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TURISMO CULTURAL ACESSÍVEL: A PERCEPÇÃO DOS GESTORES DOS PRINCIPAIS TEATROS DE BRASÍLIA

ACCESSIBLE CULTURAL TOURISM: PERCEPTIONS ON THE MANAGERS OF THE MAIN THEATERS IN BRASÍLIA

TURISMO CULTURAL ACCESIBLE: UMA PERCEPCIÓN DE LOS GESTORES DE LOS PRINCIPALES TEATROS DE BRASÍLIA

RESUMO:

O Turismo Cultural é um segmento que se manifesta de diversas formas, uma delas é a visitação a monumentos que produzem cultura, como é o caso dos teatros. Estes devem ser acessíveis para diversos públicos, inclusive para os usuários de cadeira de rodas. Neste sentido, o artigo analisa a acessibilidade para usuários de cadeira de rodas nos principais teatros da cidade de Brasília/DF a partir da percepção de seus gestores. Para tanto, realizou-se uma pesquisa qualitativa, exploratória, com aplicação de um roteiro de entrevista, analisado à luz das pesquisas bibliográfica e documental. Ao total, oito teatros foram pesquisados. Apesar de todos os estabelecimentos considerarem importante a acessibilidade para a hospitalidade deste público, seis gestores alegaram que seus espaços não são adaptados para receber usuários de cadeira de rodas. Estes colocam como principal fator impeditivo a dificuldade financeira para que sejam feitas as devidas adaptações. Para que esse cenário mude, aconselha-se que os gestores conheçam a legislação e as normas que tratam sobre acessibilidade para adequar os espaços e busquem recursos para superar as dificuldades que atrapalham a sua implementação.

PALAVRAS-CHAVE:
Acessibilidade; Turismo Cultural; Hospitalidade; Teatro

ABSTRACT:

Cultural Tourism is a segment that takes different forms, one of which is visits to monuments that produce culture, such as theaters. These should be accessible to different publics, including wheelchair users. The article analyzes the accessibility for wheelchair users in the main theaters in the city of Brasília/DF from the perceptions of the theater managers. A qualitative, exploratory study was conducted for this purpose, with the application of an interview script, analyzed in light of bibliographic and documentary research. A total of eight theaters were included in the survey. Although all the managers considered accessibility to be important for hosting this public, six managers claimed that their spaces were not adapted to receive wheelchair users. They cited financial difficulties as the main barrier to making the necessary adaptations. For this scenario to change, managers need to know the legislation and accessibility standards, in order to adapt their spaces and seek resources to overcome the barriers to implementing these adaptations.

KEYWORDS:
Accessibility; Cultural Tourism; Hospitality; Theater

RESUMEN:

El Turismo cultural es un segmento que se manifiesta de diferentes maneras, una de las cuales es la visita a monumentos que producen cultura, como es el caso de los teatros. Estos deben ser accesibles para diferentes audiencias, incluidos los usuarios de sillas de ruedas. En este sentido, este articulo analiza la accesibilidad para usuarios de sillas de ruedas en los principales teatros de la ciudad de Brasilia/DF desde la percepción de sus gerentes. Para ello, se realizó una investigación cualitativa, exploratoria, con la aplicación de un guión de entrevista, analizado a luz de las investigaciones bibliográficas y documentales. En total, se investigaron ocho teatros. Aunque todos los establecimientos consideran que la accesibilidad para la hospitalidad de este público es importante, seis gerentes afirmaron que sus espacios no están adaptados para recibir usuarios de sillas de ruedas. Estos ponen las dificultades financieras como el principal factor que impide realizar las adaptaciones necesarias. Para que este escenario cambie, es aconsejable que los gerentes conozcan la legislación y los estándares que se ocupan de la accesibilidad para adaptar espacios y busquen recursos para superar las dificultades que dificultan su implementación.

PALABRAS CLAVE:
Accesibilidad; Turismo Cultural; Hospitalidad; Teatro

INTRODUÇÃO

Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Características gerais da população, religião e pessoas com deficiência. 2010. Recuperado em 12 junho, 2019, de Recuperado em 12 junho, 2019, de https://biblioteca.ibge.gov. br/visualizacao/periodicos/94/cd_2010_religiao_deficiencia.pdf
https://biblioteca.ibge.gov. br/visualiz...
) em 2010 demonstram que 23,9% da população brasileira declarou ter algum de tipo de deficiência. Essa porcentagem corresponde a mais de 45,6 milhões de pessoas. As deficiências que fizeram parte do estudo foram: visual (18,6%), motora (7%), auditiva (5,1%) e mental ou intelectual (1,4%). Esse número expressivo demonstra a importância do Estado em compreender suas necessidades e incluí-las em políticas públicas voltadas para melhora da qualidade de vida, de modo que elas possam usufruir de todos os serviços desejados.

Entretanto, quando se aborda a questão da acessibilidade, nota-se que a sociedade brasileira está muito aquém em termos do que precisa ser melhorado e feito. Isso inclui o acesso à saúde, ao trabalho, à educação, ao esporte e ao lazer. Olhar para a pessoa com algum tipo de deficiência vai além de pensar na inclusão social, é ter a capacidade de imaginar-se do outro lado, já que todos estão sujeitos a ter algum tipo de deficiência, seja ela temporária ou permanente.

Quando se alia a questão da acessibilidade com a cultura, constata-se que ter acesso a práticas culturais tem sido um desafio para quem é usuário de cadeira de rodas. Muito precisa ser feito ou melhorado em estabelecimentos onde ocorrem manifestações culturais. Em uma cidade como Brasília, essas pessoas podem não frequentar casas de shows, centros culturais, museus, teatros, etc., justamente pela falta de acessibilidade. Vale lembrar que Brasília é mais visitada por turistas com motivações relacionadas a negócios e eventos (Anuário do DF, 2018Anuário do DF. Perfil do turista de negócios em Brasília (2018). Recuperado em 30 junho, 2019, de Recuperado em 30 junho, 2019, de http://www.anuariododf.com.br/turismo/indices/turismo-de-negocios-e-eventos/perfil-do-turista-de-negocios-de-brasilia/
http://www.anuariododf.com.br/turismo/in...
), mas isso não quer dizer que quem visita a localidade não queira aproveitar durante sua estadia o que há de programação cultural.

No contexto cultural, os teatros de Brasília, como parte de edifícios usados para espetáculos, devem adaptar-se conforme as necessidades de todos os seus visitantes, inclusive do usuário de cadeira de rodas. Dessa forma, entende-se que a acessibilidade deve possuir um valor significativo para o Turismo Cultural, pois se sabe que a falta da mesma pode causar uma imensa preocupação a este visitante que se interessa por atrativos culturais, mas que corre o risco de passar por constrangimentos e impeditivos na realização da atividade.

Neste sentido, o presente estudo tem como objetivo investigar a percepção dos gestores dos principais teatros de Brasília sobre a acessibilidade e a sua importância para esses estabelecimentos, sobretudo para usuários de cadeira de rodas que, assim como qualquer cidadão, devem usufruir do Turismo de maneira livre e independente.

A HOSPITALIDADE E O TURISMO CULTURAL ACESSÍVEL

A hospitalidade é um tema pertinente quando se trata da sua relação com o Turismo, pois ela pode influenciar no aumento, na diminuição da qualidade do serviço prestado, ou até mesmo ser usada como estratégia para fidelizar o turista, podendo se tornar um diferencial para um destino turístico. O entendimento do seu significado e importância no Turismo é muito amplo, gerando inúmeras percepções tanto de quem oferece quanto de quem consome, variando conforme a cultura do indivíduo - sua construção histórica e social - que experimenta a hospitalidade. Sendo assim, para os prestadores de serviços turísticos, torna-se necessário entender que a hospitalidade é uma prática que vai além da cordialidade e que pode ser influenciada por vários fatores e, dentre esses, também pela acessibilidade oferecida.

Especificamente sobre a hospitalidade no Turismo, Fernandes, Rejowski e Santos (2017Fernandes, A. P. C., Santos, D. R. & Rejowski, M. (2017). Hospitalidade e a produção científica em língua inglesa sobre guias de viagem. Revista Hospitalidade, 14 (2), 02-21. , p.16) mencionam que:

A hospitalidade na oferta turística remete os destinos e atrações turísticas como lugares de hospitalidade, que promovem a comunicação, o contato e a proximidade com o outro, ou entre hóspede e anfitrião. Os lugares são retratados como hospitaleiros ao turista com acolhimento e cortesia a este, nos quais há ou haverá troca de experiências e pontos de vista, contato com outros turistas e com residentes, em uma viagem a lugares passíveis de serem imaginados e experimentados.

Refletindo sobre o que foi dito na citação anterior, os autores argumentam que a hospitalidade é percebida nos destinos e nos atrativos turísticos quando esta possibilita, por meio do bem receber, a promoção da comunicação e de relações mais intrínsecas entre pessoas. Estes fatores podem aproximar o hóspede e o anfitrião, em que um contato mais próximo possibilita que se desenvolva, em um destino hospitaleiro, uma troca de vivências entre indivíduos que antes eram tidos como desconhecidos.

Corroborando, nas palavras de Rossini, Tricárico, Tomelin e Vargas (2015Rossini, D. M., Tricárico, L. T, Tomelin, C. A., & Vargas, M. S. (2015). Hospitalidade espacial na hotelaria de Balneário Camboriú (SC): um estudo junto aos edifícios hoteleiros. Revista Hospitalidade , São Paulo, v. XII, n. 2, 600 - 625. , p. 602),

O turista, que está fora de seu domicílio, deseja encontrar lugares que o acolham e transmitam segurança, para que possa usufruir do momento de lazer e entretenimento. Fato que conecta o turista à hospitalidade, pois o ser humano, consciente ou inconsciente, espera ser bem recebido.

Conforme o que foi apresentado pelos autores, pondera-se que o turista, ao escolher sair do seu lugar habitual, busca ser bem tratado, pois se ele encontra um ambiente que não oferece uma boa receptividade, dificilmente voltará. Ainda conforme os autores, o local deve transmitir segurança, o que pressupõe o cuidado com todos, inclusive com a acessibilidade para o turista usuário de cadeira de rodas.

A acessibilidade é um conceito qualitativo que é interpretado diferentemente, dependendo da abordagem de design usada para o seu desenvolvimento [...]. Considerando esta pluralidade conceitual, pode-se questionar se esse conceito é útil. No entanto, desde que esse conceito se torne bem estabelecido numa ampla abordagem política e social, argumenta-se que ainda é válido como ponto focal para direcionar questões relacionadas ao acesso de pessoas a tecnologias e a sociedade (Ahman & Gulliksen, 2014Ahman, H. & Gulliksen, J. (2014). Universal Design, inclusive Design, Accessible Design, Design for All: different concepts - one goal? On the concept of accessibility - historical, methodologic and philosophical aspcets. Universal Access in the Information Society. May, 1-23. https://doi. org/10.1007/s10209-014-0358-z
https://doi. org/10.1007/s10209-014-0358...
, pp. 2 -3).

Acessibilidade pode ser entendida como a oportunidade de incluir a pessoa com deficiência na sociedade, garantindo-lhe o direito de acesso a bens e serviços, sem que haja a dependência de terceiros, dando-lhe autonomia e independência com segurança. Conforme diz a Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015:

Acessibilidade: Possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem com o de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida (Brasil, 2015Brasil. Ministério de planejamento. Manual de acessibilidade para prédios públicos - Guia para gestores. 1a edição, julho-2015, 84 p. , p. 21).

Quando se aborda o tema acessibilidade, é necessário apresentar ferramentas que dão suporte, que viabilizam a inclusão social das pessoas com deficiência. Dentre estas estão as tecnologias assistivas e o design universal.

Tecnologia assistiva é a tecnologia destinada a fornecer ao usuário maior liberdade; melhorar, liberar e reorganizar a vida das pessoas com deficiência, permitindo maior capacidade de realizar atividades cotidianas e integrando essas capacidades à vida cotidiana. Os dispositivos de tecnologias assistivas podem ser itens que consideraríamos como tecnologia muito baixa (bengala, óculos, próteses antigas) ou alta tecnologia (dispositivos de comunicação eletrônica, dispositivos de realidade aumentada e cadeira de rodas elétricas) (Kath, Guimarães Neto & Buzato, 2019Kath, E., Guimarães Neto, O. C. & Buzato, M. K. (2019). Posthumanism and assistive technologies: on the social inclusion/exclusion of low-tech cyborgs. Trabalhos em Logística Aplicada. Unicamp, 38 (2), may/agu. https://doi.org/10.1590/0103181386558805282019.
https://doi.org/10.1590/0103181386558805...
, p. 4).

Estudo realizado por Campese, Silva, Silva, Fiqueiredo e Menegon (2019) revela que existe uma grande variedade de produtos e dispositivos de tecnologia assistiva e há uma tendência para novos desenvolvimentos incorporando recursos robóticos e eletrônicos. Para os autores, isso melhora a capacidade de pessoas que precisam desses recursos, promovendo sua independência e participação em contextos sociais.

Já o design universal refere-se ao design e à composição de um ambiente para que possa ser acessado, entendido e usado na maior extensão possível por todas as pessoas (Kanawattanakul, 2019Kanawattanakul, T. (2019). A Model of Universal Design for Senior Tourists: a Case Study of North to Central Pattaya Beach Road Areas. Thesis. Program Graduate School, Silpakorn University. ). Os princípios do design universal incluem: o seu uso equitativo - levando em conta a diversidade e a capacidade das pessoas, flexibilidade, uso simples e intuitivo, informações perceptíveis, tolerância ao erro - reduzir e minimizar riscos e erros de ações não intencionais, baixo esforço físico, tamanho e espaço para abordagem e uso - independente do tamanho do corpo, postura e/ou mobilidade do usuário (The Center for Universal Design, 1997The Center for Universal Design (1997). The Principles of Universal Design. Recuperado em 04 abril, 2020, de: Recuperado em 04 abril, 2020, de: https://projects.ncsu.edu/ncsu/design/cud/about_ud/udprinciplestext.htm .
https://projects.ncsu.edu/ncsu/design/cu...
).

Percebe-se que as tecnologias assistivas e o design universal permitem uma melhora da qualidade de vida das pessoas com deficiência em sociedade. Especificamente no Turismo, área caracterizada sobretudo pela prestação de serviços, além do uso dessas tecnologias, é necessária a capacitação de profissionais. Entende-se que capacitar pessoas que trabalham no setor turístico para atender pessoas com deficiência é primordial, pode não ser uma tarefa fácil, mas é necessária. Infere-se que o Turismo, para ser acessível, deve atingir todos os indivíduos, independente do tipo de deficiência.

Segundo Duarte e Lemos (2017Duarte, D. C. & Lemos, G. S. (2017). Turismo acessível: estudo da legislação brasileira e internacional sobre os direitos de pessoas com deficiência. Revista Inclusão Social, Brasília-DF, 10 (2), 119-131. , p.121),

Entende-se que proporcionar um turismo acessível é, portanto, uma forma de integrar na sociedade as pessoas deficientes, além de propagar um turismo responsável que consequentemente dissemina a importância de igualdade na prestação de serviços para todos, sem discriminação ou limitações do meio. Entretanto, percebe-se que para que haja o turismo acessível, outros quesitos devem ser plenamente garantidos ao cidadão, como o seu direito à educação, à saúde, ao trabalho, ao transporte, dentre outros.

Na visão dos autores, o Turismo Acessível preconiza a inserção das pessoas com deficiência na sociedade. Isso faz com que haja um Turismo que ofereça serviços igualitários para todos, sem que se coloquem impedimentos nos locais onde os indivíduos se encontram. Nota-se que o Turismo se torna acessível para usuários de cadeira de rodas a partir do momento em que estes encontram localidades preparadas para recebê-los de acordo com sua necessidade, sem que precisem enfrentar constrangimentos que dificultem o acesso e o desfruto da atividade turística.

Entende-se que tanto o deficiente deve estar preparado para o Turismo como também o Turismo deve estar preparado para receber o turista com deficiência. Sobre este aspecto, Ferreira (2016Ferreira, J. M. C. (2016). Acessibilidade no turismo ativo: Análise exploratória do Parque Nacional da Peneda-Gerês. Dissertação de Mestrado em Lazer, Património e Desenvolvimento, Universidade de Coimbra, 1-82. , p.24) argumenta:

O turismo deve ser acessível para todos, pois todos têm o direito de usufruir das muitas maravilhas que o turismo tem para oferecer. É certo que muitas pessoas se sentem condicionadas para praticar turismo e isto acontece porque estas pessoas estão preparadas para o turismo, mas o turismo não está preparado para estas pessoas.

Tendo como base o pensamento anterior, pondera-se que todas as pessoas que encontram barreiras, mas desejam fazer Turismo, tem o direito de gozar do que a atividade oferece. Porém, ao mesmo tempo em que elas estão prontas para aproveitar o Turismo, há entraves que as impedem de praticar, já que o Turismo não está pronto para recebê-las. Associando esse fator com o Turismo Acessível, especificamente para usuários de cadeira de rodas, argumenta-se que este turista pode encontrar contratempos para praticar a atividade por não haver destinos adequados as suas necessidades que possibilitem que ele saia do seu lugar habitual de forma cômoda, segura e autônoma.

Relacionando o Turismo com o processo de inclusão social, Duarte, Borda, Moura e Spezia (2015Duarte, D. C, Borda, G. Z, Moura, D. G. & Spezia, D. S. (2015). Turismo acessível no Brasil: um estudo exploratório sobre as políticas públicas e o processo de inclusão das pessoas com deficiência. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo, 9 (3), 537-553. , p. 539) mencionam que:

O turismo acessível, mais especificamente, surge como potencial motivador da inclusão social, visando à ampliação da participação de todos em tal atividade, com a finalidade de proporcionar às pessoas a oportunidade de acesso a atividades comuns e não em grupos isolados e estigmatizados. Ainda nesse sentido, o setor turístico destaca-se, tendo em vista que viajar é uma atividade que gera resultados positivos para o psicológico, emocional, físico e o bem estar dessas pessoas.

Refletindo sobre o pensamento dos autores citados, infere-se que a acessibilidade é um dos pilares para que ocorra a inclusão social no Turismo. Ela permite que pessoas com deficiência tenham a possibilidade de participar de atividades turísticas junto com os demais, sem que haja segregação. Além disso, o ato de viajar pode contribuir para a melhoria da qualidade de vida dessas pessoas e dos grupos sociais ao quais estão inseridas. Já para o prestador do serviço, a acessibilidade pode atuar na fidelidade do usuário ao destino que se encontra acessível.

Entende-se que o Turismo Acessível deve ser transversal, ou seja, deve estar inserido em todos os segmentos do Turismo. Portanto, o mesmo também deve estar incluso no Turismo Cultural.

Segundo Nascimento (2014Nascimento, N. N. (2014). Turismo cultural e a patrimonialização do polígono de tombamento do Centro Histórico de Porto Nacional-TO. Dissertação (Mestrado em Geografia). Universidade Federal do Tocantins. , p. 29), “o Turismo Cultural surge da necessidade de pessoas, seja profissional ou mesmo intelectual, de demonstrar interesse em conhecer ou mesmo em pertencer a outros grupos, comunidades e etnias’’.

Tendo como base a citação anterior, pondera-se que o Turismo Cultural acontece quando o turista está interessado em conhecer ou mesmo pertencer a outros grupos sociais, sendo a interação com cultura deste povo sua principal motivação.

O Turismo Cultural também está relacionado com inclusão da comunidade local, conforme abordam Sousa, Melo e Oliveira (2014Sousa, B. R., Melo, R. S., & Oliveira, V. V. (2014). Produção artesanal associada ao turismo em ilha grande de Santa Isabel (Parnaíba-PI). CULTUR: Revista de Cultura e Turismo, v. 8, n. 2, 137-156. , p. 141):

A relação entre turismo, patrimônio e cultura, caracteriza o segmento de turismo cultural, capaz de agregar valor a destinos turísticos, inclusão da comunidade local, valorização ou revalorização do patrimônio, proteção ao mesmo, através das políticas de preservação, fonte propulsora na dinamização da economia e influencias socioculturais.

No posicionamento dos autores, entende-se que o Turismo Cultural está concebido pelo vínculo entre o Turismo, o patrimônio e a cultura, o que contribui para dar significação ao Turismo nas localidades, além de inserir a participação da comunidade na atividade turística e incentivar políticas públicas para a preservação do patrimônio, o que auxilia o destino a se desenvolver economicamente. Pondera-se que tais políticas públicas também podem estar voltadas ao acesso a esse bem pelas pessoas com deficiência.

Neste contexto, considera-se importante que haja inclusão social no Turismo Cultural, levando os gestores da atividade a pensar em todos indivíduos que podem consumir o Turismo e a cultura, como no caso de turistas ou visitantes usuários de cadeira de rodas. Para isso, deve-se buscar maneiras para sua inserção, já que muitas vezes essas pessoas podem encontrar barreiras que as impeçam de visitar determinado atrativo turístico e usufruir de sua cultura.

METODOLOGIA

Este trabalho foi elaborado a partir de uma pesquisa exploratória, em que houve a preocupação em se aprofundar no tema pesquisado. Isso envolveu levantamento bibliográfico, documental e pesquisa de campo. Utilizou-se também a pesquisa descritiva, em que houve a descrição dos resultados obtidos com a aplicação de um roteiro de entrevista.

Quanto aos meios, o trabalho foi elaborado com auxílio da pesquisa bibliográfica para a construção do referencial teórico. Para isso, buscaram-se referências em livros e artigos científicos de diversos autores acerca do Turismo Cultural, hospitalidade relacionada ao Turismo e Turismo Acessível.

A pesquisa documental também foi utilizada, tendo em vista que esta utiliza das mais variadas fontes. Na pesquisa documental, utilizaram-se fontes de órgãos governamentais, à medida em que trabalhou a legislação e as normas de acessibilidade voltadas para pessoas com deficiência, sobremaneira aos indivíduos com deficiência física (ABNT/NB 9050:2015Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) - NBR 9050:2015 (2015). Acessibilidade a edificações mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. 3. ed, 2015. Recuperado em 12 maio, 2019, de Recuperado em 12 maio, 2019, de https://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/arquivos/[field_generico_ imagens-filefield-description]_164.pdf
https://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/...
).

Para a pesquisa de campo, realizou-se uma entrevista semiestruturada com os gestores dos principais teatros de Brasília. O roteiro de entrevista foi organizado em duas partes. Na primeira etapa, foram feitas perguntas fechadas sobre a caracterização do entrevistado e de cada teatro analisado. Foi feita contagem de frequência para a análise das perguntas fechadas do roteiro de entrevista, como na indagação de informações sobre quantos pertenciam ao sexo masculino ou feminino e idade.

A segunda etapa do roteiro de entrevista foi estruturada em doze perguntas. Estas foram organizadas da seguinte forma: nas oito perguntas inicias, os entrevistados responderam a questões sobre a acessibilidade dos locais e, nas quatro últimas perguntas, três contemplavam a relação entre acessibilidade e hospitalidade. Uma última pergunta foi feita com o intuito de indagar as pessoas entrevistadas a respeito de alguma consideração, caso tivessem, sobre algo que foi ou não perguntado no decorrer da entrevista. As questões abertas foram gravadas, transcritas e analisadas, tendo como base a pesquisa bibliográfica e documental realizada. A análise de conteúdo foi aplicada na análise de trechos obtidos na coleta de dados.

O critério para a escolha de quais teatros seriam estudados se deu por meio de um levantamento feito pelo site TripAdvisor, considerando-se aqueles que seriam os principais em termos do número de visitação. Ao todo foram mapeados onze teatros em Brasília. Entretanto, seja por não autorizarem a realização do estudo, seja por um deles estar fechado desde 2014, dos onze teatros mapeados inicialmente, oito aceitaram a realização do estudo.

Quanto à abordagem, aplicou-se a análise qualitativa aliada à análise de conteúdo, visto que o estudo não propôs medir algo, e sim interpretar e explorar o objeto de estudo. De acordo com Godoy (1995Godoy, A. S. (1995). Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades - Uma revisão histórica dos principais autores e obras que refletem esta metodologia de pesquisa em Ciências Sociais. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, 35 (2), 57-63.), na pesquisa qualitativa é ressaltada uma familiaridade entre o tema estudado e o pesquisador, utilizando-se de meios escolhidos por ele próprio.

CARACTERIZAÇÃO DOS ENTREVISTADOS E DOS TEATROS INVESTIGADOS

Aqui será apresentado o perfil dos entrevistados e as principais características dos teatros investigados.

Quanto ao sexo, dos oito entrevistados, cinco pertenciam ao sexo masculino e três ao feminino. Quanto à idade, a pesquisa mostrou que um entrevistado tinha entre 26 e 32 anos, três entrevistados tinham idade entre 33 e 40 anos e quatro tinham entre 41 e 48 anos. Percebe-se que há a predominância do sexo masculino com idade acima de 30 anos.

O cargo que cada entrevistado ocupa varia em cada teatro analisado. Dois entrevistados ocupam o cargo de coordenador do teatro; duas pessoas ocupam o cargo de técnico de nível superior - responsáveis pela parte de cultura do estabelecimento; outro entrevistado ocupa o cargo de gerente; uma entrevistada ocupa o cargo de coordenadora administrativa; outra entrevistada é servidora pública ocupando o cargo de técnica contrarregra no teatro; e um entrevistado ocupa o cargo de coordenador de graduação da área de artes cênicas. O tempo em cada um está na administração dos teatros também varia, mas cinco dos oito funcionários investigados estão presentes na administração dos teatros há mais de 2 anos.

Dos oito teatros investigados, um foi fundado em 1964, outro em 1980, um foi fundado depois de 1970, três foram fundados depois dos anos de 1990 e dois depois dos anos 2000. A maioria dos teatros analisados tem um bom tempo de existência, já que muitos foram criados antes do ano de 2000. Tendo em vista a idade destes teatros e fazendo relação com a acessibilidade, pondera-se que, a princípio, espaços teatrais antigos podem não atender plenamente, na sua concepção, a questão da acessibilidade, já que tais normas são relativamente mais recentes, no Brasil a partir do ano de 2004.

A ACESSIBILIDADE NOS TEATROS CONFORME A PERCEPÇÃO DOS ENTREVISTADOS

Inicialmente o roteiro de entrevista consistiu em perguntar aos entrevistados dos oito teatros de Brasília qual era o seu entendimento sobre acessibilidade. Aqui não serão reveladas a identidade do entrevistado e nem a identificação do teatro em questão, pois o roteiro de entrevista semiestruturado aplicado se propôs a garantir o anonimato.

Neste bloco de questões, a primeira indagação era: para você, o que é acessibilidade? Aqui, com exceção do entrevistado 4/teatro 4, todos os demais apresentaram respostas semelhantes. Eles colocaram que acessibilidade é incluir pessoas com necessidades nos espaços frequentados, seja de cultura, ou de qualquer outra área, sem que haja restrição de acesso.

Vale ressaltar o depoimento do entrevistado 4/teatro 4, que relatou:

Acessibilidade é no sentido mais amplo a garantia de oportunidade, é poder oportunizar o acesso, como a palavra diz, a um bem público, ao cultural a qualquer pessoa e aí, saindo dos impeditivos de várias ordens, né? Eu posso tá falando de uma acessibilidade estrutural, tô falando de prédio, de adequação, barras, segurança... Posso tá falando de uma acessibilidade do serviço e de como é esse atendimento e quando eu falo desses, essa acessibilidade no serviço é algo que vai no outro paradigma de suporte, que seria favorecer essa pessoa. Ok, ela chegou no espaço, chegar no espaço por si só não é uma acessibilidade, eu tenho que garantir que o que ela está fazendo ali é palatável, né? A partir de que isso seja degustável, ou seja, eu tô falando de libras, do atendimento em libras, eu tô falando de, não sei, uma legenda em uma obra que vai ser cantada ou que vai ser recitada, e precisa às vezes de uma legenda, para ver se tem alguém surdo, eu vou precisar de um programa, às vezes em programa tátil em braile para a pessoa entender que ela tá ali, posso ter uma visita guiada pelo palco se eu recebo um cego para que ele possa entender um pouco do que vai encontrar dentro do palco, né, ele viu: ah, aqui tem um cenário, aqui tem um varal, aqui tem um armário, aqui é uma porta e aí depois se ele estiver ainda nesses níveis de acessibilidade, um áudio descrição, alguém vai fazer áudio descrição e ele consegue entender, porque ele já teve lá dentro visitando o cenário. Então acessibilidade para mim envolve uma parte estrutural e uma outra parte que tem a ver com essa tecnologia assistiva, que tem a ver com esses outros serviços e possibilidades.

O relato do entrevistado mostra que, para ele, acessibilidade envolve não só a possibilidade de uma pessoa com deficiência ou mobilidade reduzida ter acesso a determinado espaço, mas também de apreciar tudo o que lhe é oferecido. Ou seja, não basta chegar em um local, o indivíduo com deficiência precisa sentir que está ali presenciando os elementos do ambiente em que se encontra, precisa se sentir inserido nele. Outro ponto que chama a atenção no discurso do entrevistado é quando ele aborda as tecnologias assistivas, que são instrumentos usados para melhorar a qualidade de vida das pessoas com deficiência, dando como exemplo a audiodescrição. Tal fala é congruente com o que foi visto no referencial teórico, quando se aborda que as tecnologias assistivas permitem uma maior independência e participação nos contextos sociais (Campese et al., 2019). A fala do entrevistado também dialoga com a visão de autores que trabalham Turismo Acessível, na medida em que, segundo Manguele e Roque (2014Manguele, E., & Roque, V. (2014). Inovação, Gestão e Educação em Turismo e Hotelaria: Investigação Aplicada. Instituto Politécnico da Guarda, Coleção Politécnico da Guarda, Observatório de Turismo da Serra da Estrela, 1-13. ), o Turismo Acessível acontece quando o indivíduo tem à sua disposição, além da oferta, a chance de consumir todos os serviços desejados, ou seja, ele teria à sua disposição o que deseja, sem que haja impedimentos.

A segunda pergunta foi o quão importante o entrevistado considerava a questão da acessibilidade para o teatro. Todos os entrevistados disseram que é algo importantíssimo para o espaço, tendo em vista que todos têm o direito de ir e vir nos teatros. Por se tratar de cultura, ninguém deve ser privado de consumir um bem cultural. Dois dos entrevistados deram respostas que foram além das outras seis. A entrevistada 8/teatro 8 disse o seguinte:

Para o teatro é fundamental, porque o teatro é... E aí pensando tem duas dimensões, o edifício enquanto edifício teatral e o teatro enquanto linguagem artística que você possibilita em que as pessoas, qualquer público que seja, seja criança, adolescente, idosos, pessoas com deficiência possam usufruir da linguagem, né? Então tem uma dimensão da linguagem do teatro, que é importante, né? Diferentes faixas etárias, você ter uma programação dentro de um espaço cultural, né, voltado para linguagem teatral em que você tem uma programação, espetáculos que atendem as diferentes faixas etárias, dos diferentes níveis de vida e também um teatro, um edifício teatral. Aí, na nossa concepção de teatro moderno que atenda em sua estrutura física todas essas pessoas, né? Que elas possam usufruir e experimentar os elementos visuais, enfim... As propostas daquele espetáculo constante na programação em sua plenitude.

A entrevistada, ao expressar sua opinião, colocou que a acessibilidade é fundamental para o teatro porque tem dois valores. Um para o teatro como um espaço, pois o mesmo necessita de adaptações para receber uma pessoa com deficiência; e outro para o teatro como uma forma de arte que atenda todos os indivíduos que vão aos espaços para desfrutar do que é oferecido.

Já o entrevistado 4/teatro 4 expôs que:

Importantíssima, acho que grau 10 em 10, é, o teatro tem que ser acessível, a gente tem que entender que a gente vive num outro ponto hoje, né? Se desde sempre deveria ter sido entendido, hoje que a gente é um público mais esclarecido sobre isso, a gente fala sobre a emergência dessa pessoa com deficiência, usufruindo espaços, ela é primordial, e primordial em vários sentidos. Eu posso tá falando também não só da pessoa com deficiência, a gente vai falando dos desenhos universais, né? O que é um desenho universal? É algo realmente pensado para qualquer pessoa. “Ah, mas aqui não vem um cadeirante”. Ok, mas vêm várias outras pessoas que também vão precisar, às vezes eu tenho um obeso que não consegue descer escada, então ele também vai precisar do mesmo elevador, do mesmo tipo de acesso, às vezes eu tenho um idoso, já não tenho uma mobilidade ágil, então eu vou precisar do mesmo tipo de acesso, pensar em desenho universal a gente pensa em todo mundo. Então, 10 em 10.

O entrevistado considera a importância da acessibilidade num sentido mais amplo, ao expressar que a acessibilidade é essencial para o teatro receber diversos públicos, não só a pessoa com deficiência. Ele cita que há outras pessoas que não são usuárias de cadeira de rodas, mas que possuem necessidades semelhantes para atendê-las, ou seja, o entrevistado tem a visão não só da pessoa com deficiência, mas também da pessoa com mobilidade reduzida, como obesos e idosos. Ele também aponta para uma urgência da questão, pois a importância da acessibilidade é algo que já deveria ser entendido pela sociedade. Ao falar sobre desenho universal, a percepção do entrevistado também dialoga com a pesquisa bibliográfica feita. De acordo com Almonte (2014Almonte, J. M. J. (2014). El turismo accesible en Andalucía y Portugal. Cadernos de Turismo, Huelva, nº 33, 121-150. ), o Turismo Acessível deve ser pensado para todas as pessoas, com ou sem deficiência, buscando alcançar também os indivíduos que estão excluídos da prática do Turismo. Nesse contexto, o design universal contribui para o Turismo Acessível, pois o mesmo preconiza um ambiente que deve estar disponível para o maior número de pessoas (Kanawattanakul, 2019Kanawattanakul, T. (2019). A Model of Universal Design for Senior Tourists: a Case Study of North to Central Pattaya Beach Road Areas. Thesis. Program Graduate School, Silpakorn University. ).

A terceira pergunta indagava se o teatro no qual o entrevistado trabalha já recebeu pessoas usuárias de cadeira de rodas e, em caso afirmativo, solicitou-se que ele explicasse como foi essa situação. Em linhas gerais, todos os entrevistados disseram que os teatros costumam receber cadeirantes constantemente. Os entrevistados 1, 3, 4, 5 e 8/teatros 1, 3, 4, 5 e 8 relataram que, quando recebem usuários de cadeiras de rodas, eles se deparam com muitos empecilhos nesses espaços. Já os entrevistados 6 e 7/teatros 6 e 7 disseram que os usuários de cadeiras de rodas não costumam encontrar dificuldades ao acessar suas instalações.

Entretanto, a entrevistada 2/teatro 2 disse que o teatro em que ela trabalha já recebeu usuários de cadeiras de rodas, mas ela considera “uma situação delicada e difícil por não oferecer um espaço acessível para visitante ou turista usuário de cadeira de rodas que chega ao teatro”.

A entrevistada apontou que o teatro em que ela trabalha não consegue receber uma pessoa usuária de cadeira de rodas por não ter um espaço acessível e, por essa razão, o visitante não pode acessar o teatro como gostaria. O que a entrevistada mencionou anteriormente vai contra o que é estabelecido na Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015, pois a lei mais recente sobre a inclusão de pessoas com deficiência coloca que nenhum espaço usado para fins culturais deve se recusar a ofertar equipamentos acessíveis, independente do motivo.

A quarta questão perguntou se o teatro em que o entrevistado trabalha possuía funcionários treinados para receber pessoas usuárias de cadeira de rodas. Caso não tivesse, indagou-se se havia o interesse em qualificar pessoal para atender essas pessoas. Os entrevistados 1, 3 e 5/teatros 1, 3 e 5 disseram de forma semelhante que, apesar de seus espaços não oferecerem um bom acesso físico nem funcionários treinados, eles sempre procuram tratar o usuário de cadeira de rodas da melhor forma possível.

Os entrevistados 6 e 8/teatros 6 e 8 responderam que seus empregados são qualificados para receber as pessoas usuárias de cadeira de rodas e que por isso não há interesse em qualificar funcionários. Alegaram que todos que trabalham nos espaços sabem como receber e tratar o usuário de cadeira de rodas.

Vale ressaltar o relato do entrevistado 7/teatro 7 que mencionou que:

O teatro só tem um funcionário que sou eu. E todo o corpo do teatro trabalha por demanda do dia. Aí a gente trabalha exclusivamente com locação de espaço. Então, quem cuida da parte de operação e logística total no dia do evento é o produtor que alugou o teatro. Então ele disponibiliza pessoas que estariam preparadas para qualquer tipo de recepção, né? De pessoas com deficiência, com dificuldade de locomoção.

O entrevistado aponta que o responsável por cuidar da receptividade oferecida ao usuário de cadeira de rodas é quem aluga o espaço no dia em que ocorrem os espetáculos. Ou seja, é um fator que depende da pessoa que vai locar o teatro em dia definido, o que pode resultar no problema da falta de um padrão de atendimento para essas pessoas.

A entrevistada 2/teatro 2 considera que “É difícil ter funcionários treinados para receber as pessoas usuárias de cadeira de rodas porque o teatro não consegue atender cadeirante, em função da falta de acesso que eles encontram quando chegam nos espaços”.

A resposta da entrevistada é apresentada como uma consequência, já que o teatro para o qual ela trabalha não é adaptado para receber usuários de cadeira de rodas. Ao tomar sua fala como base para relacionar mais uma vez com o que é disposto na legislação sobre acessibilidade em espaços culturais, a Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015, coloca em seu artigo 42 que a pessoa com deficiência tem direito à cultura com igualdade de oportunidades com os demais indivíduos, devendo ser garantido o acesso a espaços que ofereçam serviços ou eventos culturais. Ainda é estabelecido no mesmo artigo que é proibida a recusa de oferta de obra intelectual em formato acessível à pessoa com deficiência, sob qualquer justificativa.

Ainda analisando essa questão, ressalta-se a fala do entrevistado 4/teatro 4:

Eu tô há um ano e meio aqui dentro da instituição, eu diria que não, nossa equipe não é treinada para poder receber, para poder lidar com uma pessoa com deficiência de maneira geral, e parte disso porque a gente tá com o nosso elevador quebrado já há algum tempo, né? O nosso elevador parou de funcionar e desde então não tem ninguém habilitado para lidar de outra maneira, a não ser eu informar infelizmente de que a gente não tá adaptado hoje. Em tempos em que o elevador funcionou, sim, os nossos funcionários que sabiam operar isso. Hoje, a gente não tem alternativas.

O entrevistado coloca que não há funcionários treinados para receber usuários de cadeira de rodas de modo geral e que, em parte, isso se dá pelo fato de o elevador do teatro não estar funcionando já há um bom tempo. Infelizmente, quando o estabelecimento não possui outras alternativas de acesso, o elevador se torna peça fundamental para a acessibilidade e, quando o mesmo não está funcionando, inviabiliza qualquer forma de participação dessas pessoas na atividade cultural. Convém considerar que funcionários treinados para receber pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida nos teatros não devem se dispor só para acompanhamento em uma área específica, e sim para disposição de outras informações, alertar para algum problema que existe em alguma instalação no local ou mostrar como se usa algum equipamento, por exemplo.

A quinta questão indagou se o teatro em que o entrevistado trabalhava já fez ou pretendia fazer algo para melhorar a acessibilidade. Se já fez, quando e onde foi, e caso o estabelecimento ainda não tenha feito, qual foi a entrave para realizá-la.

Os entrevistados 1 a 5/teatros 1 a 5 disseram que os teatros não fizeram nenhuma reforma para melhorar sua acessibilidade. Eles alegaram que os espaços poderiam apresentar uma acessibilidade melhor, mas falta recurso financeiro para que isso aconteça.

O entrevistado 7/teatros 7 argumentou que o que se encontra de acessibilidade existe desde quando o espaço foi fundado e que nunca fizeram ajustes, porque, segundo ele, “não há mais a necessidade de implementar algo a mais, a menos que surja uma nova exigência, pois o que já existe serve para atender muito bem os usuários de cadeira de rodas”.

O argumento desse entrevistado merece ponderações. Não é apropriado julgar que não é preciso aprimorar sua acessibilidade física, pois normas da ABNT e leis que tratam sobre acessibilidade são complementadas com o passar dos anos. Com isso, pode haver a necessidade de implementar ou melhorar algo relacionado à questão, independente do nível de acesso em que esses teatros se encontram.

Já o entrevistado 6/teatro 6 disse:

Sim, o nosso trabalho que a gente faz com o passar dos anos, né? Que outros companheiros já passaram aqui a frente do teatro, é de sempre melhorando cada dia mais a acessibilidade para esse tipo de público. A gente não tinha aqui um local para eles, hoje a gente já tem, não tinha rampas, a gente adaptou, não tinha banheiro, a gente já conseguiu através da cadeia de comando, né, para fazer a adaptação do banheiro para o pessoal com deficiência.

O entrevistado pondera que a acessibilidade ofertada pelo teatro em que trabalha foi feita no decorrer dos anos. Considera-se que é muito importante para esses locais voltados à cultura acompanharem a legislação e as normas vigentes sobre o assunto, para que haja um acesso satisfatório a pessoas com deficiência nos teatros. A resposta do entrevistado também pode ser correlacionada com a literatura sobre o Turismo Acessível. Conforme Duarte e Lemos (2017Duarte, D. C. & Lemos, G. S. (2017). Turismo acessível: estudo da legislação brasileira e internacional sobre os direitos de pessoas com deficiência. Revista Inclusão Social, Brasília-DF, 10 (2), 119-131. ), o Turismo Acessível é uma forma de integrar as pessoas com deficiência na sociedade, com equidade, garantindo-lhes acesso a serviços importantes para uma vida digna. A entrevistada 8/teatro 8 expressou que “a reforma dos banheiros e da rampa ocorreram em 2001. Foi a única reforma que até hoje conseguiu acontecer. A falta de recurso financeiro retarda outras reformas voltadas para a melhoria da acessibilidade no teatro”. A entrevistada coloca que, desde que o teatro em que ela trabalha foi fundado, só houve uma reforma para melhorar as suas instalações. Tendo em vista que as leis e as normas da ABNT sobre acessibilidade são atualizadas com o passar do tempo, torna-se necessário os gestores dos espaços teatrais se manterem informados sobre o que muda e o que precisa ser acrescentado ou não de adaptação nos estabelecimentos.

A sexta pergunta indagava o que, na opinião do entrevistado, a administração do teatro deveria fazer para melhorar a acessibilidade para usuários de cadeira de rodas. O entrevistado 7/teatro 7 mencionou que “não há mais nada que deva ser feito para melhorar a acessibilidade do teatro, pois já considero bom o que o espaço oferece para receber as pessoas usuárias de cadeira de rodas”. Os entrevistados 1 a 3/teatros 1 a 3 disseram que é preciso mais recurso financeiro para que a administração realize as reformas necessárias.

A entrevistada 8/teatro 8 argumentou:

Acho que conhecer a legislação vigente é fundamental, né? E no caso aqui, como a gente é um teatro, né, gerido por recursos públicos, penso que a responsabilidade também é do gestor local, a gente faz todo o trâmite anualmente, frequentemente para essa questão da reforma necessária, mas aí pensando como gestora, pensando como funcionária pública, na verdade, né? Que atua nesse sentido assim, eu acredito que a gente faz tudo que tá ao nosso alcance no cotidiano profissional, para ter o atendimento nesse sentido, né? A gente tem uma cidade que foi construída na década de 60 e que óbvio naquela época, você não tinha essa previsão, né? Dessas medidas serem atendidas pelos espaços e a reforma dentro do governo, ela ainda é muito lenta, né? São processos muito lentos, é difícil você ter verbas voltadas para esse sentido, né? Estruturantes mesmo, né? Na cadeia, então, é ainda um desfio sempre para os gestores e servidor público fazer estes tipos de reforma no prazo que a sociedade exige, né?

A resposta da entrevistada coloca que, antes de adequar o teatro, é primordial conhecer a legislação voltada para acessibilidade e que, como ela é funcionária de um espaço mantido por recursos públicos, vê que há dificuldade em conseguir recurso financeiro necessário para reformar o espaço conforme a sociedade demanda, pois é um processo muito demorado. A entrevistada ainda aponta o fato de Brasília ser uma cidade recente e que, quando foi planejada, não se tinha ideia na época que espaços públicos demandariam modificações que viriam com o tempo.

Na mesma linha, o entrevistado 6/teatro 6 relatou:

Cada dia que passa tem mais algumas coisas novas e dentro da atual conjuntura que a gente vê e pode perceber, então damos orientações e assessoramento de médico e pessoal especializado, pessoal da engenharia, grupo de engenharia. Eles dão orientação para a gente e a gente faz o planejamento de situação e leva para o comando e o comando, como sempre, atende a gente aqui.

O entrevistado apontou que as reformas feitas pelo teatro para melhorar a acessibilidade costumam acompanhar a legislação e as normas vigentes que tratam do tema, o que é muito bom para que o teatro conte com uma acessibilidade cada vez melhor para as pessoas usuárias de cadeira de rodas.

Já o entrevistado 4/teatro 4 mencionou:

Eu acho que parte disso tem a ver com essa reforma direta, vamos dizer assim, estrutural, quando chegar uma pessoa em cadeira de rodas aqui e vemos que temos que aumentar as rampas, e aí a gente começa a listar essas dificuldades. Entrou uma rampa aqui, isso aqui precisa de outro corrimão, esse elevador precisa de manutenção, no dia que a nossa administração de maneira geral, seja a administração predial ou a gente da coordenação, o primeiro passo é a gente mapear as dificuldades encontradas e o que até onde a gente tá improvisando a acessibilidade, até onde ela existe e até onde a gente consegue atingir.

Nas palavras do entrevistado, a acessibilidade só será oferecida quando um visitante usuário de cadeira de rodas chegar ao espaço e apresentar o problema. Isso é muito ruim e não deve acontecer, já que uma pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida pode deixar de frequentar o teatro justamente por não haver acessibilidade. É necessário frisar que as normas de acessibilidade estão disponíveis, inclusive pela internet, para todos que precisem e que não há a necessidade de serem feitas reformas só quando da presença de um usuário de cadeira de rodas que não consiga ter acesso ao estabelecimento. Outro ponto que deve ser ressaltado é que a acessibilidade não deve ser algo pensado para acontecer no “improviso”, e sim deve ser planejada conforme as necessidades dos visitantes usuários de cadeira de rodas, seguindo as normas e a legislação.

O entrevistado 5/teatro 5 relatou que:

Primeiro mudar a fachada do teatro para o térreo, a entrada do teatro para o térreo que tá previsto na próxima reforma, né? E botar um elevador mais novo e com mais capacidade. Porque o nosso elevador da unidade que atende o cadeirante, para algumas cadeiras, é pequeno.

O entrevistado menciona vários fatores que precisam melhorar em relação à acessibilidade do teatro para receber o usuário de cadeira de rodas. É crucial que as reformas propostas pelo espaço aconteçam de acordo com exigências da norma da ABNT. Oferecer um espaço adequado de acordo com as normas, aliado com uma boa receptividade, é importante para que haja uma acessibilidade plena.

A sétima questão perguntou ao entrevistado qual era a maior dificuldade que ele costumava presenciar no acesso de usuários de cadeira de rodas às instalações do teatro. Os entrevistados 2, 3 e 8/teatros 2, 3 e 8 responderam que, como o teatro em que trabalham não é dotado de acessibilidade em praticamente nenhuma parte, então a maior dificuldade se daria pelo fato de o cadeirante não conseguir se locomover dentro dos espaços. Os entrevistados 1 e 4/teatros 1 e 4 disseram de forma semelhante que a maior dificuldade presenciada geralmente é quando o usuário de cadeira de rodas quer chegar mais próximo do palco e, por haver só escadas, isso não propicia que a pessoa se aproxime. Os entrevistados 6 e 7/teatros 6 e 7 disseram de modo semelhante que não costumam presenciar dificuldades de acesso em nenhuma parte do teatro frequentada por usuários de cadeira de rodas, porque os espaços em que trabalham contam com um bom acesso físico nos locais.

O entrevistado 5/teatro 5 disse que “é o banheiro que ele tem que subir de novo para usar o banheiro, se o cadeirante descer pelo teatro, ele não vai conseguir usar esse banheiro aqui de baixo, então tem que subir para o térreo de novo para o banheiro acessível”.

Ao responder à pergunta, esse entrevistado relatou que há uma emergência de adequar o banheiro dentro do teatro, já que o visitante usuário de cadeira de rodas tem que se deslocar até a área principal do prédio onde está o banheiro adaptado. É essencial que o teatro trabalhe para melhorar esse problema, tido como a maior dificuldade de acesso na visão do gestor. Cabe considerar que deve ser primordial para os teatros melhorar todos os aspectos que possam dificultar o acesso da pessoa usuária de cadeira de rodas que frequenta o espaço. A oitava pergunta questionava se o entrevistado já presenciou algum acidente em alguma parte do teatro frequentado pelo turista ou visitante usuário de cadeira de rodas. Pediu-se para explicar como foi o ocorrido. Nesta pergunta, todos os entrevistados disseram que nunca presenciaram acidentes desta natureza.

Apesar de nenhum dos entrevistados ter presenciado algum acidente, pondera-se que seja primordial que os teatros, independentemente do grau de acessibilidade presente em seus estabelecimentos, tomem o maior cuidado com os usuários de cadeira de rodas para que eles não corram o risco de se machucar e nem passar por situações constrangedoras. A nona questão indagou ao entrevistado que tipo de tratamento é dado para o visitante ou turista usuário de cadeira de rodas. O entrevistado 7/teatro 7 disse que, quando presencia a chegada do usuário de cadeira de rodas, o tratamento dado a eles costuma ser bom. Os entrevistados 6 e 8/ teatros 6 e 8 mencionaram que os funcionários que trabalham nos teatros orientam, mostram o caminho onde os usuários de cadeira de rodas podem acessar e os acompanham também, caso precisem. Os entrevistados de 1 a 5/teatros 1 a 5 disseram de modo semelhante que o tratamento dado aos usuários de cadeira de rodas não é bom em função de eles não conseguirem utilizar as instalações do teatro, já que não atendem às suas necessidades.

Ao analisar a resposta dos entrevistados que consideram que os usuários de cadeira de rodas são bem tratados nos teatros, vê-se a relação com a hospitalidade, algo imprescindível também no Turismo Acessível. Para Rossini et al. (2015Rossini, D. M., Tricárico, L. T, Tomelin, C. A., & Vargas, M. S. (2015). Hospitalidade espacial na hotelaria de Balneário Camboriú (SC): um estudo junto aos edifícios hoteleiros. Revista Hospitalidade , São Paulo, v. XII, n. 2, 600 - 625. ), o turista que sai de sua casa quer encontrar lugares que o recepcionem bem, para que ele consiga aproveitar o seu momento de lazer e entretenimento. Complementando, a décima pergunta relacionava acessibilidade especificamente com a hospitalidade do local, então se questionou se o entrevistado considerava que o usuário de cadeira de rodas era bem recebido na sua chegada ao teatro e o porquê. Caso ele considerasse que não, perguntaram-se as razões disso. Os entrevistados 1, 3 e 5/teatros 1, 3 e 5 apontaram de modo similar que os funcionários são sempre simpáticos com todos que frequentam os locais, mas que os usuários de cadeiras de rodas não são bem recebidos por não haver um acesso físico adequado. O entrevistado 6/teatro 6 disse que “eles são tratados com muito respeito e carinho, o espaço contribui para isso já que tem boas instalações para o usuário de cadeira de rodas”. Na mesma linha, o entrevistado 7/teatro 7 disse que considera que o usuário de cadeira de rodas é bem recebido porque, “além do espaço contar com um bom acesso físico, nunca houve nenhuma reclamação em relação à recepção dada a esses visitantes”.

A entrevistada 8/teatro 8 disse que o teatro se preocupa em atender às pessoas da melhor forma possível, mas lamentou a falta de acesso adequado, já que ela acredita que “consumir cultura é um direito de todos”.

De forma semelhante, a entrevistada 2/teatro 2 relatou que:

Não são bem recebidos. A gente tem de vez em quando que conversar com eles e explicar que, infelizmente, no teatro a gente não consegue dar acesso para ele. A gente explica as razões de segurança, explica as razões porque a gente não pode ofertar a acessibilidade para ele, a dificuldade financeira para instalar toda a acessibilidade e aí ele compreende a situação, aí ele aceita. É diferente da gente dizer: “a gente não tem acessibilidade”. A gente acaba conversando porque a pessoa acha estranho, não entende o porquê de não ter acessibilidade.

A resposta desta entrevistada e da anterior mostra que o fato de o teatro não oferecer acesso ao usuário de cadeira de rodas faz com que ele não seja bem recebido ao chegar ao espaço. É preciso que o teatro, como um local utilizado para fins culturais, tenha acessibilidade. Não é uma tarefa fácil para o estabelecimento, já que o local apresenta dificuldades financeiras, mas é necessário que haja um empenho para ofertar acessibilidade. Diante da fala apresentada, é percebido que, além do estabelecimento não seguir o que é estabelecido na Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015, em seu artigo 42º, que dispõe sobre acessibilidade em espaços culturais, também vai contra o que versa a literatura sobre Turismo Acessível. De acordo com Almonte (2014Almonte, J. M. J. (2014). El turismo accesible en Andalucía y Portugal. Cadernos de Turismo, Huelva, nº 33, 121-150. ), o Turismo Acessível visa eliminar impedimentos para que haja uma acessibilidade para todas as pessoas, com ou sem deficiência, em diferentes circunstâncias e que o Turismo e o lazer devem alcançar todos os indivíduos, inclusive grupos sociais menos favorecidos.

O entrevistado 4/teatro 4 disse que o usuário de cadeira de rodas também não era bem recebido no teatro em que ele trabalha, colocando que:

Não, ele não é bem recebido justamente pala inacessibilidade. E, então ele é sujeito a um constrangimento. Quer vir no colo? Você topa descer assim? Dessa forma? O que a gente ainda faz é tentar de maneira paliativa oferecer para ele a garantia de ok, vamos tentar assistir? Isso a gente consegue hoje, se você topar vir dessa maneira, ou alguém te auxiliando a descer a cadeira de rodas, alguém segura uma parte, alguém segura outra, ou seja, a gente não vai tentar inviabilizar direto e eu não tô minimizando assim a nossa responsabilidade. A gente ainda falta com essa responsabilidade, porém a gente ainda tenta garantir que a pessoa usufrua o serviço artístico, estético de qualidade.

A resposta do entrevistado, assim como da entrevistada mencionada anteriormente, também relata que o usuário de cadeira de rodas não é bem recebido no teatro em decorrência da falta acessibilidade do local. Aqui, ele ainda relatou que, apesar de não ser adequado, os funcionários oferecem meios que podem ser perigosos ou constrangedores para a pessoa com deficiência, isso para não negar o acesso ao estabelecimento. Pondera-se que deva haver um esforço por parte dos gestores dos espaços teatrais para que ofereçam acessibilidade sem constrangimentos e com segurança para o usuário, já que nenhuma pessoa usuária de cadeira de rodas deve ser privada de visitar um espaço cultural. Deve-se considerar que é preciso ter cuidado ao oferecer mecanismos que não sejam seguros e que possam ocasionar acidentes.

A décima primeira questão perguntou se o entrevistado achava que a adaptação do estabelecimento poderia ser importante para o bom atendimento do usuário de cadeira de rodas e o porquê. Todos os entrevistados disseram de maneira semelhante que sim, pois a estrutura adaptada disposta no estabelecimento é fundamental para que o usuário de cadeira de rodas frequente um espaço cultural e tenha garantido o seu direito de consumir bens culturais com conforto, segurança e liberdade.

O entrevistado 4/teatro 4 apresenta um relato que merece destaque:

Com toda certeza, é aquilo que a gente falou, acho que ela vai além da acessibilidade física, tem uma acessibilidade social. A gente fala “ah, mas para que eu vou adaptar isso aqui, se não tem ninguém com deficiência que vêm aqui? Se não tem nenhum cadeirante aqui?” É um ciclo inverso, né? Talvez essa pessoa não chegue aqui porque não tem. Ah, mas quando tem a gente faz uma apresentação, às vezes com libras também e não tem ninguém. Porque você faz uma apresentação, se você começa ter várias, aquele público começa a entender que aquilo também é para ele. Então sim, acessibilidade muda todo o atendimento, porque a gente começa falar de fatores sociais, que vai além do físico, que é muito importante.

O entrevistado ressalta que a acessibilidade deve ser ofertada pelo teatro para receber usuários de cadeira de rodas, já que os mesmos deixam de frequentar os locais justamente porque falta acesso. O mesmo menciona que, a partir do momento em que os espaços passam a dispor de acessibilidade em seus ambientes, independente da sua demanda, as pessoas com deficiência, não só as usuárias de cadeira de rodas, mas as demais deficiências, como a auditiva, mencionada no relato, vão percebendo que há lugares que elas podem usufruir da arte. O entrevistado também considera que o acesso afeta a hospitalidade oferecida pelo teatro ao usuário de cadeira de rodas, porque se ele não consegue chegar e nem usar determinada área, ele não vai se sentir bem recebido no local. A opinião do mesmo pode ser relacionada com a literatura sobre o Turismo Acessível. Segundo Ferreira (2016Ferreira, J. M. C. (2016). Acessibilidade no turismo ativo: Análise exploratória do Parque Nacional da Peneda-Gerês. Dissertação de Mestrado em Lazer, Património e Desenvolvimento, Universidade de Coimbra, 1-82. ), o Turismo deve ser acessível para todos, visto que todo mundo tem o direito de desfrutar do que o mesmo oferece, porém as pessoas que estão prontas para fazer Turismo encontram dificuldades, pois a atividade não está pronta para esses indivíduos.

Além dos aspectos já mencionados, observa-se que a fala do entrevistado remete à inclusão social das pessoas com deficiência por meio da cultura. Em outras palavras, por meio do relato deste entrevistado, constata-se que a cultura é uma importante ferramenta de inclusão social. Isso é congruente com o apresentado por Sousa, Melo e Oliveira (2014Sousa, B. R., Melo, R. S., & Oliveira, V. V. (2014). Produção artesanal associada ao turismo em ilha grande de Santa Isabel (Parnaíba-PI). CULTUR: Revista de Cultura e Turismo, v. 8, n. 2, 137-156. ), que defendem a participação da comunidade e a valorização do patrimônio por meio do Turismo Cultural.

A entrevistada 8/teatro 8 disse o seguinte:

Eu acredito que contribui a mais, né? É importante sim. [...]. Acho que mesmo a gente tendo um espaço totalmente adequado para questões de acessibilidade, mas se a pessoa chega e ela não tem orientação, no sentido de humana mesmo, né? Ou de placas, enfim, se ela não sabe como ir e vir do espaço, se ela não se sente acolhida dentro desse espaço, ou como se movimentar, né? Ainda que ele seja totalmente adequado para essa mobilidade, eu também vejo que não contribui. Para mim é uma integração, tanto da parte da estrutura física quanto do capital humano, das pessoas que trabalham nesse espaço. E uma integração e um diálogo e uma sensibilidade em relação a esses públicos, né?

Para a entrevistada, não é suficiente o teatro oferecer um acesso físico adequado ao usuário de cadeira de rodas e não ter uma boa receptividade ou vice-versa. Então, a hospitalidade e o acesso físico proporcionado pelo espaço se complementam, um depende do outro. Ela ainda menciona que, no fator receptivo, estaria inclusa a informação disponibilizada pelo local, acompanhada de um bom tratamento oferecido ao visitante para que ele possa se deslocar no ambiente.

Por fim, a décima segunda e última pergunta indagava se o entrevistado tinha mais alguma consideração a fazer. Sete dos oito entrevistados não tinham nenhuma consideração, apenas a entrevistada 8/teatro 8 mencionou que:

Acho que é isso mesmo, assim, para mim, como eu falei no início, né? É o ambiente que é construído para receber diferentes públicos, diferentes pessoas, é a diversidade que existe no nosso país, né? Então, se é assim para mim integrar não só a estrutura física, mas também o capital humano, a formação dessas pessoas, a sensibilidade em relação às especificidades de cada um, e enfim, diversidade social também, né? Cultural, pessoas com deficiência, mobilidade reduzida, enfim, para mim integra tudo isso.

A entrevistada, ao responder à pergunta, reforçou o que havia dito inicialmente. Ela declarou que o teatro é um local feito para alcançar diversas pessoas e que a acessibilidade oferecida pelo mesmo une o acesso e a receptividade ao receber todos os indivíduos. Em linhas gerais, percebe-se que os entrevistados entendem o que seja acessibilidade e reconhecem a sua importância. Constatou-se também que alguns estabelecimentos apresentam limitações para uma acessibilidade plena, o que pressupõe não somente uma acessibilidade física, mas também a hospitalidade para esse visitante. Percebeu-se que a maioria dos teatros analisados possuem problemas semelhantes de acessibilidade e também usaram justificativas similares ao relatar o porquê de os espaços ainda não possuírem uma acessibilidade adequada ao visitante usuário de cadeira de rodas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo teve o objetivo de analisar a acessibilidade nos principais teatros de Brasília a partir da percepção de seus gestores. Foram mapeados inicialmente onze teatros e, destes, conseguiu-se a realização do estudo em oito estabelecimentos.

A partir da pesquisa realizada, conclui-se que todos os entrevistados apresentaram respostas construtivas sobre o tema acessibilidade. Ressaltam-se os entrevistados 4 e 8/teatros 4 e 8 que a contextualizaram num sentido mais amplo, abordando tanto o acesso físico quanto a hospitalidade, mas vão além ao englobarem a acessibilidade para as demais deficiências. Esses entrevistados demonstram que entendem o que seja acessibilidade e relataram a sua importância num contexto maior, o de inclusão social.

Quanto à hospitalidade, os entrevistados a consideram relevante para que haja acessibilidade plena, ressaltando sua importância na prestação de um serviço de qualidade. Ainda, segundo eles, a oferta de um espaço adaptado também interfere na hospitalidade oferecida pelos teatros, pois é fundamental que haja adequações físicas nos estabelecimentos para que uma pessoa usuária de cadeira de rodas se sinta bem recebida.

Em linhas gerais, a partir da análise feita nos principais teatros de Brasília, foi concluído que a maioria (teatros 1, 2, 3, 4, 5 e 8) não está preparada para receber o usuário de cadeira de rodas. Nota-se que, apesar de ser uma cidade jovem e planejada para ser a capital do país com legado de modernidade, Brasília não teve a acessibilidade pensada ao ser concebida, tendo assim que ser adaptada com o passar dos anos, conforme o crescimento da população e as exigências das leis e das normas de acessibilidade. Percebeu-se que, nos teatros 1 a 5, o que existe de acessibilidade é o que há desde o momento em que esses espaços foram concebidos e desde então não sofreram modificações. No teatro 6, as reformas voltadas para a acessibilidade foram ocorrendo com o passar do tempo, já no teatro 7, apesar de contar com uma boa acessibilidade, nunca houve reforma no local. Cabe enfatizar que as adequações de acessibilidade devem sempre acompanhar a legislação e as normas que tratam sobre o tema. Ressalta-se que, na maioria dos teatros investigados (teatros 1, 2, 3, 4, 5 e 8), alega-se a falta de acessibilidade devido a impeditivos financeiros para a realização das obras necessárias. A pesquisa apontou que a escassez de recurso financeiro é, infelizmente, uma barreira para que haja acessibilidade.

Por fim, tendo como base a coleta de dados realizada, sugere-se a realização de estudos num sentido mais amplo, em outros espaços culturais, não somente em teatros, mas também em outros cenários, como casas de shows, museus, dentre outros, além da pesquisa em outras cidades. É importante lembrar que as normas e a legislação que tratam sobre acessibilidade vão sendo atualizadas com o passar do tempo e que os estabelecimentos devem se adequar a elas, o que vale novos estudos a respeito. Espera-se que os estabelecimentos investigados, especificamente em Brasília, vençam a barreira financeira para se tornarem, de fato, acessíveis.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    17 Fev 2020
  • Aceito
    01 Abr 2020
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