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Análise da exploração imobiliária de autoconstruções em áreas degradadas: Favela Nova Jaguaré

Analysis of the real estate exploitation of self-construction in degraded areas: Favela Nova Jaguaré

Resumo

Este trabalho reflete sobre o crescimento vertical por autoconstrução da favela Nova Jaguaré, como resultado da apropriação irregular de espaços não edificados, nos interstícios de empreendimentos de habitação de interesse social implantados na gleba no período de 2014 a 2019. Apresenta informações cartográficas que identificam novas ocupações e usos situados em áreas de interstícios de empreendimentos de habitação social já implantados no local e é um estudo qualitativo, utilizando análises bibliográficas com base nas obras de autores como Reinhard Goethert, Pedro Abramo, Samuel Jaramillo, Nabil Bonduki, Rem Koolhaas, entre outros, além de dados obtidos através de levantamentos in loco e entrevistas realizadas com líderes comunitários. Se apoia no conceito de Incremental Housing, entendido como a construção habitacional progressiva, construída em fases, como um dos elementos que propiciam a ocupação e a exploração imobiliária de áreas degradadas. Como resultado aponta que tais ocupações são reflexo de diversos fatores, entre eles: fatores socioeconômicos, incluindo precarização do mercado de trabalho; a necessidade de viabilizar um melhor acesso à infraestrutura urbana; a facilidade de negociações em um mercado informal, além da necessidade/possibilidade de gerar um incremento no orçamento familiar através da autoconstrução.

Palavras-chave:
Verticalização de Favelas; Incremental Housing; Habitação Social

Abstract

This work reflects on the vertical growth by self-construction of the favela Nova Jaguaré, as result of the irregular appropriation of undeveloped spaces, in the interstices of social housing projects implemented in the period from 2014 to 2019. Through surveys carried out locally, it presents cartographic information that identifies new occupations and uses located in areas of interstices of social housing projects already implanted in the place. It presents a qualitative study, using bibliographic analysis based on the works of authors such as Reinhard Goethert, Pedro Abramo, Samuel Jaramillo, Nabil Bonduki and Rem Koolhaas among others, in addition to data obtained through on-site surveys and interviews conducted with community leaders. It is based on the concept of Incremental Housing, understood as the progressive housing construction, built in phases, as one of the elements that facilitate the occupation and real estate exploitation of degraded areas. As a result, it points out that such occupations are reflection of several factors, among them: socioeconomic factors, including precarious labor markets; the need to enable better access to urban infrastructure; seamless negotiations in an informal market in addition to the need / possibility to generate an increase in the family budget through self-construction.

Keywords:
Self-construction; Incremental Housing; Social housing projects

Introdução

Às margens do Rio Pinheiros, um dos principais cursos d’água da capital paulista, a comunidade Nova Jaguaré se encontra em uma área de risco devido à topografia acentuada e à precariedade do assentamento. Localizada no distrito do Jaguaré, zona oeste da cidade, próxima à Cidade Universitária - Universidade de São Paulo, ao Parque Villa Lobos e à estação da CPTM Villa Lobos-Jaguaré, tem como principal acesso a Avenida Engenheiro Billings. As primeiras construções irregulares da região datam da década de 1960, em terreno destinado à implantação de área ajardinada, em uma gleba loteada pela Companhia Imobiliária Jaguaré. No início da década de 1990 a região recebeu seu primeiro empreendimento dedicado à habitação social através do Programa Cingapura, além de obras de contenção da encosta. Posteriormente as áreas comuns do conjunto habitacional foram ocupadas por outras famílias, em novas construções irregulares. A comunidade voltou a receber intervenções públicas no sentido de urbanizar e produzir habitação na primeira década dos anos 2000, mais especificamente nos anos de 2005 e 2008 com, respectivamente, o Programa 3R’s e apartamentos promovidos pela Secretaria de Habitação, onde mais uma vez teve sua área residual ocupada.

Este trabalho reflete sobre a apropriação irregular de espaços não edificados nos interstícios de empreendimentos de habitação de interesse social e usa como metodologia os conceitos teóricos de Incremental Housing, que se valida na observação da ocupação Nova Jaguaré. Os moradores desta comunidade, embora desconheçam a teoria, desenvolveram os mecanismos necessários para ampliar e customizar as soluções espaciais e urbanísticas do território com base nas próprias necessidades.

A elaboração da cartografia se deu a partir de levantamentos in loco e remoto. Através de um banco de dados digital promovido pelo GeoPortal relacionado à pesquisa “Intervenções contemporâneas em cidades da América do Sul: estudo das transformações territoriais em assentamentos precários. São Paulo/Brasil - Medellín/Colômbia” (Brandão & Bustamante, 2014Brandão, A. J., & Bustamante, M. (2014). GeoPortal: Intervenções contemporâneas em cidades da América do Sul: estudo das transformações territoriais em assentamentos precários. São Paulo/Brasil - Medellín/Colômbia. Recuperado em 08 de novembro de 2019 de http://200.144.255.90:9009/mapguide/fusion/templates/mapguide/slate/index.html?ApplicationDefinition=Library://S%C3%A3o%20Paulo/Web%20Layout/Mapas%20Tem%C3%A1ticos.ApplicationDefinition&locale=en.
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) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP) foi realizado reconhecimento prévio da área de estudo, assim como recolhidos dados sobre os programas de habitação social inseridos no local. A realização de visitas in loco, bem como entrevistas com líderes comunitários, permitiu observar e confirmar os dados levantados, assim como o acréscimo de novas informações. Dessa forma, a elaboração de registros e novas cartografias, abordando diferentes períodos entre 2014 e 2019, permitiu analisar qualitativamente a verticalização progressiva da região. A partir da leitura do território, o estudo identifica novas ocupações situadas em áreas de interstício dos empreendimentos de habitação de interesse social, implantados na área de estudo, onde percebe-se inclusive o crescimento vertical dessas ocupações.

Longe da intenção ambiciosa da originalidade, este trabalho busca selecionar, refletir e cruzar informações a respeito do mercado de terras ilegais que ocorre em áreas onde já ocorreu intervenção pública, no sentido de mitigar a situação de precariedade da região, e considera a posição de teóricos como o economista Pedro Abramo e os arquitetos e urbanistas Nabil Bonduki, Reinhard Goethert, Rem Koolhaas, entre outros.

O mercado informal de terras

A produção do espaço urbano é uma consequência, entre outros fatores, da ação de diversos agentes, que refletem as necessidades sociais de um determinado grupo, sendo responsável pela criação de mecanismos e processos que se materializam na forma do ambiente construído das cidades. Esses agentes são proprietários dos meios de produção, o Estado, proprietários fundiários, agentes do mercado imobiliário, grupos sociais, entre outros (Castro, 2014Castro, R. L. (2014). Sobre agentes sociais, escala e produção do espaço: um texto para discussão. In A. F. A. Carlos, M. L. Souza, & M. E. B. Sposito (Org.). A produção do espaço urbano: agentes e processos, escalas e desafios (p. 40-51). São Paulo: Contexto.). Essa estrutura social, por sua vez, é determinada a partir da modalidade de acumulação e seu lugar no sistema global de divisão do trabalho em que a sociedade está inserida, e as manifestações espaciais das cidades são reflexos dessa estrutura (Jaramillo, 2010). O mercado imobiliário age como uma das ferramentas da formação socioespacial da metrópole. Como aborda Abramo (2007Abramo, P. (2007). A cidade COM-FUSA: a mão inoxidável do mercado e a produção da estrutura urbana nas grandes metrópoles latino-americanas. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, 9(2), 25-54. https://doi.org/10.22296/2317-1529.2007v9n2p25.
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) num estudo analítico das cidades latino-americanas, este mercado imobiliário é dividido entre formal e informal. O primeiro possui uma série de requisitos normativos e urbanísticos estabelecidos pelo Estado, nivelando a cidade a um modelo que não atende as classes de menor renda, tornando a provisão de moradia dessa categoria desinteressante aos investimentos privados. De acordo com Jaramillo (2010), o modelo de cidade formal se torna inacessível a uma parcela da população, por fatores relacionados (i) ao desequilíbrio entre o crescimento econômico e o crescimento populacional, onde a produção capitalista de habitação se expande lentamente, ampliando a sua demanda; (ii) uma porção da população cujos regime de salários os excluem de demandas de bens e serviços básicos produzidos de maneira capitalista; (iii) debilidade do aparato do Estado tanto no que diz respeito à provisão de bens e serviços sociais quanto no que tange a sua capacidade reguladora e coercitiva, o que confere aos mercados uma dinâmica "espontânea", ou seja, de forma que a ocupação ocorre por iniciativa individual dos moradores, sem a intervenção ou influência do mercado ou do Estado.

A dificuldade de acesso ao mercado formal tem como consequência ações individuais ou coletivas de acesso ao solo, formando assim o mercado informal, através de ocupações de espaços consolidados ou loteamentos irregulares em áreas com pouca ou nenhuma infraestrutura, às margens da cidade.

O mercado de solo informal, ainda de acordo com Abramo (2001Abramo, P. (2001). Mercado e Ordem Urbana (1ª ed.). Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil.), pode ser dividido em dois subgrupos: (i) Submercado de loteamentos; e (ii) Submercado nos assentamentos populares informais - APIs - consolidados. O primeiro corresponde ao parcelamento de glebas em áreas periféricas da cidade, onde há falta ou inexistência de infraestrutura e como consequência, a terra é mais barata. Uma vez que esses loteamentos são parte de um mercado de terras ilegal, são livres dos parâmetros reguladores do Estado o que permite aos novos proprietários ou possuidores uma utilização intensa do solo. Esta autonomia na tomada de decisões tem impacto na forma de utilização do solo, assim como os valores cobrados. A expansão de maneira livre é determinada pela demanda por moradia, e resulta no alargamento da malha urbana existente.

Segundo Abramo (2001Abramo, P. (2001). Mercado e Ordem Urbana (1ª ed.). Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil.) diversos fatores influenciam diretamente na concepção de valores dos lotes informais: (a) As condições topográficas do lote, determinantes no custo do fracionamento da gleba; (b) A localização, que viabiliza um melhor acesso aos serviços públicos, assim como a disponibilidade de transporte público e consequentemente a diminuição no custo dos trajetos para áreas centrais da cidade; (c) Fator de antecipação tais como incremento de infraestrutura e planos de urbanização previsto pelo poder público para a gleba ou o lote, o que permite ao vendedor ou locador elevar o custo final do lote; (d) Fatores de ajuste de mercado, que dependem da transparência na relação entre locadores e vendedores nos processos de negociação, haja vista que o comportamento de ambos durante a transação comercial influencia na oscilação do mercado; (e) Flexibilidade contratual. Considerando que os contratos são realizados de maneira informal, o acesso ao lote é negociado de maneira menos burocrática, havendo entendimento por parte dos envolvidos quanto a crédito familiar e possíveis juros e taxas. Jaramillo (2008Jaramillo, G. S. (2008). Reflexiones sobre la “informalidad” fundiaria como peculiaridad de los mercados del suelo en las ciudades de América Latina. Territorios, 18(19), 11-53. Recuperado em 15 de fevereiro de 2021 a partir de https://revistas.urosario.edu.co/index.php/territorios/article/view/826
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) também aponta que a autoconstrução nos bairros com melhor infraestrutura permite obter acessos que estão relacionados a uma rede de solidariedade e de interação que são decisivas às condições dos pobres urbanos, impactando inclusive na renda familiar, uma vez que a composição dos bairros populares não é exclusiva de moradias, surgindo eventualmente outros usos, sobretudo comerciais. Nesse caso, o autor cita que a “microlocalização” no interior dessas ocupações pode gerar condições muito diversas para o exercício dessas atividades, de forma que afetam diretamente o valor dos lotes.

Uma vez consolidado o fracionamento da gleba, o segundo submercado aborda a fragmentação dos lotes derivados, assim como as edificações posteriormente implantadas. Entre as opções de acesso à moradia existe o mercado de locação e o de comercialização. Este último comumente exige um valor inicial de aquisição que é inexistente e gera um débito familiar insustentável. Assim predomina o mercado de locação. A oferta de moradia através da locação comporta sua demanda (até onde lhe é possível), porém em contrapartida torna o lote ainda mais fragmentado. Famílias consolidadas utilizam deste mesmo mecanismo como possibilidade de complemento orçamental, fracionando sua própria unidade habitacional para novos locatários (Abramo, 2007Abramo, P. (2007). A cidade COM-FUSA: a mão inoxidável do mercado e a produção da estrutura urbana nas grandes metrópoles latino-americanas. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, 9(2), 25-54. https://doi.org/10.22296/2317-1529.2007v9n2p25.
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).

Ambas, demanda e oferta, afetam a formação socioespacial da cidade e atuam (mesmo que de maneira díspar) tanto no primeiro quanto no segundo submercados que derivam do mercado informal. A ação no primeiro mercado torna a cidade difusa, exigindo maior alargamento da malha urbana, para áreas ainda mais afastadas da infraestrutura. A consequência desta ação é o aumento dos deslocamentos desta população alocada às margens da cidade, visto que a oferta por empregos comumente se localiza em regiões de centralidade. Outro fator da expansão é o custo dado ao poder público pela urbanização de áreas desprovidas de assistência.

Ainda segundo Abramo (2007Abramo, P. (2007). A cidade COM-FUSA: a mão inoxidável do mercado e a produção da estrutura urbana nas grandes metrópoles latino-americanas. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, 9(2), 25-54. https://doi.org/10.22296/2317-1529.2007v9n2p25.
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), para equiparar a oferta à demanda, os proprietários de lotes e/ou unidades habitacionais tendem a fracioná-los ainda mais, tornando a cidade, a partir desta ação, compacta. Esta é a ação no segundo mercado. O aumento da densidade tem por consequência a precarização do habitat, não só no que diz respeito à unidade habitacional. Além desta, o adensamento fere questões ambientais, urbanísticas e de conforto termoacústico. Perdem-se áreas verdes, de lazer, e oportunidades de recuo, de forma que quanto maior o número de unidades, mais próximas estão entre si, impedindo desse modo, também, a adequada circulação de ventilação natural e incidência solar, tornando cada unidade insalubre. Em aspectos menos palpáveis perde-se também neste processo a privacidade de quem habita. Na busca de acesso a moradia, a demanda por unidades habitacionais menores está ligada à precarização do mercado de trabalho, então a baixa renda por ambas as partes do acordo de locação abre espaço a uma reprodução de relacionamentos locador-locatário informais, que por sua vez fomenta a precarização dos ambientes. Uma vez dada a impossibilidade de criar mais espaços para venda ou locação se potencializa a ação do primeiro mercado. No caso da comunidade Nova Jaguaré, segundo informações coletadas nas entrevistas com as autodenominadas lideranças comunitárias, todos os parâmetros relacionados aos imóveis, incluindo uso, ocupação do lote e gabarito de altura, são definidos pelos moradores, o que confirma as características dos submercados de loteamentos, pela ausência de parâmetros, no entanto é possível enquadrar a ocupação da área de estudo no submercado de APIs , se considerarmos a localização dotada de infraestrutura e em área consolidada da cidade.

Apesar de o mercado de terras informal atuar às margens dos parâmetros normativos do Estado, as transações realizadas entre vendedor e comprador e locador e locatário ainda necessitam ser estruturadas de forma a garantir a continuidade e funcionalidade do mercado, de modo que os contratos subentendidos por ambas as partes permaneçam de maneira atemporal e até mesmo entre gerações. Essa estrutura é baseada em relações de lealdade e confiança mútua depositada entre as partes. Visto que as informações sobre lotes ou unidades a serem vendidas ou alugadas são dadas através de familiares e amigos, essa cadeia de afinidades se estabelece previamente: este que possui a informação, se supõe, também adquiriu a informação através de um parente ou amigo. Faz parte também dessa estrutura um terceiro indivíduo, apelidado de “autoridade local”, cujo julgamento imparcial funciona como mediador para possíveis descumprimentos no contrato pré-estabelecido. A rotulação dessa autoridade varia de acordo com o histórico específico de cada comunidade popular, e pode vir por meio passivo ou autocrático. Essa trama de afinidades, assim como a ação intermediadora da “autoridade local”, consolida e dá continuidade aos laços contratuais implícitos do mercado informal (Abramo, 2001Abramo, P. (2001). Mercado e Ordem Urbana (1ª ed.). Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil.). Jaramillo (2008Jaramillo, G. S. (2008). Reflexiones sobre la “informalidad” fundiaria como peculiaridad de los mercados del suelo en las ciudades de América Latina. Territorios, 18(19), 11-53. Recuperado em 15 de fevereiro de 2021 a partir de https://revistas.urosario.edu.co/index.php/territorios/article/view/826
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) denomina essa figura da autoridade local como “urbanizador pirata”, sendo que esse, além de ser responsável pelo fornecimento de certas infraestruturas e organização do submercado, também compartilha traços culturais e sociais com os ocupantes das glebas e/ou edificações, de forma que é possível oferecer condições mais favoráveis de negociação, como o pagamento a prazo, às vezes com juros baixos ou nulos e pagamentos em espécie. Dessa forma, o urbanizador segue acompanhando os compradores, sobretudo enquanto o processo de desenvolvimento das edificações avança, além do que, muitas vezes, ficam a cargo desse urbanizador clandestino os fornecimentos de certas infraestruturas básicas, como o fornecimento de água, ou a proteção de ações de remoção, por exemplo, além de apoiar mobilizações de reivindicação perante as autoridades (formais) locais. Muitas vezes estabelecem-se certos “pactos eleitorais”, em que o urbanizador clandestino negocia com empresários e políticos, formando assim um sistema clientelista.

Nazareth (2017Nazareth, M. B. F. (2017). Vila Nova Jaguaré entre favela, comunidade e bairro (Dissertação de mestrado). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo.) aponta que a ocupação da favela Nova Jaguaré se dá num contexto de abundância de terrenos, o que permitiu aos moradores tomar posse de porções extensas de terra, possibilitando a negociação de parte de seus lotes com moradores recém-chegados, com ou sem auxílio de uma liderança local. Dessa forma, as novas ocupações estavam sujeitas à anuência dos moradores antigos, uma vez que se tornaram responsáveis por legitimar a posse da terra.

É importante ressaltar, conforme descreve Maricato (2015Maricato, E. (2015). Para entender a crise urbana (1ª ed.). São Paulo: Expressão Popular.), que a riqueza relacionada ao mercado imobiliário, ou seja, a partir da geração de renda ou da valorização imobiliária, tem maior absorção pelo mercado formal de terras, mas pode chegar ao mercado informal, que se valoriza com vantagens relacionadas à localização, gerando renda ao proprietário com a valorização dos aluguéis.

Os laços que se estabelecem através da confiança e do sentimento gerado de comunidade vão além dos contratos de venda e locação de terras ou bens imóveis. A favela Nova Jaguaré possui diversas lideranças comunitárias que atuam em rede através do coletivo Mobiliza Jaguaré, que concentra diversas atividades de assistência social, combate à fome, campanhas de inverno e atendimento da comunidade no sentido de mitigar os efeitos da desigualdade social. Esse câmbio de bens e serviços gera uma economia pautada em trocas recíprocas, onde não necessariamente se vale a contrapartida monetária. Essa prática fortifica os laços de confiança e lealdade. Ambas as práticas, de adensamento por meio da fragmentação e troca por meio do sentimento de comunidade, dependem da aproximação, da formação de afinidades, que é fator determinante na consolidação de acordos no mercado de solo informal.

Incremental Housing como instrumento do mercado de terras

Incremental Housing (ou ainda: casa-embrião, habitação progressiva, habitação evolutiva, entre outros) pode ser definido como um processo de construção habitacional em fases, onde se estabelece um núcleo de partida que progressivamente se desenvolve de acordo com as necessidades e particularidades dos habitantes (Goethert, 2010Goethert, R. (2010). Incremental Housing: A proactive urban strategy. Monday Developments. Massachusetts, 10 Sept. 23-25. Recuperado em 10 de dezembro de 2019, de http://web.mit.edu/incrementalhousing/articlesPhotographs/pdfs/PagesMondayMag.pdf.
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). Quando planejada, a unidade de partida permite que as funções e formas de ocupação se alterem, dando origem a diferentes plantas. É possível definir a habitação progressiva ou evolutiva como:

Processo de transformação desencadeado por um conjunto de tecnologias adaptáveis que atuam sinergicamente, dentro de uma lógica incremental, baseado na participação dos indivíduos, orientado para o fortalecimento do capital social e simbólico e o melhoramento das condições do habitat no marco de um desenvolvimento sustentável. (Tapia & Mesías, 2002Tapia, R., & Mesías, R. (2002). Habitat popular progresivo: Vivienda y Urbanización. Santiago de Chile: CYTED; RED XIV., p. 20)

Segundo Rosso (1980 apud Peña, 2014Peña, A. R. (2014). Habitação Social Evolutiva: Análise do custo Inicial de construção de um projeto do tipo embrião (Dissertação de mestrado). Faculdade de Arquitetura, Engenharia e Tecnologia, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá.) uma habitação é considerada evolutiva quando no momento da concepção do projeto prevê ambientes que possibilitem alteração de usos, proporcionando diversas formas e funções.

Como teoria, o Incremental Housing parte do princípio da multiplicidade de arranjos familiares e entende que cada um desses arranjos, somados a componentes culturais e sociais específicos de cada região, demanda soluções espaciais distintas. Essa dinâmica de modificações constantes com gestão autônoma dos usuários torna difícil a antecipação dos cenários possíveis pós-ocupação.

A flexibilidade não é a antecipação exaustiva de todas as modificações possíveis. Muitas alterações são imprevisíveis […] A flexibilidade é a criação de uma capacidade de ampla margem que permita diferentes e mesmo opostas interpretações e usos (Koolhaas, 1995Koolhaas, R. (1995). S, M, L, XL: small, medium, large, extra-large (2ª ed.). Monacelli Press., p. 240).

A habitação evolutiva pode ser prevista em quatro modelos diferentes, de forma a antecipar os cenários pós-ocupação, e apresentam níveis quanto ao encaminhamento por parte do arquiteto. São eles: (i) Embrião, onde um núcleo básico de habitação se expande com o tempo; (ii) Casca, modelo que delimita o exterior e força a subdivisão dos espaços interiormente, podendo ser vertical ou horizontal; (iii) Suporte, onde a unidade de partida consiste na malha estrutural e a divisão dos ambientes e fechamentos externos ficam a cargo da ocupação futura; (iv) Melhorável, que inicialmente possui baixa qualidade dos materiais, mas possibilita com tempo a substituição por materiais mais duráveis e definitivos (Peña, 2014Peña, A. R. (2014). Habitação Social Evolutiva: Análise do custo Inicial de construção de um projeto do tipo embrião (Dissertação de mestrado). Faculdade de Arquitetura, Engenharia e Tecnologia, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá.).

O modelo de habitação evolutiva como processo de produção de habitação social vem sendo aplicado em diferentes situações, sendo o caso mais emblemático o projeto para a Quinta Moroy, elaborado pelo escritório chileno Elemental. No Brasil, há iniciativas de habitação evolutiva, como o projeto do escritório Jirau Arquitetura do arquiteto Pablo Patrioca, que desenvolveu um projeto de habitação social em 2011 para o programa “Minha Casa, Minha Vida”, planejando um loteamento e as unidades habitacionais localizadas na zona sul da cidade de Caruaru em Pernambuco. Ainda assim, no país predomina a tipologia dos conjuntos habitacionais na construção por promoção pública de unidades habitacionais para as faixas de menor renda. Esse modelo busca a padronização em função da redução do custo de implantação, além de, segundo Rolnik (1997Rolnik, R. (1997). A cidade e a lei: Legislação política urbana e territórios na cidade de São Paulo (3ª ed.). São Paulo: Estúdio Nobel.), as moradias serem implantadas fora dos centros urbanos, em terrenos desprovidos de equipamentos e infraestrutura urbana, oferta de emprego ou acesso a serviços de atendimento imediato à moradia.

A produção institucional de habitação social com a possibilidade de flexibilidade das plantas acontece no Brasil a partir do final da década de 1960, com o projeto da Unidade Habitacional do Parque CECAP, em Guarulhos, projeto dos arquitetos Vilanova Artigas, Fábio Penteado e Paulo Mendes da Rocha, com a utilização de painéis divisórios leves e módulos pré-fabricados de armários compondo as vedações externas (Brandão, 2002Brandão, D. Q. (2002). Diversidade e potencial de flexibilidade de arranjos espaciais de apartamentos: uma análise do produto imobiliário brasileiro (Tese de doutorado). Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.), caracterizando então a modalidade casca, conforme a descrição de Peña (2014Peña, A. R. (2014). Habitação Social Evolutiva: Análise do custo Inicial de construção de um projeto do tipo embrião (Dissertação de mestrado). Faculdade de Arquitetura, Engenharia e Tecnologia, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá.), proposta que contempla a flexibilidade da planta, mas não sua expansão. Os condomínios horizontais ou vilas com unidades que possibilitam a ampliação promovidos pelo poder público se tornaram uma realidade por volta dos anos de 1970 quando a Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo - COHAB SP - inclui o modelo de casas-embrião e lotes urbanizados ao seu plano habitacional, o que reforça a prática de acesso à moradia por meio da autoconstrução (Castilho, 2015Castilho, E. P. (2015). A Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (COHAB-SP): o principal agente da política de habitação popular da ditadura militar brasileira (1964-1985). In: Anais do XXVIII Simpósio Nacional de História. Florianópolis: ANPUH.).

A partir dos anos de 1940, uma crise no setor habitacional ocasionada pela escassez de materiais de construção em decorrência da guerra, o grande êxodo da população rural para os centros urbanos e as restrições governamentais em relação ao controle no valor dos aluguéis, que desestimularam a produção privada de habitação, deram início à prática de construção de casas pelos próprios moradores, em favelas e loteamentos periféricos. A possibilidade do autoempreendimento da casa própria demandava a construção em etapas. Com um lote comprado em sítio distante dos centros urbanos e sem infraestrutura, a casa era construída em fases, de acordo com os recursos financeiros dos então proprietários, que quando possível expandiam a edificação para abrigar familiares recém-chegados à cidade ou ainda para locação de cômodos, como forma de incremento da renda, convertendo-os em locadores (Bonduki, 2004Bonduki, N. (2004). Origens da habitação social no Brasil: Arquitetura moderna, lei do inquilinato e difusão da casa própria (4ª ed.). São Paulo: Estação Liberdade.).

Sendo assim, é válido afirmar que o conceito de Incremental Housing tem sido aplicado no desenvolvimento da cidade informal, no sentido de que os ocupantes, embora desconheçam a teoria, desenvolvem os mecanismos necessários para ampliar e customizar as soluções espaciais e urbanísticas do território com base nas próprias necessidades.

A autoconstrução é uma prática consolidada na produção habitacional, que se adapta às circunstâncias dos pobres urbanos, e conforme Jaramillo (2008Jaramillo, G. S. (2008). Reflexiones sobre la “informalidad” fundiaria como peculiaridad de los mercados del suelo en las ciudades de América Latina. Territorios, 18(19), 11-53. Recuperado em 15 de fevereiro de 2021 a partir de https://revistas.urosario.edu.co/index.php/territorios/article/view/826
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) uma diversidade de estudos defende que essa prática não deve ser combatida pelo Estado, pelo contrário, deve ser incentivada, substituindo a autoconstrução individual e espontânea por formas organizadas, promovendo assessoria técnica e projetos, uma vez que as iniciativas individuais muitas vezes possuem limitações técnicas. Isso se confirma pelas informações coletadas nas entrevistas que não apontam haver regulação comunitária com relação ao dimensionamento dos lotes, seu uso e forma de ocupação, tampouco com relação às preocupações de aeração, ventilação e acessos.

O caso da Favela Nova Jaguaré

Localizada na zona oeste da cidade de São Paulo, a favela Nova Jaguaré encontra-se em uma área de risco geotécnico devido à topografia acentuada (Figura 1) e à precariedade do assentamento. No entanto, a comunidade está inserida em uma área dotada de infraestrutura de transporte (aproximadamente 1 km da estação da CPTM Villa-Lobos-Jaguaré), lazer (cerca de 1,5 km do Parque Villa-Lobos, parque público com 732 mil m²), além da proximidade com a Cidade Universitária e toda infraestrutura relacionada à Universidade de São Paulo.

O bairro tem sua formação ligada à implantação de um parque industrial que data da década de 1930. A escolha da região se deu pela proximidade com o rio Pinheiro, que iniciava o processo de retificação, o que permitia fácil acesso, além de interesse por parte do mercado imobiliário. O plano de urbanização previa a implantação de um loteamento industrial nas áreas planas, associado a um loteamento residencial nas áreas onde a topografia é mais acentuada, além de um parque público de 150 mil m² (Domingues et al., 2015Domingues, C. G., De Moura, R. C., & Nazareth, M. B. F. (2015). Favela Nova Jaguaré: entre o projetado e o executado nos eixos habitação e espaços livres. In III Congresso Internacional da Habitação no Espaço Lusófono: Habitação: urbanismo, cultura e ecologia dos lugares (p. 01-26). São Paulo: CIHEL.).

As primeiras construções irregulares datam da década de 1960, em terreno destinado à implantação de área ajardinada, em uma gleba loteada pela Companhia Imobiliária Jaguaré (São Paulo, 2008a). No início da década de 1990 a região recebeu, além de obras de contenção da encosta, seu primeiro empreendimento dedicado à habitação social, onde 260 unidades habitacionais foram entregues pelo programa Cingapura que está associado ao PROVER (Programa de Verticalização de Favelas, implantado na cidade de São Paulo pela Secretaria Municipal de Habitação e de Desenvolvimento Humano - Sehab - na gestão do então prefeito Paulo Maluf). O programa teve início em 1993 e pretendia, no período de setenta e dois meses, auxiliar meio milhão de pessoas (correspondente a noventa e duas mil famílias) através da construção de trinta mil unidades de habitação, além de melhorias urbanísticas.

Posteriormente as áreas comuns do conjunto habitacional foram ocupadas por outras famílias, em construções irregulares. Em 2003 foi lançado o Programa Bairro Legal, articulado ao Programa 3R’s, que trata da recuperação do crédito, revitalização dos empreendimentos e regularização fundiária, e tem como finalidade o enfrentamento da degradação dos conjuntos habitacionais de interesse social (São Paulo, 2008b), e uma das áreas escolhidas para receber projetos foi a Vila Nova Jaguaré. A proposta considerava o reassentamento de 1.743 famílias, sendo dessas 745 em áreas externas à comunidade. No ano de 2005, após mudança de gestão e alterações no projeto, o resultado da intervenção foram 942 unidades habitacionais construídas, incluindo as implantadas em área externa, contra a remoção de 1.879 famílias (Domingues et al., 2015Domingues, C. G., De Moura, R. C., & Nazareth, M. B. F. (2015). Favela Nova Jaguaré: entre o projetado e o executado nos eixos habitação e espaços livres. In III Congresso Internacional da Habitação no Espaço Lusófono: Habitação: urbanismo, cultura e ecologia dos lugares (p. 01-26). São Paulo: CIHEL.).

A representação gráfica apresentada na Figura 1 indica a localização do perímetro de estudo a partir do mapa da cidade de São Paulo, com destaque ao objeto de estudo, Favela Nova Jaguaré, na cor cinza, assim como um mapa de declividade, representando a topografia do perímetro onde cores mais quentes (vermelho) representam os pontos mais altos e cores mais frias (azul) pontos mais baixos, e é possível observar a variação brusca entre os níveis.

Figura 1
Mapas de Localização e Declividade.

No ano de 2008, a Secretaria da Habitação entregou 198 novos apartamentos na região, projeto do arquiteto Marcos Boldarini, além do projeto de urbanização, que tem como objetivo conter a encosta do Morro do Sabão, área considerada de alto risco geotécnico (São Paulo, 2008a).

A partir do ano de 2015, um novo processo de ocupação irregular tem início na região, dessa vez em áreas de interstícios dos conjuntos habitacionais e sobre a encosta (Figura 2). Essa ocupação se expandiu horizontal e verticalmente, de maneira progressiva através da autoconstrução. É possível verificar que o produto dessas novas ocupações se desenvolve verticalmente, motivado pela restrição de espaços, além da flexibilidade em relação aos parâmetros urbanísticos, característico de loteamentos irregulares.

A imagem a seguir apresenta a progressão de ocupações irregulares através de uma linha do tempo. A partir de 2014, onde se tem apenas os empreendimentos de habitação de interesse social (em verde), vê-se, ano a ano até o momento da visitação ao local, o resultado crescente de habitações provenientes de ocupação nos interstícios dos edifícios implantados.

Figura 2
Linha do Tempo. Elaborados pelos autores com dados de Nazareth & Vandernberg (2020Nazareth, M. B., & Vandernberg, N. (2020). Urbanização de Favelas - São Paulo (Brasil) e Medellín (Colombia). Recuperado em 10 de março de 2020, de www.favelasaopaulomedellin.fau.usp.br/pesquisa/.
www.favelasaopaulomedellin.fau.usp.br/pe...
).

O levantamento realizado in loco demonstra que, devido à impossibilidade de subdivisão do lote para a criação de novas unidades habitacionais, a solução encontrada pelos proprietários e/ou possuidores dos lotes e imóveis foi o crescimento vertical das áreas de interstícios e ou edificações existentes, viabilizando uma construção de até 4 pavimentos (Figura 3), constituídos de pelo menos uma unidade habitacional por pavimento com acesso independente.

Figura 3
Gabarito de Altura.

Também se verifica que a verticalização, muito além de mitigar o problema habitacional familiar, passou a representar uma estratégia financeira informal, baseada na locação de cômodos, consolidando a ocupação como uma importante fonte de receitas aos proprietários dos edifícios. Conforme apontado pelas lideranças do coletivo Mobiliza Jaguaré, existem moradores que mesmo contemplados pelos apartamentos dos programas habitacionais mantêm imóveis de aluguel na comunidade como fonte de renda extra.

Do ponto de vista do uso, a comunidade cresce de maneira que os serviços de atendimento imediato à moradia se desenvolvam, ou seja, nas edificações, uma vez que essas evoluem vertical e progressivamente, a unidade de partida do pavimento térreo se converte em uso comercial ou de serviços. O levantamento realizado in loco demonstra que, embora a legislação urbanística, bem como os projetos implantados na área, não contemple os usos comerciais e de serviços, a demanda da comunidade exige que esses usos sejam implantados (Figura 4).

Figura 4
Uso e ocupação do solo.

A localização da comunidade, em área de alto risco de deslizamento de terra, exige soluções estruturais elaboradas (Figura 5), muitas vezes desenvolvidas pelos próprios moradores e de maneira empírica, que não possuem garantia de segurança e colocam em risco a vida dos habitantes da comunidade. O loteamento das áreas residuais dos edifícios de habitação social e consequentemente a proximidade com as edificações construídas de maneira irregular também configura prejuízo do ponto de vista do cumprimento das normas edílicas relacionadas à prevenção de incêndios, requisitos mínimos para o conforto da edificação, preservação da privacidade, entre outros. Conforme Selma Santos, responsável pelo projeto Criança Feliz - Instituto de Amparo e Emancipação da pessoa com Deficiência, que atua na região do Jaguaré, existem áreas da comunidade a que pessoas com mobilidade reduzida não possuem acesso.

A exploração comercial para a criação de áreas destinadas a usos diversos, tais como residencial, comercial ou de serviços de apoio à moradia, é resultado de uma legislação que não contempla essa variação de usos no contexto social. Portanto, os projetos de arquitetura propostos para habitações de interesse social ou intervenções urbanísticas em zonas correlatas não preveem a existência dos usos não residenciais, que são, de fato, necessidades objetivas dos moradores da comunidade.

O caso da Favela Nova Jaguaré reforça a ideia de Abramo (2001Abramo, P. (2001). Mercado e Ordem Urbana (1ª ed.). Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil.) e Jaramillo (2008Jaramillo, G. S. (2008). Reflexiones sobre la “informalidad” fundiaria como peculiaridad de los mercados del suelo en las ciudades de América Latina. Territorios, 18(19), 11-53. Recuperado em 15 de fevereiro de 2021 a partir de https://revistas.urosario.edu.co/index.php/territorios/article/view/826
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) quando citam os fatores que influenciam na composição do preço da terra no mercado informal. Embora assentada em área com topografia acentuada, com alto risco geotécnico, a comunidade possibilita o acesso a locais com melhor infraestrutura urbana a uma população de baixa renda, bem como a flexibilidade contratual e de parâmetros urbanísticos, além da possibilidade de fracionamento do lote e/ou edificação, permite um maior adensamento, sendo responsável pela verticalização. Apesar da possibilidade, este adensamento, ainda de acordo com Abramo (2001), traz suas consequências quanto à escassez de áreas verdes e de lazer que, neste estudo, afeta tanto aqueles que se utilizaram da autoconstrução quanto aqueles já alocados por meio dos programas habitacionais, além de afetar o acesso às infraestruturas públicas de educação e saúde existentes no bairro, que com o adensamento passam a não dar conta da nova demanda, conforme apontado pelos moradores entrevistados. Muitas vezes, a segmentação das edificações, ou ainda, a inserção de novos espaços através da autoconstrução visa um incremento do orçamento familiar. Sendo assim, embora os moradores desconheçam as teorias a respeito do mercado de terras e de Incremental Housing, desenvolveram os mecanismos necessários para ampliar e customizar as soluções espaciais e urbanísticas do território com base nas próprias necessidades.

Figura 5
(a) Localização das imagens; (b) Levantamento Fotográfico.

Conclusões

A ocupação e a exploração imobiliária de áreas degradadas decorrem de diversos fatores socioeconômicos que atendem a demandas formais e informações de um mercado que, embora conte com iniciativas de normatização estabelecidas pelo Estado, também está sujeito às demandas de acesso à moradia por uma parcela da população de menor renda, amplamente afetada pela precarização do mercado de trabalho, e para quem a provisão de moradia se mostra pouco atrativa para investimentos privados.

Muito embora ocorram em áreas consideradas precárias, tanto pela situação geotécnica quanto pelas condições espaciais da implantação, o uso dos interstícios urbanos justifica o risco de desapropriação e consequentemente o prejuízo econômico relacionado ao investimento em materiais e mão de obra e, no caso específico da favela Nova Jaguaré, o risco de acidentes por deslizamento de terras, por possibilitar acesso a locais com melhor infraestrutura urbana, além de viabilizar transações comerciais, com flexibilidade contratual, dado que os ocupantes atuam como operadores de um mercado informal, baseado na lealdade e na confiança mútua estabelecida entre as partes, podendo ou não estar sujeitas a uma “autoridade local” que garante a consolidação e a continuidade dos laços comerciais. Essa estratégia se mostra vantajosa não somente pelo acesso à terra urbana em si como também pela possibilidade de, através do fracionamento dos lotes e/ou edificações e do adensamento alheio aos parâmetros urbanísticos, gerar um incremento no orçamento familiar através da autoconstrução.

É possível especular que as subdivisões do mercado informal apontadas por Abramo possuem motivações distintas em relação ao modelo de ocupação. Os submercados de loteamentos, onde a principal característica é a ocupação em áreas periféricas e carentes de infraestrutura, tende a receber ocupações de pessoas que pretendem adquirir um imóvel próprio, um anseio, que na linguagem coloquial é conhecido como “sair do aluguel”. Já os submercados nos assentamentos populares informais consolidados, caracterizados pela implantação em áreas dotadas de infraestrutura, são ocupados por usuários cuja motivação é progressivamente desenvolver uma edificação para locação e incremento da renda.

Portanto, no caso da favela Nova Jaguaré a ocupação irregular se valida, apesar do risco decorrente da configuração do terreno e da insegurança contratual, pela possibilidade de verticalização das edificações, por autoconstrução e de maneira informal, em áreas livres remanescentes da implantação dos empreendimentos de habitação social. Além disso, trata-se de sítio localizado próximo a bairros nobres da cidade de São Paulo que contam com ampla oferta de infraestrutura urbana, de transporte, além de disponibilidade de oferta de emprego.

Conclui-se ainda que um zoneamento social que permita usos além do habitacional, contemplando as necessidades de comércio e serviços de atendimento imediato à moradia, tem potencial mitigador das ocupações dos interstícios uma vez que os projetos desenvolvidos na área contemplariam os usos que são posteriormente implantados pelos próprios moradores, a partir de células concebidas e planejadas nos termos do conceito de Incremental Housing. Além disso, cabe ressaltar que as áreas destinadas aos usos de atendimento à moradia, comércios, serviços etc., devem privilegiar uma gestão local, considerando soluções que possibilitem o incremento da renda da população residente, a partir de uma perspectiva formal. Dessa forma, recomenda-se a constituição de um conselho gestor, formado pelas principais lideranças, que serão capacitadas e orientadas por técnicos, para desenvolver a delimitação dos parâmetros urbanísticos que atendam às demandas da comunidade.

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  • Declaração de disponibilidade de dados

    O conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste artigo está disponível no SciELO DATA e pode ser acessado em https://doi.org/10.48331/scielodata.EEXD8O.

Editores responsáveis:

Afonso Nuno Martins, Maria Manuela Mendes, Maria de Lourdes Zuquim

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    25 Mar 2021
  • Aceito
    17 Set 2021
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