistência. Para entender as fissuras da lei, deve-se saber como e por quem ela não é usada, o que inevitavelmente demonstra como a lei reflete a estrutura social com suas desigualdades e contradições. Enquanto no ordenamento jurídico a lei expressa uma igualdade formal abstrata, na prática ela implica uma desigualdade de tratamento. Essa percepção remete aos estudos de consciência legal desenvolvidos nas décadas de 1980 e 1990 que buscavam entender o poder institucional da lei refletido na concordância de todos/as sobre ela, apesar da sua inconsistência (Silbey, 2005SILBEY, Susan S. (2005), “After legal consciousness”. Annual Law Review of Law and Social Science, 1: 323-368., p. 323).

A consciência legal refere-se às formas de participação e interpretação através das quais as pessoas constroem, sustentam e reproduzem as estruturas de significados ligados à lei (Silbey, 2005SILBEY, Susan S. (2005), “After legal consciousness”. Annual Law Review of Law and Social Science, 1: 323-368., p. 334). É uma prática coletiva difundida na vida das pessoas comuns que reflete e forma a estrutura social envolvendo a invocação de esquemas culturais que influenciam a experiência das pessoas com a lei e as formas de acessá-la. A formação dessa consciência é, portanto, parte de um processo recíproco no qual o significado dado pelos indivíduos ao seu mundo torna-se padronizado, institucionalizado e objetificado, produzindo as mesmas estruturas que são vividas como externas e constrangedoras (Silbey, 2005SILBEY, Susan S. (2005), “After legal consciousness”. Annual Law Review of Law and Social Science, 1: 323-368., p. 333). Na produção social da consciência, ela pode emergir de estruturas contestadas em conflitos ideológicos ou subsumidas a práticas hegemônicas. Enquanto a ideologia incorpora arranjos particulares de poder com conflitos ativos que produzem significados contestadores ou reafirmadores da estrutura, a hegemonia refere-se a um poder sistêmico disperso na estrutura social em que conflitos representancionais ou institucionais não são mais visíveis.

A lei reflete esse poder hegemônico objetificado em uma burocracia administrativa e rotinizada que atende aos objetivos oficialmente estabelecidos pelo Estado. Nesse formato, todos/as são subordinados e obedientes ao poder despersonificado e institucionalizado na forma da lei. Seus usos, significados e a fonte de autoridade que dela emana, aspectos constitutivos da legalidade, são construídos a partir da consciência legal em um processo em constante andamento (Silbey, 2005SILBEY, Susan S. (2005), “After legal consciousness”. Annual Law Review of Law and Social Science, 1: 323-368., p. 327). A contestação desse poder que afirma uma estrutura desigual pode partir de uma consciência legal reveladora das fissuras da lei. A moldura tem importante papel nessa contestação, na medida em que pode ser percebida como parte dos esquemas culturais que formam a consciência legal.

A moldura do cativeiro construiu para Nina e Francisco sentidos de injustiça e desigualdade que são atribuídos a situações concretas cotidianas que podem ser lidadas no sistema jurídico e, assim, compor a consciência legal daqueles/as que acionam a lei. No entanto, ao confrontar as situações de cativeiro com o Artigo 149, foi revelada uma inconsistência do dispositivo. Sua fissura refere-se ao cativeiro vivenciado por Nina, cuja forma subjetiva e eficaz de dominação não aparece entre as hipóteses fáticas das condições análogas à escravidão enunciadas na lei. A moldura, nesse sentido, pode fornecer novos significantes e significados que ampliam a consciência legal, informando outras possíveis maneiras de interpretar e usar a lei. Da mesma forma, a moldura pode adicionar à lei situações de exploração e controle que refletem interações históricas produtoras de rígidas desigualdades sociais, bem como de significados de cativeiro que dão sentido à vida diária e às atuais situações de trabalho daqueles/as que os compartilham.

O silêncio do Artigo 149 sobre o cativeiro vivenciado por Nina reproduz a invisibilidade do/a criado/a e, notadamente, da menina pobre, negra e em situação de vulnerabilidade. Uma consciência legal que não invoca essa moldura cultural não aponta essa lacuna e acaba por reproduzir o poder hegemônico refletido na lei. Esse poder produz e reproduz as desvantagens sociais dos/as que historicamente ocupam posições subalternas e não recebem um tratamento igualitário perante o Estado. Isso normaliza o cativeiro do/a criado/a, assim como sua invisibilidade, contribuindo para a manutenção de um sistema social que transforma desigualdades estruturais em relações de trabalho exploratórias e abusivas de pessoas vulneráveis. O sistema social que permite a escravidão está presente em uma lei que foi cuidadosamente reformulada em 2003 para abarcar casos concretos de escravidão contemporânea ocorridos nos país, por meio de discussões estabelecidas entre juristas, estudiosos do tema e representantes de organizações da sociedade civil que lidam diretamente com sobreviventes dessas situações28 28. Parte dessas discussões ocorreram no Seminário Nacional sobre Trabalho Escravo, realizado em Goiânia entre 7 e 8 de abril de 1997. Reflexões decorrentes das mesmas podem ser encontradas em: “Trabalho escravo no Brasil contemporâneo” (CPT, 1999). .

A invisibilidade do/a criado/a, por sua vez, pode ser analogamente associada ao período de escravidão legalizada na região do Alto Paranaíba, especialmente na cidade de Serra do Salitre, quando os/as escravizados/as eram mantidos/as no subsolo das casas. Assim como os porões nos quais viviam, os/as antigos/as escravos/as eram o alicerce daquela estrutura e se confundiam com as suas fundações, estando subordinados às mesmas, oprimidos por elas e imperceptíveis à organização que sustentavam. Os/as escravizados/as mantinham relação próxima e metonímica com os/as seus/suas senhores/as, o que podia gerar entre eles/as relações de amizade e afetividade, mas não impedia a exploração do seu trabalho e o controle sobre eles/as. Tampouco permitia aos/às escravizados/as participação igualitária na estrutura social que construíram e mantinham. Isso os/as tornava duplamente cativos/as: pelo afeto e pela dominação exercida (Costa, 2012COSTA, Patricia Trindade Maranhão. (2012), As raízes da congada: A renovação do presente pelos Filhos do Rosário. Curitiba, Editora Appris.).

Descendentes dos/as antigos/as escravos/as e trabalhadores/as submetidos à escravidão contemporânea reúnem-se hoje nos grupos de congada que desfilam nos dias de festa entre os diferentes municípios da região. Nos versos cantados e nas histórias que circulam entre os/as congadeiros/as, a exploração e os sofrimentos vividos são narrados e, dessa forma, denunciados. A catarse no momento de louvor à N. Sra. do Rosário permite acessar as memórias do cativeiro à luz da consciência de igualdade instaurada pela aparição da santa entre senhores/as e escravos/as. Isso traz à tona as desigualdades sociais e as injustiças vividas no passado e no presente, a partir de uma visão contestadora da persistência das diferentes formas de exploração e escravidão decorrentes da pobreza.

Considerações finais

Tanto Nina, quanto o pai de Francisco libertaram-se dos cativeiros sofridos. A forma e o momento exato em que isso ocorreu não foram narrados, mas, sem dúvida, não foram promovidos pela ação do Estado. De qualquer modo, suas histórias marcaram suas vidas e a de seus/suas descendentes. Francisco e seus irmãos estabeleceram residência fixa em Minas Gerais e pareciam tentar sobreviver sem realizar o trabalho rural nas fazendas do Alto Paranaíba, o que nem sempre foi possível. Francisco casou, teve filhos e faleceu precocemente devido a problemas pulmonares. Até quando lhe foi possível, manteve-se atuante tocando sanfona em um grupo de congada. Nina casou após sair da casa dos/as patrões/oas. Ao lado do marido e filhos/as, tornou-se trabalhadora rural e uma liderança entre os/as praticantes da congada de Serra do Salitre. Ela é uma das responsáveis pela promoção de festas que permitem a todos/as, que identificam o cativeiro como parte de suas histórias, expressar o louvor à N. Sra. do Rosário. Hoje, Nina conseguiu acessar a aposentadoria rural. Seus filhos e filhas não precisaram ser criados/as de outras famílias, fato de que ela e o marido muito se orgulham.

As histórias de cativeiro aqui apresentadas são exemplos de situações disseminadas no país. Elas ajudam a entender situações contemporâneas de privação e exploração, que, para os/as narradores/as, só são plenamente compreendidas e adquirem sentido quando interpretadas a partir da moldura da escravidão. As narrativas também revelam novas formas de discriminação ou a atualização do racismo instaurado com a escravidão legalizada, na medida em que essa experiência criou um padrão cultural de comportamento norteador das relações hierárquicas baseadas na exploração do outro. Se, no passado, o outro destituído de valor e, por isso, passível de escravização era o negro trazido da África, na atualidade ele foi convertido na figura do pobre igualmente discriminado em razão de sua cor, origem e situação de vulnerabilidade social.

De maneira igualmente importante, a análise das situações de cativeiro permite a melhor adequação dos dispositivos legais que abordam as formas não livres de trabalho aos contextos e situações em que operam, sugerindo possíveis formas de traduzi-los nos termos daqueles que percebem as suas próprias condições de trabalho ou as do segmento social a que pertencem como associadas à escravidão.

  • 1
    A pesquisa etnográfica realizada na região do Alto do Paranaíba, oeste de Minas Gerais, pretendeu responder a indagações teóricas que, de forma simples e resumida, procuravam a África no Brasil ou, mais particularmente, buscavam diferentes expressões das culturas africanas em Minas Gerais, estado apresentado por Bastide e Fernandes (1955BASTIDE, Roger & FERNANDES, Florestan. (1955), Relações raciais entre negros e brancos em São Paulo. Unesco-Anhembi., p. 103), ao lado de Rio de Janeiro, Bahia e São Paulo, como uma província negreira da nação. Se era comum o esforço analítico de buscar a África na Bahia, por que não realizá-lo a partir de Minas Gerais? A herança africana possivelmente estaria imiscuída a aspectos herdados da escravidão e, desse modo, fazia sentido analisar cidades em que a presença da escravidão africana tivesse sido significativa. Procuravam-se contextos que possibilitassem identificar quais estratégias de resistência à discriminação poderiam ser elaboradas pela parcela não branca de cidades mineiras. Indagava se essas estratégias não estariam ligadas à construção de uma tradição ou um mito - e um rito - de origem ligados à ancestralidade africana. Durante a pesquisa de campo realizada em 2004, quando residi na cidade de Serra do Salitre, aquelas indagações iniciais foram paulatinamente desconstruídas. A escravidão lembrada e periodicamente atualizada nos congados, ao invés da ancestralidade africana, aparecia como experiência central para a realização de estratégias de resistência e contestação das desigualdades sociais, bem como para a elaboração de uma cosmologia sociocultural em que o negro e/ou o descendente de escravos aparece de forma efetiva e socialmente reconhecida (Costa, 2012COSTA, Patricia Trindade Maranhão. (2012), As raízes da congada: A renovação do presente pelos Filhos do Rosário. Curitiba, Editora Appris., p. 15).
  • 2.
    Conferir: “MG: após 38 anos, mulher em condições semelhantes a escravidão é libertada” (2020“MG: APÓS 38 ANOS, mulher em condições semelhantes a escravidão é libertada”. (21 dez. 2020), IstoÉ. Disponível em https://istoe.com.br/mg-apos-38-anos-mulher-em-condicoes-semelhantes-a-escravidao-e-libertada/, consultado em 4/2/2021.
    https://istoe.com.br/mg-apos-38-anos-mul...
    ).
  • 3.
    Conferir: “‘Cadê os cinco que eu comprei?’: pandemia acentua retomada da escravidão no país” (Stropasolas, 2020STROPASOLAS, Pedro. (22 ago. 2020), “‘Cadê os cinco que eu comprei?’: pandemia acentua retomada da escravidão no país”. Brasil de Fato, São Paulo. Disponível em https://www.brasildefato.com.br/2020/08/22/cade-os-cinco-que-eu-comprei-pandemia-acentua-retomada-da-escravidao-no-pais, consultado em 24/2/2021.
    https://www.brasildefato.com.br/2020/08/...
    ).
  • 4.
    Convenção de 1926“CONVENÇÃO DE 1926 e seu suplemento elaborado em 1956”. Disponível em http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/trabalho-escravo/convencao_escravatura_genebra_1926.pdf, consultado em 11/2/2021.
    http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-cont...
    e seu suplemento elaborado em 1956, conferir: http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/trabalho-escravo/convencao_escravatura_genebra_1926.pdf, consultado em 11/2/2021.
  • 5.
    The Bellagio-Harvard GuidelinesTHE BELLAGIO!-HARVARD GUIDELINES on the Legal Parameters of Slavery [Diretrizes Bellagio-Harvard sobre os Parâmetros Jurídicos da Escravidão]. Disponível em https://glc.yale.edu/sites/default/files/pdf/the_bellagio-_harvard_guidelines_on_the_legal_parameters_of_slavery.pdf, consultado em 10/3/2021.
    https://glc.yale.edu/sites/default/files...
    on the Legal Parameters of Slavery
    . Disponível em: https://glc.yale.edu/sites/default/files/pdf/the_bellagio-_harvard_guidelines_on_the_legal_parameters_of_slavery.pdf, consultado em 10/3/2021.
  • 6.
    Narrativas sobre esse evento mítico são compartilhadas pelos congadeiros de outras partes do território nacional, o que é considerado característica específica e restrita à congada (Brandão, 1974BRANDÃO, Carlos Rodrigues. (1974), Peões, pretos e congos. Relações de trabalho e identidade étnica em Goiás. Brasília, dissertação de mestrado, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de Brasília. e 1985BRANDÃO, Carlos Rodrigues. (1985), A Festa do Santo de Preto. Rio de Janeiro, Funarte/Instituto Nacional do Folclore; Goiânia, Universidade Federal de Goiás.).
  • 7.
    Sobre o aspecto performativo dos ritos, ou sobre a propriedade dos ritos de alcançarem uma mudança de estado ou de “fazerem algo” efetivamente pela combinação de palavras e ações, conferir Tambiah (1985)TAMBIAH, S. J. (1985), Culture, thought and social action: an anthropological perspective. Harvard, Harvard University Press..
  • 8.
    Ver: Presidência da RepúblicaPRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. “Lei n. 10.803, de 11 de dezembro de 2003”. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.803.htm, consultado em 4/2/2021.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
    , Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. “Lei n. 10.803, de 11 de dezembro de 2003”. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.803.htm, consultado em 4/2/2021.
  • 9.
    Conferir: “Origem histórica da usucapião” (Barbosa, 2016BARBOSA, Ennio H. M. (2016), “Origem histórica da usucapião”. Ennio H. M. Barbosa - Jus Brasil. Disponível em https://enniohmbarbosa.jusbrasil.com.br/artigos/364530591/origem-historica-da-usucapiao, consultado em 16/2/2021.
    https://enniohmbarbosa.jusbrasil.com.br/...
    ).
  • 10.
    Idem.
  • 11.
    Sobre a dívida moral como fator de imobilização do/a trabalhador/a em uma situação de trabalho, ver Esterci (1999ESTERCI, Neide. “A dívida que escraviza”. (1999), In: COMISSÃO PASTORAL DA TERRA (orgs.). Trabalho escravo no Brasil contemporâneo. São Paulo, Edições Loyola, pp. 101-125., p. 102), para quem essa dívida implica não apenas a prestação compulsória de trabalho, mas a lealdade com o patrão.
  • 12.
    Sobre a escravidão por dívida realizada no Brasil recomendo os trabalhos seminais de Martins (1994)MARTINS, José de Souza. (1994), “A reprodução do capital na frente pioneira e o renascimento da escravidão no Brasil”. Tempo Social, São Paulo, 6 (1-2): 1-26., Esterci (1999)ESTERCI, Neide. “A dívida que escraviza”. (1999), In: COMISSÃO PASTORAL DA TERRA (orgs.). Trabalho escravo no Brasil contemporâneo. São Paulo, Edições Loyola, pp. 101-125. e Figueira (2004)FIGUEIRA, Ricardo. (2004), Pisando fora da própria sombra. A escravidão por dívida no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira..
  • 13.
    Dentre os historiadores que criticam os usos do termo escravidão, especificamente trabalho escravo, para falar de situações contemporâneas, cito Paiva (2005)PAIVA, Eduardo França. (2005), “Travail contraint et esclavage. Utilisation et définitions aux différents époques”. Cahier d’Études Africains, XLV (3-4), 179-180: 1123-1141.. Para ele, retomar a categoria escravo atribuiria ao/à trabalhador/a atualmente explorado/a características atribuídas ao escravo do passado, desprezando sua agencialidade e vitimizando homens e mulheres do passado e do presente.
  • 14.
    Sobre a análise das características da escravidão e sua diversidade histórica e cultural, recomendo Patterson (1982)PATTERSON, Orlando. (1982), Slavery and social death. A comparative study. Cambridge, Massachusetts, Harvard University Press. e Meillassoux (1991)MEILLASSOUX, Claude. (1991), The anthropology of slavery. The womb of iron and gold. Chicago, University of Chicago Press..
  • 15.
    Usar, gozar e dispor são atributos do direito de propriedade previstos na lei brasileira e expressos no Artigo 1.228 do Código Civil.
  • 16.
    The Bellagio-Harvard GuidelinesTHE BELLAGIO!-HARVARD GUIDELINES on the Legal Parameters of Slavery [Diretrizes Bellagio-Harvard sobre os Parâmetros Jurídicos da Escravidão]. Disponível em https://glc.yale.edu/sites/default/files/pdf/the_bellagio-_harvard_guidelines_on_the_legal_parameters_of_slavery.pdf, consultado em 10/3/2021.
    https://glc.yale.edu/sites/default/files...
    on the Legal Parameters of Slavery
    . Disponível em: https://glc.yale.edu/sites/default/files/pdf/the_bellagio-_harvard_guidelines_on_the_legal_parameters_of_slavery.pdf, consultado em 10/3/2021.
  • 17.
    Como se observou, para ler na íntegra o texto da Convenção de 1926 e seu suplemento elaborado em 1956, conferir: http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/trabalho-escravo/convencao_escravatura_genebra_1926.pdf, consultado em 11/2/2021.
  • 18.
    Idem.
  • 19.
    Sobre os eventos históricos que suscitaram a elaboração de tratados internacionais contra a escravidão e o trabalho forçado, sugiro o estudo de Miers (2005)MIERS, Suzanne. (2005), “Le nouveau visage de l’esclavage au XXe siècle”. Cahiers d’Études Africains, 179-180: 667-688., que apresenta as discussões sobre o tema ocorridas em comissões criadas no âmbito da Liga das Nações e, posteriormente, das Nações Unidas, em um contexto marcado por conflitos políticos internacionais associados à independência das colônias, às Guerras Mundiais e à Guerra Fria. Sobre as diversas formas de escravidão presentes em diferentes momentos históricos e o desafio de entendê-las a partir de uma definição única, a exemplo daquela expressa na Convenção sobre a Escravidão de 1926, ver Botte (2005)BOTTE, Roger. (2005), “Les habits neufs de l’esclavage: métamorphoses de l’oppression au travail”. Cahiers d’Études Africains, 179-180: 651-666..
  • 20.
    Supplementary Convention on the Abolition of Slavery“SUPPLEMENTARY CONVENTION on the Abolition of Slavery, the Slave Trade, and Institutions and Practices Similar to Slavery”. Office of the High Commissioner for Human Rights (UN Human Rights). Disponível em: https://www.ohchr.org/en/professionalinterest/pages/supplementaryconventionabolitionofslavery.aspx, consultado em 13/8/2021.
    https://www.ohchr.org/en/professionalint...
    , the Slave Trade, and Institutions and Practices Similar to Slavery”. Office of the High Commissioner for Human Rights (UN Human Rights). Disponível em: https://www.ohchr.org/en/professionalinterest/pages/supplementaryconventionabolitionofslavery.aspx, consultado em 13/8/2021.
  • 21.
    Ver: Presidência da RepúblicaPRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. “Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002”. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm, consultado em 17/2/2021.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
    , Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. “Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002”. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm, consultado em 17/2/2021.
  • 22.
    Sobre a preocupação moral e do/a trabalhador/a escravizado/a saldar a dívida ilegalmente contraída, ver Costa (2008COSTA, Patricia Trindade Maranhão. (2008), “A construção da masculinidade e a banalidade do mal: outros aspectos do trabalho escravo contemporâneo”. Cadernos Pagu, Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 31: 173-198., p. 186).
  • 23.
    Bales (2000BALES, Kevin. (2000), Disposable people. New slavery in the global economy. Berkley e Los Angeles, University of California Press., p. 4).
  • 24.
    Trabalho forçado é a categoria descrita na Convenção 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) como: todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade. Ver: “C029 - Trabalho forçado ou obrigatório”“C029 - TRABALHO FORÇADO ou obrigatório”. OIT, Organização Internacional do Trabalho. Disponível em https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_235021/lang--pt/index.htm, consultado em 24/2/2021.
    https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/...
    . OIT, Organização Internacional do Trabalho. Disponível em https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_235021/lang--pt/index.htm, consultado em 24/2/2021.
  • 25.
    Conferir: Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. “Lei n. 10.803, de 11 de dezembro de 2003”. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.803.htm, consultado em 5/3/2021.
  • 26.
    Sobre esse debate conferir: Kalil e Gurjão (2018)KALIL, Renan Bernardi & GURJÃO, Paulo Henrique, (2018), “Os descaminhos do conceito de trabalho em condições análogas às de escravo no congresso nacional: aonde o poder legislativo quer chegar?”. In: FIGUEIRA, Ricardo R.; PRADO, Adonia A.; GALVÃO, Edna M. & JACOB, Valena (orgs.). Estudos sobre as formas contemporâneas de trabalho escravo. Rio de Janeiro, Mauad X, pp. 509-530. e Brito Filho (2015BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. (2015), “Trabalho em condições análogas às de escravo: os bens jurídicos protegidos pelo artigo 149 do Código Penal Brasileiro”. In: FIGUEIRA, Ricardo; PRADO, Adonia & GALVÃO, Edna (orgs.). A universidade discute a escravidão contemporânea: práticas e reflexões. Rio de Janeiro, Mauad X, pp. 441-452. e 2016BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. (2016), Trabalho decente: análise jurídica da exploração do trabalho. Trabalho escravo e outras formas de trabalho indigno. 4 ed. São Paulo, LTr.).
  • 27.
    Conferir: “Inciso XI do Artigo 5 da Constituição Federal de 1988“INCISO XI DO ARTIGO 5 da Constituição Federal de 1988”. Jus Brasil. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10730672/inciso-xi-do-artigo-5-da-constituicao-federal-de-1988, consultado em 24/2/2021.
    https://www.jusbrasil.com.br/topicos/107...
    ”. Jus Brasil. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10730672/inciso-xi-do-artigo-5-da-constituicao-federal-de-1988, consultado em 24/2/2021.
  • 28.
    Parte dessas discussões ocorreram no Seminário Nacional sobre Trabalho Escravo, realizado em Goiânia entre 7 e 8 de abril de 1997. Reflexões decorrentes das mesmas podem ser encontradas em: “Trabalho escravo no Brasil contemporâneo” (CPT, 1999COMISSÃO PASTORAL DA TERRA (CPT) (orgs.). (1999), Trabalho escravo no Brasil contemporâneo. São Paulo, Edições Loyola.).

Referências Bibliográficas

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    10 Mar 2021
  • Aceito
    17 Set 2021
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