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Sistema alimentar: um estudo comparativo de Sistemas Produto-Serviço para produção, distribuição e comercialização de alimentos

Food system: a comparative research on Product-Service Systems for food production, distribution and trade

Resumo

Sistemas alimentares têm sido, tradicionalmente, objeto de estudo das ciências sociais e agrícolas. Mais recentemente, a pesquisa em Design vem desenvolvendo estratégias que buscam compreender as relações entre a sustentabilidade e o sistema alimentar. Não como meio de produção de uma commodity tangível a ser comercializada, mas como resultado de um sistema sociotécnico intangível, que pode ser projetado para melhoria da qualidade de vida. Este trabalho tem como objetivo analisar as interseções entre os conceitos de Sistema Produto-Serviço (PSS) em Comunidades que Sustentam a Agricultura (CSA). Nesse contexto, são analisadas duas CSAs como alternativas capazes de transformar positivamente a forma com a sociedade produz, distribui e comercializa os alimentos. Também se discute as limitações do estudo e o papel do design no desenvolvimento de modelos de CSAs mais eficientes e sustentáveis no que se refere ao sistema alimentar como um todo. Os resultados permitem contextualizar o funcionamento das CSAs estudadas e identificar os particulares desafios que possam ser superados utilizando-se processos e habilidades do PSS.

Palavras-chave:
Sustentabilidade; Design; Sistemas alimentares; Agricultura

Abstract

Food systems have traditionally been the subject of social and agricultural sciences research. More recently, design research has been developing strategies that help understand the intersections between sustainability and the food system. It is not seen as a means of producing a tangible commodity to be marketed but as a result of an intangible sociotechnical system, which can be designed to improve life quality. This work aims to analyze the intersections between the concepts of Product-Service System (PSS) in Communities that Support Agriculture (CSA). In this context, two CSAs are analyzed as alternatives capable of positively transforming the way society produces, distributes and markets food. The limitations of this study and the role of design, in the development of more efficient and sustainable CSA models for the food system, are also discussed. The results allow to contextualize the functioning of the CSAs studied and to identify the particular challenges that can be overcome using PSS’ processes and skills.

Keywords:
Sustainability; Design; Food system; Agriculture

Introdução

A industrialização da agricultura provocou grandes saltos no aumento da disponibilidade de alimentos e, consequentemente, nas mudanças de hábitos alimentares e relações sociais (Mazoyer & Roudart, 2010Mazoyer, M., & Roudart, L. (2010). História das agriculturas no mundo: do neolítico à crise contemporânea. São Paulo: Unesp.). No entanto, existem sérios problemas no atual sistema industrial de produção e distribuição de alimentos, destacando-se o acesso à alimentação (Food and Agriculture Organization of the United Nations - Fao, 2015; International Food Policy Research Institute - IFPRI, 2017). De acordo com a literatura, uma das soluções para esses problemas seria o design em Sistema Produto-Serviço (PSS), ou seja, investigar e projetar sistemas alimentares sob a ótica e ferramentas do design de PSS capazes de auxiliar na concepção de soluções inovadoras de tal forma que se alcance um sistema alimentar mais justo, distribuído e resiliente (Ceschin, 2014Ceschin, F. (2014). Sustainable product-service systems: Between strategic design and transition studies. Uxbridge: Springer.; Tischner et al., 2010Tischner, U., Sto, E., Jaenes, U., & Tukker, A. (2010). System innovation for sustainability. [s.l.]: Greenleaf Publishing, 315 p. hardback ISBN-13:9781906093242.; Vezzoli et al., 2015Vezzoli, C., Ceschin, F., Diehl, J. C., & Kohtala, C. (2015). New design challenges to widely implement Sustainable Producte Service-Systems. Journal of Cleaner Production, 97, 1e12.).

Os PSS constituem uma categoria teorizada no meio acadêmico, mais especificamente nas áreas de Engenharia de Produção, Administração e Design, para indicar modelos de negócio em que o foco não é a venda do produto físico, mas um conjunto de produtos tangíveis e serviços intangíveis projetados para satisfazer determinada demanda (Tukker et al., 2006Tukker, A., Tischner, U., & Verkuijl, M. (2006). Product-services and sustainability. In: A. Tukker, & U. Tischner (ed.). New business for old Europe: product-service development, competitiveness and sustainability. Greenleaf Publishing. ISBN 13-978-1-874719-92-2(hbk).). A ideia por trás dos PSS é que se possa integrar tais atividades de maneira que o componente de serviços seja cada vez mais importante em relação ao produto (Tischner et al., 2017Tischner, U., Ryan, C., & Vezzoli, C. (2017). Product-Service Systems. In: M. Crul, J. C. Diehl, C. Ryan (Ed.). Design for Sustainability: a step by step approach. [s. L.]: United Nations Environment Programme - Unep (Cap. 7, p. 95-101).). Com essa mudança de foco, seria mais fácil projetar soluções para negócios de baixo impacto ambiental (Ceschin, 2014Ceschin, F. (2014). Sustainable product-service systems: Between strategic design and transition studies. Uxbridge: Springer.; Tukker, 2015). O conceito de PSS é adotado por diferentes autores como suficientemente inovador para promover uma mudança de comportamento e de hábitos do consumidor (Silva & Santos, 2009Silva, J. S. G., & Santos, A. (2009). O conceito de sistemas produto-serviço: um estudo introdutório. Anais do III Encontro de Sustentabilidade em projeto do Vale do Itajaí, Camboriú. III Ensus. Camboriú: Univali.; Tischner & Verkuijl, 2006; Tukker, 2015; Vezzoli et al., 2014Vezzoli, C., Kohtala, C., & Srinivasan, A. (2014). Product-service system design for sustainability. LeNS. Greenleaf Publishing (526p.). ISBN-13:978-1-909493-69-8.). Isso porque, em um modelo de PSS, os consumidores pagam por "unidade de função ou performance", e não pela unidade do produto vendido (Emili et al., 2016Emili, S., Ceschin, F., & Harrison, D. (2016). Product-Service System applied to distributed renewable energy: A classification system, 15 archetypal models and a strategic design tool. Energy for Sustainable Development, (s.l.)32, 71-98.). Como exemplos de PSS já consolidados, podem-se citar os sistemas de compartilhamento de veículos, como carros e bicicletas (car-sharing e bike-sharing), e de outras ferramentas, como computadores (lan house).

Apesar da sustentabilidade não ser uma característica intrínseca do PSS (Trevisan et al., 2015Trevisan, L., Lelah, A., & Brissaud, D. (2015). New PSS design method of a pneumatic energy system. ScienceDirect Procedia CIRP, 30, 48-53.), pesquisas em design mostram que elas podem ajudar a criar modelos de negócio sustentáveis em diversos setores da economia (Tischner et al., 2010Tischner, U., Sto, E., Jaenes, U., & Tukker, A. (2010). System innovation for sustainability. [s.l.]: Greenleaf Publishing, 315 p. hardback ISBN-13:9781906093242.; Tukker, 2015Tukker, A. (2015). Product services for a resource-efficient and circular economy: a review. Journal of Cleaner Production, 97, 76-91.; Vezzoli et al., 2014Vezzoli, C., Kohtala, C., & Srinivasan, A. (2014). Product-service system design for sustainability. LeNS. Greenleaf Publishing (526p.). ISBN-13:978-1-909493-69-8.). Mesmo que ainda não sejam amplamente disseminados (Ceschin, 2014Ceschin, F. (2014). Sustainable product-service systems: Between strategic design and transition studies. Uxbridge: Springer.), os PSS com foco em sustentabilidade possuem grande potencial para proporcionar bem-estar social, prosperidade econômica e proteger o meio ambiente (Vezzoli et al., 2015). Barreiras para a sua aplicação incluem os hábitos culturais consolidados dos consumidores, mais complexidade de gestão e escassez de competências profissionais. Tais aspectos são necessários para implementação e quantificação dos benefícios e efeitos colaterais negativos desse modelo (Ceschin, 2014; Goedkoop et al., 1999Goedkoop, M. J., Halen C. J. G., Riele, H.R.M., & Rommens P. J. M. (1999). Product service systems: Ecological and economic basics. The Hague: Dutch Ministries of Environment.; Manzini & Vezzoli, 2002Manzini, E., & Vezzoli, C. (2002) Product-service systems and sustainability: Opportunities for sustainable solutions. [s.l.]: 33p. United Nations Environment Programme - Unep. ISBN: 92-807-2206-9.). Além disso, os chamados rebound effects podem, a longo prazo, eliminar os efeitos positivos de determinadas soluções de PSS (Ceschin, 2014; Manzini & Vezzoli, 2002).

Não são muitos os exemplos de PSS sustentáveis identificados no setor alimentar, no entanto, um modelo de PSS que já nasce com o objetivo de simplificar o sistema alimentar, reconectando os agricultores e consumidores, é o modelo da Comunidade que Sustenta a Agricultura (CSA) (Gong, 2014Gong, M. (2014). Design for chinese social innovation: Pilot PSS design experiences for sustainable lifestyles. In: C. Vezzoli, C. Kohtala & A. Srinivasan. Product-service system design for sustainability. LeNS (Cap. 9, p. 336-344). Greenleaf Publishing. 526p. ISBN-13: 978-1-909493-69-8.; Lei, 2014Lei, Y. (2014). Research on service system of Shanghai community supported agriculture: a case study of Shanghai Nonghao farmers’ market. 98 f. Dissertação (Mestrado em Design). Curso de Design, Politecnico de Milão, Milão.). O termo refere-se a um sistema de distribuição de alimentos em que os consumidores pré-financiam a produção de um ou mais agricultores locais e, em contrapartida, recebem, semanalmente, parte do resultado da colheita. Os riscos de perdas na produção são compartilhados entre todos (Henderson & Van En, 2007Henderson, E., & Van En, R. (2007). Sharing the harvest: A citizen's guide to community supported agriculture. Vermont: Chelsea Green Publishing Company.; Manzini, 2015Manzini, E. (2015). Design, When everybody designs: An introduction to design for social innovation. Cambridge: MIT Press.; Sattanno et al., 2016Sattanno, K., Swisher, M. E., & Koenig, R. (2016). What is community supported agriculture? Publicado pelo Instituto de Alimentação e Ciências da Agricultura, Universidade da Flórida. Recuperado em 15 de agosto de 2017, de http://edis.ifas.ufl.edu/pdffiles/CD/CD01900.pdf
http://edis.ifas.ufl.edu/pdffiles/CD/CD0...
; Tischner et al., 2010Tischner, U., Sto, E., Jaenes, U., & Tukker, A. (2010). System innovation for sustainability. [s.l.]: Greenleaf Publishing, 315 p. hardback ISBN-13:9781906093242.).

Em muitos casos, os consumidores são chamados a trabalhar voluntariamente na fazenda e na organização da CSA e, desse modo, são denominados coprodutores (Weckenbrock, 2016Weckenbrock, P. (2016). Introduction to Community Supported Agriculture in Europe. In: P. Volz, & European Csa Research Group (Org.). Overview of Community Supported Agriculture in Europe. S.l: Urgenci, 8-10. Recuperado em 18 de dezembro de 2018, de https://urgenci.net/the-csa-research-group/
https://urgenci.net/the-csa-research-gro...
). O modelo organizacional das CSAs nasce como reação às mazelas da modernização da agricultura e, assim, compartilha dos princípios e motivações da agroecologia, exigindo, portanto, práticas de cultivo orgânico (Henderson & Van En, 2007Henderson, E., & Van En, R. (2007). Sharing the harvest: A citizen's guide to community supported agriculture. Vermont: Chelsea Green Publishing Company.; Kondoh, 2015Kondoh, K. (2015). The alternative food movement in Japan: Challenges, limits, and resilience of the teikei system. Agriculture and Human Values, 32(1), 143-153.).

Nesse sentido, este trabalho tem como objetivo analisar as interseções entre os conceitos de sistema alimentar, Sistemas Produto-Serviço sustentáveis e as CSAs. Foram aplicadas ferramentas específicas de avaliação de PSS a duas CSAs relativamente próximas entre si, tanto em termos de localização geográfica quanto em relação às condições socioeconômicas de seus contextos. Também se discute o potencial de atuação do design no desenvolvimento de modelos de CSA mais eficientes, sustentáveis e de mais capacidade para impactar, positivamente, o sistema alimentar como um todo, assim como as limitações do estudo.

Metodologia

Inicialmente, foi feito um levantamento de PSS nacionais inseridos no setor de distribuição e comercialização de alimentos. A busca evidenciou que a maior parte deles não foi projetada segundo critérios de sustentabilidade e que os modelos de CSAs se mostravam mais promissores para o estudo por se tratar de comunidades colaborativas e apresentarem características inovadoras e alternativas de distribuição de alimentos. Identificaram-se cerca de 50 CSAs em atividade no território nacional (CSA Brasil, 2018). Para o estudo, foram selecionadas uma CSA de Belo Horizonte - CSA (A) e outra do Rio de Janeiro - CSA (B), cujos âmbitos de atuação são similares.

A coleta dos dados foi elaborada por meio de instrumentos de pesquisa qualitativa, mais especificamente a observação direta das atividades das CSAs. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os gestores das comunidades, a fim de coletar informações relacionadas ao seu funcionamento. Foi elaborado um roteiro de perguntas com base nos objetivos da pesquisa. De modo a estruturar os dados coletados e obter parâmetros de comparação entre os casos, foram utilizadas as categorias propostas na Tabela 1.

Tabela 1
Categorização da coleta de dados

Para melhor entender e avaliar as dimensões ambientais, sociais e econômicas das CSAs, foram utilizados critérios apresentados na Tabela 2.

Tabela 2
Critérios para a avaliação das dimensões de sustentabilidade

Para a análise dos dados foram utilizadas duas ferramentas de descrição visual, detalhadas por Vezzoli (2010Vezzoli, C. (2010). Design de sistemas para a sustentabilidade. Salvador: Edufba.), voltadas para a "análise estratégica" de um PSS: mapa de sistema e mapa de interações. O mapa de sistema consiste em uma representação diagramática dos atores socioeconômicos (stakeholders) envolvidos no sistema e a relação entre eles. As diferentes interações entre os diversos atores também são representadas: fluxos de materiais e/ou produtos, informação, dinheiro e trabalho. O mapa de interações, sustainability interaction story-spot (Vezzoli, 2010) ou service experience map (Pilot Projects, 2019), é uma ferramenta que descreve visualmente a sequência das principais interações que ocorrem em determinado PSS (usuário/sistema, atores/sistema) para alcançar determinado objetivo. A representação gráfica pode ser composta de uma sequência de fotografias, ilustrações ou pictogramas acompanhados por breve descrição textual sobre o papel dos atores em cada atividade.

Resultados

Para cada estudo de caso, CSA (A) e CSA (B), reuniram-se os dados coletados de acordo com as categorias definidas na Tabela 1.

CSA (A)

Caracterização da CSA

a) Informações institucionais

A CSA (A) surgiu por iniciativa de um servidor público de Sabará-MG, entusiasta da alimentação saudável, que em novembro de 2014 fez a proposta de criação da comunidade a um grupo de consumidores de Belo Horizonte-MG. Inicialmente, a comunidade contava com dois agricultores. Ao final do primeiro ano, uma divergência interna sobre as dinâmicas de gestão fez com que a comunidade se dividisse em duas, ficando cada uma com um agricultor. De acordo com o levantamento feito pela pesquisa, a CSA (A) dá suporte ao trabalho de um único agricultor familiar, de onde são fornecidas semanalmente cestas a 104 coprodutores em dois pontos de entrega na região metropolitana de Belo Horizonte.

b) Produto, serviço e processo

A CSA (A) constitui um modelo de CSA que surgiu pela iniciativa de um grupo de consumidores, os quais exercem importante papel na sua gestão e organização. Atualmente, os alimentos são cultivados em duas propriedades agrícolas vizinhas por uma única família de agricultores e organizados em cestas. Cada cesta contém os alimentos que serão entregues a um coprodutor. Este pode optar entre dois tipos de cesta: a cesta familiar, que inclui no mínimo 10 itens, e a cesta individual, com no mínimo cinco itens.

Segundo os gestores entrevistados, também responsáveis por auxiliar o agricultor no planejamento do plantio, o conteúdo das cestas é decidido pelo próprio agricultor, de acordo com suas capacidades produtivas. O preço da mensalidade é definido segundo cotações feitas no circuito convencional de compra e venda de alimentos, bem como em mercados especializados em produtos orgânicos. Também são levados em consideração os custos de produção do agricultor, além de projetos de melhoria em sua infraestrutura. Durante a realização da pesquisa, por exemplo, o preço definido incluía o cálculo do investimento necessário para a construção de uma estufa na horta, de tal forma que a colheita pudesse continuar eficiente mesmo em época de fortes chuvas. A mensalidade estava fixada em R$ 96,00 para o recebimento da cesta individual e R$ 180,00 para a cesta familiar. O coprodutor também pode optar, no momento da inscrição, por uma de duas formas de recebimento da cesta: coleta nos pontos de entrega ou entrega em domicílio.

Ainda que na carta de princípios da CSA (A) esteja escrito que “os produtores e coprodutores participam ativamente do planejamento”, a gestão da comunidade, segundo os entrevistados, é bastante centralizada em seu fundador, que é responsável pela gestão financeira e logística. Mesmo as funções que são delegadas a grupos de trabalho (GTs) continuam supervisionadas por ele.

As relações entre esses agentes externos, o núcleo gestor, o agricultor e coprodutores foram sintetizadas no mapa de sistema (Figura 1), onde, por convenção, um retângulo representa os limites da plataforma, ou seja, todos os atores centrais que atuam no sistema são representados dentro do limite do retângulo, e os atores secundários são representados fora do limite. O ciclo de vida do sistema é representado da esquerda para a direita. Os coprodutores que integram os grupos de trabalho e o fundador da CSA (A) compõem o núcleo gestor. O núcleo reúne-se em assembleias bimestrais, nas quais são tomadas decisões organizacionais.

Figura 1
Mapa de Sistema da CSA (A). Fonte: Elaborado pelo autor (2017).

Para a tomada de decisões mais sensíveis a todos os membros, como alterações no valor da mensalidade, é feita uma assembleia extraordinária em que todos são chamados a participar. A comunidade também conta com suporte e apoio de algumas instituições externas, como a prefeitura de Sabará, a Emater/MG e a ONG Leão. A atuação dos coprodutores, em geral, limita-se à coleta dos alimentos nos pontos de entrega (quando não é feita a opção pela entrega em domicílio) e ao pagamento da mensalidade. Somente um pequeno grupo se reveza para organizar e acompanhar a retirada das cestas nos pontos de entrega. A inscrição de novos coprodutores na CSA (A) se dá no endereço eletrônico da comunidade. Os interessados preenchem um formulário de inscrição e contribuem com uma taxa de adesão do mesmo valor da cesta escolhida (individual ou familiar). As cestas dos coprodutores são montadas com os alimentos colhidos no dia anterior ao da entrega da semana, dando início ao ciclo representado pelas etapas de trabalho (1 a 5) e pelo mapa de interações da Figura 2.

Dia anterior à entrega, o produtor faz a montagem das cestas com a colheita da semana;

  • 1) as cestas são transportadas até a cidade (via carreto) e duas vans realizam as entregas em domicílio;

  • 2) o restante das cestas segue no mesmo carreto até os pontos de entrega, onde serão retiradas pelos coprodutores;

  • 3) os produtos que, por alguma razão, não foram entregues ao coprodutor são vendidos ou doados;

  • 4) o carreto recolhe as cestas vazias e as leva de volta à horta.

Figura 2
Mapa de interações da CSA (A). Fonte: Elaborado pelo autor (2017).

c) Sustentabilidade

Quanto à dimensão ambiental, verifica-se que a produção da CSA (A) é diversificada e integra a criação de várias espécies de animais. O plantio e o manejo de plantas alimentícias não convencionais também colaboram para incrementar a biodiversidade e a complexidade da horta. Por outro lado, a horta não utiliza agrotóxicos ou fertilizantes químicos, mas ainda depende de adubo produzido externamente em um frigorífico. Segundo os responsáveis pela supervisão, isso impede que o cultivo da horta obtenha a certificação de produção orgânica. A oferta de duas tipologias de cestas (individual e familiar) ajuda a diminuir o desperdício na etapa de consumo. A operação de transporte e entrega dos alimentos não utiliza material descartável, com exceção dos cordões de plástico utilizados para manter unidas algumas plantas. As caixas ou cestas usadas são de polietileno de alta densidade, por serem resistentes, duráveis e empilháveis. Também foi possível observar que, antes de fazer parte da CSA (A), o agricultor se ocupava de outras atividades econômicas que não o trabalho na horta, administrando um bar e um “pesque e pague” dentro da propriedade. O trabalho com a CSA (A) possibilitou ao agricultor, mediante pré-financiamento e garantia de escoamento da produção, que a família concentrasse seus esforços no trabalho da horta e deixasse as atividades paralelas, que tinham um escopo estritamente econômico e menos benéfico ambientalmente.

No que se refere à dimensão social, em visita à horta da CSA (A) foi possível verificar um arranjo produtivo que se enquadra no modelo de agricultura familiar, no qual os proprietários da terra têm envolvimento direto com a horta. Os alimentos que, por algum motivo, não foram entregues são colocados à venda no próprio ponto de entrega ou doados aos voluntários. Caso ainda haja sobras, estas são doadas a uma instituição de caridade. É importante salientar que a CSA (A) reúne periodicamente os coprodutores em Ravena, distrito de Sabará-MG, local onde são cultivados os alimentos. O evento recebe o nome “Dia de Plantar. No local são realizadas atividades de reconhecimento da propriedade, degustação de receitas dos produtos cultivados na horta e celebrações especiais.

Apesar dos eventos promovidos pela CSA (A) e do discurso sobre transparência e gestão colaborativa, expresso na carta de princípios, percebe-se que potenciais benefícios sociais da relação em comunidade acabam sendo perdidos devido à centralização da gestão em um único indivíduo. Tal aspecto pôde ser percebido em função do desligamento de parte dos primeiros membros devido a divergências em relação a esse modo de operar. Na fala dos gestores entrevistados, fica claro o desejo de que as informações fossem mais acessíveis e que os membros do núcleo de gestão pudessem ter mais autonomia nas suas funções. Essa questão não diz respeito somente ao modo de operar o sistema, mas também aos princípios de equidade, comunicação e democracia característicos de um sistema alimentar socialmente sustentável (Blay-Palmer & Koc, 2010Blay-Palmer, A. (2010). Imagining sustainable food systems. In: A. Blay-Palmer (Org.). Imagining sustainable food systems: theory and practice. Burlington: Ashgate.). A institucionalização da CSA (A) como associação sem fins lucrativos pode, segundo os gestores entrevistados, alterar esse quadro.

A CSA (A) encontra-se em uma situação favorável no quesito dimensão econômica, com uma quantidade razoável de coprodutores financiando o trabalho de uma única propriedade rural familiar local. Em troca, têm-se alimentos orgânicos frescos por preço menor do que o encontrado em feiras especializadas ou nas gôndolas de orgânicos dos supermercados. A comunidade fornece um meio de sustentação ao trabalho da horta que não necessita recorrer a outros canais, além de financiar projetos como a construção de uma estufa na horta do agricultor, de maneira que a colheita possa continuar eficiente mesmo em época de fortes chuvas.

d) Tecnologia e design da comunicação

A tecnologia é fundamental tanto para as operações de logística da CSA (A) quanto para a comunicação interna entre todos os membros. A inscrição de novos membros é uma etapa importante para o crescimento da comunidade. Ela acontece exclusivamente por meio de um formulário on-line. O formulário de cadastro é composto de uma página, onde o interessado preenche os dados básicos para contato. Ele também declara ter lido a carta de princípios da da CSA (A) e o conteúdo do site. No formulário, ele escolhe a tipologia da cesta (familiar ou individual) e local de entrega (residência ou pontos de entrega).

As entregas são geridas e supervisionadas utilizando-se como recurso de comunicação o aplicativo de mensagens, por meio do qual todos os membros são contatados em tempo real. Se acontece algum imprevisto com a entrega das cestas ou algum impedimento para que um coprodutor recolha seus alimentos, os avisos são dados no aplicativo pelo responsável pelas entregas. Para comunicados que requerem menos agilidade na resposta, os membros fazem uso de grupos de e-mail. A comunidade utiliza de forma esporádica um aplicativo de relacionamento social.

De modo geral, percebe-se que a CSA (A) carece de cuidados em relação à sua imagem, principalmente em se tratando de uma comunidade em vias de se tornar uma associação com mais de 100 pessoas e que pretende expandir suas atividades. Durante a pesquisa não foi encontrada peça alguma de comunicação ou elemento gráfico que remetesse, ainda que remotamente, à identidade do grupo. Não foram identificadas causas para o aparente descaso desses aspectos. Possivelmente, para os gestores, trata-se de uma questão menos prioritária, considerando todos os desafios operacionais da comunidade, ainda em seus dois primeiros anos de atividade.

CSA (B)

Caracterização da CSA

a) Informações institucionais

A CSA (B) iniciou suas atividades em 2015, no estado do Rio de Janeiro, a partir do encontro entre um agricultor de uma propriedade familiar em Itaipava-RJ e um cliente, que propôs, em conjunto com amigos, a criação de um grupo que se comprometesse a financiar periodicamente sua produção. No princípio de 2017, a comunidade cresceu com a entrada de um novo produtor agrícola familiar, cuja propriedade está localizada no Parque Estadual do Maciço da Pedra Branca no estado do Rio de Janeiro. A entrada do novo produtor permitiu a criação de um segundo grupo de coprodutores, que receberia seus alimentos em um ponto de entrega diferente, separado do grupo inicial. No período da pesquisa, a comunidade realizava suas atividades informalmente, mas com um processo judicial em trâmite para se tornar uma associação. Para os organizadores, a formalização é importante para que eles possam simplificar a gestão financeira, por meio da abertura de uma conta bancária em nome da comunidade. Além disso, também foi destacada a importância de se diferenciar de uma atividade comercial tradicional e se consolidar oficialmente como uma atividade comunitária. De acordo com a pesquisa, a CSA (B) dá suporte ao trabalho de dois agricultores, fornecendo cestas a cerca de 70 coprodutores semanalmente em dois pontos de entrega no Rio de Janeiro.

b) Produto, serviço e processo

A CSA (B) surgiu a partir da iniciativa de quatro consumidores que realizam a gestão da comunidade e se distribuem em dois grupos. Cada grupo conta com um produtor agrícola e um ponto de entrega localizado nos bairros de Laranjeiras e Humaitá, no estado do Rio de Janeiro. Cada agricultor oferece dois padrões de cesta de alimentos, mas de quantidades diferentes de alimentos. No ponto de entrega de Laranjeiras, os coprodutores podem optar entre receber uma cesta de 15 ou de oito itens. No ponto de entrega do bairro Humaitá, as duas modalidades de cestas têm oito itens, e o que varia é a quantidade (peso) dos alimentos. Os preços das cestas também variam em cada ponto de entrega e são definidos por acordo entre os gestores e os agricultores. O critério mais importante é que os valores sejam menores do que os praticados nas feiras tradicionais de produtos orgânicos para justificar todos os benefícios garantidos ao agricultor como membro fornecedor da comunidade. No valor final da cesta também é contabilizada uma taxa fixa de R$ 35,00, destinada a cobrir gastos estruturais, remunerar o trabalho dos gestores da comunidade, além de servir como fundo de emergência para os agricultores. No último levantamento da pesquisa, a mensalidade relativa ao recebimento das cestas era de R$ 250,00 e R$ 150,00.

As relações entre os diversos agentes e funções envolvidas na comunidade estão representadas no mapa de sistema da Figura 3. A organização do grupo fica por conta de um núcleo gestor, formado pelos quatro membros fundadores, além dos dois agricultores, que acumulam outras funções além do trabalho na horta. Algumas entidades externas, como a Rede Carioca de Agricultura Urbana (CAU) e a Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro (ABIO) também desempenham papéis importantes para a CSA (B).

Figura 3
Mapa de Sistema da CSA (B). Fonte: Elaborado pelo autor (2017).

O agricultor também é responsável pelas entregas. É ele o responsável por montar as cestas e transportá-las no dia seguinte até o ponto de entrega, permanecendo no local em companhia de um membro do núcleo gestor. Essa incumbência adicional dá ao agricultor e ao coprodutor a oportunidade semanal de se encontrarem pessoalmente, favorecendo a troca direta de experiências. O contato íntimo com o agricultor não ocorre para os coprodutores, que recebem as cestas em domicílio, entregues por um veículo fretado. Por outro lado, o agricultor fica impossibilitado de trabalhar na horta durante esse período. A CSA (B) também convida produtores que não fazem parte da comunidade a vender seus produtos alimentícios, produzidos artesanalmente, nos pontos de entrega. As cestas dos coprodutores são montadas com os alimentos colhidos no dia anterior ao da entrega e estão representadas no mapa de interações da Figura 4, dando início ao ciclo representado pelas etapas de trabalho (1 a 5).

  • 1) Dia anterior à entrega, o produtor realiza a montagem das cestas com o resultado da colheita da semana;

  • 2) de 4h às 8h da manhã, parte das cestas é entregue nos domicílios (para os coprodutores que fizeram essa opção) por um veículo fretado;

  • 3) o restante das cestas é transportado pelo próprio produtor até o ponto de entrega, onde são distribuídas aos coprodutores;

  • 4) os produtos que, por alguma razão, não foram entregues ao coprodutor são doados para os voluntários e para uma instituição de caridade ou revendidos em feiras livres;

  • 5) o caminhão recolhe as cestas vazias e as leva de volta à horta.

Figura 4
Mapa de Interações da CSA (B). Fonte: Elaborado pelo autor (2017).

c) Sustentabilidade

As especificidades que caracterizam a CSA (B) quanto à dimensão ambiental estão em linha com as práticas de instituições inseridas em um sistema alimentar sustentável. Apesar de não constituir uma exigência explícita da comunidade, suas duas propriedades agrícolas em funcionamento possuem o Certificado de Conformidade Orgânica de seus cultivos. Isso significa que os coprodutores têm a garantia legal de que os alimentos que circulam na comunidade são de fato produzidos seguindo todas as normas contidas na Lei de Orgânicos. As diretrizes em relação aos tipos de alimentos incluídos nas cestas não são específicas, apesar de se buscar o equilíbrio entre frutas, verduras e produtos alimentícios não convencionais, como raízes e temperos. As embalagens utilizadas no transporte dos alimentos até o ponto de entrega limitam-se às caixas reutilizáveis de polietileno de alta densidade. Não são utilizadas embalagens adicionais para proteger ou conservar os alimentos. Na época da pesquisa, utilizavam-se sacolas plásticas descartáveis para acondicionar os alimentos que seriam entregues em domicílio. No entanto, os gestores encontravam-se no processo de adquirir sacolas reutilizáveis de lona vinílica reciclada para diminuir os rejeitos produzidos no processo de entregas. A doação e revenda dos alimentos que não foram entregues ou coletados, além da oferta de tamanhos diferentes de cesta, reduzem a taxa de desperdício.

Foi possível observar sólida conexão entre o núcleo gestor e os agricultores nas práticas inseridas na dimensão social. Além de trabalharem juntos no processo das entregas, as decisões importantes como valor, conteúdo e tamanho das cestas também são tomadas em conjunto. Os alimentos que não foram coletados são doados a instituições de caridade ou vendidos em feiras livres. Os coprodutores, por outro lado, não são convidados a participar desse processo. No ponto de entrega do bairro Humaitá também foi verificado que muitos coprodutores não compareciam para buscar a própria cesta, preferindo enviar motoristas ou empregados no seu lugar. Esse detalhe evidencia certa fragilidade na dimensão social da CSA (B) (que é a dimensão que faz da CSA uma verdadeira comunidade), seja por falta de tempo, seja por falta de interesse dos membros coprodutores. Para aumentar a participação dos coprodutores, a CSA (B) organiza visitas às hortas, seminários e divulga notícias relacionadas ao mundo da alimentação saudável e receitas com ingredientes presentes nas cestas.

Na dimensão econômica, verifica-se que na CSA (B) os produtos são comercializados diretamente, com preço justo entre os agricultores e os coprodutores, sem intermediação financeira. Também é incentivada a comercialização de outros produtos locais artesanais, nos pontos de entrega, como maneira de incrementar as opções dos coprodutores e fomentar a economia local. Existe um fundo de emergência, para atender imprevistos do trabalho na horta.

d) Tecnologia e design da comunicação

Para o gestor entrevistado, a tecnologia utilizada pela comunidade é essencial para as práticas de comunicação interna e externa da CSA (B). O website da comunidade, além de funcionar como ferramenta de comunicação, também possui uma plataforma de acesso restrito ao núcleo gestor, criada ad hoc por um dos membros para o controle das finanças e das entregas.

Internamente, é veiculado um informativo periódico (newsletters) enviado por e-mail aos membros por meio de uma plataforma on-line de gestão para marketing. O gestor entrevistado relatou que, a partir do momento em que a comunidade passou a usar essa ferramenta, o engajamento das pessoas em relação ao conteúdo dos newsletters diminuiu, especulando que talvez os e-mails tivessem passado a ser identificados como indesejados pela caixa de entrada dos destinatários. Por esse motivo, um aplicativo de mensagens é o meio de comunicação principal para informar os coprodutores sobre abertura e fechamento das entregas e conteúdo da cesta da semana.

O único elemento que compõe a identidade da CSA (B) é seu próprio logotipo, composto de uma tipografia de traços irregulares, emulando um desenho manual, e um ícone representando a junção entre um garfo e uma planta, que substitui uma das letras. O logotipo aparece no website da comunidade em página de mídia social e em alguns informativos impressos encontrados no ponto de entrega.

Discussão dos resultados

A discussão é estruturada de modo a destacar as possíveis intervenções a serem realizadas por meio de processos de design. São analisadas a caracterização das CSAs, os aspectos de sustentabilidade, de tecnologia e design de comunicação, a partir das quais são identificados os desafios enfrentados pelas CSAs observadas, particularmente aqueles relacionados ao envolvimento de seus membros. Em seguida, são feitas propostas de abordagens para superação desses desafios em três frentes: ampliação da visibilidade da CSA e engajamento dos membros, inovação por meio da tecnologia e concepção de novas maneiras de operar.

Caracterização das CSAs

Para caracterizar diferentes manifestações de CSAs, a literatura pesquisada faz referência ao grau de envolvimento dos seus membros (Feagan & Henderson, 2009Feagan, R., & Henderson, A. (2009). Devon Acres CSA: local struggles in a global food system. Agriculture and Human Values, (26), 203-217.; Pole & Gray, 2012Pole, A., & Gray, M. (2012). Farming alone? What’s up with the “C” in community supported agriculture. Agriculture and Human Values, [s.l.], 30(1), 85-100.). O nível de participação e colaboração entre os diversos atores determina não só os processos pelos quais a comunidade funciona, mas também o quanto ela se distancia de uma dinâmica convencional de compra e venda de alimentos, fortalece os laços que a mantêm em atividade e a fazem prosperar. Ao inserir as principais modalidades de participação em um mapa de envolvimento do participante (Figura 5), pode-se identificar facilmente quais são as atividades que requerem menor ou maior grau de envolvimento e colaboração entre os membros das comunidades.

Figura 5
Mapa de envolvimento do participante. Fonte: Adaptado de Manzini (2015Manzini, E. (2015). Design, When everybody designs: An introduction to design for social innovation. Cambridge: MIT Press., p. 107).

As duas CSAs se enquadram no tocante ao recebimento dos alimentos (quadrante a), ressaltando-se que é a atividade que requer o menor esforço dos membros coprodutores das CSAs, principalmente no caso das entregas em domicílio. Nos itens descritos no quadrante b, observa-se que nas duas CSAs os gestores colaboram entre si para realizar as atividades de cogestão. As atividades descritas no quadrante c, planejamento da produção, a entrega das cestas e as visitas à horta são as de maior grau de intensidade e colaboratividade em ambas as CSAs. As atividades listadas no quadrante d são as proativas, realizadas individualmente ou em menor grau de colaboração e estão presentes nas duas CSAs.

As atividades que diferenciam as CSAs, como modelo de PSS, de outros PSS são justamente aquelas em que as pessoas se encontram e se conectam mediante colaboração em prol de um objetivo comum, criando empatia e fortalecendo os laços da comunidade. Nota-se que isso ocorre nas duas CSAs.

A responsabilidade por realizar algumas dessas atividades, contudo, varia em cada CSA. A Figura 6 mostra quais atividades são realizadas por cada um dos principais papéis (coprodutores, agricultores e gestores) desempenhados pelos membros da CSA (A) e CSA (B). A maior parte das atividades é de responsabilidade de papéis comuns nas duas CSAs, mas existem diferenças importantes. A entrega das cestas na CSA (A), por exemplo, é conduzida somente por alguns membros do grupo gestor, enquanto na CSA (B) o agricultor é responsável por boa parte do processo.

Figura 6
Atividades realizadas pelos membros de cada CSA investigada. Fonte: Elaborado pelo autor (2017).

Para distinguir as CSAs, além da identificação dos encontros possibilitados pelo desempenho de suas diversas funções colaborativas, é preciso levar em consideração a qualidade desses encontros. No caso da CSA de ambas as CSAs, foi identificada mais centralização nas atividades de gestão. Para Feagan & Henderson (2009Feagan, R., & Henderson, A. (2009). Devon Acres CSA: local struggles in a global food system. Agriculture and Human Values, (26), 203-217.), quanto maior a qualidade e as interações internas, em termos de tempo dedicado e laços sociais criados, mais forte e consistente se torna a CSA. De que maneira seria possível aumentar o número e a qualidade das relações internas às CSAs? O design possui as ferramentas teóricas e práticas para fazer com que as pessoas interajam de maneira mais intensa e positiva? O comportamento das pessoas não pode ser projetado, mas é possível criar condições para fazer com que algumas maneiras de se relacionar sejam mais prováveis do que outras (Mager, 2008Mager, B. (2008). Service Design. In: M. Erlhoff, & T. Marshall (Ed.). Design dictionary: perspectives on design terminology. Boston: Birkhauser (p. 354-357).).

Aspectos de sustentabilidade

O modo de operar das CSA (A) e CSA (B) corrobora com os argumentos apresentados na revisão da literatura, que sugerem as CSAs como um modelo promissor de distribuição e comercialização de alimentos, além dos ganhos intrínsecos ao modo de operar das CSAs, como o encurtamento das distâncias entre produtor e consumidor e conseguinte diminuição da sua pegada de carbono. Foram identificadas na Tabela 3 as seguintes práticas ambientalmente positivas nas duas CSAs:

Tabela 3
Aspecto de Sustentabilidade

Também foram identificados aspectos de sustentabilidade econômica diferenciados em ambas as CSAs, conforme mostrado na Tabela 4.

Tabela 4
Dimensão econômica diferenciada

Apenas uma das práticas observadas contribui simultaneamente para as três dimensões de sustentabilidade: a formalização das atividades permite que as CSAs se fortaleçam institucionalmente e adotem práticas de transparência administrativa, regulamentação dos cultivos e participem de programas de políticas públicas e editais de preservação e recuperação ambiental.

Seria interessante que as CSAs adotassem práticas já utilizadas em outras CSAs que contribuem para a sustentabilidade na dimensão ambiental, social e econômica (Tabela 5).

Tabela 5
Prática de sustentabilidade adotadas em outras CSAs

Tecnologia e design da comunicação

A tecnologia dá suporte a grande parte das atividades das CSAs estudadas, o que torna possível gerir mais facilmente essas comunidades. Segundo Manzini (2015Manzini, E. (2015). Design, When everybody designs: An introduction to design for social innovation. Cambridge: MIT Press.), não é possível separar a inovação social da inovação tecnológica. Analogamente à função de mediadores culturais, os designers exercem o papel de mediadores tecnológicos, selecionando e implementando as tecnologias já existentes que melhor se adaptem às necessidades das CSAs. Nas CSAs estudadas verifica-se o uso de ferramentas digitais para aumentar o engajamento e a participação dos membros (Tabela 6).

Tabela 6
Tecnologia e design da informação nas CSAs

Propostas de melhoria

Amplificando visibilidade e engajamento

A literatura em PSS também registra a possibilidade de criar os pré-requisitos para que determinadas relações em um grupo de indivíduos aconteçam, assim como é possível produzir ações e emoções em um usuário por meio das qualidades de um produto físico.

O grande desafio das duas CSAs observadas é expandir a comunidade, oferecendo os benefícios de alimentos saudáveis e locais a maior número de pessoas e, ao mesmo tempo, renovar continuamente os laços de confiança que a tornaram possível inicialmente. Uma das estratégias de design que poderiam ser implementadas para abordar esse problema é difundir informação de maneira eficaz, honesta e transparente para que fique claro aos membros como a CSA é organizada e quem é responsável pelo quê. O objetivo é tornar visível e claro, por intermédio dos artefatos de comunicação adequados, o que geralmente não é imediatamente transparente aos membros não gestores das CSAs: planilhas financeiras, tabelas, perfil dos indivíduos envolvidos, etc.

Criar e contar as histórias, ou storytelling, é uma prática milenar reapropriada por designers para informar, criar empatia, comunicar saberes, valores e ideias complexas para os mais diversos tipos de audiência. É importante que essa prática seja estendida a todos os membros, justamente para aumentar o grau de envolvimento da comunidade em atividades colaborativas. O papel dos designers seria, nesse caso, dar suporte técnico - produzindo imagens, diagramando textos, editando vídeos - e cultural, propondo conteúdos sensíveis a questões de sustentabilidade, divulgando o valor do storytelling como ferramenta de criação de engajamento e promovendo novas maneiras de utilizá-la. As mesmas histórias criadas para fortalecer os laços da comunidade também podem ser utilizadas para divulgá-la localmente e atrair novos membros. Designers podem colaborar para selecionar e editar o material produzido pela comunidade para que seja publicado nas plataformas digitais e analógicas mais adequadas. O diálogo constante com a sociedade civil, mediante as histórias contadas pelos membros das CSAs, ainda pode favorecer a participação da comunidade em programas de políticas públicas, além de editais voltados para o fomento da agricultura familiar local e outros projetos sociais. Para que histórias sejam associadas ao trabalho das CSAs, assim como para qualquer outro tipo de organização ou empreendimento, é oportuno que haja um sistema de identidade visual que o identifique, ou seja, um conjunto de elementos visuais, expressões verbais e imagéticas que a associação utiliza para interagir tanto com seus membros internos quanto com o público em geral.

Inovando por meio da tecnologia

Inovações em Sistema Produto-Serviço sustentáveis PSS envolvendo a diluição das tradicionais fronteiras que separam as relações de produção e consumo (também reconhecidas como inovações sociais) são fortemente impulsionadas pelos avanços tecnológicos, em especial no campo da comunicação móvel wifi. O que possibilita a existência das CSAs em sua forma atual é a incorporação de plataformas de comunicação e gestão de uso livre e amplamente difundidas, tais como: aplicativos de mensagens em tempo real; ferramentas de edição e compartilhamento em tempo real de documentos, planilhas, formulários e questionários; transferência de dinheiro entre contas, etc.

Analogamente à função de mediadores culturais, os designers poderiam exercer o papel de mediadores tecnológicos, selecionando e implementando as tecnologias já existentes que melhor se adaptem às necessidades das CSAs. Profissionais especializados em design de interação poderiam ainda agregar diversas funções em uma única aplicação digital, customizada especificamente para as necessidades das comunidades. As possibilidades são muitas e podem levar a mudanças drásticas no modo de operar das CSAs. Daí a importância de um profissional capaz de selecionar funções que tornem as comunidades mais acessíveis e efetivas: reduzindo o esforço pessoal necessário para a participação dos membros e aumentando os benefícios que eles venham a receber por participarem mais ativamente.

Concebendo novas maneiras de operar

No processo de funcionamento das CSAs, ou seja, a maneira específica como é realizada a distribuição periódica dos alimentos, tanto as pesquisas em design para PSS quanto estudos específicos sobre as CSAs indicam que o modo de operar de determinada CSA está condicionado às especificidades do contexto em que ela está inserida. Foram observadas diferenças ligadas a escolhas estratégicas de cada comunidade observada, como número de agricultores, número de pontos de entrega disponibilizados, modelos de gestão e funções dos coprodutores e agricultores. Nos casos em que estão envolvidos dois e três agricultores, respectivamente, os coprodutores são distribuídos em grupos, e cada grupo recebe os alimentos de determinado agricultor. Em outras palavras, os coprodutores não recebem a mesma qualidade e variedade de alimentos, mesmo participando da mesma comunidade. Além disso, os eventos nas hortas também são realizados separadamente para cada grupo. Dessa forma, para todos os efeitos, criam-se comunidades dentro de comunidades. Para eliminar essa divisão estrutural e promover melhor identificação (real e simbólica) entre os membros, as CSAs com mais de um agricultor poderiam adotar uma de duas estratégias:

  • a) Realizar revezamento entre os grupos internos da comunidade de modo que a cada semana um grupo receba os alimentos cultivados por um agricultor diferente;

  • b) alterar a logística de distribuição dos alimentos de modo que todos os coprodutores recebam, a cada semana, uma combinação de alimentos cultivados por todos os agricultores. Para tanto, os alimentos colhidos pelos agricultores poderiam ser distribuídos a granel em todos os pontos de entrega e a função da montagem das cestas poderia ser atribuída aos coprodutores de modo que cada um fosse responsável pela própria cota de alimentos.

Essa última solução traria consigo benefícios para o agricultor, ficando este isento do trabalho da montagem das cestas; para o coprodutor, que passaria a receber uma variedade maior de alimentos a cada semana; e para a comunidade como um todo, uma vez que maior envolvimento ativo dos coprodutores no processo de entrega dos alimentos poderia fortalecer os laços de confiança que caracterizam as CSAs como tais. Além disso, seria possível introduzir, na cesta, alimentos beneficiados por outros tipos de produtores, como pães, mel e conservas, em vez de vendê-los separadamente no ponto de entrega, como faz a CSA (B).

Considerações Finais

A aplicação das teorias de design para Sistema Produto-Serviço sustentável mostrou-se útil tanto para caracterizar as Comunidades que Sustentam a Agricultura (CSAs) em relação a outros modelos de distribuição e comercialização de alimentos, quanto para indicar possíveis abordagens de design que pudessem ser úteis para investigá-las. As ferramentas de descrição visual propostas como metodologia para o design de PSS também se prestaram ao objetivo de auxiliar na compreensão e comparação dos estudos de caso, de maneira sintética, mas rica em detalhes, bem como de levantar novas hipóteses para o aprimoramento dos processos das CSAs. Apesar disso, os conceitos e as ferramentas de PSS não são suficientes para descrever a qualidade híbrida das interações que ocorrem dentro das comunidades. Ainda que os exemplos mais voltados para o mercado, em que os consumidores desempenhem papel mais passivo, possam ser entendidos como um modelo de PSS, aqueles em que os consumidores exerçam um papel ativo, isto é, de coprodução, requerem outros conceitos e ferramentas visuais que ajudem a descrevê-los. Isso se deve ao fato de que, neste último caso, as fronteiras entre produção, gestão e consumo se diluem, superando as dinâmicas descritas por PSS, em que as funções são mais bem definidas. Para suprir essa lacuna, podem ser utilizados princípios propostos pela literatura relacionada à inovação social, mais especificamente aqueles que descrevem os aspectos colaborativos das comunidades.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Coordenação para o Melhoramento do Pessoal de Educação Superior (CAPES), à Fundação de Apoio à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por patrocinarem este estudo.

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Editor:

Fábio Duarte

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    26 Nov 2018
  • Aceito
    16 Jul 2019
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