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O programa de aceleração do crescimento no estado da Bahia e os desafios da universalização do saneamento básico

Growth acceleration program in the state of Bahia and its contribution to face the basic sanitation universalization challenges

Resumo

A universalização do saneamento básico no Brasil é um desafio diante do deficit e das desigualdades de acesso. A partir do início dos anos 2000, houve uma mudança no cenário nacional, com a ampliação de recursos, a melhoria da capacidade institucional e a definição de marco legal. Porém, não houve uma avaliação das ações, principalmente do PAC Saneamento. O presente estudo analisa esse programa na Bahia em relação aos desafios da universalização. A metodologia envolveu pesquisa documental e análise de dados secundários. Constatou-se a inexistência de uma lógica clara na definição dos investimentos do programa. Houve priorização de ações estruturais, especialmente em água e esgoto, em detrimento das estruturantes, essenciais à sustentabilidade das ações. A concepção do programa não dialogou com o perfil do deficit dos serviços. Apesar da ampliação dos investimentos, a lógica de concepção foi sustentada no neodesenvolvimentismo, com a implementação de megaempreendimentos e o estímulo às parcerias público-privadas. O êxito de programas de saneamento implica o protagonismo municipal, a universalização, a integralidade, a adoção de tecnologias apropriadas, a intersetorialidade, a participação e o controle social, princípios que o programa pouco incorporou. O aprofundamento da democracia e a implementação de políticas alinhadas aos direitos humano e social possibilitarão reverter o deficit dos serviços no Brasil.

Palavras-chave:
Programa de Aceleração do Crescimento; Saneamento; Bahia

Abstract

The universalization of basic sanitation in Brazil is a challenge given deficits and inequality of access. Starting from the beginning of the 2000s, there was a change in the national scenario, with an increase in resources, improvements in institutional capabilities and a definition of legal conditions. However, there was no evaluation of the measures, principally of the Sanitation PAC. The present study analyzes this Program in Bahia in the light of the challenges of universalization. The methodology involved documentary research and analysis of secondary data. No clear logic was found regarding the determination of the investments of the Program, with prioritization of structural measures, especially in water and sewage, to the detriment of structuring initiatives, essential to the sustainability of the measures. The conception of the Program did not dialogue with the context of the deficits in the services. Despite the increase in investments, the logic of the program was sustained in ‘neo-developmentalism’, with the implementation of mega-developments and stimulation of public-private partnerships. The success of sanitation programs implies municipal involvement, in the universalization, integration, adoption of appropriate technology, intersectionality, and in social participation and oversight, principals which the program did not incorporate to any great extent. The development of democracy and the implementation of policies aligned with human and social rights will allow overcoming the deficit in services in Brazil.

Keywords:
Programa of Acceleration of Growth; Sanitation; Bahia

Introdução

No Brasil, a universalização do acesso ao saneamento básico ainda está longe de ser alcançada, embora esse serviço público seja reconhecido como um direito humano essencial. O testemunho da debilidade histórica da ação estatal no campo do saneamento é facilmente constatado ao percorrer as periferias das grandes cidades e as áreas rurais dos pequenos municípios. A cobertura e a qualidade dos serviços são marcadamente desiguais entre as regiões brasileiras, assim como os níveis de renda e a escolaridade, sendo resultados das políticas públicas e de uma estrutura social que concentra renda e produz uma sociedade apartada, com acesso diferenciado a direitos considerados fundamentais, como a água.

O deficit do acesso aos serviços de saneamento segue o padrão dos verificados nas políticas sociais no Brasil, com recortes sociais e territoriais. Assim é que, em 2010, 33,9 e 50,7% da população brasileira, respectivamente, tinha acesso precário ao abastecimento de água potável e ao esgotamento sanitário. Nesse ano, o manejo precário dos resíduos sólidos atingia 27,2% da população, além de 14,2% que não tinham qualquer tipo de atendimento ( Brasil, 2013 Brasil. Ministério das Cidades. (2013). Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab). Brasília: Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. ). Esses dados revelam vulnerabilidade da população a um conjunto de enfermidades relacionadas à carência ou à falta de saneamento básico.

As relações entre a deficiência ou inexistência de saneamento básico e a saúde são das mais ponderáveis. Ensink & Cairncross (2012) Ensink, J., & Cairncross, S. (2012). Abastecimiento de agua, saneamento, higiene e saúde pública. In Heller L. (Ed.), Agua y saneamento: em la buesqueda de novos paradigmas para las Américas (pp. 1-24). Washington: Organización Panamericana de la Salud. realizaram um relevante auxílio ao discutirem a classificação ambiental das doenças relacionadas ao saneamento básico. Cairncross & Valdmanis (2006) Cairncross, S., & Valdmanis, V. (2006). Water supply, sanitation, and hygiene promotion. In D. T. Jamison, J. G. Breman, A. R. Measham, G. Alleyne, M. Claeson, D. B. Evans, P. Jha, A. Mills, & P. Musgrove (Eds.), Disease control priorities in developing countries . Washington: The World Bank. ressaltam a contribuição do saneamento na saúde das populações de países em desenvolvimento, diante, principalmente, do controle da diarreia, uma das enfermidades que mais mata crianças no mundo. Coimbra & Santos (2000) Coimbra, C. E. A. Jr, & Santos, R. V. (2000). Saúde, minorias e desigualdade: algumas teias de inter-relações, com ênfase nos povos indígenas no Brasil. Ciencia & Saude Coletiva, 5(1), 125-132. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232000000100011.
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destacam as relações entre saúde, minorias e desigualdade nos povos indígenas no Brasil. Já Maricato (2011) Maricato, E. (2011). A cidade sustentável. Rio de Janeiro: Consenge. , ao debater as cidades sustentáveis, revela que a urbanização periférica no Brasil produziu desigualdades sociais e predação ambiental, sendo as populações mais vulneráveis as que vivem nas periferias e nas áreas próximas de mananciais.

O cenário de deficit de serviços de saneamento no Brasil é incompatível com o nível de riqueza do país e com os requisitos mínimos de acesso aos direitos sociais, além de expor as fragilidades das políticas públicas da área, impondo ao Estado brasileiro a implementação de políticas, programas e ações que objetivam a garantia da universalização do acesso a esses serviços públicos.

A atuação do Estado brasileiro para enfrentar o deficit de saneamento básico é recente, descontínua e atrelada ao contexto econômico, político e social vigente. Segundo Rezende & Heller (2008) Rezende, S. C., & Heller, L. (2008). O saneamento no Brasil: politicas e interfaces . Belo Horizonte: Ed. UFMG. , somente a partir dos anos de 1960 é que foram iniciadas estratégias de atuação mais organizada do Estado no saneamento básico e apenas nos anos de 1970 que o país passou a contar com um conjunto de metas, diretrizes e mecanismos de financiamento no âmbito do Plano Nacional de Saneamento (PLANASA). Para Arretche (1996) Arretche, M. T. S. (1996). Mitos da descentralização: mais democracia e eficiências nas políticas públicas? Revista Brasileira de Ciências Sociais, 11(31), 44-66. Recuperado em 1 de maio de 2015, de http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_31/rbcs31_03.htm.
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, o Planasa privilegiou as regiões Sul e Sudeste do país, onde se concentrou a maior parte dos investimentos, os quais contemplaram segmentos populacionais de maior renda. Para Moraes (1993) Moraes, L. R. S. (1993). Conceitos de saúde e saneamento. Salvador: Universidde Federal da Bahia. Não Publicado. e Costa (2003) Costa, A. M. (2003). Avaliação da política nacional de saneamento. Brasil: 1996-2000 (Tese de Doutorado). Recife: Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da Saúde Coletiva da Escola Nacional de Saúde Pública, Fiocruz. , dos aspectos negativos do Plano destacam-se o seu centralismo, o afastamento da política aos objetivos sanitários, a falta de participação social, o alijamento do poder local nos processos de decisão e as concepções de projetos que não dialogavam com as realidades locais.

Após o Planasa, extinto no final dos anos de 1980 sob fortes críticas em função de seus resultados, já que não atingiu suas metas e a engenharia financeira não se sustentou ( Moraes, 1993 Moraes, L. R. S. (1993). Conceitos de saúde e saneamento. Salvador: Universidde Federal da Bahia. Não Publicado. ; Costa, 2003 Costa, A. M. (2003). Avaliação da política nacional de saneamento. Brasil: 1996-2000 (Tese de Doutorado). Recife: Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da Saúde Coletiva da Escola Nacional de Saúde Pública, Fiocruz. ; Rezende & Heller, 2008 Rezende, S. C., & Heller, L. (2008). O saneamento no Brasil: politicas e interfaces . Belo Horizonte: Ed. UFMG. ), o Brasil se ressentiu da falta de uma política de saneamento básico. Só a partir de 2003 que essa ação básica de promoção à saúde e proteção ambiental passou a compor uma agenda positiva, contando com uma maior atuação do Governo Federal por meio de uma estrutura institucional mais claramente definida, de mecanismos de financiamento e de um arcabouço legal ( Borja, 2014 Borja, P.C. (2014). Política pública de saneamento básico: uma análise da recente experiência brasileira. Revista Saúde e Sociedade . http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902014000200007
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). Os marcos desse processo foram a criação da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, no âmbito do Ministério das Cidades; a promulgação da Lei nº 11.445/2007, que definiu as diretrizes nacionais e a política federal para o saneamento básico; a retomada dos investimentos; e a elaboração do Plano Nacional de Saneamento Básico (PNSB), aprovado em 2013 ( Brasil, 2013 Brasil. Ministério das Cidades. (2013). Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab). Brasília: Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. ).

Do ponto de vista dos investimentos, o Governo Federal inaugurou uma nova fase a partir de 2003, não apenas pela sua ampliação, mas também pelo aporte significativo de recursos do Orçamento Geral da União (OGU) em infraestrutura, se comparados aos períodos anteriores. Em 2007, com a criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), houve uma ampliação significativa dos recursos destinados ao saneamento.

Segundo o Governo Federal, o PAC foi concebido com o objetivo de impulsionar um conjunto de ações capazes de elevar o Brasil a um novo modelo de desenvolvimento para acelerar o crescimento econômico do país por meio de investimentos da ordem de R$ 1,5 trilhão entre 2007 a 2014. Para a área de saneamento básico, no mesmo período, foram previstos investimentos de R$ 89,57 bilhões, dos quais R$ 4 bilhões foram destinados ao Estado da Bahia, objeto de análise do presente trabalho ( Brasil, 2010 Brasil. (2010). Balanço de 4 anos do PAC 1 (2007-2010): 11º balanço completo - Brasil. Brasília: Programa de Aceleração do Crescimento. Recuperado em 8 de janeiro de 2015, de http://www.pac.gov.br/pub/up/relatorio/6c57986d15d0f160bc09ac0bfd602e74.pdf.
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; Brasil, 2015a Brasil. (2015a). Sistema eletrônico do serviço de informações ao cidadão (e-SIC): informações sobre o PAC 1 saneamento Nordeste e Bahia. Brasília: Ministério das Cidades. Protocolo n. 80200000308201522. ; 2015b Brasil. (2015b). Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão (e-SIC): informações sobre o PAC 2 saneamento Nordeste e Bahia. Brasília: Ministério das Cidades. Protocolo n. 80200000308201522. ).

Apesar do grande volume de investimentos na área do saneamento básico, a concepção e a implementação do PAC têm revelado um conjunto de contradições e fragilidades, especialmente para fazer frente aos desafios da universalização dos serviços no país. Mas, até o momento, não foram realizadas avaliações sobre a efetividade do programa quanto às metas da universalização. Assim, neste estudo, busca-se estudar o PAC Saneamento na Bahia com o objetivo de analisar a sua concepção e priorização de investimentos em relação aos desafios da universalização do acesso aos serviços públicos de saneamento básico nesse Estado.

Algumas considerações sobre o princípio da universalização e dos direitos sociais

As noções de igualdade, de acesso universal e de garantia dos direitos sociais surgem em um momento histórico determinado nas sociedades capitalistas avançadas, após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), em torno do chamado Welfare State , que teve nas ideais do economista John Maynard Keynes (1883-1946) as bases de sua concepção, assentada no modelo de produção fordista-taylorista e marcada pelo consumo de massa e pleno emprego ( Hirsch, 2010 Hirsch, J. (2010). Teoria materialista do Estado: processos de transformação do sistema capitalista de Estado. Rio de Janeiro: Revan. ). Nesse momento, o Estado passou a ser o provedor de políticas sociais, e o cidadão foi elevado à condição de sujeito passível de direitos sociais ( Fleury, 1994 Fleury, S. (1994). Estado sem cidadãos. Rio de Janeiro: Fiocruz. ).

Para Hirsch (2010) Hirsch, J. (2010). Teoria materialista do Estado: processos de transformação do sistema capitalista de Estado. Rio de Janeiro: Revan. , os ganhos de capital, naquele momento, eram compatíveis com o aumento do salário, sendo possível emergir um tipo de Estado, chamado de Estado do Bem-Estar Social, que veio, posteriormente, a se constituir no maior pacto social da história entre capital e trabalho ( Anderson, 1995 Anderson, P. (1995). Balanço do neoliberalismo. In E. Sader & P. Gentili (Orgs.), Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático . São Paulo: Paz e Terra. ), já que permitiu manter o modo de produção capitalista e a proteção do trabalho por meio de políticas sociais democráticas. A soberania econômica dos Estados-Nação e a limitada mobilidade internacional do capital possibilitaram intervenções no campo das políticas sociais. O pacto social perdurou até os anos de 1970, quando o capitalismo entrou em nova crise e as teses do liberalismo econômico encontram terreno fértil para se legitimar. Nos anos de 1980, os contextos político, econômico e social favoreceram as concepções neoliberais e o avanço da globalização do capital, com flexibilização de direitos sociais, levando ao desmonte das políticas keynesianas ( Behring, 2002 Behring, E. R. (2002). Política social no capitalismo tardio (Vol. 2). São Paulo: Cortez Editora. ).

Assim, os esforços dos Estados-Nação em desenvolver e manter políticas sociais passaram a ser limitados e orientados em função da rentabilidade do capital ( Hirsch, 2010 Hirsch, J. (2010). Teoria materialista do Estado: processos de transformação do sistema capitalista de Estado. Rio de Janeiro: Revan. ). Nesse momento, a política social constituiu-se como uma ação paternalista do Estado, geradora de desequilíbrio e podendo ser acessada via mercado ( Behring, 2002 Behring, E. R. (2002). Política social no capitalismo tardio (Vol. 2). São Paulo: Cortez Editora. ). Nessas condições, as noções de direitos sociais universais e de igualdade, tributárias de heranças que datam do século XVIII, sofreram importante inflexão, apesar de as sociedades ocidentais contarem com uma ordem social e legal fortemente assentada nos princípios dos direitos humanos e sociais.

No entanto, as experiências do mundo ocidental do Welfare State produziram sistemas de proteção social que perduram até hoje, mesmo com as importantes inflexões das últimas décadas. Tal sistema tem características distintas, resultado das correlações de força entre Estado, sociedade e capital no âmbito de cada Estado-Nação ( Behring, 2002 Behring, E. R. (2002). Política social no capitalismo tardio (Vol. 2). São Paulo: Cortez Editora. ).

O sistema de proteção social brasileiro, cujo esboço inicial data dos anos de 1930 ( Baptista, 2007 Baptista, T. W. F. (2007). História das políticas de saúde no Brasil: a trajetória do direito à saúde. In G. C. Matta, & A. L. M. Pontes (Orgs.), Políticas de saúde: a organização e a operacionalização do Sistema Único de Saúde. Rio de Janeiro: EPSJV/Fiocruz. Recuperado em 18 de março de 2015, de http://www.retsus.fiocruz.br/upload/publicacoes/pdtsp_3.pdf
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), sofreu forte influência do ideário da seguridade social. Esse tipo de sistema difundiu-se especialmente até a década de 1970, quando a crise do petróleo e a ampliação dos gastos sociais serviram como justificativa para a intervenção do Estado na economia e nas políticas sociais ( Brasil, 2014a Brasil. (2014a). Panorama do saneamento básico no Brasil: elementos conceituais para o saneamento básico (Vol. I). Brasília: Ministério das Cidades. ). O contexto da redemocratização no país, ocorrido na década de 1980, ocasionou a retomada do debate sobre as políticas públicas e sociais, que veio a culminar na Constituição Federal de 1988.

A Constituição prevê direitos sociais associados à condição de cidadania e um modelo de seguridade social constituído por três segmentos: a saúde, a previdência social e a assistência social. Prevê-se o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a qual, nesse momento, é um direito de todos e dever do Estado, tendo o Sistema Único de Saúde (SUS) como elemento fundamental na promoção das ações. Embora o SUS represente uma importante conquista da sociedade, sendo um marco na evolução jurídico-institucional no campo das políticas públicas no país, as seguidas emendas constitucionais, as parcerias público-privadas e o ajuste fiscal têm fragilizado o seu caráter público. Por outro lado, reformas da previdência têm contribuído para desmontar a concepção do sistema de seguridade social criado pela Carta Magna.

Obviamente que a concepção e a direção das políticas sociais nesse cenário discutido têm forte influência na delimitação das políticas públicas de saneamento e em seus programas e ações, a exemplo do PAC Saneamento, objeto do presente estudo.

O direito social ao saneamento básico: algumas anotações

Para Paim & Silva (2010) Paim, J. S., & Silva, L. M. V. (2010). Universalidade, integralidade, equidade e SUS. Boletim do Instituto de Saúde, 12(2), 1-8. , a universalização do acesso aos serviços públicos é uma necessidade para a garantia de direitos sociais e deve ser reconhecida como direito de todos e dever do Estado, noção que deve guiar as ações de saneamento básico.

Apesar de a Constituição Federal Brasileira de 1988 ( Brasil, 1988 Brasil. (1988, 5 de outubro). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado. Recuperado em 28 de julho de 2013, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm.
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) não incorporar, de forma explícita, o saneamento básico como direito social, infere-se que tal noção está implícita nos capítulos que estabelecem os direitos à saúde, à moradia e ao meio ambiente. Essa consideração se sustenta no fato de se reconhecer na Constituição uma concepção de ação estatal e de políticas públicas que se filia ao ideário do Estado da Seguridade Social.

Mesmo com o esforço de positivação do direito ao saneamento básico no país, já que existem diversos projetos de emendas constitucionais para tal reconhecimento, e dos avanços do marco legal do saneamento básico recentemente formulado, percebe-se que a privatização dos serviços nas diversas modalidades e os recentes cortes nos investimentos sem função do ajuste fiscal ameaçam os caminhos delineados pelo Plano Nacional de Saneamento Básico para a universalização dos serviços no Brasil. Nesse cenário, torna-se uma exigência avaliar as políticas públicas e os programas de investimentos, como o PAC Saneamento, em relação aos desafios da universalização.

Assim, o presente trabalho visa analisar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Saneamento no Estado da Bahia quanto aos desafios da universalização do acesso aos serviços públicos de saneamento básico.

Metodologia

A investigação envolveu uma pesquisa documental sobre a concepção, as diretrizes e os investimentos PAC Saneamento e o estudo dos contratos firmados na Bahia. Fez-se também um estudo sobre as características dos municípios contemplados pelo programa, por meio de um conjunto de indicadores relacionados à cobertura dos serviços, ao PIB per capita, ao IDH, à população do município, entre outros.

Para este estudo, foram consideradas duas dimensões de análise para investigar a implementação do programa na Bahia:

  1. i

    fundamentos em termos de concepção do programa: universalização, integralidade e equidade. Essa dimensão teve o objetivo de identificar os pressupostos de concepção do PAC quanto aos desafios da universalização;

  2. ii

    financeira: desempenho financeiro, investimentos, fontes de recursos, instituição financeira, tipo de investimento e beneficiários. Objetivou-se identificar e diagnosticar os recursos disponibilizados (investimentos) utilizados e as suas fontes.

O universo de estudo correspondeu a todas as intervenções do PAC Saneamento na Bahia, de 2007 a 2014, sob a gestão da Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Sedur), com recursos do PAC e atendendo às seguintes condições:

  1. i

    contratos assinados entre os anos de 2007 e 2012 para as ações de saneamento básico, totalizando 109 contratos;

  2. ii

    intervenções cujos recursos foram captados por pleitos realizados pelo Governo do Estado da Bahia, por meio da Sedur ou por seus órgãos executores: Empresa Baiana de Águas e Saneamento S/A (Embasa) e Companhia Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder);

  3. iii

    recursos provenientes do Ministério das Cidades (MCidades) e Fundação Nacional de Saúde (Funasa).

A fonte de obtenção dos dados utilizados no presente estudo foi proveniente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), envolvendo: população dos municípios, área de unidade territorial (km2), Produto Interno Bruto (PIB) e Índice de Gini. A situação da gestão de contratos do programa foi obtida por meio do Portal da Transparência do Governo Federal, Sistema Integrado de Monitoramento de Convênios (SISMOC), Sistema de Acompanhamento de Obras (SIURB), Siga Brasil, Dados Abertos do Governo Federal, Sistema de Monitoramento do PAC (SISPAC), Sistema de Gestão de Convênios (SICONV), além de dados da Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia.

Os dados geraram um banco de dados em planilha eletrônica, com a realização da distribuição de frequências das variáveis, as quais, em alguns momentos, foram categorizadas para melhor expressar a variabilidade dos dados.

Resultados e discussão

Concepção geral e cenário de criação do PAC 1 e 2

Diante do cenário econômico e do deficit de infraestrutura, o PAC foi idealizado em 2007, no segundo mandato (2007-2010) do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como um plano estratégico de resgate do planejamento e de retomada dos investimentos nos principais setores estruturantes do país, sendo responsável, no primeiro quadriênio, por dobrar os investimentos públicos brasileiros de 1,62% do PIB em 2006 para 3,27% em 2010. Além disso, buscava garantir a continuidade do consumo de bens e serviços, mantendo ativa a economia durante a crise financeira mundial iniciada em 2008 ( Cunha, 2015 Cunha, M. A. (2015). A implementação do Programa de Aceleração do Crescimento no estado da Bahia e sua contribuição frente aos desafios da universalização do saneamento básico (Dissertação Mestrado). Salvador: Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente, Águas e Saneamento, Universidade Federal da Bahia. ). O PAC se propunha a dar condições para realizar investimentos no país, por meio de um conjunto de medidas para a melhoria do ambiente de investimento e negócios com execução de grandes obras de infraestrutura urbana, social, logística e energética.

Segundo Leitão (2009) Leitão, K. O. (2009). A Dimensão territorial do programa de aceleração do crescimento: um estudo a partir do PAC no Estado da Pará e o lugar que ele reserva à Amazônia no desenvolvimento do país (Tese de Doutorado). Pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo. , o PAC foi criado para estimular o crédito e o financiamento, melhorar o ambiente de investimento, promover a desoneração e o aperfeiçoamento tributário e da gestão, além de adotar medidas fiscais de longo prazo. O investimento público foi ampliado por meio do abatimento de 0,5% do superávit primário, e o financiamento contou com a parceria de empresas estatais, principalmente a Petróleo Brasileiro S/A (Petrobras).

Além do incentivo ao cofinanciamento, também haveria concessões ao empreendedor privado para a exploração econômica do empreendimento, quando da sua operação (cobrança de pedágio em rodovias, comercialização de energia elétrica, participação privada na prestação de serviços públicos, entre outros). Dessa forma, por meio do PAC e dos seus incentivos econômicos, planejava-se estabelecer as condições para as parcerias entre o capital estatal e o capital privado ( Verdum, 2012 Verdum, R. (2012). As obras de infraestrutura do PAC e os povos indígenas na Amazônia Brasileira (Nota Técnica, No. 9). Brasília: Observatório de Investimentos da Amazônia, Instituto de Estudos Socioeconômicos. Recuperado em 30 de agosto de 2014, de http://indiosnonordeste.com.br/wp-content/uploads/2012/10/INESC_2012_IndiosePAC.pdf.
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).

Para Chagas et al. (2013) Chagas, P. B., Carvalho, C. A., & Marquesan, F. F. S. (2013). Desenvolvimento e dependência no Brasil: análise do programa de aceleração do crescimento (PAC) à Luz das reflexões de Ruy Mauro Marini e Jaime Osório. In Anais do XXXVII Encontro ANPAD. Rio de Janeiro: ANPAD. , o PAC se constituiu no principal instrumento da política econômica e de promoção dos ajustes estruturais necessários à estratégia de desenvolvimento do Brasil, tendo como propósito central estimular o crescimento de indicadores econômicos, como o PIB, por meio de investimentos direcionados a alguns setores da economia. Os autores destacam que, na componente social, o PAC foi o principal instrumento do governo para aumentar as taxas de emprego e investir em moradia e energia elétrica domiciliar, sem romper com os interesses econômicos desses setores. Nessa mesma direção, inseriu-se o PAC Saneamento, incorporado no eixo de infraestrutura.

Para Gonçalves (2008) Gonçalves, R. (2008). PAC mais que nunca. Conjuntura da Construção , 6(3), 14-15. , o PAC visou ampliar os investimentos do governo e das estatais, além de induzir o investimento privado por meio de uma série de mecanismos que iam desde a garantia da estabilidade macroeconômica e do equilíbrio fiscal até políticas tributárias direcionadas ao investimento produtivo.

Conforme propunha o PAC 1, do total previsto para investimentos em infraestrutura de 2004 a 2007 (R$ 503,9 bilhões), 57,1% (R$ 287 bilhões) seriam provenientes de recursos do Governo Federal e das estatais, enquanto os 42,9% restantes (R$ 216 bilhões) viriam da iniciativa privada ( Jardim, 2010 Jardim, M. A. C. (2010). Fundos de pensão: o investimento dos fundos de pensão durante o governo Lula, a construção das crenças de responsabilidade social e sustentabilidade e o recente interesse por investimentos na Amazônia brasileira . Brasília: Observatório de Investimentos da Amazônia, Instituto de Estudos Socioeconômicos. Recuperado em 20 de fevereiro de 2015, de http://www.inesc.org.br/biblioteca/textos/livros/obs-de-invest-da-amazonia_estudo-1.
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). Segundo Cunha (2015) Cunha, M. A. (2015). A implementação do Programa de Aceleração do Crescimento no estado da Bahia e sua contribuição frente aos desafios da universalização do saneamento básico (Dissertação Mestrado). Salvador: Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente, Águas e Saneamento, Universidade Federal da Bahia. , dos R$ 503,9 bilhões destinados para infraestrutura, a maior quantidade de recursos (R$ 274,8 bilhões, ou 54,5% do total) foi aplicada no setor energético, deixando evidente a prioridade dada pelo governo para esse setor. Para Ávila (2007) Ávila, R. V. (2007). PAC: Programa de Atendimento aos Credores . Recuperado em 30 de agosto de 2014, de http://www.pstu.org.br/nacional_materia.asp?id=6088&ida=0.
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, cerca de 50% dos investimentos previstos para o PAC destinavam-se à energia, provenientes de empresas estatais (principalmente a Petrobras, cujos investimentos estavam previstos antes mesmo do PAC) e de outras fontes do Orçamento Geral da União (OGU).

A segunda fase do PAC (PAC 2) foi lançada em 2010 e iniciada em 2011 no governo da Presidente Dilma Vana Rousseff, durando até 2014. O PAC 2 foi concebido com os objetivos de consolidar e atualizar a carteira de projetos da primeira fase, além de prever a conclusão das obras iniciadas e previstas no período anterior. Foram acrescidas ações de infraestrutura social e urbana (urbanização de favelas e equipamentos públicos, como creches, unidades básicas de saúde, espaços para esporte, cultura, lazer, entre outros), para beneficiamento das famílias pertencentes à base da pirâmide social ( Verdum, 2012 Verdum, R. (2012). As obras de infraestrutura do PAC e os povos indígenas na Amazônia Brasileira (Nota Técnica, No. 9). Brasília: Observatório de Investimentos da Amazônia, Instituto de Estudos Socioeconômicos. Recuperado em 30 de agosto de 2014, de http://indiosnonordeste.com.br/wp-content/uploads/2012/10/INESC_2012_IndiosePAC.pdf.
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), e também previstos recursos para saneamento ambiental. Para Verdum (2012) Verdum, R. (2012). As obras de infraestrutura do PAC e os povos indígenas na Amazônia Brasileira (Nota Técnica, No. 9). Brasília: Observatório de Investimentos da Amazônia, Instituto de Estudos Socioeconômicos. Recuperado em 30 de agosto de 2014, de http://indiosnonordeste.com.br/wp-content/uploads/2012/10/INESC_2012_IndiosePAC.pdf.
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, o fato de o PAC 2 ter sido anunciado no último mandato do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cinco meses antes das eleições presidenciais, e tendo possibilidade de maior geração de emprego e salário na base da pirâmide, pode ter sido o cerne da propaganda da campanha da coligação partidária que apoiou e sustentou a candidata à Presidência da República Dilma Rousseff. O PAC 2, no valor de R$ 958,7 bilhões, aumentou em 90% os investimentos previstos no PAC 1. Porém, na área de saneamento básico, houve um aumento de apenas 24,7%.

Para Jardim (2010) Jardim, M. A. C. (2010). Fundos de pensão: o investimento dos fundos de pensão durante o governo Lula, a construção das crenças de responsabilidade social e sustentabilidade e o recente interesse por investimentos na Amazônia brasileira . Brasília: Observatório de Investimentos da Amazônia, Instituto de Estudos Socioeconômicos. Recuperado em 20 de fevereiro de 2015, de http://www.inesc.org.br/biblioteca/textos/livros/obs-de-invest-da-amazonia_estudo-1.
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, o Governo Federal apostou e promoveu as parcerias público-privadas com o discurso de garantir o êxito dos empreendimentos do PAC, consolidando, assim, um modelo de ação do Estado nas políticas públicas, sustentada legalmente pela Lei Federal nº 11.079/2004 ( Brasil, 2004 Brasil. (2004, 30 de dezembro). Lei Federal nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. Brasília: Senado. Recuperado em 28 de julho de 2013, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l11079.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
), que institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada.

Alguns investimentos do PAC enfrentaram resistências da sociedade, como os relacionados à Copa e à energia. Bermann (2012) Bermann, C. (2012). O projeto da usina hidrelétrica Belo Monte: a autocracia energética como paradigma. Novos Cadernos NAEA, 15(1), 5-23. http://dx.doi.org/10.5801/ncn.v15i1.895
http://dx.doi.org/10.5801/ncn.v15i1.895...
avalia que, apesar de o projeto de implantação da usina hidrelétrica de energia de Belo Monte ter sido rejeitado por um amplo movimento social, sua implantação foi garantida, inclusive respondendo a uma forte pressão do capital internacional. A Usina foi o maior investimento do PAC, 33% dos investimentos totais, sendo estratégica para a política energética do país e o futuro da ocupação da Amazônia, a qual vem sofrendo forte pressão do agronegócio.

Para Leitão (2009) Leitão, K. O. (2009). A Dimensão territorial do programa de aceleração do crescimento: um estudo a partir do PAC no Estado da Pará e o lugar que ele reserva à Amazônia no desenvolvimento do país (Tese de Doutorado). Pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo. , os projetos da usina hidrelétrica de energia de Belo Monte, as linhas de transmissão de Tucuruí-Pará a Macapá-Amapá e a Manaus-Amazonas, bem como a linha de transmissão do Sistema Norte-Sul III, ligando Marabá-Pará a Serra da Mesa-Goiás, já tinham os seus projetos incluídos no Plano Plurianual (PPA) 2004-2007. A autora, ao estudar os projetos no Pará, constatou que o programa se articulava com o novo padrão de acumulação, reproduzindo as contradições históricas da ação estatal sobre o território e mantendo um modelo de desenvolvimento que produz injustiças sociais e ambientais.

Estudos que se debruçaram sobre as intervenções urbanas do PAC, especialmente no Rio de Janeiro, onde se realizou um conjunto de obras de infraestrutura, muitas delas vinculadas aos megaeventos esportivos, têm demonstrado os vínculos dos projetos à noção de empreendedorismo urbano, a qual, por sua vez, articula-se com o projeto político neoliberal dos governos municipal, estadual e federal, ao ideário do neodesenvolvimentismo e, por fim, à forma de inserção do país na geopolítica mundial ( Vainer, 2011 Vainer, C. (2011). Cidade de exceção: reflexões a partir do Rio de Janeiro. In Anais 14º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional . Rio de Janeiro: Anpur. ; Mascarenhas et al., 2016 Mascarenhas, F., Athayde, P. F. A., Santos, M. R., & Miranda, N. N. (2016). O bloco olímpico: estado, organização esportiva e mercado na configuração da agenda Rio 2016. Revista da ALESDE, 2(2), 15-32. ; Magalhães, 2013 Magalhães, A. (2013). O legado dos megaeventos esportivos: a reatualização da remoção de favelas no Rio de Janeiro. Horizontes Antropológicos , 19(40), 89-118. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-71832013000200004.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-7183201...
). Para Mascarenhas et al. (2016) Mascarenhas, F., Athayde, P. F. A., Santos, M. R., & Miranda, N. N. (2016). O bloco olímpico: estado, organização esportiva e mercado na configuração da agenda Rio 2016. Revista da ALESDE, 2(2), 15-32. , tal empreendedorismo orientado para o mercado atende aos interesses de determinadas frações da burguesia, correspondendo a uma reorganização do capitalismo brasileiro.

Do exposto, pode-se aferir que o PAC, incluindo o PAC Saneamento, integrou um conjunto de ações e de investimentos vinculados a um projeto político e social fortemente atrelado a interesses econômicos nacionais e internacional, capazes de promover empreendimentos com forte participação privada, estratégia de ação estatal e do governo federal. Tal estratégia vem sendo chamada por alguns autores de neodesenvolvimentismo ( Boito & Galvão, 2012 Boito, A. Jr, & Galvão, A. (Orgs). (2012). Política e classes sociais no Brasil dos anos 2000. São Paulo: Alameda. ).

O PAC 1 saneamento - Bahia 1 1 Para conhecer análise mais detalhada, consultar Cunha (2015).

No Estado da Bahia, as ações de saneamento básico do PAC foram inseridas no Programa Água para Todos (PAT), instituído em 2007, com quatro linhas de ação: (i) abastecimento de água; (ii) esgotamento sanitário; (iii) saneamento integrado; e (iv) meio ambiente e projetos socioeconômicos. Esse programa estadual priorizou as áreas rurais do semiárido e da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (BHRSF) ( Rasella, 2013 Rasella, D. (2013). Impacto do Programa Água para Todos (PAT) sobre a morbi-mortalidade por diarreia em crianças do Estado da Bahia, Brasil. Cadernos de Saude Publica , 29(1), 40-50. PMid:23370023. ).

O PAC 1 disponibilizou recursos para o Estado em seus três eixos (logística, energia e infraestrutura social e urbana), totalizando R$ 41,9 bilhões (8,32% do total do programa). A maior parcela (47%, ou R$ 19,7 bilhões) destinou-se ao setor energético e outros 34% foram aplicados no eixo de infraestrutura social e urbana, no qual foram inseridas as ações de saneamento ( Brasil, 2010 Brasil. (2010). Balanço de 4 anos do PAC 1 (2007-2010): 11º balanço completo - Brasil. Brasília: Programa de Aceleração do Crescimento. Recuperado em 8 de janeiro de 2015, de http://www.pac.gov.br/pub/up/relatorio/6c57986d15d0f160bc09ac0bfd602e74.pdf.
http://www.pac.gov.br/pub/up/relatorio/...
).

Considerando apenas os empreendimentos analisados no presente trabalho, constata-se que a maior parte dos recursos do PAC 1 foi destinada ao esgotamento sanitário (90,8%) e ao abastecimento de água (8,5%) ( Bahia, 2015 Bahia. (2015). Planilhas de Acompanhamento do PAC 1 e PAC 2. Salvador: Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia. Não Publicado. ). Embora sejam notórios os desafios a serem enfrentados no componente do esgotamento sanitário, também os resíduos sólidos e o manejo das águas pluviais, historicamente negligenciadas pelas políticas públicas da área, necessitam de aporte de recursos significativos diante do atual panorama de deficit de serviços, cuja problemática é amplamente constatada quando das enchentes, das inundações e dos deslizamentos de terras, bem como da situação grave da destinação dos resíduos sólidos em vazadouros a céu aberto.

Analisando os dados, constata-se que essas componentes do saneamento básico, juntas, tiveram investimento inferior a 1% do total previsto no programa. Essa priorização de investimentos revela o seu distanciamento das demandas da população baiana por serviços de saneamento básico e evidencia a manutenção de práticas de destinação de recursos da época do Planasa, voltada para as ações de abastecimento de água e de esgotamento sanitário de áreas urbanas. Inclusive, a priorização do programa não responde à integralidade das ações, considerada um princípio fundamental nas diretrizes nacionais do saneamento básico, revelando o descompasso entre os critérios de priorização de investimentos e a concepção da política pública de saneamento básico.

No esforço de compreender a lógica de priorização dos investimentos, fez-se uma análise destes em relação ao deficit dos serviços no Estado. Avaliando-se os municípios com índices de cobertura de abastecimento de água precário (inferior a 40%), o que envolve 15,1% do total de municípios, constatou-se que o PAC 1 atendeu apenas a 14,3% destes. Na faixa de atendimento entre 40 e 60% (27,3% do total de municípios), 92,1% não foram contemplados. Verificou-se também que os municípios com índice de atendimento de esgotamento sanitário inferior a 40% tiveram prioridade nos investimentos realizados pelo PAC 1, embora atendendo apenas a 29,6% do total de municípios nessa faixa ( Brasil, 2013 Brasil. Ministério das Cidades. (2013). Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab). Brasília: Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. ; Bahia, 2015 Bahia. (2015). Planilhas de Acompanhamento do PAC 1 e PAC 2. Salvador: Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia. Não Publicado. ). Cabe observar que a maior parte desses municípios está situada na bacia hidrográfica do rio São Francisco, região eleita como prioritária diante das exigências de ações compensatórias para o projeto de transposição do São Francisco, o que revela uma priorização vinculada a esse megaprojeto do Governo Federal, objeto de intenso questionamento diante da situação de disponibilidade hídrica desse manancial e de seu vínculo aos interesses do agronegócio na região ( Suassuna, 2006 Suassuna, J. (2006). As águas do Nordeste e o projeto de transposição do Rio São Francisco. Anais da Academia Pernambucana de Ciência Agronômica, 3, 30-44. ; Araújo, 2012 Araújo, C. E. (2012). A partir das águas: argumentações midiatizadas, resistência popular e a transposição do rio São Francisco (Tese de Doutorado). Brasília: Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília. ). Assim, embora os municípios da bacia apresentem deficit de atendimento que precisam ser enfrentados, os critérios de priorização e de elegibilidade não respondem a uma racionalidade tecno-política sustentada nas condições sanitárias, sociais e epidemiológicas e fruto de diálogo com a sociedade, como a Lei Nacional de Saneamento Básico preconiza.

No que se refere aos resíduos sólidos, identificou-se que a maior parte dos municípios (86,6%) não foi contemplada pelo PAC 1 com ações nessa importante componente do saneamento básico, mas as ações previstas eram relacionadas à elaboração de projetos ( Brasil, 2013 Brasil. Ministério das Cidades. (2013). Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab). Brasília: Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. ; Bahia, 2015 Bahia. (2015). Planilhas de Acompanhamento do PAC 1 e PAC 2. Salvador: Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia. Não Publicado. ). Assim, o PAC não respondeu à grave situação da destinação final, a qual, inclusive, é alvo de atenção da Lei nº 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que previa que até 2014 os municípios deveriam garantir a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, ou seja, dos resíduos sólidos que, após manejo e gerenciamento, não puderam ter outra destinação adequada.

Os dados revelam que 30% (125) dos municípios do Estado da Bahia foram contemplados pelo PAC 1 em, pelo menos, um tipo de intervenção de saneamento básico. Considerando o número de municípios atendidos por cada faixa populacional, constatou-se que a proporção de atendimento foi maior nos municípios de maior porte populacional ( Tabela 1 ). É importante destacar que os maiores deficits de serviços no Estado estavam nos municípios de menor porte populacional.

Tabela 1
- Atendimento dos municípios pelo PAC Saneamento na Bahia por porte populacional, 2007-2012

A maior parte dos municípios atendidos pelo PAC 1, com pelo menos alguma ação de saneamento básico, estava situada na faixa de PIB per capita superior a R$ 5.400,00, o que representava 38,4% do total de municípios atendidos. Além disso, 7,2% do total dos municípios beneficiados pelo programa situaram-se na faixa de PIB per capita entre R$ 3.600,00 e R$ 4.200,00 e, 2,40%, na faixa entre R$ 2.700,00 e R$ 3.600,00. Assim, não houve critérios de atendimento segundo o PIB per capita, embora a literatura já tenha evidenciado a correlação entre PIB e infraestrutura sanitária disponível, a exemplo dos estudos de Grisotto (2011) Grisotto, L. E. G. (2011). Identificação, avaliação e espacialização das relações entre indicadores de saúde, saneamento, ambiente e socioconomia no Estado de São Paulo (Tese de Doutorado). Pós-graduação em Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo. . Assim, em um Estado de profundas desigualdades sociais, certamente que o critério de níveis de riqueza deve ser considerado na seleção de áreas que são objeto de investimento ( Figura 1 ).

Figura 1
- Quantidade de municípios atendidos e não atendidos pelo PAC 1 de acordo com o PIB per capita (R$/hab.) (2010), Bahia, 2007-2010

Os resultados permitem indicar que a maior parte dos municípios do Estado (89,9%) estava concentrada nas faixas de Índice Gini entre 0,45 e 0,60, nas quais se concentraram 84% dos municípios atendidos pelo PAC 1 ( Figura 2 ). Na faixa superior a 0,60, que indica a maior desigualdade de distribuição de renda, havia 31 municípios, o que compreendeu 7,4% dos municípios de todo o Estado. De acordo com o conceito do Índice Gini, essa faixa superior é a que necessita de mais atenção do poder público, entretanto, do total de municípios atendidos pelo PAC 1, apenas 13,6% encontravam-se nessa faixa. Comparando-se o total de municípios nessa faixa do Índice Gini, constata-se que 54,8% tiveram, pelo menos, algum tipo de intervenção na área de saneamento básico realizada pelo PAC 1.

Figura 2
- Quantidade de municípios atendidos e não atendidos pelo PAC 1 por faixa do Índice Gini (2010), Bahia, 2007-2010

O PAC 2 saneamento - Bahia

De acordo com Brasil (2014b) Brasil. (2014b). Balanço de 4 anos do PAC 2 (2011-2014): 11º balanço completo - Brasil. Brasília: Programa de Aceleração do Crescimento. Recuperado em 8 de janeiro de 2015, de http://www.pac.gov.br/pub/up/relatorio/f9d3db229b483b35923b338906b022ce.pdf.
http://www.pac.gov.br/pub/up/relatorio/...
, a maior parte dos recursos destinados para a Bahia pelo PAC 2 foi mais uma vez para o setor energético (R$ 21,8 bilhões, ou 52,15% do total). As ações de saneamento básico foram inseridas majoritariamente no eixo Cidade Melhor (Eixo 1), mas também o programa apresentou algumas ações no eixo Água e Luz para Todos (Eixo 4). A exemplo do PAC 1 Saneamento, o PAC 2 foi inserido no Programa Água para Todos (PAT) do governo estadual, com valor total disponibilizado para saneamento básico no Estado de R$ 0,91 bilhão, o que corresponde a apenas 1,83% do total do Brasil 2 2 Cabe ressaltar a fragilidade do programa quanto à divulgação das informações, pois os valores apresentados são diferentes, mesmo quando divulgadas pela mesma esfera governamental, ou seja, o Governo Federal. .

Analisando os dados dos empreendimentos estudados neste trabalho, identificou-se que a componente mais privilegiada com investimentos do PAC 2 foi o abastecimento de água, com cerca de 57,9% do total de investimentos (R$ 594,91 milhões), sendo destinados, aproximadamente, 41,1% para o esgotamento sanitário (R$ 422,17 milhões). Assim como ocorrido no PAC 1, não foram priorizadas as componentes de limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos, drenagem e manejo das águas pluviais, limpeza e fiscalização preventiva das respectivas redes urbanas; juntas, elas foram responsáveis por apenas 1% do investimento total em saneamento básico ( Bahia, 2015 Bahia. (2015). Planilhas de Acompanhamento do PAC 1 e PAC 2. Salvador: Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia. Não Publicado. ).

Identificou-se que, dos 417 municípios do Estado, 257 (61,6%) foram atendidos pelo PAC 2 com pelo menos um tipo de intervenção na área de saneamento básico, constatando-se a ampliação da abrangência do programa no Estado, envolvendo o dobro de municípios do PAC 1.

Os dados também permitem inferir que mais da metade dos municípios (59,4%) abaixo de 50 mil habitantes foi atendida pelo PAC 2 ( Tabela 1 ). Quando comparado ao PAC 1, no qual apenas 25,7% dos municípios desse mesmo intervalo foram atendidos, percebe-se que o PAC 2 realizou investimentos em mais municípios dessa faixa populacional ( Brasil, 2010 Brasil. (2010). Balanço de 4 anos do PAC 1 (2007-2010): 11º balanço completo - Brasil. Brasília: Programa de Aceleração do Crescimento. Recuperado em 8 de janeiro de 2015, de http://www.pac.gov.br/pub/up/relatorio/6c57986d15d0f160bc09ac0bfd602e74.pdf.
http://www.pac.gov.br/pub/up/relatorio/...
; Bahia, 2015 Bahia. (2015). Planilhas de Acompanhamento do PAC 1 e PAC 2. Salvador: Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia. Não Publicado. ). Para a população acima de 50 mil habitantes, verificou-se que 35 municípios, 81,4% do total dessa faixa populacional, foram atendidos pelo PAC 2. Nota-se que, exceto na faixa populacional inferior a 10 mil habitantes, o número de municípios atendidos foi superior ao de não atendidos. Assim como identificado no PAC 1, o PAC 2 também apresentou uma tendência de atendimento em maior proporção aos municípios que possuíam maior população, quando se compara o total de municípios de mesmo porte populacional.

Os resultados evidenciam que, quanto maior o PIB per capita dos municípios, maior a quantidade de municípios atendidos ( Figura 3 ). Cabe destacar que os municípios que possuem menor PIB per capita tendem a possuir os maiores deficits nos serviços públicos de saneamento básico e, geralmente, possuem baixa capacidade financeira para a realização de investimentos, principalmente em intervenções físicas. Identificou-se também que houve uma variação significativa de municípios contemplados, quando comparada ao total de municípios da mesma faixa de PIB per capita, tendo sido o maior percentual de atendimento para os municípios que possuíam o PIB per capita mais elevado (superior a R$ 5.400,00).

Figura 3
- Quantidade de municípios atendidos e não atendidos pelo PAC 2 de acordo com a faixa do PIB per capita (R$/hab) (2010), Bahia, 2011-2014

Pode-se identificar que um número não representativo de municípios (2,6% do total estadual) possuía o Índice Gini mais baixo, situado na faixa entre 0,40 e 0,45 ( Figura 4 ), dos quais oito deles foram beneficiados pelo PAC 2. Quando comparado ao total estadual, a maior quantidade (23,5%) de municípios atendidos pelo PAC 2 esteve concentrada na faixa de Índice Gini entre 0,50 e 0,55, seguida (19,4%) da faixa entre 0,55 e 0,60. A faixa que representa a maior desigualdade (acima de 0,60) possuiu apenas 4,8% dos municípios do Estado atendidos por essa etapa do programa. Destaca-se que essa faixa deveria ser objeto de maior atenção do poder público para o enfrentamento da elevada desigualdade.

Figura 4
- Quantidade de municípios atendidos e não atendidos pelo PAC 2 por faixa do Índice Gini (2010), Bahia, 2011-2014

Conclusão

Em 2007, o Governo Federal instituiu o PAC, criado com objetivo manifesto de iniciar um conjunto de ações que elevassem o país a um novo modelo de desenvolvimento, conforme definição do PPA Brasil de Todos (2004-2007). O programa também buscava assegurar a continuidade do consumo de bens e serviços, mantendo ativa a economia durante o período em que ocorreu a crise financeira mundial (entre 2008 e 2009).

A concepção do PAC envolveu um conjunto de medidas legislativas, administrativas e de políticas de investimento, visando estimular o crescimento da economia do país, destinando recursos a áreas prioritárias de infraestrutura (logística, energia, transportes, habitação e saneamento, entre outras), sendo o setor energético o mais beneficiado. Por outro lado, no saneamento básico, até então, nenhum outro programa governamental investiu tantos recursos no Brasil. Tal empreendedorismo estatal, orientado para o mercado, dialogou com interesses de frações da burguesia nacional, as quais, por sua vez, buscaram reorganizar o capitalismo brasileiro, tendo forte foco nas parcerias público-privadas.

Os resultados relativos ao PAC Saneamento na Bahia indicaram que a seleção dos empreendimentos não atendeu a uma lógica de priorização clara, embora a Lei Nacional de Saneamento Básico tenha estabelecido um conjunto de princípios e de diretrizes socialmente gestados e regulados para as ações do Governo Federal, vinculado à noção de política pública como direito social e tributária dos pressupostos da seguridade social e do direito de cidadania, tendo os princípios da universalidade e da integralidade como basilares.

Apesar do volume significativo de recursos disponibilizados para o Estado da Bahia e considerando o histórico baixo do nível de investimentos, estes não foram direcionados para atender aos municípios com maior deficit em serviços públicos de saneamento. O PAC Saneamento na Bahia (PAC 1 e PAC 2) priorizou investimentos para esgotamento sanitário e abastecimento de água, não rompendo com a lógica do Planasa dos anos de 1970, que focalizou as ações de saneamento para esses dois componentes, considerando-as como medida de infraestrutura das cidades e um serviço passível de ser incorporado à lógica do mercado, agora mediante as parcerias público-privadas incentivadas nos empreendimentos do PAC. Pode-se constatar que não foram disponibilizados recursos significativos para limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos, drenagem e manejo das águas pluviais, limpeza e fiscalização preventiva das respectivas redes urbanas que tiveram investimento inferior a 1% do total, observando-se que, para resíduos sólidos, previu-se apenas a elaboração de projetos. Por outro lado, o programa priorizou ações estruturais, em detrimento das ações estruturantes, contrariando as concepções incorporadas no Plano Nacional de Saneamento Básico (PNSB). Tal priorização de investimentos evidencia o pouco diálogo da concepção do programa com o quadro sanitário do Estado da Bahia e com os princípios da Lei Nacional de Saneamento Básico, a exemplo da universalização e da integralidade das ações, essenciais para efetividade das intervenções estatais.

O PAC 1 beneficiou 30% dos municípios do Estado da Bahia em pelo menos um tipo de intervenção na área de saneamento básico, enquanto o PAC 2 atendeu a 62%. Embora a maior parte dos municípios atendidos tivesse população menor que 50 mil habitantes, onde o deficit dos serviços é maior, considerando a proporção de atendimento em cada faixa constata-se que tal proporção aumenta em função do porte populacional, indicando priorização dos municípios de maior população.

Quanto ao PIB per capita, não foi identificada nenhuma tendência de priorização de investimentos do PAC para os municípios beneficiados, embora, nos municípios onde esse indicador foi menor, os deficit s fossem maiores. No PAC 2, percebeu-se que, quanto maior o PIB per capita, maior a quantidade de municípios atendidos, tendência que poderia ser diferente, visto que os maiores deficits dos serviços estavam nos municípios de menor PIB per capita. Considerando o Índice Gini, constatou-se que, na faixa de índice maior, que indica maior desigualdade, o atendimento do programa foi menor.

Pela análise dos documentos oficiais do governo, não foi possível identificar os critérios utilizados para a priorização dos investimentos em relação aos municípios contemplados e às componentes do saneamento básico, exceto para os municípios situados na bacia hidrográfica do São Francisco, alvos de ações compensatórias em virtude do projeto de integração do rio São Francisco.

Embora o PAC Saneamento tenha contribuído para a ampliação dos recursos e a retomada dos investimentos na área de saneamento, a sua lógica de concepção, vinculada fortemente ao projeto político do Governo Federal, voltado para a dinamização da economia e execução de megaempreendimentos e investimentos em infraestrutura, implicou um conjunto de medidas e de ações que se afastaram dos pressupostos das diretrizes da Lei Nacional de Saneamento Básico, a qual inegavelmente se constitui em um marco de referência importante na promoção das políticas e dos programas na área de saneamento básico no país. Tal marco legal, fruto de certa pactuação social, estabeleceu um conjunto de princípios que têm exigido novas racionalidades no modelo/marco lógico e implementação de programas governamentais.

Políticas públicas no neodesenvolvimentismo brasileiro, como o Programa de Aceleração do Crescimento, alinham-se a um contexto político, econômico e social marcado pelas concepções neoliberais, em que os esforços do Estado continuam a ser limitados e orientados em função do capital e da sua rentabilidade. Os serviços públicos, inclusive os essenciais, como os de saneamento, subordinam-se aos interesses de grupos econômicos. Nessas condições, as noções de direitos sociais universais e de igualdade são fragilizadas, havendo um distanciamento dos pressupostos da Constituição Federal de 1988. Assim, em que pese a ampliação dos investimentos com o PAC Saneamento, o gasto público se manteve fiel a uma lógica econômica e tecnocrática sem que a noção do saneamento como direito humano e social fosse a condutora dos processos de priorização de investimentos, seja entre os componentes do saneamento básico, seja na definição das populações-alvo devido ao deficit de serviços ou às condições de renda e desigualdade.

Programas que busquem a promoção do direito ao saneamento básico devem estar sustentados: (i) no reconhecimento do protagonismo municipal; (ii) na universalização do acesso; (iii) na integralidade das ações; (iv) na adoção de tecnologias apropriadas; (v) na intersetorialidade; e (vi) na participação e no controle social. Diante dos resultados aqui apresentados, constatou-se que o PAC Saneamento na Bahia muito pouco se articulou/dialogou com esses princípios, dada a supremacia da lógica econômica em detrimento da socioambiental e da promoção da saúde. Certamente, apenas a partir do aprofundamento da democracia no país será possível modelar programas que, de fato, estejam alinhados aos pressupostos do direito social e do enfretamento das desigualdades.

  • 1
    Para conhecer análise mais detalhada, consultar Cunha (2015).
  • 2
    Cabe ressaltar a fragilidade do programa quanto à divulgação das informações, pois os valores apresentados são diferentes, mesmo quando divulgadas pela mesma esfera governamental, ou seja, o Governo Federal.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jul 2018
  • Data do Fascículo
    Nov 2018

Histórico

  • Recebido
    14 Maio 2017
  • Aceito
    14 Fev 2018
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