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De volta à Europa: Rememorar as revoluções de 1989 trinta anos depois, Praga e Budapeste

Returning to Europe: Remembering the 1989 Revolutions Thirty Years Later, Prague and Budapest

Resumo

Este artigo propõe analisar as comemorações, em 2019, dos 30 anos das revoluções de 1989 na Europa Central, responsáveis pela queda dos regimes comunistas na região. Para tanto, tomarei como objeto e fonte duas exposições em cartaz naquele ano: a exposição fotográfica 1989 - Pád železné opony (1989 - The Fall of the Iron Curtain), organizada em Praga, na República Tcheca; e a mostra de pôsteres ‘89 ‘90 - 30 Éve Szabadon (‘89 ‘90 - 30 Years of Freedom), em Budapeste, Hungria. A partir do estudo comparado das duas exposições, bem como da análise dos processos políticos que marcaram a transição democrática na República Tcheca e na Hungria nos últimos trinta anos, pretende-se compreender como as narrativas em torno das revoluções de 1989 vêm-se estruturando na região em um momento de crise democrática e ascensão das direitas conservadoras. Ao mesmo tempo, o artigo considera a memória em torno das revoluções de 1989 a partir do ponto de vista do chamado “retorno à Europa” dos países do antigo bloco comunista.

Palavras-chave:
Revoluções de 1989; Europa Central; memória

Abstract

This article aims to analyze the 2019 celebrations of the 30th anniversary of the 1989 revolutions in Central Europe, responsible for the fall of communist regimes in the region. I will do so by taking two exhibitions that were on display that year as object and source of analysis: the photographic exhibition 1989 - Pád železné opony (1989 - The Fall of the Iron Curtain), organized in Prague, Czech Republic; and the ‘89 ‘90 - 30 Éve Szabadon (‘89 ‘90 - 30 Years of Freedom) poster exhibition in Budapest, Hungary. Through the comparative study of the two exhibitions and the analysis of the political processes that marked the democratic transition in the Czech Republic and Hungary, the intention is to understand how the narratives around the 1989 revolutions have been structured in the region in the current context of democratic crisis and the rise of the conservative right. At the same time, the article considers the memory around the 1989 revolutions from the point of view of the so-called “return to Europe” of the countries of the former communist bloc.

Keywords:
1989 Revolutions; Central Europe; Memory

Entre 30 de maio e 30 de novembro de 2019, as multidões de turistas que visitavam o Castelo de Praga, na República Tcheca, deparavam-se, logo na entrada, com uma série de cartazes anunciando a exposição fotográfica 1989 - Pád železné opony (1989 - The Fall of the Iron Curtain).1 1 Será utilizado como fonte um dos catálogos da exposição, publicado, simultaneamente em tcheco e inglês. Os que se dispunham a chegar ao Palácio de Verão da Rainha Anne e ao Jardim Real, localizados dentro do complexo do Castelo, encontravam-nos tomados por fotografias que narravam os acontecimentos de 1989 na então Tchecoslováquia e em outros países do bloco socialista, como Polônia, República Democrática da Alemanha (RDA), Hungria, Bulgária e Romênia. A exposição contava com patrocínio da presidência da República e da administração do Castelo de Praga e possuía curadoria do fotógrafo tcheco Jaroslav Kučera, do eslovaco Dušan Veselý e da crítica e editora de arte Daniela Mrázková. Reuniu trabalhos de cerca de 70 fotógrafos tchecos e eslovacos, além de outros 25 dos demais países contemplados pela mostra, com o objetivo de celebrar o trigésimo aniversário das revoluções de 1989 que colocaram fim aos regimes comunistas na Europa Central e do Leste.

Pouco após a abertura da exposição fotográfica em Praga, no dia 19 de junho, em Budapeste, capital da Hungria, uma outra mostra, também com o objetivo de comemorar os 30 anos de 1989, passou a ocupar a calçada diante do famoso e controverso Museu Casa do Terror, na Avenida Andrassy. Composta por 13 pôsteres e intitulada ‘89 ‘90 - 30 Éve Szabadon (‘89 ‘90 - 30 Years of Freedom),2 2 Para o caso específico dessa exposição, não havia catálogo disponível. Ver: 30 YEARS of Freedom. In: House of Terror Museum. Disponível em: <https://www.terrorhaza.hu/en/idoszaki-kiallitasok/30-years-in-freedom-2>. Acesso em: 04 jul. 2021. a exposição trazia imagens de época, frases e trechos de discursos que teriam marcado a experiência do socialismo e sua queda na Hungria. A curadoria da mostra ficou a cargo de Gábor Tallai, diretor de programação do Museu Casa do Terror e Márton Békés, historiador e diretor de pesquisa do mesmo museu. A curadoria-chefe, no entanto, coube à historiadora Mária Schmidt, diretora geral do Museu Casa do Terror e conselheira-chefe do primeiro-­ministro Viktor Orbán desde o exercício de seu primeiro mandato, entre 1998 e 2002, e a partir de 2010, quando o partido conservador de direita Fidesz-União Cívica Húngara, de Orbán, voltou ao poder.

1989 tornou-se um marco fundamental para a história contemporânea e, particularmente, para os processos de construção da identidade europeia. Se, para Enzo Traverso (2012TRAVERSO, Enzo. La Historia como campo de batalla. Interpretar las violencias del siglo XX. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2012., p. 288), as revoluções francesa e russa descortinaram os horizontes que marcariam o início dos séculos XIX e XX, respectivamente, o século XXI, pelo menos em âmbito europeu, teria nascido em 1989, justamente em função do fim das utopias revolucionárias.

Sob esse aspecto, os eventos daquele ano emblemático - um annus mirabilis, segundo determinada leitura dos processos - tornaram-se elementos-chave que demarcariam o nascimento de uma nova Europa. 1989 marcava, de acordo com impressões muito disseminadas à época, uma espécie de “retorno dos acontecimentos, em meio às estruturas congeladas da Guerra Fria” (FRANÇOIS; SERRIER, 2012FRANÇOIS, Étienne; SERRIER, Thomas. Lieux de mémoire européens. Documentation photographique. Paris: La Documentation Française, 2012., p. 46). Para a Europa, 1989 tornou-se um lugar de memória incontornável, tendendo a prevalecer sobre o período narrativas que enfatizavam o triunfo dos valores liberais e democráticos - verdadeiramente europeus - contra o totalitarismo e a opressão; da sociedade civil organizada contra a ditadura. É nesse sentido que Étienne François e Thomas Serrier (2012) explicam que, nos processos de construção da Europa como uma “comunidade de memória”, 1989 constitui, juntamente com os mitos e representações em torno de Homero, Roma e a Primavera dos Povos de 1848, uma das “memórias felizes” unificadoras da identidade do continente.

Todavia, se a ideia de 1989 como o annus mirabilis da Europa tende a se constituir como imagem fundadora da memória sobre os eventos em grande parte do continente, por outro lado, a experiência de transição nesses países tem tornado a lembrança daquele ano algo mais complexo. Como assinalam Michael Bernhard e Jan Kubik (2014BERNHARD, Michael; KUBIK, Jan. A Theory of the Politics of Memory. In: BERNHARD, Michael; KUBIK, Jan (Ed.). Twenty Years After Communism. The Politics of Memory and Commemoration. Nova York: Oxford University Press, 2014., p. 8), mudanças radicais de regime, como aquelas experimentadas na Europa Central em 1989, não podem ser compreendidas apenas a partir da reconfiguração dos interesses econômicos, da redistribuição do poder político ou do reordenamento das relações sociais. Ao contrário, trata-se também, e em grande parte, de um processo difícil de reformulação das identidades coletivas.

Tais objetivos não podem ser realizados sem o reexame do passado e da memória histórica dos grupos sociais em questão. É nesse contexto, portanto, que as narrativas sobre 1989 ganham terreno, ao mesmo tempo incorporando e reagindo à mítica do annus mirabilis ou das “revoluções de veludo”.3 3 O termo se refere especificamente ao processo pacífico que levou à queda do comunismo na Tchecoslováquia, entre novembro e dezembro de 1989. Não obstante, por vezes ele aparece ampliado, referindo-se também aos eventos que resultaram na queda dos regimes comunistas na Polônia, na Hungria, na RDA, na Bulgária e, em alguma medida, também nos países bálticos. Busca, sob esse aspecto, enfatizar o caráter pacífico dos acontecimentos, à exceção, evidentemente, dos processos que resultaram no fim dos regimes comunistas na Romênia e na antiga Iugoslávia, marcados por intensa violência e que, no último caso, desembocou em uma longa guerra. Assim, a lembrança sobre 1989 na Europa Central tem-se constituído em um campo conflituoso de disputas. Para melhor compreender essa memória, é preciso levar em consideração a complexidade dos processos de transição política, a pluralidade dos atores sociais envolvidos, bem como os movimentos pendulares entre a reivindicação das identidades nacionais e europeia que marcam a história desses países.

Este artigo analisa o trigésimo aniversário das revoluções de 1989 considerando-o, simultaneamente, a partir das narrativas europeias sobre os eventos e das disputas internas nos países que os protagonizaram. Para tanto, concentrarei minhas reflexões em dois estudos de caso: a República Tcheca e a Hungria e, de modo ainda mais específico, nas duas exposições referidas anteriormente.

Os dois eventos guardam mais diferenças que semelhanças. Mas, talvez justamente em função disso, possam ser compreendidos como expressões complexas dos processos a partir dos quais as lembranças das revoluções de 1989, por vezes difíceis de serem assimiladas, são tomadas em âmbito nacional e regional. Assim, a partir do discurso elaborado por cada exposição, podemos observar as construções das memórias nacionais sobre um acontecimento que, segundo o historiador britânico Timothy Garton Ash (2009)ASH, Timothy Garton. ‘1989!’. The New York Review of Books, v. 56, n. 17, s.p., 2009., foi, desde o início, um evento internacional. E não apenas no âmbito das relações diplomáticas entre os Estados, mas também no das interações entre as sociedades através das fronteiras. Assim, o estudo comparado das duas exposições permite compreender como as representações da Europa cosmopolita, livre e democrática - comuns nas elaborações sobre 1989 - se articulam às aspirações, desejos e demandas nacionais em um momento de profunda inflexão para a região e para o continente europeu.

De fato, ao longo dos últimos anos, o crescimento das extremas direitas e de partidos ditos populistas4 4 Sobre o debate em torno do conceito de populismo empregado para determinados grupos e partidos de direita na Europa, ver Wieviorka (2013); Rosanvallon (2020). na região, o aumento da xenofobia - que a crise migratória recente escancarou - e os impactos da crise econômica de 2008 tiveram efeito importante na confiança das populações em relação às instituições democráticas. É o que demonstra o relatório States of Change: Attitudes in East and Central Europe 30 Years after the Fall of the Berlin Wall, publicado pela Open Society Foundation. De acordo com o estudo, em 2019, o aniversário das revoluções de 1989 ocorreu em meio a uma profunda crise de confiança na democracia e suas instituições. Conquanto o relatório enfatize que esse não era um problema restrito aos países da Europa Central e do Leste, mas de todo o continente, suas análises concentram-se naquela região em específico, onde observaram que “os valores liberais que efetivamente derrotaram o comunismo estão sob ameaça do populismo crescente e a desconfiança em relação às principais instituições tem crescido”5 5 Trad. livre da autora: “The liberal values that effectively vanquished Communism have come under threat from rising populism, and distrust of major institutions has grown”. (BUI-WRZOSIOŃSKA, 2019BUI-WRZOSIOŃSKA, Lan. States of Change. Attitudes in East and Central Europe 30 Years after the Fall of the Berlin Wall. Nova York: Open Society Foundations, 2019., p. 2).

Cada uma a seu modo, as exposições que serão analisadas retratam essa crise. Por um lado, demonstrando o aumento da desconfiança com relação às instituições, partidos e figuras públicas que ascenderam durante o processo de transição democrática, estiveram à frente das reformas neoliberais e, em alguns casos, ainda dominam a cena política de seus países. Ou, por outro, apontando para a construção de novas narrativas, condizentes com o triunfo de governos conservadores de direita. É preciso destacar, no entanto, que os aniversários dos eventos de 1989 sempre demarcaram as disputas em torno da data e, sobretudo, refletiram as dificuldades dos processos de transição na região.

Se tomarmos o caso tcheco, por exemplo, já no aniversário de dez anos da Revolução de Veludo, em 1999, estudiosos chamaram a atenção para a falta de interesse em lidar com os eventos por parte do governo e da população de maneira mais ampla. Segundo Deanna Wooley (2006)WOOLEY, Deanna Gayle. Ten Years Later: Defining and Redefining the “Velvet Revolution” in Czechoslovakia. In: 7TH ANNUAL INTERNATIONAL POSTGRADUATE CONFERENCE SCHOOL OF SLAVONIC AND EAST EUROPEAN STUDIES, 2006, London. Proceedings... London: University College London, 2006. Disponível em: <http://www.homepages.ucl.ac.uk/~tjmsesm/abstracts/AbstractsD2_1.htm>. Acesso em: 19 jan. 2021.
http://www.homepages.ucl.ac.uk/~tjmsesm/...
, a visível apatia podia ser atribuída às decepções diante do processo de transição e ao relacionamento problemático entre sociedade e dissidentes anticomunistas, então no governo. Era o caso do ex-primeiro-ministro Václav Klaus (1993-1997), importante liderança das reformas neoliberais da década de 1990, e de Miloš Zeman, que ocupou o cargo de primeiro-ministro entre 1998 e 2002.6 6 Zeman, à época primeiro-ministro pelo Partido Social-Democrata Tcheco (ČSSD), hoje exerce o segundo mandato como presidente da República pelo Partido dos Direitos do Cidadão (SPOZ), o qual fundou em 2009. O novo partido surgiu em um contexto de crise de representatividade daqueles que se configuraram como os principais partidos políticos tchecos desde o processo de transição: o Partido Cívico Democrático (ODS) e o próprio ČSSD. O SPOZ propunha como diretrizes fundamentais o combate à corrupção, a crítica às elites políticas tradicionais e a ênfase na defesa da democracia direta. Seu primeiro mandato se iniciou em 2012. Foi nesse mesmo momento, e a partir de propostas muito similares, que Andrej Babiš, empresário de origem eslovaca estabelecido na República Tcheca, fundou em 2011 o partido ANO 2011 (“Sim 2011”), o qual tornou-se rapidamente a principal força eleitoral do país e fez de Babiš ministro das finanças e depois, desde 2017, primeiro-ministro do país. Ver: GROSZKOWSKI, Jakub. The Crisis of Traditional Parties in the Czech Republic. Centre for Eastern Studies, 09 out. 2013. Disponível em: < https://www.osw.waw.pl/en/publikacje/analyses/2013-10-09/crisis-traditional-parties-czech-republic >; CURRICULUM Vitae. Personal Pages of the President of the Czech Republic. In: Prague Castle. President of the CR. Disponível em: < https://www.hrad.cz/en/president-of-the-cr/current-president-of-the-cr/curriculum-vitae > e ANDREJ Babiš. In: Government of the Czech Republic. Disponível em: <https://www.vlada.cz/en/clenove-vlady/premier/zivotopis/andrej-babis-162072/>. Acessos em: 28 jul. 2021. Não deixa de ser sintomático que o movimento de maior expressão surgido em 1999 se intitulasse “Obrigado, agora vá embora”. Ex-estudantes de 1989, agora à frente das manifestações, acusavam os principais partidos políticos ativos nos anos 1990 e suas lideranças de corrupção e de obstruírem os caminhos do país rumo à democracia e à Europa (WOOLEY, citado por PEARCE, 2011PEARCE, Susan C. Delete, Restart, or Rewind? Post-1989 Public Memory Work in East-Central Europe. Sociology Compass, v. 5, n. 4, p. 256-272, 2011., p. 257). Não obstante, mesmo em contextos de profundo desgaste, estudiosos chamam a atenção para o fato de que a narrativa fundacional sobre 1989, centrada no espírito de unidade, força e reconciliação que teria prevalecido naquele momento entre tchecos e eslovacos, continua existindo e convivendo com esta outra versão, a do “mito da revolução traída” (KRAPFL, citado por PEARCE, 2011PEARCE, Susan C. Delete, Restart, or Rewind? Post-1989 Public Memory Work in East-Central Europe. Sociology Compass, v. 5, n. 4, p. 256-272, 2011., p. 257).

Sob esse aspecto, a República Tcheca não é um caso isolado. Na Hungria, por exemplo, as comemorações dos 20 anos de 1989, em 2009, foram marcadas por um intenso processo de polarização política diante do desgaste do Partido Socialista Húngaro (MSZP), então no poder. Anna Seleny (2014)SELENY, Anna. Revolutionary Road. 1956 and the Fracturing of Hungarian Historical Memory. In: BERNHARD, Michael; KUBIK, Jan (Ed.). Twenty Years after Communism. The Politics of Memory and Commemoration. Nova York: Oxford University Press, 2014. p. 37-59. usou a expressão “memória fraturada” para compreender os processos de disputas e conflitos entre esquerdas e direitas que marcaram as comemorações daquele ano.

De um modo geral, as últimas três décadas são caracterizadas na região pela pluralidade de narrativas e memórias construídas em torno de 1989. Não foi diferente em 2019, embora o contexto mais recente guarde certas singularidades que certamente interferiram nas formas de refletir sobre o passado. Especificamente sobre o caso das duas exposições, é interessante observar que, se existem elementos em comum entre ambas - por exemplo, a articulação entre os processos nacionais e os europeus -, as duas propostas são bastante distintas entre si. Tais diferenças dizem respeito a aspectos como as concepções dos projetos e das narrativas propostas, bem como ao tipo de conteúdo exibido e à forma como cada uma ocupou o espaço aos quais foram destinadas. Evidentemente, as maneiras a partir das quais cada país experimentou os processos de transição, os jogos políticos, o contexto social e as formas como se estabelecem as batalhas de memória também impõem ritmos distintos às narrativas sobre o passado. As mostras possuíam em comum o objetivo de narrar as revoluções de 1989 em seus respectivos países e na região. No entanto, tudo o mais as diferencia, em termos de forma e de conteúdo.

A exposição de Praga, 1989 - The Fall of the Iron Curtain, constituiu uma ampla mostra fotográfica, a qual, embora com ênfase nos processos da Tchecoslováquia, reuniu trabalhos de profissionais de diversos países. A proposta era tomar as fotografias como testemunhos históricos sobre um evento que parecia, segundo os curadores, interessar cada vez menos às novas gerações. Assim, a exposição dava destaque ao “testemunho autêntico” de quem viveu os acontecimentos de trinta anos atrás, mas tinha como objetivo, ao mesmo tempo, “lembrar às testemunhas o quão emocionante foram os eventos” e “aproximar as jovens gerações dos dramáticos acontecimentos da época”.7 7 Trad. livre da autora: “Pamětníkům výstava připomene emotivní chvíle, kterých byli očitými svědky, příslušníkům mladších generací přiblíží dramatické události bezprostředněji, než to dokážou strohé učebnice dějepisu”. 1989 pád zelezné opony. In: Kudyznudy.cz. CzechTourism. Disponível em: <https://www.kudyznudy.cz/akce/1989-pad-zelezne-opony>. Acesso em: 27 jul. 2021.

Segundo o fotógrafo Jaroslav Kučera, um dos curadores da exibição, o objetivo era realizar uma mostra que explorasse a visão dos participantes dos acontecimentos de 1989, indo além das imagens comumente publicadas sobre a Revolução de Veludo. Kučera caracterizou a mostra como “a maior exposição fotográfica sobre os eventos de 1989”8 8 Trad. livre da autora: “největší výstavu fotografií o listopadových událostech roku 1989”. já realizada na República Tcheca.9 9 PÁD Železné Opony. In: Jaroslav Kucera. Disponível em: <http://www.jaroslavkucera.com/cs/aktuality/61-aktuality/365-pad-elezne-opony-305-30112019.html>. Acesso em: 27 jul. 2021. Ao longo de um ano, ele e seus colegas buscaram reunir imagens que retratavam as manifestações em Praga e Bratislava, mas também em pequenas cidades e vilarejos da então Tchecoslováquia. Esse, inclusive, foi considerado um dos aspectos mais interessantes da exposição: ir além das grandes cidades tchecas e eslovacas e mostrar o dia a dia das manifestações e processos de organização da sociedade civil em outras localidades.10 10 “Tak se hroutila železná opona. Na Hradě začíná výstava unikátních fotek z roku 1989”. Trad. livre da autora: “Então a cortina de ferro desabou. Uma exposição de fotos únicas de 1989 começa no Castelo”. VOCELKA, Tomaš. Tak se hroutila železná opona. Na Hradě začíná výstava unikátních fotek z roku 1989. Aktuálně, 29 maio 2019. Disponível em: <https://magazin.aktualne.cz/foto/pad-zelezne-opony-vystava-fotek-k-roku-1989-na-hrade/r~224292b6814511e9ab10ac1f6b220ee8/>. Acesso em: 09 jul. 2021.

Em 2009, por ocasião do vigésimo aniversário de 1989, Timothy Ash constatava a predominância de trabalhos concentrados nas lideranças dos movimentos e no Estado. O autor alertava para a importância de os historiadores compreenderem as revoluções daquele período a partir de baixo, voltando-se para as dinâmicas dos protestos populares e para as motivações das multidões, “a um só tempo inspiradoras e misteriosas”, que tomaram as ruas da Europa Central em 1989 (ASH, 2009ASH, Timothy Garton. ‘1989!’. The New York Review of Books, v. 56, n. 17, s.p., 2009.). É esse o sentido que toma o estudo de James Krapfl sobre o caso tchecos­lovaco. Krapfl sublinha o fato de que a maior parte das análises em torno da Revolução de Veludo tende a se concentrar nos acontecimentos de Praga, raramente ultrapassando os limites da capital para investigar outras cidades importantes, como Bratislava, capital da Eslováquia, e Brno, segunda maior cidade da República Tcheca e antiga capital da região da Morávia. Para o autor, compreender o significado da revolução passa pelo entendimento de que ela não representou o mesmo, por exemplo, para tchecos e eslovacos, e não foi, também, observada da mesma forma nas grandes cidades e no interior do país (KRAPFL, 2013KRAPFL, James. Revolution with a Human Face: Politics, Culture and Community in Czechoslovakia, 1989-1992. Ithaca; Londres: Cornell University Press, 2013., p. 5). O historiador destaca, em especial, que a maior parte das análises sobre o período acabaram marginalizando, quando não ignorando, o principal ator dos eventos: os cidadãos tchecoslovacos. Krapfl propõe compreender o processo revolucionário a partir de baixo, da forma como foi experimentado pela sociedade e, principalmente, propõe compreender como os cidadãos atribuíram significado ao processo que viviam (KRAPFL, 2013KRAPFL, James. Revolution with a Human Face: Politics, Culture and Community in Czechoslovakia, 1989-1992. Ithaca; Londres: Cornell University Press, 2013.).

De certa maneira, é essa também a proposta dos curadores da exposição fotográfica do Castelo de Praga: recuperar a revolução a partir de baixo, como foi vivida e sentida pelos cidadãos. Não obstante a presença das lideranças políticas - tchecas, eslovacas e dos demais países representados na mostra - e das forças da repressão do Estado, são as pessoas nas ruas que se destacam, suas atitudes, seus sentimentos. Essa, inclusive, parece ser uma marca do próprio trabalho de Kučera o qual, na definição de Daniela Mrázková, é “atraído como um imã” por tudo o que diz respeito à “experiência da vida comum”.11 11 Trad. livre da autora: “Neboť Jaroslav Kučera je jako magnetem přitahován právě k tomu, co je běžné životní zkušenosti skryto”. MRÁZKOVÁ, Daniela. Jaroslav Kučera - Fotograf. In: Art Forum. Disponível em: <http://www.gallery.cz/gallery/cz/jaroslav-kucera-vystava.html>. Acesso em: 27 jul. 2021.

Figura 1
KUČERA, Jaroslav. No monumento a São Venceslau. Praga, novembro de 1989

Figura 2
ŠTREIT, Jindřich. Os Aldeões que vivem perto de Bruntal juntam-se à greve

A seleção das mais de 480 fotografias que compuseram a mostra - como as duas em destaque acima - caminha, em grande parte, neste sentido: recuperar a experiência das ruas, enfatizando o protagonismo da sociedade civil. Mas, se o elemento decisivo em 1989 foram as multidões anônimas, organizando-se, a presença dos dissidentes que lideraram o processo não poderia ser minimizada, sobretudo na Tchecoslováquia, onde, entre novembro e dezembro, as multidões gritavam nas ruas Havel na hrad! - Havel no Castelo!

Assim, às imagens das multidões reunidas nas ruas, somavam-se outras que destacavam importantes lideranças, como o dramaturgo e dissidente político Václav Havel. Interessante notar também a presença de Alexander Dubček, o antigo líder comunista eslovaco que, em janeiro de 1968, tornou-se secretário-geral do Partido Comunista da Tchecoslováquia (KSČ) e deu início a um processo de reformas no quadro do que ficou conhecido como “socialismo de face humana”. A Primavera de Praga durou pouco, terminando em agosto de 1968, com a invasão dos tanques soviéticos. Mas as referências a Dubček - tanto em 1989, como em 2019 - eram importantes. As imagens selecionadas para a exposição o captavam ora ao lado de Havel, ora diante da multidão. Como se a primavera interrompida em 1968 tivesse, finalmente, voltado a apresentar suas flores entre o outono e o inverno de 1989.

Figura 3
KUČERA, Jaroslav. Escritor e dissidente Václav Havel abraça Alexander Dubček, icônica figura da Primavera de Praga em 1968

Figura 4
ZAJÍC, Miroslav. Alexsander Dubček, figura simbólica da Primavera de Praga em 1968, de novo na Praça Venceslau

Em particular, a associação entre 1968, 1989 e 2019 parecia confirmar a ideia, recorrente no país, de que a democracia era uma espécie de destino manifesto da República Tcheca, apesar dos eventuais desvios que se impuseram pelo caminho ao longo dos tempos. Era preciso, apenas, que o povo tcheco estivesse atento, ativo, nas ruas. Em 2019, as coisas não pareciam diferentes: assim como em 1968 e 1989, havia obstáculos. Mas também, como em 1968 e 1989, o povo estava novamente nas ruas, reafirmando a vocação e o compromisso dos tchecos com a democracia. Naquele ano, as manifestações que tomavam o país se voltavam principalmente contra o primeiro-ministro Andrej Babiš e contra o presidente Miloš Zeman, ambos acusados de corrupção.12 12 BEAUDUIN, Adrien. Tchéquie: dans la rue contre Babiš et pour une justice indépendante. Courrier de l’Europe Centrale, 07 maio 2019. Disponível em: <https://courrierdeuropecentrale.fr/tchequie-dans-la-rue-contre-babis-et-pour-une-justice-independante/>. Acesso em: 28 jul. 2021.

Em maio, quando Babiš tentava uma reforma no Judiciário que o protegeria das acusações de se apropriar ilegalmente de dois milhões de euros de fundos europeus, multidões foram às ruas em Praga, Brno e outras cidades do país. Dessa vez, as palavras de ordem mostravam certo desencanto com os rumos da política no país: “Nós já tivemos o bastante” ou “nós não somos cegos” ecoavam pelas ruas13 13 Trad. livre da autora: “Nous en avons assez”; “Nous ne sommes pas aveugles”. BEAUDUIN, Adrien. Tchéquie: dans la rue contre Babiš et pour une justice indépendante. Courrier de l’Europe Centrale, 07 maio 2019. Disponível em: <https://courrierdeuropecentrale.fr/tchequie-dans-la-rue-contre-babis-et-pour-une-justice-independante/>. Acesso em: 28 jul. 2021. e diferiam das palavras de esperança que prevaleceram em 1968 e 1989. Além disso, se Dubček e Havel eram lembrados em 2019 - a exposição fotográfica os trazia em destaque -, as manifestações nas ruas apontavam para uma descrença nas lideranças - as atuais, pelo menos, e a total desconfiança com relação aos partidos políticos.14 14 Vale destacar que, em outubro de 2021, duas frentes de oposição ao primeiro-ministro Babiš foram vitoriosas nas eleições parlamentares na República Tcheca. A coalizão de centro-direita SPOLU, reunindo a direita conservadora tradicional, e a frente de partidos liberais, PirSTAN, formada pelo Partido Pirata e pelo Partido dos Prefeitos (em tcheco, Piráti a Starostové) obtiveram, respectivamente, 27,8% e 15,6% dos votos, derrotando o ANO, partido de Babiš. Cf.: Czech election: Opposition wins surprise majority. In: Deutsche Welle. Disponível em: <https://www.dw.com/en/czech-election-opposition-wins-surprise-majority/a-59457738> e HONZEJK, Petr. Le populisme autoritaire en déclin en République tchèque et en Europe centrale? Une illusion! Courrier de l’Europe Centrale, 13 out. 2021. Disponível em: <https://courrierdeuropecentrale.fr/le-populisme-autoritaire-en-declin-en-republique-tcheque-une-illusion/>. Acessos em 28 jan. 2022.

É interessante observar que, embora a exposição 1989 - Pád železné opony contasse com patrocínio direto da presidência da República, ela aparentemente guardava certa autonomia com relação ao Estado. Muitas vezes, a narrativa construída pelos curadores parecia ser reflexo de comportamentos e sentimentos disseminados de maneira mais ampliada na sociedade, indo do desencanto com as instituições à nostalgia das mobilizações sociais de 1989 e à permanência da crença na democracia como destino tcheco. A exposição apresentava, assim, pontos de vista plurais sobre um evento em torno do qual o governo da República Tcheca, que já enfrentava muitos problemas, procurou manter certo silêncio. Nesse aspecto, diferia significativamente do que ocorreu em Budapeste, onde, ao invés de silenciar, o governo do Fidesz se apropriou do evento, estabelecendo sua própria narrativa.

A exposição de Budapeste, ‘89 ‘90 - 30 Years of Freedom foi apresentada ao público como uma “exibição de pôsteres” e frases da época que pretendiam contar como a Hungria “conseguiu passar da ditadura comunista à mudança de regime”. As imagens e textos selecionados contavam a história do comunismo desde o momento em que “os húngaros foram privados de sua liberdade” até o colapso do regime, entre 1989 e 1990.15 15 Trad. livre da autora: “exhibition of posters”; “the way Hungary managed to get from the communist dictatorship to the change of regime”; “had deprived Hungarian people from their freedom up until the regime collapsed in 1989-1990”. 30 YEARS of Freedom. In: House of Terror Museum. Disponível em: <https://www.terrorhaza.hu/en/idoszaki-kiallitasok/30-years-in-freedom-2>. Acesso em: 04 jul. 2021.

Em 2010, o Fidesz, partido conservador de direita, ganhou as eleições parlamentares na Hungria por expressiva maioria. Tal vitória, chamada por seus beneficiários de “a revolução das urnas”, permitiu ao partido realizar mudanças importantes nos campos político, econômico e jurídico - dentre elas, uma nova constituição, reforma eleitoral e uma nova lei de imprensa - que transformaram profundamente as instituições políticas do país (ERŐSS, 2016ERŐSS Ágnes. “In Memory of Victims”: Monument and Counter-Monument in Liberty Square, Budapest. Hungarian Geographical Bulletin, v. 65, n. 3, p. 237-254, 2016., p. 240).

Nesse contexto, as políticas sobre o passado, que já ocupavam lugar importante para o Fidesz desde o seu primeiro mandato (1998-2002), ganharam ainda mais centralidade a partir de 2010. Datas foram ressignificadas, museus construídos, determinadas figuras ou períodos históricos reapareceram no espaço público - com destaque para o entreguerras e a figura do almirante Miklós Horthy - enquanto outros desapareceram, geralmente nomes ou referências considerados “esquerdistas” (ERŐSS, 2016ERŐSS Ágnes. “In Memory of Victims”: Monument and Counter-Monument in Liberty Square, Budapest. Hungarian Geographical Bulletin, v. 65, n. 3, p. 237-254, 2016., p. 240-241). De acordo com Simone Benazzo (2017BENAZZO, Simone. Not all the Past Needs to be Used: Features of Fidesz’s Politics of Memory. Journal of Nationalism, Memory & Language Politics, v. 11, n. 2, p. 198-221, 2017., p. 200), desde seu retorno ao poder, o Fidesz vem colocando em prática uma visão da História como um instrumentum regni para moldar e difundir a ideia segundo a qual a independência nacional húngara, violada inúmeras vezes, precisa, constantemente, ser protegida. A concretização desse objetivo, por sua vez, impulsiona a construção da história nacional do ponto de vista do partido como uma gloriosa luta contra os invasores estrangeiros que culminou, em 2010, com o retorno do Fidesz ao poder.

Essa perspectiva marcou, portanto, a narrativa da exibição de pôsteres sobre 1989 promovida pela Casa do Terror. Ocupando a calçada do Museu, a mostra podia ser contemplada por qualquer um que passasse pela Avenida Andrassy, um dos endereços mais sofisticados da capital húngara. Ao longo do século XX, no entanto, o número sessenta da elegante avenida tornou-se conhecido por outras razões: entre 1940 e 1945, serviu como sede de um partido de inspiração nazista, o Movimento Húngaro da Cruz Flechada. Mais tarde, entre 1945 e 1956, funcionou como centro de atuação da polícia política comunista, o Departamento de Proteção de Estado e a Autoridade de Proteção do Estado.

Em 2000, ainda durante o primeiro mandato de Orbán pelo Fidesz, o prédio foi adquirido pela Fundação Pública para a Pesquisa da História e Sociedade da Europa Central e Oriental e inaugurado dois anos depois como Museu da Casa do Terror.16 16 Em seguida, no entanto, poucos meses após a inauguração, o Fidesz foi derrotado nas eleições nacionais pelo Partido Socialista Húngaro (MSZP), retornando ao poder apenas em 2010. Desde então, o Museu Casa do Terror tem sido um dos principais instrumentos do governo para a construção de uma determinada narrativa histórica. Desde então, o Fidesz declarava como propósito erigir “um monumento à memória das pessoas mantidas em cativeiro, torturadas e mortas neste edifício”17 17 Trad. livre da autora: “a monument to the memory of those held captive, tortured, and killed in this building”. (citado por RÉTI, 2017RÉTI, Zsófia. Past Traumas and Future Generations: Cultural Memory Transmission in Hungarian Sites of Memory. The Hungarian Historical Review, v. 6, n. 2, p. 377-403, 2017., p. 382) e contar a história das duas ditaduras que acometeram a Hungria no século XX: a nazista, segundo a história oficial construída pelo museu, a partir da invasão alemã em 1944; e a comunista, a partir do fim da Segunda Guerra Mundial em 1945. Não obstante, apenas duas das dezenove salas do museu são dedicadas ao primeiro momento. Todo o restante se volta a contar a história da ditadura comunista no país.

A narrativa do museu é eivada de silêncios e, além de traçar um sinal de igualdade entre os dois regimes, o nazista e o comunista, as duas ditaduras são representadas a partir de seu caráter estrangeiro: o povo húngaro primeiro teria sido vítima dos alemães; em seguida, dos russos. Zsófia Réti chama atenção para o fato de a Casa do Terror não mencionar em momento algum as leis antissemitas elaboradas e postas em vigor durante os anos do entreguerras pelo governo autoritário do almirante Horthy; ou ainda, a ausência de referências à participação ativa da Hungria no Holocausto (RÉTI, 2017RÉTI, Zsófia. Past Traumas and Future Generations: Cultural Memory Transmission in Hungarian Sites of Memory. The Hungarian Historical Review, v. 6, n. 2, p. 377-403, 2017., p. 393). Além disso, os críticos do museu frequentemente o acusam de se constituir em uma estratégia política empregada pelo Fidesz para tentar detratar os partidos políticos de esquerda húngaros do passado, mas também do presente (SODARO, 2018SODARO, Amy. Exhibiting Atrocity. Memorial Museums and the Politics of Past Violence. Nova Jersey; Londres: Rutgers University Press, 2018., p. 58).

Outro aspecto que chama atenção é a presença de Mária Schmidt como curadora da exposição, historiadora que tem assumido papel cada vez mais importante na orientação das políticas sobre o passado do governo de Viktor Orbán. Em seu estudo sobre as políticas de memória na Europa Central, Zoltan Dujisin (2020)DUJISIN, Zoltan. A History of Post-Communist Remembrance: from Memory Politics to the Emergence of a Field of Anticommunism. Theory and Society, v. 50, p. 65-96, 2020. observa o surgimento de “empreendedores de memória” na região. O conceito é retomado da proposta de Elizabeth Jelin para o Cone Sul da América Latina, a qual busca destacar o papel de determinados indivíduos na elaboração de políticas e discursos sobre o passado em contextos pós-ditatoriais. Nesse sentido, Jelin (2003JELIN, Elizabeth. State Repression and the Labors of Memory. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2003., p. 33-34) compreende a atuação desses atores a partir da busca por “reconhecimento social e legitimação política de uma interpretação ou narrativa (a sua própria) sobre o passado”.18 18 Trad. livre da autora: “social recognition and political legitimacy of one (their own) interpretation or narrative of the past”.

No caso da Europa Central, Dujisin se interessa especificamente por o que ele chama de “empreendedores de memória anticomunistas”. Atuando de maneiras distintas, os empreendedores anticomunistas circulam entre o campo político e o acadêmico, e sua atuação não deve ser compreendida apenas considerando aspectos de ambos os campos, mas como algo distinto:

com os dissidentes, eles compartilham um histórico de oposição ao ‘totalitarismo’, mas divergem da maioria dos dissidentes liberais, que aceitam os partidos socialistas sucessores como parceiros legítimos no jogo democrático. Com os historiadores, eles compartilham a paixão por avaliar o passado, embora impulsionados principalmente pelo compromisso de educar um público [considerado] apático quanto aos perigos do comunismo. Alinhados com as forças de direita, eles procuram excluir porções substanciais da esquerda das posições de poder, embora os compromissos realistas dos políticos sejam uma fonte frequente de inquietação19 19 Trad. livre da autora: “With dissidents, they have a record of opposing ‘totalitarianism’, but diverge from most liberal dissidents, who accept socialist successor parties as legitimate partners in the democratic game. With historians, they share a passion for gauging the past, albeit one primarily driven by a commitment to educating an apathetic public on the dangers of communism. In line with right-wing forces, they seek to exclude substantial portions of the left from power positions, although politicians’ realistic compromises are a frequent source of disquiet”. (DUJISIN, 2020DUJISIN, Zoltan. A History of Post-Communist Remembrance: from Memory Politics to the Emergence of a Field of Anticommunism. Theory and Society, v. 50, p. 65-96, 2020., s.p.).

A atuação de Mária Schmidt no governo do Fidesz pode ser perfeitamente compreendida a partir desses elementos. Dujisin (2020)DUJISIN, Zoltan. A History of Post-Communist Remembrance: from Memory Politics to the Emergence of a Field of Anticommunism. Theory and Society, v. 50, p. 65-96, 2020., inclusive, considera-a uma das mais longevas empreendedoras de memória anticomunista da Europa Central. Nesse sentido, a proposta da exposição 89’ 90’ - 30 Years of Freedom precisa ser compreendida levando-se em conta, ao mesmo tempo, os objetivos que fundamentaram a criação do Museu e a narrativa construída por ele, bem como o papel desempenhado por Schmidt, há mais de uma década, como diretora da Casa do Terror e quadro importante de um governo extremamente preocupado em (re)escrever a história de seu país.

Com títulos grandes, textos curtos e imagens coloridas, a mostra não era muito longa, mas atraía os olhares de habitantes locais e turistas que passavam pela avenida Andrassy. A exposição contava, de forma sucinta, a história da Hungria entre 1945 e 1989/90 em cinco partes: três pôsteres destinavam-se à “Falta de liberdade”; um, à “Resistência”; quatro deles dedicavam-se a 1989 propriamente e se intitulavam “Annus Mirabilis”; dois, “Livres pela primeira vez”, descreviam as primeiras eleições na Hungria e nos demais países do leste europeu após o fim do comunismo; e, finalmente, os dois últimos pôsteres possuíam o título “Nós fizemos isto acontecer” e concentravam-se no processo de “retorno à Europa” da Hungria e dos demais países da região.

Figura 5
CORDEIRO, Janaína. Visão geral da exposição em Budapeste

Como se pode notar, além de 1989, assunto central da exposição, a outra temática que ocupou maior espaço na mostra destinava-se a retratar a falta de liberdade sob a qual os húngaros viveram desde 1945. Ali fora, na calçada, repetia-se a mesma interpretação que o visitante encontraria dentro da Casa do Terror: a ideia geral da “inocência” húngara, submetida, mais uma vez, ao jugo ditatorial estrangeiro. Os títulos destacavam que “não havia liberdade de expressão”20 20 Para as citações e informações que se seguem, salvo indicação, refiro-me à narrativa da exposição 30 Years of Freedom, presente nos pôsteres da exposição. ´89 ´90 - 30 Éve Szabadon. Curadora-chefe da exposição: Mária Schmidt (diretora geral do Museu da Casa do Terror). Curadores: Gábor Tallai (diretor de programação do Museu da Casa do Terror) e Márton Békés (historiador, diretor de pesquisas do Museu da Casa do Terror). ou, ainda, “não havia eleições livres”. Também eram feitas referências à religião (“eles declararam guerra à Igreja”) e imagens de estabelecimentos comerciais se faziam acompanhar do seguinte texto: “Nas lojas, prateleiras estavam vazias. A escassez era permanente”. Por fim, imagens e textos destacavam cenas da vida cotidiana, marcada pelo pensamento único: “a visão de mundo marxista era a única que tinha permissão para ser ensinada”.

Conquanto seja difícil contrariar algumas dessas afirmações, não deixa de ser interessante observar a falta de nuanças da narrativa: além da permanente vitimização da sociedade húngara, também não há referências ao fato de que, ao longo de mais de quarenta anos, os regimes comunistas na região não permaneceram um bloco homogêneo e imutável. As interferências externas, mas sobretudo as dinâmicas internas - os processos de resistência, inclusive - impuseram ritmos distintos e transformações expressivas. A Hungria talvez se constitua no melhor exemplo disso, onde, após os impactos da Revolução de 1956, o regime alcançou níveis de abertura política, econômica e cultural difíceis de serem encontrados em outros países da região. No chamado “socialismo goulash” húngaro, pequenos negócios privados foram permitidos, e o planejamento econômico centralizado foi aplicado apenas à indústria. O Partido Socialista Operário Húngaro (MSzMP) adotou uma postura de maior tolerância social, expressa pelo lema “Se você não está contra nós, você está conosco”, ao mesmo tempo em que deixou de considerar a origem de classe como critério para estudar ou ocupar empregos (MĚŠŤÁNKOVÁ; FILIPEC, 2019MĚŠŤÁNKOVÁ, Petra; FILIPEC, Ondřej. Transition to Democracy in Central Europe. Olomouc: Iuridicium Olomoucense Palacký University, 2019., p. 18), diferentemente, por exemplo, do que ocorreu na Tchecoslováquia, sobretudo depois de 1968.

Não obstante, o que mais chama atenção na estrutura narrativa da exposição se encontra na forma como as manifestações de 1989 foram apresentadas. Aqui, importa tanto o que foi dito como o que foi silenciado. Nesse sentido, em primeiro lugar, cabe destacar algumas singularidades do processo de transição na Hungria.

Como se sabe, ali, o papel das elites comunistas reformistas foi decisivo para impulsionar a mudança de regime: reformas econômicas vinham ganhando espaço desde meados da década de 1980 e, no âmbito político, em 1988, a Hungria foi o primeiro país comunista a permitir a liberdade político-partidária, favorecendo o aparecimento de formações políticas que desempenhariam papel importante no processo de transição. Entre eles estava o próprio Fidesz, então conhecido como Federação dos Jovens Democratas.21 21 O Fidesz foi fundado em 1988. De tendência liberal e origem nos movimentos estudantis críticos ao governo comunista, defendia a liberdade de mercado e a integração da Hungria à Europa. Ao longo da década de 1990, no entanto, tornou-se cada vez mais conservador. Em 1995, mudou seu nome para União Cívica Húngara - Federação dos Jovens Democratas. Cf.: FIDESZ. In: Encyclopedia Britannica. Disponível em: <https://www.britannica.com/topic/Fidesz>. Acesso em: 29 out. 2021.

Outro aspecto fundamental foi a revisão, por parte do MSzMP, dos acontecimentos de 1956. A repressão à Revolução Húngara de 1956, tratada pelos comunistas como “contrarrevolução”, constituiu a própria base em torno da qual o regime de János Kádár (1956-1988) se estruturou. A partir de 1988, no entanto, as pressões para que o Partido revisse sua interpretação dos eventos ganharam força, e foi preciso admitir que 1956 foi “uma revolta popular contra o Estado totalitário e a oligarquia do Partido”22 22 Trad. livre da autora: “a people uprising against the totalitarian state and the Party oligarchy”. (MĚŠŤÁNKOVÁ; FILIPEC, 2019MĚŠŤÁNKOVÁ, Petra; FILIPEC, Ondřej. Transition to Democracy in Central Europe. Olomouc: Iuridicium Olomoucense Palacký University, 2019., p. 44). Tal processo chegou ao ápice em 16 de junho de 1989, quando foi concedido à Imre Nagy, líder comunista executado pelas forças da repressão dois anos após a Revolução de 1956, um funeral apropriado que levou milhões de pessoas à Praça dos Heróis, em Budapeste.23 23 Cf. Ash (1990, p. 47 e seguintes).

Contudo, quando retornamos à mostra de 2019, o papel desempenhado pelas lideranças políticas comunistas desaparece por completo. Ao invés disso, ganha ênfase uma narrativa concentrada na “queda do comunismo” graças à atuação da “nação” húngara que tomou as ruas. Silencia-se a importância das intensas negociações que tiveram lugar ao longo do ano nas chamadas “mesas redondas”, que reuniam partidos de oposição em negociações com o MSzMP. Ao invés disso, os pôsteres destacavam a atuação do Fidesz, um partido recém-criado e relativamente pequeno à época e, em particular, a figura de um jovem Viktor Orbán discursando na Praça dos Heróis quando do funeral de Imre Nagy, reivindicando os valores da Revolução ocorrida, então, há mais de trinta anos: “e se não perdermos de vista os ideais de 1956, poderemos eleger um governo que iniciará negociações imediatas para a retirada rápida das tropas russas”.24 24 Trad. livre da autora: “If we don’t lose sight of the ideals of 1956, we can elect a government which will promptly start talks about the immediate start of negotiations about the withdrawal of the Russian troops”. PÔSTER da exposição 89’ 90’. 30 Years of Freedom. Budapeste, 2019 (ver Figura 6). O discurso de Orbán, no dia 16 de junho de 1989, e sua capacidade oratória chamaram atenção do público e dos observadores políticos. Em seu relato sobre os eventos na região, feito ainda em 1990, Timothy Garton Ash (1990, p. 51) lembrava que, enquanto Orbán discursava e assim que concluiu, “a multidão despertou em ferozes e prolongados aplausos”.

Figura 6
Pôster da exposição ‘89 ‘90 - 30 Years of Freedom, Budapeste

A Revolução de 1956 tornou-se, na Hungria, um evento simbólico dos mais importantes para a elaboração das narrativas sobre o passado no pós-1989 e, segundo Dujisin (2020)DUJISIN, Zoltan. A History of Post-Communist Remembrance: from Memory Politics to the Emergence of a Field of Anticommunism. Theory and Society, v. 50, p. 65-96, 2020., a reivindicação do evento foi fundamental para o nascimento político de Orbán. Em seu estudo sobre as comemorações do vigésimo aniversário de 1989 na Hungria, Anna Seleny (2014)SELENY, Anna. Revolutionary Road. 1956 and the Fracturing of Hungarian Historical Memory. In: BERNHARD, Michael; KUBIK, Jan (Ed.). Twenty Years after Communism. The Politics of Memory and Commemoration. Nova York: Oxford University Press, 2014. p. 37-59. explica que 1956 se transformou no ponto central de referência do sistema político no país. O marco expôs uma espécie de luta não resolvida cujas imagens e paixões continuaram indispensáveis para os principais atores políticos na medida em que se decidiam a decodificar e expor motivações, atribuir méritos e culpas, além de articular visões coletivas sobre o futuro.

A chave que explica a apropriação pela direita de uma revolução que nasceu como tentativa de reforma do socialismo reside, justamente, na pluralidade dos atores que, no decorrer do processo, aderiram à revolução. Isso permite à direita enquadrar 1956 como uma luta entre comunistas e anticomunistas, silenciando sobre o seu sentido reformista e apagando os distintos personagens envolvidos. Dessa forma, ela aparece representada como uma revolução traída duas vezes: primeiro pelos comunistas e seus senhores soviéticos, e depois, décadas mais tarde, por uma “pseudo-transição” que falhou em varrer os socialistas do sistema político e fornecer a pureza moral que eles percebiam como sendo a força motriz de 1956 (SELENY, 2014SELENY, Anna. Revolutionary Road. 1956 and the Fracturing of Hungarian Historical Memory. In: BERNHARD, Michael; KUBIK, Jan (Ed.). Twenty Years after Communism. The Politics of Memory and Commemoration. Nova York: Oxford University Press, 2014. p. 37-59., p. 38-39).

No contexto das comemorações de 2009 estudadas por Seleny, quando o governo socialista se encontrava em profunda crise política e econômica, a apropriação da Revolução Húngara pela direita caminhava no sentido de reforçar a ideia da revolução traída. Assim, ao mesmo tempo em que a direita reivindicava 1956, silenciava sobre 1989, então reduzida a expressões como a “assim chamada transição” ou a “assim chamada mudança de regime”25 25 Trad. livre da autora: “so-called transition”; “so-called regime change”. (SELENY, 2014SELENY, Anna. Revolutionary Road. 1956 and the Fracturing of Hungarian Historical Memory. In: BERNHARD, Michael; KUBIK, Jan (Ed.). Twenty Years after Communism. The Politics of Memory and Commemoration. Nova York: Oxford University Press, 2014. p. 37-59., p. 54).

Em 2019, contudo, o contexto era diferente: a reivindicação de 1956 deveria somar-se a uma determinada leitura sobre 1989 na qual um processo complementaria o outro. Mais ainda: 1956 e 1989, ressignificados a partir da leitura do passado proposta pelo Fidesz, abririam caminho para um terceiro momento que a “revolução das urnas” teria possibilitado ao partido realizar a partir de 2010. Não por acaso, Orbán explicava desta maneira os últimos 30 anos da história húngara:

quando concluímos as tarefas de passar pela primeira transformação liberal e derrotar os grupos socialistas sucessores, tivemos que nos preparar para uma segunda transformação. Digamos apenas que passamos os quatro anos entre 2006 e 2010 preparando o plano para uma transformação nacional. Então, em 2010, precisamos introduzir este novo sistema nacional, que é um sistema baseado na comunidade. E a vitória política necessária para sua introdução precisava ser preparada e batalhada. Isso trouxe a vitória, com uma maioria de dois terços. Depois de 2010, precisávamos construir esse novo sistema nacional passo a passo, obtendo sucesso e, ao mesmo tempo, mantendo e regenerando o apoio em massa (...). Precisávamos construir ao mesmo tempo em que lutamos continuamente, porque - e esta é a história de nossos últimos dez anos - precisamos continuamente lutar contra o questionamento da aceitação internacional do sistema nacional.26 26 Trad. livre da autora: “when we’d completed the tasks of coming through the first liberal transformation and defeating the socialist successor groups, we had to throw ourselves into preparation for a second transformation. Let’s just say that we spent the four years between 2006 and 2010 preparing the blueprint for a national transformation. Then in 2010 we needed to introduce this new national system, which is a community-based system. And the political victory needed for its introduction needed to be prepared and then fought for. This brought victory, with a two-thirds majority. Then after 2010 we needed to build this new national system step-by-step, achieving success while at the same time maintaining and regenerating mass support (…). We needed to build while at the same time continuously fighting, because - and this is the story of our past ten years - we’ve continuously needed to fight against the questioning of the international acceptance of the national system”. PRIME Minister Viktor Orbán’s Speech at the 30th Bálványos Summer Open University and Student Camp, 27 July 2019. In: Miniszterelnok.hu. Disponível em: <https://www.miniszterelnok.hu/prime-minister-viktor-orbans-speech-at-the-30th-balvanyos-summer-open-university-and-student-camp/>. Acesso em: 30 jul. 2021.

Assim, os acontecimentos de 1989 teriam sido obra do próprio povo húngaro, que, ao eliminar o comunismo e construir, em uma primeira etapa liberal, um sistema político democrático e uma economia de mercado, lutava agora para reafirmar a soberania húngara a partir de um projeto baseado na “comunidade nacional”. Essa é também a mensagem final da exposição. No último pôster, junto a imagens recentes de celebrações esportivas, pode-se ler o seguinte:

Nós fizemos isto acontecer. 30 anos de liberdade - é quase a vida de uma geração inteira. Por meio da liberdade e da independência, nós, húngaros, fomos capazes de curar as feridas causadas pelo comunismo. Nossa criatividade recebeu um novo ímpeto de liberdade e independência.27 27 Trad. livre da autora: “We made it happen. 30 years of freedom - that is almost the lifetime of a full generation. Through freedom and independence, we Hungarians were able to heal the wounds caused by communism. Our creativity received new impetus from freedom and independence”. PÔSTER da exposição 89’ 90’. 30 Years of Freedom. Budapeste, 2019 (ver Figura 7).

Figura 7
Pôster da exposição ‘89 ‘90 - 30 Years of Freedom, Budapeste

Afirmava-se, portanto, de acordo com a leitura do Fidesz, a dimensão “nacional” de 1989 como essencial. O aspecto transnacional do evento não poderia, no entanto, ser deixado de lado, e a exposição lembrou os acontecimentos na RDA, na Polônia, na Tchecoslováquia e na Romênia. Houve lugar para referências à Primavera de Praga (1968), à fundação do Solidariedade, na Polônia (1982), à queda do Muro de Berlim e à execução do ditador romeno Nicolae Ceauşescu (1989).

Desde as comemorações de 2009, contudo, o grande elemento consensual foi o papel desempenhado pela Hungria para o fim do comunismo na região (SELENY, 2014SELENY, Anna. Revolutionary Road. 1956 and the Fracturing of Hungarian Historical Memory. In: BERNHARD, Michael; KUBIK, Jan (Ed.). Twenty Years after Communism. The Politics of Memory and Commemoration. Nova York: Oxford University Press, 2014. p. 37-59., p. 44), com ênfase para a abertura das fronteiras com a Áustria a partir de maio de 1989. Em 2019, esse papel também foi destacado. Predominaram referências ao êxodo de alemães orientais em direção à Hungria, para dali atravessarem para a Áustria e em seguida, para a Alemanha Ocidental. Mais uma vez, no entanto, o papel desempenhado pelos dirigentes comunistas húngaros nas negociações com os alemães não foi mencionado.

Na exposição fotográfica de Praga, as imagens do êxodo alemão, primeiro em direção à Hungria e depois em direção à Tchecoslováquia, constituíram também referência importante. Ali, de modo geral, a narrativa sobre 1989 tendia a ser mais transnacional e os eventos dos outros países ocuparam espaço significativo. O visitante podia até mesmo encontrar no Jardim que abrigava a exposição uma réplica de parte do Muro de Berlin, já destruído, e a passagem através dele liberada. Acima do Muro, um Trabant, o famoso carro popular produzido na RDA entre 1957 e 1991, parecia saltar sobre ele, abandonando décadas de divisão de um país, de um continente. Em Budapeste, por seu turno, os eventos da região pareciam constituir uma espécie de moldura que dava o contexto dos eventos centrais e decisivos: a conquista da “liberdade” húngara.

Do Leste Europeu à Europa Central

Em 1990, Timothy Ash lançou o livro The Magic Lantern, no qual contava como testemunhou a queda dos regimes comunistas, no ano anterior, a partir de Polônia, Hungria, RDA e Tchecoslováquia. Ao introduzir seu relato, deixou o seguinte aviso aos futuros leitores:

Se as coisas estiverem indo mal na Europa Central e do Leste quando você estiver lendo isto, você provavelmente achará o que se segue absurdamente esperançoso e terrivelmente leve. Evitando cuidadosamente qualquer citação de Wordsworth, eu diria apenas que isso também pertence aos registros. Parecia assim na época28 28 Trad. livre da autora: “If things have gone badly in East Central Europe by the time you read this, you will probably find what follows absurdly hopeful and terribly light-hearted. Carefully avoiding all quotations from Wordsworth, I would say only that this, too, belongs to the records. It felt like that at the time”. (ASH, 1990ASH, Timothy Garton. The Magic Lantern: the Revolution of ‘89 Witnessed in Warsaw, Budapest, Berlin, and Prague. Nova York: Random House, 1990., p. 23).

O testemunho de Ash é muito expressivo do otimismo que marcou não apenas a região, naquele momento, mas sobretudo determinada visão ocidental sobre os eventos. Escrito ainda no calor dos acontecimentos, quando todas as possibilidades pareciam em aberto, e as “revoluções de veludo” impressionavam o mundo, as palavras do historiador celebravam a “absurda esperança” e a “terrível leveza” com que operários, estudantes e intelectuais conduziram a luta contra as ditaduras comunistas, levando à sua queda. Para os leitores do tempo presente, no entanto, há qualquer coisa de profético nas palavras do historiador, que prenunciavam um futuro no qual, talvez, as coisas pudessem não estar indo bem.

Em 2019, muito em função das percepções de crise democrática no continente, foi relativamente recorrente, sobretudo nos países da Europa Ocidental, uma visão bastante pessimista com relação ao trigésimo aniversário das revoluções de 1989. À exceção, talvez, de algumas manifestações oficiais, como por exemplo, a da Comissão Europeia, no dia 09 de novembro, exatos 30 anos após a queda do Muro de Berlim, a qual, não por acaso, enfatizava o evento alemão. Na data, o órgão saudou a queda do Muro e da Cortina de Ferro como o “começo de um novo capítulo” na história do continente e ressaltou que tais eventos pavimentaram o caminho para a unificação da Alemanha e da Europa depois de mais de quarenta anos de divisão política e econômica.29 29 THE FALL of the Iron Curtain and the Beginning of a New Chapter in Our History. European Comission, 8 Nov. 2019 Disponível em: <https://europeancommission.medium.com/the-fall-of-the-iron-curtain-and-the-beginning-of-a-new-chapter-in-our-history-b69105d9a053>. Acesso em: 04 jul. 2021.

Em geral, no entanto, foi mais comum uma visão segundo a qual os rumos do continente na última década, especialmente da Europa Central, evidenciavam um “desvio” com relação aos valores democráticos e liberais que teriam triunfado em 1989. O escritor francês Jean-Yves Potel, por exemplo, chamou o trigésimo aniversário das revoluções de 1989 de “a comemoração da descrença”. E, embora enfatizasse a importância de não se contentar com fórmulas nostálgicas, que poderiam, em última instância, induzir a simplificações do tipo “antigamente era melhor”, explicava as razões de tal descrença:

Hoje, no lugar da alegria de 1989 ou das comemorações precedentes, a ênfase está sobre as catástrofes destes últimos anos: o AfD na Alemanha, Kaczynski e Orbán na Polônia e na Hungria, sem esquecer os outros. É a decepção que domina. As aspirações das multidões da época foram desprezadas (tristeza) e, durante trinta anos, as elites neoliberais prosperaram em seus pequenos (e grandes) negócios que conduzem ao desastre social, ecológico e político atual (cólera).30 30 Trad. livre da autora: “Aujourd’hui, au lieu de la joie de 1989 ou des commémorations précédentes, l’accent est mis sur les catastrophes de ces dernières années : l’AfD en Allemagne, Kaczyński et Orbán en Pologne et Hongrie, sans oublier les autres. C’est la déception qui domine. Les aspirations des foules de l’époque ont été bafouées (chagrin) et, durant trente ans, les élites néolibérales ont prospéré dans leurs petites (et grandes) affaires qui conduisent au désastre social, écologique et politique actuel (colère)”. POTEL, Jean-Yves. 1989. La Commémoration du dépit. Le Courrier d’Europe Centrale, 09 nov. 2019. Disponível em: <https://courrierdeuropecentrale.fr/1989-la-commemoration-du-depit/>. Acesso em: 04 jul. 2021.

O historiador Paul Betts afirmou que, “hoje em dia, 1989 não é mais o que costumava ser”31 31 Trad. livre da autora: “These days 1989 isn’t what it used to be”. (2019, p. 271), e previa que as rememorações do annus mirabilis da Europa seriam mais pessimistas em 2019 do que haviam sido em 2009 ou 1999.

Como tentei demonstrar, no entanto, as comemorações de 1989 na região foram sempre objeto de disputas. O otimismo supostamente presente nas comemorações de 1999 e 2009 pode ser melhor compreendido como uma reconstrução a posteriori: uma visão de 2019 sobre os aniversários anteriores, a qual, por sua vez, nos diz mais sobre os desdobramentos mais recentes da conjuntura política europeia do que exatamente sobre os contextos de 1999 ou 2009. Mais do que qualquer outra coisa, refere-se especificamente à visão “ocidental” dos acontecimentos.

Nesse sentido, se nos últimos tempos, “1989 não é mais o que costumava ser”, cabe a pergunta: o que 1989 costumava ser? E aqui nos deparamos com o fato de que, frequentemente, a ideia de 1989 costuma referir-se à visão e às expectativas ditas “ocidentais” sobre os eventos. O próprio Betts (2019BETTS, Paul. 1989 at Thirty: a Recast Legacy. Past & Present, v. 244, n. 1, p. 271-305, Aug. 2019., p. 271) explica que as convulsões de 1989 foram frequentemente vistas, especialmente na França, como um grande hino ao bicentenário da Revolução Francesa que estava sendo celebrado naquele verão. Sob esse ponto de vista, duzentos anos depois da grande revolução de 1789, os acontecimentos na Europa Central e do Leste teriam reunificado o continente, mais uma vez, sob o signo de valores como democracia e liberdade, fundadores da contemporaneidade europeia.

Assim, 1989 tornou-se um importante “lugar de memória” europeu, signo da reunificação do continente sob os valores ocidentais. Desse modo, o chamado “retorno” à Europa dos países pós-comunistas constitui um dos elementos fundamentais dos processos de transição democrática na região. E, conquanto guardem expressivas diferenças de país para país, pode-se dizer que, de maneira geral, tais processos não têm sido simples”. A rigor, aliás, o equilíbrio entre a busca por uma identidade dita europeia e a afirmação das identidades nacionais marcou os processos de construção da modernidade na região pelo menos desde o século XIX. Como coloca Otilia Dhand (2018DHAND, Otilia. The Idea of Central Europe: Geopolitics, Culture and Regional Identity. Londres; Nova York: I. B. Tauris, 2018., p. 1), mais que um lugar, a “Europa Central” é uma ideia. E as formas a partir das quais tal ideia foi definida se alteraram ao longo dos séculos, tendo que lidar, ao mesmo tempo, com demandas impostas por condições histórico-g­eográficas, pequenas nações situadas entre os grandes impérios europeus modernos - Áustria, Prússia, Rússia e Otomano - e as reivindicações étnico-nacionais que emergiam.

É nesse contexto que, ainda de acordo com Dhand, ao longo das décadas de 1980 e 1990, a expressão “Europa Central” retornou ao debate político e ganhou terreno, aos poucos, como uma reivindicação política e cultural, uma alternativa à ideia de “Leste Europeu”. Não se trata, portanto, de simples geografia ou mera batalha de palavras. A autora observa que o termo “Europa Central” voltou aos poucos a fazer parte da linguagem cotidiana nos dois lados da cortina de ferro como estratégia política e intelectual que se opunha à denominação “Leste Europeu” e ao seu significado profundamente ligado à ocupação soviética a partir de 1945. Assim, a noção de Europa Central emergia “como sinônimo dos valores humanistas, de democracia, liberalismo e liberdade”32 32 Trad. livre da autora: “as a synonym for humanistic values, liberalism and freedom”. identificados ao Ocidente e rejeitava a proposta de um “leste” ligada à herança - cada vez mais rejeitada - do socialismo sovié­tico, seus valores e instituições (DHAND, 2018DHAND, Otilia. The Idea of Central Europe: Geopolitics, Culture and Regional Identity. Londres; Nova York: I. B. Tauris, 2018., p. 1).

Václav Havel, muito antes de se tornar o último presidente da Tchecoslováquia e o primeiro da República Tcheca, foi um dos que passou, ao longo da década de 1980, a utilizar o termo “Europa Central” como sinônimo de aproximação cultural com os valores do Ocidente. Para Havel, “Europa Central” era um termo que se ligava muito mais ao “espírito” do que a um território físico bem delimitado. Não era uma região, portanto, definida por recursos físicos ou por uma dada geografia. Antes, o que definia a Europa Central seria uma herança artística e cultural reivindicada por esses povos, uma noção de pertencimento a uma dada tradição (DHAND, 2018DHAND, Otilia. The Idea of Central Europe: Geopolitics, Culture and Regional Identity. Londres; Nova York: I. B. Tauris, 2018., p. 2). Para além de Havel,

Muitos outros escritores dissidentes importantes foram atraídos para desenvolver esse trágico mito de uma Europa Central carente - uma narrativa fascinante e a-histórica de nações míticas e heroicas lutando para romper os grilhões de ditaduras impostas por forças externas, e voltar ao abraço estendido de sua liberdade - e de sua família ocidental amante da democracia33 33 Trad. livre da autora: “Many other prominent dissident writers were drawn into developing this tragic myth of a deprived Central Europe - a fascinating ahistorical narrative of mystical, heroic nations struggling to break the shackles of alien dictatorship to return into the extended embrace of their freedom - and democracy-loving Western Family”. (DHAND, 2018DHAND, Otilia. The Idea of Central Europe: Geopolitics, Culture and Regional Identity. Londres; Nova York: I. B. Tauris, 2018., p. 3).

Tal narrativa, no entanto, mais que expressão da realidade, pode ser entendida, no contexto das revoluções de 1989 e dos processos de transição que se seguiram, como a manifestação de um desejo, componente importante da imaginação de certa intelectualidade dissidente, tanto no Ocidente como em âmbito local.

Mas talvez o texto mais representativo de tal tendência tenha sido o famoso ensaio do escritor tcheco, radicado na França desde os anos 1970, Milan Kundera, Un Occident kidnappé ou la tragédie de l’Europe centrale (Um Ocidente sequestrado ou a tragédia da Europa central). Ainda em 1983, Kundera retomava a expressão “Europa Central” para se referir a um espaço cultural determinado. Para ele, mais que uma região definida por uma dada geografia ou por circunstâncias geopolíticas que o fim da Segunda Guerra Mundial impôs, a Europa Central era um “destino”, uma forma de expressão da cultura ocidental. Segundo o romancista, a região sofria, desde a ocupação soviética, com o sequestro dos valores, tradições e cultura ocidentais, que eram também os seus. Kundera afirmava:

a Europa que eu chamo central ressente a mudança de seu destino após 1945 não apenas como uma catástrofe política, mas como o questionamento de sua civilização. O sentido profundo de sua resistência é a defesa de sua identidade; ou, dito de outra maneira, é a defesa de sua ocidentalidade34 34 Trad. livre da autora: “l’Europe que j’appelle centrale ressent le changement de son destin après 1945 non seulement comme une catastrophe politique mais comme la mise en question de sa civilisation. Le sens profond de leur résistance, c’est la défense de leur identité ; ou, autrement dit : c’est la défense de leur occidentalité”. (KUNDERA, 1983KUNDERA, Milan. Un Occident kidnappé. Ou la tragédie de l’Europe centrale. Le Débat, v. 27, n. 5, p. 3-23, 1983., p. 5).

Esta era, de acordo com Kundera, a grande tragédia da Europa Central: o sequestro de sua ocidentalidade histórica. E, ao reivindicar a Europa Central como um conceito, como uma chave cultural oposta àquela evocada pela ideia de um “Leste Europeu” soviético/russo, totalitário e opressivo, era justamente essa ocidentalidade que os dissidentes da década de 1980 buscavam recuperar. Sob esse aspecto, mais que meramente o fim da Guerra Fria, mais que o marco do fim do século XX, mais até que o fim das utopias, 1989 seria incorporado à história do Velho Continente como expressão do triunfo dos valores da verdadeira Europa: a vitória do humanismo, da democracia, dos direitos humanos e do liberalismo sobre o totalitarismo e a opressão.

Mas, se na década de 1980 Kundera e outros dissidentes viram na longa presença soviética uma ameaça à ocidentalidade/europeidade da região, talvez, hoje, um sentimento similar esteja novamente rondando o continente. O crescimento na região, pelo menos desde a década de 2010, de partidos e movimentos políticos de extrema direita, profundamente críticos ao liberalismo e às instituições europeias, coloca em xeque a narrativa de 1989 como triunfo da Europa liberal e questiona a validade de sua herança. Conforme apontam Mark, Iacob, Rupprecht e Spaskovska, a narrativa liberal dominante, que minimizou a particularidade da conjuntura histórica a qual possibilitou as revoluções de 1989, encontra-se sob ataque. Sob esse aspecto, a noção da Europa Central e do Leste como uma região que, no âmbito interno, converge naturalmente para uma forma de liberalismo ocidental e defende seus valores no exterior tem sido cada vez mais questionada desde o início de 2010 (MARK et al., 2019MARK, James et al (Ed.). 1989: A Global History of Eastern Europe. New Approaches to European History. Nova York: Cambridge University Press, 2019., p. 3).

Assim, as celebrações dos 30 anos das revoluções de 1989 ocorreram justamente em um contexto no qual a narrativa liberal - construída tanto a oeste como a leste da Europa -, encontra-se sob profundo questionamento. Isso explica, em parte, o pessimismo reinante em determinados meios com relação a tais eventos e seus legados: se 1989 não é mais o que costumava ser, é porque, mais uma vez, a região que protagonizou as revoluções se encontra sob ameaça, o que colocaria em risco a cultura europeia de maneira geral. Tal ameaça não está mais personificada na Rússia/União Soviética, mas é, sim, interna e se reivindica, abertamente, “iliberal”.

O que 2019 coloca em questão, portanto, é o mito construído em torno dos eventos de 1989 e suas heranças, segundo o qual as revoluções democráticas, de veludo, eram o epítome da Europa liberal, moderna. Tal herança estaria perdendo-se em função do triunfo das extremas direitas e do populismo no continente - necessariamente antieuropeus, de acordo com essa visão. Daí o pessimismo: a virada ao iliberalismo e ao populismo seria, sob tal ótica, a negação de 1989 e, por consequência, a negação da Europa. Silencia-se, nessa perspectiva, sobre a Europa ser também o berço de tradições autoritárias, como o fascismo, o nazismo e o corporativismo estatal.

Não obstante, o que as narrativas construídas pelas exposições de Praga e Budapeste demonstram é a necessidade de tomar 1989 em sua complexidade. Sobretudo, chamam atenção para o fato de que, se a narrativa ocidental dos eventos foi amplamente partilhada pelos países da Europa Central e do Leste, ali, a lembrança em torno dos acontecimentos adquire dinâmicas próprias, na maior parte das vezes, conflitivas, divididas, sem a linearidade observada na ideia ocidental segundo a qual “a mistura dinâmica de democracia liberal, mercados livres e globalização liderada pelo Ocidente seria o futuro do Estado moderno”35 35 Trad. livre da autora: “the dynamic mix of liberal democracy, free markets, and Western-led globalisation would be the future of modern statehood”. (MARK et al., 2019MARK, James et al (Ed.). 1989: A Global History of Eastern Europe. New Approaches to European History. Nova York: Cambridge University Press, 2019., p. 2).

Como sugere Paul Betts (2019BETTS, Paul. 1989 at Thirty: a Recast Legacy. Past & Present, v. 244, n. 1, p. 271-305, Aug. 2019., p. 305), é preciso que os historiadores abandonem as visões românticas e acríticas sobre os eventos daquele ano e comecem a pensar mais sobre como sua herança complexa e contraditória ainda molda os eventos mundiais, três décadas depois. Inclusive porque, e ainda de acordo com o autor, “interpretar os desenvolvimentos recentes na Europa central simplesmente como uma reação anti-1989 não nos leva muito longe, até porque a agitação de 1989 trouxe consigo as sementes do iliberalismo também”36 36 Trad. livre da autora: “But construing recent developments in central Europe as simply an anti-1989 backlash does not get us very far, not least because the unrest of 1989 carried within it the seeds of illiberalism as well”. (BETTS, 2019BETTS, Paul. 1989 at Thirty: a Recast Legacy. Past & Present, v. 244, n. 1, p. 271-305, Aug. 2019., p. 272).

É preciso, portanto, compreender os legados complexos e plurais de 1989 para além da visão alentadora - porém parcial - das revoluções de veludo, inspiradas exclusivamente nos valores da democracia liberal.

  • 1
    Será utilizado como fonte um dos catálogos da exposição, publicado, simultaneamente em tcheco e inglês.
  • 2
    Para o caso específico dessa exposição, não havia catálogo disponível. Ver: 30 YEARS of Freedom. In: House of Terror Museum. Disponível em: <https://www.terrorhaza.hu/en/idoszaki-kiallitasok/30-years-in-freedom-2>. Acesso em: 04 jul. 2021.
  • 3
    O termo se refere especificamente ao processo pacífico que levou à queda do comunismo na Tchecoslováquia, entre novembro e dezembro de 1989. Não obstante, por vezes ele aparece ampliado, referindo-se também aos eventos que resultaram na queda dos regimes comunistas na Polônia, na Hungria, na RDA, na Bulgária e, em alguma medida, também nos países bálticos. Busca, sob esse aspecto, enfatizar o caráter pacífico dos acontecimentos, à exceção, evidentemente, dos processos que resultaram no fim dos regimes comunistas na Romênia e na antiga Iugoslávia, marcados por intensa violência e que, no último caso, desembocou em uma longa guerra.
  • 4
    Sobre o debate em torno do conceito de populismo empregado para determinados grupos e partidos de direita na Europa, ver Wieviorka (2013)WIEVIORKA, Michel. Le Front national entre extrémisme, populisme et démocratie. Paris: Éditions de la Maison des Sciences de l’homme, 2013.; Rosanvallon (2020)ROSANVALLON, Pierre. Le Siècle du populisme. Histoire, théorie, critique. Paris: Seuil, 2020..
  • 5
    Trad. livre da autora: “The liberal values that effectively vanquished Communism have come under threat from rising populism, and distrust of major institutions has grown”.
  • 6
    Zeman, à época primeiro-ministro pelo Partido Social-Democrata Tcheco (ČSSD), hoje exerce o segundo mandato como presidente da República pelo Partido dos Direitos do Cidadão (SPOZ), o qual fundou em 2009. O novo partido surgiu em um contexto de crise de representatividade daqueles que se configuraram como os principais partidos políticos tchecos desde o processo de transição: o Partido Cívico Democrático (ODS) e o próprio ČSSD. O SPOZ propunha como diretrizes fundamentais o combate à corrupção, a crítica às elites políticas tradicionais e a ênfase na defesa da democracia direta. Seu primeiro mandato se iniciou em 2012. Foi nesse mesmo momento, e a partir de propostas muito similares, que Andrej Babiš, empresário de origem eslovaca estabelecido na República Tcheca, fundou em 2011 o partido ANO 2011 (“Sim 2011”), o qual tornou-se rapidamente a principal força eleitoral do país e fez de Babiš ministro das finanças e depois, desde 2017, primeiro-ministro do país. Ver: GROSZKOWSKI, Jakub. The Crisis of Traditional Parties in the Czech Republic. Centre for Eastern Studies, 09 out. 2013. Disponível em: < https://www.osw.waw.pl/en/publikacje/analyses/2013-10-09/crisis-traditional-parties-czech-republic >; CURRICULUM Vitae. Personal Pages of the President of the Czech Republic. In: Prague Castle. President of the CR. Disponível em: < https://www.hrad.cz/en/president-of-the-cr/current-president-of-the-cr/curriculum-vitae > e ANDREJ Babiš. In: Government of the Czech Republic. Disponível em: <https://www.vlada.cz/en/clenove-vlady/premier/zivotopis/andrej-babis-162072/>. Acessos em: 28 jul. 2021.
  • 7
    Trad. livre da autora: “Pamětníkům výstava připomene emotivní chvíle, kterých byli očitými svědky, příslušníkům mladších generací přiblíží dramatické události bezprostředněji, než to dokážou strohé učebnice dějepisu”. 1989 pád zelezné opony. In: Kudyznudy.cz. CzechTourism. Disponível em: <https://www.kudyznudy.cz/akce/1989-pad-zelezne-opony>. Acesso em: 27 jul. 2021.
  • 8
    Trad. livre da autora: “největší výstavu fotografií o listopadových událostech roku 1989”.
  • 9
    PÁD Železné Opony. In: Jaroslav Kucera. Disponível em: <http://www.jaroslavkucera.com/cs/aktuality/61-aktuality/365-pad-elezne-opony-305-30112019.html>. Acesso em: 27 jul. 2021.
  • 10
    “Tak se hroutila železná opona. Na Hradě začíná výstava unikátních fotek z roku 1989”. Trad. livre da autora: “Então a cortina de ferro desabou. Uma exposição de fotos únicas de 1989 começa no Castelo”. VOCELKA, Tomaš. Tak se hroutila železná opona. Na Hradě začíná výstava unikátních fotek z roku 1989. Aktuálně, 29 maio 2019. Disponível em: <https://magazin.aktualne.cz/foto/pad-zelezne-opony-vystava-fotek-k-roku-1989-na-hrade/r~224292b6814511e9ab10ac1f6b220ee8/>. Acesso em: 09 jul. 2021.
  • 11
    Trad. livre da autora: “Neboť Jaroslav Kučera je jako magnetem přitahován právě k tomu, co je běžné životní zkušenosti skryto”. MRÁZKOVÁ, Daniela. Jaroslav Kučera - Fotograf. In: Art Forum. Disponível em: <http://www.gallery.cz/gallery/cz/jaroslav-kucera-vystava.html>. Acesso em: 27 jul. 2021.
  • 12
    BEAUDUIN, Adrien. Tchéquie: dans la rue contre Babiš et pour une justice indépendante. Courrier de l’Europe Centrale, 07 maio 2019. Disponível em: <https://courrierdeuropecentrale.fr/tchequie-dans-la-rue-contre-babis-et-pour-une-justice-independante/>. Acesso em: 28 jul. 2021.
  • 13
    Trad. livre da autora: “Nous en avons assez”; “Nous ne sommes pas aveugles”. BEAUDUIN, Adrien. Tchéquie: dans la rue contre Babiš et pour une justice indépendante. Courrier de l’Europe Centrale, 07 maio 2019. Disponível em: <https://courrierdeuropecentrale.fr/tchequie-dans-la-rue-contre-babis-et-pour-une-justice-independante/>. Acesso em: 28 jul. 2021.
  • 14
    Vale destacar que, em outubro de 2021, duas frentes de oposição ao primeiro-ministro Babiš foram vitoriosas nas eleições parlamentares na República Tcheca. A coalizão de centro-direita SPOLU, reunindo a direita conservadora tradicional, e a frente de partidos liberais, PirSTAN, formada pelo Partido Pirata e pelo Partido dos Prefeitos (em tcheco, Piráti a Starostové) obtiveram, respectivamente, 27,8% e 15,6% dos votos, derrotando o ANO, partido de Babiš. Cf.: Czech election: Opposition wins surprise majority. In: Deutsche Welle. Disponível em: <https://www.dw.com/en/czech-election-opposition-wins-surprise-majority/a-59457738> e HONZEJK, Petr. Le populisme autoritaire en déclin en République tchèque et en Europe centrale? Une illusion! Courrier de l’Europe Centrale, 13 out. 2021. Disponível em: <https://courrierdeuropecentrale.fr/le-populisme-autoritaire-en-declin-en-republique-tcheque-une-illusion/>. Acessos em 28 jan. 2022.
  • 15
    Trad. livre da autora: “exhibition of posters”; “the way Hungary managed to get from the communist dictatorship to the change of regime”; “had deprived Hungarian people from their freedom up until the regime collapsed in 1989-1990”. 30 YEARS of Freedom. In: House of Terror Museum. Disponível em: <https://www.terrorhaza.hu/en/idoszaki-kiallitasok/30-years-in-freedom-2>. Acesso em: 04 jul. 2021.
  • 16
    Em seguida, no entanto, poucos meses após a inauguração, o Fidesz foi derrotado nas eleições nacionais pelo Partido Socialista Húngaro (MSZP), retornando ao poder apenas em 2010. Desde então, o Museu Casa do Terror tem sido um dos principais instrumentos do governo para a construção de uma determinada narrativa histórica.
  • 17
    Trad. livre da autora: “a monument to the memory of those held captive, tortured, and killed in this building”.
  • 18
    Trad. livre da autora: “social recognition and political legitimacy of one (their own) interpretation or narrative of the past”.
  • 19
    Trad. livre da autora: “With dissidents, they have a record of opposing ‘totalitarianism’, but diverge from most liberal dissidents, who accept socialist successor parties as legitimate partners in the democratic game. With historians, they share a passion for gauging the past, albeit one primarily driven by a commitment to educating an apathetic public on the dangers of communism. In line with right-wing forces, they seek to exclude substantial portions of the left from power positions, although politicians’ realistic compromises are a frequent source of disquiet”.
  • 20
    Para as citações e informações que se seguem, salvo indicação, refiro-me à narrativa da exposição 30 Years of Freedom, presente nos pôsteres da exposição. ´89 ´90 - 30 Éve Szabadon. Curadora-chefe da exposição: Mária Schmidt (diretora geral do Museu da Casa do Terror). Curadores: Gábor Tallai (diretor de programação do Museu da Casa do Terror) e Márton Békés (historiador, diretor de pesquisas do Museu da Casa do Terror).
  • 21
    O Fidesz foi fundado em 1988. De tendência liberal e origem nos movimentos estudantis críticos ao governo comunista, defendia a liberdade de mercado e a integração da Hungria à Europa. Ao longo da década de 1990, no entanto, tornou-se cada vez mais conservador. Em 1995, mudou seu nome para União Cívica Húngara - Federação dos Jovens Democratas. Cf.: FIDESZ. In: Encyclopedia Britannica. Disponível em: <https://www.britannica.com/topic/Fidesz>. Acesso em: 29 out. 2021.
  • 22
    Trad. livre da autora: “a people uprising against the totalitarian state and the Party oligarchy”.
  • 23
    Cf. Ash (1990ASH, Timothy Garton. The Magic Lantern: the Revolution of ‘89 Witnessed in Warsaw, Budapest, Berlin, and Prague. Nova York: Random House, 1990., p. 47 e seguintes).
  • 24
    Trad. livre da autora: “If we don’t lose sight of the ideals of 1956, we can elect a government which will promptly start talks about the immediate start of negotiations about the withdrawal of the Russian troops”. PÔSTER da exposição 89’ 90’. 30 Years of Freedom. Budapeste, 2019 (ver Figura 6). O discurso de Orbán, no dia 16 de junho de 1989, e sua capacidade oratória chamaram atenção do público e dos observadores políticos. Em seu relato sobre os eventos na região, feito ainda em 1990, Timothy Garton Ash (1990ASH, Timothy Garton. The Magic Lantern: the Revolution of ‘89 Witnessed in Warsaw, Budapest, Berlin, and Prague. Nova York: Random House, 1990., p. 51) lembrava que, enquanto Orbán discursava e assim que concluiu, “a multidão despertou em ferozes e prolongados aplausos”.
  • 25
    Trad. livre da autora: “so-called transition”; “so-called regime change”.
  • 26
    Trad. livre da autora: “when we’d completed the tasks of coming through the first liberal transformation and defeating the socialist successor groups, we had to throw ourselves into preparation for a second transformation. Let’s just say that we spent the four years between 2006 and 2010 preparing the blueprint for a national transformation. Then in 2010 we needed to introduce this new national system, which is a community-based system. And the political victory needed for its introduction needed to be prepared and then fought for. This brought victory, with a two-thirds majority. Then after 2010 we needed to build this new national system step-by-step, achieving success while at the same time maintaining and regenerating mass support (…). We needed to build while at the same time continuously fighting, because - and this is the story of our past ten years - we’ve continuously needed to fight against the questioning of the international acceptance of the national system”. PRIME Minister Viktor Orbán’s Speech at the 30th Bálványos Summer Open University and Student Camp, 27 July 2019. In: Miniszterelnok.hu. Disponível em: <https://www.miniszterelnok.hu/prime-minister-viktor-orbans-speech-at-the-30th-balvanyos-summer-open-university-and-student-camp/>. Acesso em: 30 jul. 2021.
  • 27
    Trad. livre da autora: “We made it happen. 30 years of freedom - that is almost the lifetime of a full generation. Through freedom and independence, we Hungarians were able to heal the wounds caused by communism. Our creativity received new impetus from freedom and independence”. PÔSTER da exposição 89’ 90’. 30 Years of Freedom. Budapeste, 2019 (ver Figura 7).
  • 28
    Trad. livre da autora: “If things have gone badly in East Central Europe by the time you read this, you will probably find what follows absurdly hopeful and terribly light-hearted. Carefully avoiding all quotations from Wordsworth, I would say only that this, too, belongs to the records. It felt like that at the time”.
  • 29
    THE FALL of the Iron Curtain and the Beginning of a New Chapter in Our History. European Comission, 8 Nov. 2019 Disponível em: <https://europeancommission.medium.com/the-fall-of-the-iron-curtain-and-the-beginning-of-a-new-chapter-in-our-history-b69105d9a053>. Acesso em: 04 jul. 2021.
  • 30
    Trad. livre da autora: “Aujourd’hui, au lieu de la joie de 1989 ou des commémorations précédentes, l’accent est mis sur les catastrophes de ces dernières années : l’AfD en Allemagne, Kaczyński et Orbán en Pologne et Hongrie, sans oublier les autres. C’est la déception qui domine. Les aspirations des foules de l’époque ont été bafouées (chagrin) et, durant trente ans, les élites néolibérales ont prospéré dans leurs petites (et grandes) affaires qui conduisent au désastre social, écologique et politique actuel (colère)”. POTEL, Jean-Yves. 1989. La Commémoration du dépit. Le Courrier d’Europe Centrale, 09 nov. 2019. Disponível em: <https://courrierdeuropecentrale.fr/1989-la-commemoration-du-depit/>. Acesso em: 04 jul. 2021.
  • 31
    Trad. livre da autora: “These days 1989 isn’t what it used to be”.
  • 32
    Trad. livre da autora: “as a synonym for humanistic values, liberalism and freedom”.
  • 33
    Trad. livre da autora: “Many other prominent dissident writers were drawn into developing this tragic myth of a deprived Central Europe - a fascinating ahistorical narrative of mystical, heroic nations struggling to break the shackles of alien dictatorship to return into the extended embrace of their freedom - and democracy-loving Western Family”.
  • 34
    Trad. livre da autora: “l’Europe que j’appelle centrale ressent le changement de son destin après 1945 non seulement comme une catastrophe politique mais comme la mise en question de sa civilisation. Le sens profond de leur résistance, c’est la défense de leur identité ; ou, autrement dit : c’est la défense de leur occidentalité”.
  • 35
    Trad. livre da autora: “the dynamic mix of liberal democracy, free markets, and Western-led globalisation would be the future of modern statehood”.
  • 36
    Trad. livre da autora: “But construing recent developments in central Europe as simply an anti-1989 backlash does not get us very far, not least because the unrest of 1989 carried within it the seeds of illiberalism as well”.

Agradecimentos

A pesquisa que resultou neste artigo faz parte do projeto desenvolvido no âmbito do estágio de pós-doutorado realizado entre 2021 e 2022 no Departamento de Sociologia da Universidade de Campinas. Agradeço ao CNPq a concessão da bolsa de Pós-Doutorado Sênior que viabilizou a realização da pesquisa.

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    » http://www.homepages.ucl.ac.uk/~tjmsesm/abstracts/AbstractsD2_1.htm

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    08 Ago 2021
  • Aceito
    21 Set 2021
Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos, 6627 , Pampulha, Cidade Universitária, Caixa Postal 253 - CEP 31270-901, Tel./Fax: (55 31) 3409-5045, Belo Horizonte - MG, Brasil - Belo Horizonte - MG - Brazil
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