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As Escolas internacionalistas da Ilha da Juventude: Formação revolucionária de jovens africanos em Cuba (anos 1970 e 1980)

The Internationalist Schools of Isla de la Juventud: Revolutionary Formation of African Youth in Cuba (1970s and 1980s)

Resumo

Neste artigo abordamos as chamadas escolas internacionalistas criadas na Ilha da Juventude, em Cuba, nos anos 1970, voltadas especialmente para alunos/as estrangeiros/as provenientes de países com os quais o governo cubano possuía relações de solidariedade internacional e interesses de cooperação militar e política. A partir da análise de reportagens do cinejornal cubano Noticiero ICAIC Latino­americano produzidas nos anos 1970 e 80, de testemunhos publicados de ex-alunos/as e do diálogo com a historiografia sobre o tema, buscamos entender as condições em que estudantes, muitos deles/as africanos/as, viveram e estudaram em Cuba, experienciando o que o governo cubano propagava como uma formação revolucionária. Situamos essa experiência no contexto da política educacional implantada após a revolução de 1959, mediante a qual educação e trabalho eram tratados como atividades complementares, amparadas nos princípios de formação do “homem novo”. Constatamos que esse programa de cooperação integrou de forma importante as estratégias de diplomacia internacional cubana, especialmente no tocante às relações com a África. Analisamos, também, algumas implicações advindas dessa presença estrangeira em Cuba, em um contexto de gradual crise econômica proveniente da desintegração da URSS.

Palavras-chave:
formação revolucionária em Cuba; Ilha da Juventude; africanos em Cuba

Abstract

In this article, we address the so-called internationalist schools created in Isla de la Juventud, in Cuba, in the 1970s, aimed especially at foreign students from countries with which the Cuban government had relations of international solidarity and interests in military and political cooperation. Based on the analysis of reports from the Cuban newsreel Noticiero ICAIC Latinoamericano produced during the 1970s and 80s, published testimonies of former students and dialogues with existing historiography on the subject, we seek to understand the conditions in which these students, many of them Africans, lived and studied in Cuba, experiencing what the Cuban government propagated as a revolutionary formation. We place this experience in the context of the educational policy implemented after the 1959 revolution, through which education and work were treated as complementary activities, both seeking to establish the principles that would lead to the formation of the “new man”. We found that this cooperation program was an important part of Cuban international diplomacy strategies, especially with regard to relations with Africa. We also analyze some implications arising from this foreign presence in Cuba, in a context of gradual economic crisis resulting from the disintegration of the USSR.

Keywords:
revolutionary formation in Cuba; Isla de la Juventud; Africans in Cuba

Introdução: da Ilha dos Pinheiros à Ilha da Juventude

Este artigo surgiu da constatação da existência de uma temática comum, ainda pouco investigada, que emergiu em nossas pesquisas recentes sobre Cuba.1 1 Referimo-nos ao doutorado de Alexsandro de Sousa e Silva, concluído em 2020, e à pesquisa de Mariana Villaça, desde 2019, junto ao projeto Recherche collective sur le Noticiero ICAIC Latinoamericano (1960-1990), coordenado por Nancy Berthier e Camila Arêas, cujas informações podem ser acessadas em RECHERCHE collective sur le Noticiero ICAIC. In: Hypotheses. Disponível em: <https://noticiero.hypotheses.org>. Acesso em: 08 dez. 2021. Ambas investigações se serviram, dentre outras fontes, das edições do cinejornal Noticiero ICAIC Latinoamericano, produzido e difundido entre 1960 e 1990. O destaque conferido por esse cinejornal às transformações pelas quais passou a Ilha dos Pinheiros (em espanhol, Isla de Pinos), a segunda maior ilha do arquipélago cubano, que abrigou um numeroso conjunto de escolas voltadas a estudantes cubanos e estrangeiros - muitos deles africanos - nos chamou a atenção na medida em que as reportagens permitiam compreender e problematizar os contornos do modelo educacional instituído em Cuba após a revolução, os desafios da busca pelo rápido desenvolvimento econômico e as estratégias diplomáticas adotadas em suas relações internacionais, principalmente com os países africanos.

O cinejornal em questão foi produzido pelo Instituto Cubano del Arte e Industria Cinematográficos (ICAIC) e exibido semanalmente nas salas de cinema, levando notícias sobre Cuba e o mundo. Muitas das reportagens divulgavam as conquistas “da revolução” e denunciavam as mazelas (sociais, políticas, econômicas) dos países pobres, bem como as ações do “imperialismo” norte-americano e os conflitos internacionais no contexto da Guerra Fria. As edições podiam ser monotemáticas ou conter uma sequência de breves reportagens sobre assuntos diversos, totalizando, em geral, cerca de dez minutos. Há mais de mil e quatrocentas edições desse cinejornal, uma vez que ele existiu ao longo de três décadas.

Para a análise de um cinejornal como documento histórico, cabe observar, metodologicamente, sua estrutura formal - a organização de cada edição em seções de duração variada, encadeadas segundo uma lógica que busca reações empáticas do espectador por meio de diferentes recursos narrativos, com grande destaque à montagem. Nesse cinejornal cubano, que passou por diversas mudanças ao longo de sua história, são notórios alguns procedimentos de linguagem frequentemente lembrados por seus estudiosos e pelos pesquisadores da obra de Santiago Álvarez, diretor responsável por sua produção durante décadas: o uso de imagens de distintas procedências (televisão, imprensa, fotografia etc.), encadeadas de forma ágil e enquadradas de modo a monumentalizar ou ironizar determinados temas, bem como o tratamento criativo da trilha sonora na narração, entre outras marcas que contribuíam para um discurso calcado na “épica revolucionária” (PRIOSTE, 2014PRIOSTE, Marcelo Vieira. O Cinema documentário de Santiago Álvarez na construção de uma épica revolucionária. Tese (Doutorado em Meios e Processos Audiovisuais) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.). Neste trabalho voltado às escolas internacionalistas, ao lidarmos com um período longo e uma quantidade expressiva de edições do cinejornal, além de outras fontes não audiovisuais, adotamos os cuidados metodológicos inerentes à análise desse tipo de documento - como a decupagem fílmica - e buscamos mapear a recorrência e a variedade de enfoques do tema ao longo dos anos. Assim, para efeito do recorte temático necessário à elaboração deste artigo, priorizamos algumas edições que trataram especialmente da história da Ilha da Juventude (em espanhol, Isla de la Juventud) e as transformações que ocorreram com a implementação de escolas, revelando a confluência entre os esforços de desenvolvimento local e os ecos da política internacionalista cubana.

Durante décadas ao longo do século XX, essa ilha abrigou um grande complexo penitenciário, o Presidio Modelo de Isla de Pinos.2 2 Complexo inaugurado em 1931 para cinco mil detentos, composto por cinco edifícios circulares (cada qual com cinco andares e 93 celas), seguindo um modelo norte-americano de arquitetura panóptica. O complexo foi usado para a detenção de prisioneiros de guerra alemães e japoneses durante a II Guerra. Após a revolução de 1959, continuou sendo usado para presos políticos até 1967, quando foi desativado, e transformado, anos depois, em museu e centro de pesquisa, sendo declarado Monumento Nacional em 1978. Ver PRESIDIO Modelo (Isla de la Juventud). In: EcuRed. Disponível em: <https://www.ecured.cu/ Presidio_Modelo_(Isla_de_la_Juventud)>. Acesso em: 02 abr. 2021. O cinejornal Noticiero ICAIC Latinoamericano dedicou, principalmente nos anos 1970 e 1980, diversas reportagens sobre sua história, ao desenvolvimento econômico pelo qual passou após 1959 e à forte presença juvenil na população da ilha, em função de uma grande quantidade de escolas que ali foram instaladas.3 3 Essas edições do cinejornal Noticiero ICAIC Latinoamericano, que a partir de agora identificaremos abreviadamente como “Noticiero”, estão disponíveis para consulta no site do Institut National de l’Audiovisuel (INA, França), onde foram digitalizados: COLLECTION Actualités Cubaines (CAIC). In: INA Mediapro. Disponível em: <https://www.inamediapro.com/Collections/Collection-Actualites-Cubaines-ICAIC>. Acesso em: 08 dez. 2021. Sua denominação original, Ilha dos Pinheiros, foi substituída oficialmente, em 1978, por Ilha da Juventude.4 4 INSTITUT NATIONAL DE L’AUDIOVISUEL (INA), França. Escenas de la Isla de la Juventud, 18 jul. 1978. Noticiero 875. Tal escolha nos parece ter relação direta com o projeto governamental de ocupação dessa ilha por escolas secundárias, por meio das quais se esperava povoar aquele território (até então com baixa densidade populacional) e garantir a mão de obra necessária à implementação de atividades agrícolas, com uma grande quantidade de jovens que passariam a residir naquela localidade. O nome também parece ter relação, do ponto de vista simbólico, com a existência na Ilha da casa-museu El Abra, onde José Martí ficou hospedado para recuperar sua saúde após uma temporada na prisão, em 1870, aos 17 anos, pouco antes de partir ao exílio.5 5 INA, França. El museo del Abra en la Isla de la Juventud, 22 jan. 1983. Noticiero 1109.

Outra associação com o termo “juventude” que passou a batizar a Ilha foi tecida em torno da trajetória de Fidel Castro, tendo em vista que ele esteve detido por cerca de um ano no Presidio Modelo, com outros rebeldes do movimento que, em 1953, havia invadido o Quartel Moncada a fim de organizar a luta armada contra o governo de Fulgencio Batista. Por ocasião de sua prisão, Fidel, cujo protagonismo já vinha sendo exaltado na imprensa (ALVES, 2021ALVES, Hélio Augusto de Souza. Entre a insurreição e o poder: a construção da imagem pública de Fidel Castro Ruz (1952-1959). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual Paulista, Assis, 2021.), redige sua famosa autodefesa La historia me absolverá, e sistematiza aquelas que seriam as bases do programa da organização política Movimiento 26 de Julio (M-26), fundada no ano seguinte. Esses marcos de sua trajetória (o famoso “assalto ao quartel Moncada”, sua prisão e a defesa que resultou em sua anistia) serão, após a Revolução, consagrados como etapas gloriosas de sua escalada como líder revolucionário. Não coincidentemente, a proclamação oficial do novo nome da Ilha se deu em cerimônia presidida por Fidel Castro, em frente ao Presidio Modelo onde esteve preso.6 6 A cerimônia foi registrada no INA, França. Festival Mundial de la Juventud y los Estudiantes, 8 ago. 1978. Noticiero 878.

Assim, o sentido de liberdade evocado pelo novo nome da Ilha foi conectado, pelo discurso oficial, a experiências históricas que continuaram a ser periodicamente rememoradas: no aniversário de trinta anos da libertação de Fidel do Presidio Modelo, ocorreu uma grande comemoração na Ilha, reforçando uma vez mais a importância histórica de sua estadia ali para a concretização do M-26 e, por conseguinte, da revolução.7 7 INA, França. Actividades por el XXX aniversario de la salida del Comandante Fidel Castro del Reclusorio de Isla de Pinos, 3 jun. 1985. Noticiero 1231. A história local foi assim sendo alinhada aos marcos fundamentais do calendário cívico nacional cuidadosamente construído e sedimentado em termos políticos, nos anos após a revolução (PRADO, 2018PRADO, Gilliard. A construção da memória da Revolução Cubana. A legitimação do poder nas tribunas políticas e nos tribunais revolucionários. Curitiba: Appris, 2018.).

Durante a década de 1970, foram instaladas na Ilha várias ESBECs, Escuelas Secundárias Basicas en el Campo, parte de uma política que se inicia em 19718 8 Em 20 de novembro de 1971, Fidel Castro inaugura a primeira Escuela Básica Secundaria en el Campo em Piñar del Río, seguida por outras em Havana, Matanzas e na então Isla de Pinos. INA, França, 30 set. 1971. Noticiero 529. e que tinha como característica a associação entre ensino e trabalho no campo: os/as alunos/as estudavam por meio período e, no turno em que não estavam em sala de aula, bem como em muitos finais de semana, trabalhavam no plantio, na colheita e em outras atividades relacionadas ao cultivo. Essa política, concretizada nos anos 1970, teve seus antecedentes nos anos 1960, sob a forma de acampamentos juvenis que eram organizados na Ilha a fim de promover frentes de trabalho.9 9 A exemplo do “Campamento Juvenil Andres Voisin” registrado no INA, França. Vida diaria en los institutos tecnológicos, 17 abr. 1967. Noticiero 356. Por meio de programas de férias, como La escuela al campo,10 10 INA, França. Escuela de arte en el campo, 12 maio 1969. Noticiero 452; Alumnas de La Habana trabajan en agricultura, 6 mar. 1967. Noticiero 350; Alumnos participan en las labores agrícolas, 15 maio 1967. Noticiero 360; Jóvenes en la Escuela al Campo, 19 fev. 1969. Noticiero 441; INA, França. Reportaje sobre Isla de Pinos, 12 abr. 1969. Noticiero 448. durante o recesso escolar (as férias de verão, principalmente), alunos/as de outras localidades, como Havana, vinham passar temporadas na Ilha da Juventude, durante as quais o trabalho era parte de suas atividades cotidianas. Há algumas reportagens no Noticiero ICAIC Latinoamericano que noticiam esse fluxo, mostrando, por exemplo, a chegada de navio proveniente da capital repleto de jovens, que são recebidos/as com festa e faixas de “boas-vindas”, em Nova Gerona, capital da Ilha da Juventude.

Nos anos 1970, para além do programa de férias, houve a instalação de escolas onde jovens de outras províncias cubanas passaram a morar em regime de internato. Em abril de 1972, 560 alunos/as da escola secundária Vanguardia de La Habana, por exemplo, foram transferidos/as para a Ilha no âmbito de um projeto governamental que visava ocupá-la futuramente com cerca de 35.000 alunos/as até os anos 1980.11 11 INA, França. Estudiantes se trasladan hacia Isla de Pinos, 4 maio 1972. Noticiero 555. Nesse sentido, em 1974, é inaugurada uma rota diária entre Havana e Nova Gerona, feita pelo navio Ilha da Juventude, com capacidade para 1000 pessoas.12 12 INA, França. Buque Isla de la Juventud, 12 set. 1974. Noticiero 674.

Devido às características naturais dessa Ilha, que possui solo um tanto árido, muito vento e certa dificuldade de acesso, houve o investimento no cultivo de frutas cítricas, estimulado, nos anos 1980, pelo Festival de la Toronja, criado para marcar essa nova identidade local.13 13 INA, França. Cosecha de cítricos en la Isla de la Juventud, 25 dez. 1982. Noticiero 1105. Além do investimento em cítricos, outros projetos complementares buscaram adensar essa ocupação: foi o caso da construção do Instituto Tecnológico Libertad, voltado à formação de técnicos/as em solo e fertilizantes,14 14 INA, França. Reportaje sobre Isla de Pinos, 12 abr. 1969. Noticiero 448. dos investimentos em pecuária (produção leiteira) e em fábricas de cerâmica, a fim de se aproveitar a reserva de argila (caolín) existente em seu território, para a fabricação de peças artesanais e tijolos.15 15 Em 1985, uma entrevista com uma artista local atesta a existência de 10 fábricas de cerâmica na Ilha. Essa presença impulsiona a realização anual da Feria Nacional de la Ceramica. INA. França. La Isla de la Juventud y su historia, 26 jan. 1985. Noticiero 1213. De todo modo, a imagem preponderante nas telas é a de uma ilha “pomar”, com intensa participação de jovens nas atividades de cultivo. Várias reportagens do Noticiero que abordam a Ilha da Juventude focam moças e rapazes (mas principalmente as moças) colhendo alegremente as frutas, divertindo-se com as mangueiras de irrigação ou usufruindo de momentos de alegria e descontração após o trabalho. A própria imagem de um pomar, repleto de frutos, contribuía para a exaltação do vigor juvenil, da produtividade ansiada para que Cuba progredisse rapidamente rumo ao desenvolvimento econômico. Essa ilha “jovem”, “frutífera”, será um território fundamental para a experimentação do chamado internacionalismo cubano, sobre o qual trataremos mais adiante.

A formação revolucionária em Cuba: associação entre estudo e trabalho

Para uma melhor compreensão das razões que motivaram a ampla criação das ESBECs e suas características, tão marcantes na história da Ilha da Juventude, faz-se necessário retroceder aos princípios das campanhas de educação pública iniciadas em Cuba após a Revolução. A política educacional se inicia com a Campanha de Alfabetização, em 1961, viabilizada por meio de uma grande mobilização popular, principalmente de estudantes (cerca de cem mil brigadistas), e que resultou em um ano de trabalho intenso dos/as alfabetizadores/as junto à população rural. O meio rural era a prioridade, uma vez que lá se encontravam os mais graves problemas (educacionais, sanitários, econômicos). Toda essa campanha foi revestida de um forte espírito bélico, uma vez que o ano de 1961 foi marcado também por ataques contrarrevolucionários, como o ocorrido em Playa Girón no mês de abril, além de assassinatos de jovens brigadistas (como Manuel Ascunce Domenech e Conrado Benítez, mortos em novembro) que se tornaram mártires nacionais. Esses dados históricos são importantes para se compreender o valor simbólico e a dimensão política da chamada “batalha pela educação”, que se revestiu de um discurso de afirmação da soberania nacional. Desde esse momento, a educação foi encarada como prioridade governamental e motivo de grande orgulho nacional por simbolizar uma conquista histórica da revolução.

Ao final desse processo, em dezembro de 1961, o governo proclamou Cuba como um “território livre de analfabetismo”, contabilizando apenas 3,9% de analfabetos remanescentes no país (PÉREZ-CRUZ, 2011PÉREZ-CRUZ, Felipe de Jesús. La Campaña nacional de alfabetización en Cuba. VARONA, Revista Científico-Metodológica, n. 53, p. 10-23, jul./dic. 2011., p. 22). Comemorava-se também a rapidez desse processo: “Nos últimos três meses, alfabetizaram-se 70% dos analfabetos do país”16 16 Trad. livre dos autores: “En los últimos tres meses se alfabetizó el 70 por ciento de los analfabetos del país”. (PÉREZ-CRUZ, 2011PÉREZ-CRUZ, Felipe de Jesús. La Campaña nacional de alfabetización en Cuba. VARONA, Revista Científico-Metodológica, n. 53, p. 10-23, jul./dic. 2011., p. 20; GUTIERREZ, 2007, p. 82). Devemos considerar com certa cautela as estatísticas, pois, a despeito da enorme conquista proporcionada pela campanha, havia, inegavelmente, uma urgência em apresentar números positivos num curto espaço de tempo, a fim de reconhecer o verdadeiro “esforço de guerra” empreendido pelas dezenas de milhares de pessoas envolvidas.

Nesse período de grande mobilização coletiva, a alfabetização, para além dos objetivos do letramento, significava também a educação política (lembremos que o método utilizava discursos de Fidel Castro como parte do material de estudo) e a possibilidade de capacitação de trabalhadores, em um contexto no qual Cuba aspirava a um rápido desen­volvimento econômico. Além disso, o próprio trabalho de alfabetizar indicava uma prática que seria uma cobrança constante aos/às estudantes: trabalhar e estudar, pelo desenvolvimento do país e de si próprios como revolucionários/as, como “homens novos”. Para compreender os contornos dessa formação revolucionária, recorremos a Che Guevara, que destaca o trabalho como “dever social” e intrínseco à formação do “homem novo” em Cuba. Che é o autor de um famoso texto que talvez seja a publicação que mais se aproxima de uma sistematização das características idealmente desejadas no novo cidadão cubano, sujeito que deveria ser plenamente consciente de seu papel na nova sociedade e estar pronto para executar as tarefas a ele designadas:17 17 Esse texto, intitulado “El socialismo y el hombre nuevo”, foi publicado em 1965 pelo semanário uruguaio Marcha e foi escrito por Che Guevara como uma carta endereçada a Carlos Quijano, diretor desse jornal.

Fazemos todo o possível para dar ao trabalho esta nova categoria de dever social e associá-lo ao desenvolvimento da técnica, por um lado, o que propiciará condições para uma maior liberdade, e ao trabalho voluntário, por outro, com base na concepção marxista de que o homem alcança verdadeiramente sua condição humana plena quando produz sem a compulsão da necessidade física de se vender como mercadoria. Claro que ainda existem aspectos coercitivos no trabalho, mesmo quando é voluntário; o homem não transformou toda a coerção que o cerca em reflexo condicionado de cunho social e ainda produz, em muitos casos, sob pressão do meio (compulsão moral, como Fidel a chama). Ele ainda precisa alcançar a completa satisfação espiritual ante sua própria obra, sem pressão direta do meio social, mas ligado a ele por novos hábitos. Isso será o comunismo18 18 Trad. livre dos autores: “Hacemos todo lo posible por darle al trabajo esta nueva categoría de deber social y unirlo al desarrollo de la técnica, por un lado, lo que dará condiciones para una mayor libertad, y al trabajo voluntario por otro, basados en la apreciación marxista de que el hombre realmente alcanza su plena condición humana cuando produce sin la compulsión de la necesidad física de venderse como mercancía. Claro que todavía hay aspectos coactivos en el trabajo, aun cuando sea voluntario; el hombre no ha transformado toda la coerción que lo rodea en reflejo condicionado de naturaleza social y todavía produce, en muchos casos, bajo la presión del medio (compulsión moral, la llama Fidel). Todavía le falta el lograr la completa recreación espiritual ante su propia obra, sin la presión directa del medio social, pero ligado a él por los nuevos hábitos. Esto será el comunismo”. (GUEVARA, 2011GUEVARA, Ernesto Che. El Socialismo y el hombre en Cuba. Havana: Ocean Sur, 2011., p. 13).

Como se nota no texto, ante o despreparo dos indivíduos para o exercício consciente do trabalho, sem qualquer pressão “do meio social”, cabia algum tipo de coerção, segundo Che. E essa será viabilizada com o desenvolvimento de um modelo de escola internato, no qual o trabalho é plenamente integrado ao cotidiano.

Essa relação intrínseca entre formação e trabalho, já notória nos anos 1960, está presente até hoje na base do Sistema Nacional de Educação, oficialmente criado nos anos 1970. Segundo Margarita Quintero López (2011LÓPEZ, Margarita Quintero. A educação em Cuba: seus fundamentos e desafios, Estudos avançados, v. 25, n. 72, p. 55-72, ago. 2011., p. 22), a combinação entre estudo e trabalho

É um princípio direcionador da pedagogia cubana em que se fundem dois objetivos essenciais. Por um lado, desenvolver nos estudantes o amor pelo trabalho como valor fundamental de uma sociedade de trabalhadores como a nossa, para criar neles a consciência de produtor de riquezas sociais e matérias (sic); e por outro, a intencionalidade está dirigida à integração do estudante com o processo produtivo e com o trabalho socialmente útil, de forma participativa e dosada, para fomentar neles, desde cedo, valores tão essenciais como a responsabilidade e a laboriosidade. Ambos os objetivos se concentram na escola no processo de formação laboral que transcorre dentro e fora da sala de aula, por meio do qual os estudantes socializam, mediante o trabalho, as normas de conduta e os valores relacionados com o desenvolvimento da consciência de produtor, que lhes permitirá apreender a cultural (sic) laboral, como educação do indivíduo em seu sentido mais amplo. A aplicação desse princípio está presente em todo o Sistema Educacional (...).

No espírito da “compulsão moral” mencionada por Fidel e referida no texto de Che Guevara, cabe lembrar que, dentre os/as estudantes que se tornaram alfabetizadores/as na Campanha de 1961, muitos/as se voluntariaram. Segundo Pérez-Cruz (2011PÉREZ-CRUZ, Felipe de Jesús. La Campaña nacional de alfabetización en Cuba. VARONA, Revista Científico-Metodológica, n. 53, p. 10-23, jul./dic. 2011., p. 13),

Em 29 de agosto de 1960, ocorreu a solenidade de formatura do Primeiro Contingente de Professores Voluntários. Mil e quatrocentos jovens receberam seus diplomas e ratificaram, perante o comandante em chefe Fidel Castro, seu compromisso de ir aos lugares de mais difícil acesso para levar educação aos camponeses.19 19 Trad. livre dos autores: “El 29 de agosto de 1960 tuvo lugar el acto de graduación del Primer Contingente de Maestros Voluntarios. Mil cuatrocientos jóvenes recibieron sus diplomas y ratificaron, ante el Comandante en Jefe Fidel Castro, su compromiso de marchar a los lugares de más difícil acceso para llevar la educación a los campesinos”.

Contudo, houve também convocações e recrutamentos realizados por distintas organizações (tais como a Asociación de los Jóvenes Rebeldes, a Federación de Mujeres Cubanas e os Comités de Defensa de la Revolución), prática que seria frequente para todo tipo de tarefa que exigisse a colaboração da mão de obra da população. Com o passar dos anos e as mobilizações constantes, o espírito de “sacrifício pela revolução” naturalmente oscilou, decaindo em períodos de maior dificuldade econômica. Assim, vemos que o termo “trabalho voluntário”, nesse contexto, nem sempre deve ser interpretado ao pé da letra. Além disso, não “se voluntariar” poderia ter implicações (políticas e sociais) negativas para um/a jovem que aspirasse a uma carreira profissional ou estivesse inserido/a em alguma associação.

A valorização do trabalho se consagrou como tônica das políticas educacionais cubanas por décadas a fio. Em 2001, no Congresso de Pedagogia celebrado em Havana, se reafirmou “o trabalho preventivo e comunitário como componente importante do trabalho educativo para prevenir indisciplinas, vícios e demais condutas inadequadas”, dando-se “especial atenção à formação laboral dos estudantes, como princípio direcionador da educação, presente no Programa Diretor para o reforço dos valores fundamentais da sociedade cubana atual” (LÓPEZ, 2011LÓPEZ, Margarita Quintero. A educação em Cuba: seus fundamentos e desafios, Estudos avançados, v. 25, n. 72, p. 55-72, ago. 2011., p. 67).

Após o sucesso dos programas de alfabetização e da Campanha para a obtenção do 6º grau, a demanda passou a ser o acesso universal ao Ensino Secundário. A necessidade de estruturar todo o sistema de ensino aparece em 1971, no Primeiro Congresso Nacional de Educação e Cultura, e na decisão, em 1972, de se criar o Centro de Desenvolvimento Educativo para gerir a organização de um Sistema Nacional de Educação. Esse momento em 1972 é considerado pela historiografia cubana um segundo marco, após a campanha de 1961, constituindo uma “segunda revolução educacional” no país (GONZÁLEZ; REYES VELÁZQUEZ, 2009GONZÁLEZ, José Pedro G.; REYES VELÁZQUEZ, Raúl. Desarrollo de la educación en Cuba después del año 1959. Actualidades Investigativas en Educación, v. 9, n. 2, p. 1-28, mayo/ago. 2009., p. 13). Assim, muitas escolas secundárias (equivalentes ao Ensino Fundamental II e a determinados cursos técnicos no Brasil) e pré-universitárias (equivalentes ao Ensino Médio) foram criadas nas zonas rurais entre 1972 e 1975. Vale notar que, no início desse processo, a falta de professores para essas unidades de ensino fez com que milhares de jovens que já haviam concluído o ensino médio passassem por cursos de aceleração e fossem alçados ao status de professores/as nessas mesmas escolas, integrando, por exemplo, o Destacamento Pedagógico Manuel Ascunce Domenech (LÓPEZ, 2011LÓPEZ, Margarita Quintero. A educação em Cuba: seus fundamentos e desafios, Estudos avançados, v. 25, n. 72, p. 55-72, ago. 2011., p. 58-59; TROJAN, 2008TROJAN, Rose Meri. Educação Básica e formação docente em Cuba: prós e contras. Jornal de Políticas Educacionais, v. 2, n. 3, p. 53-64, jan./jun. 2008., p. 61). Essa predominância das escolas secundárias situadas em zonas rurais (divididas entre escolas básicas e escolas de formação específica, como cursos técnicos e pedagogia), que ocorre ainda hoje,20 20 Segundo dados de 2009, existem 9022 escolas, sendo 6688 rurais. Cf. GONZÁLEZ; REYES VELÁZQUEZ, 2009, p. 20. era condizente com a política de universalização do ensino inaugurada pela Campanha de Alfabetização e com a necessidade de se criarem bolsões de mão de obra no campo. Segundo Clara Riveros (2018)RIVEROS, Clara. Cuba y los becarios de la Isla de la Juventud: ¿emancipación o explotación de menores? CPLATAM - Análisis político en América Latina, Bogotá, mar. 2018. Disponível em: < http://cplatam.net/cuba-y-los-becarios-de-la-isla-de-la-juventud-emancipacion-o-explotacion-de-menores/ >. Acesso em: 20 jun. 2021.
http://cplatam.net/cuba-y-los-becarios-d...
, Cuba chegou a ter 535 ESBECs, e dentre elas nos interessam especialmente as “escolas internacionalistas” que abordaremos a seguir, e que deixaram de existir em 2012, após dificuldades crescentes na manutenção desse programa, com o fim da URSS.

Escolas internacionalistas na Ilha da Juventude

A escolha da Ilha da Juventude para a construção de escolas voltadas a receber estrangeiros/as merece algumas considerações, uma vez que se tratava de um local retirado, distante da capital, e que sempre teve um baixo povoamento.21 21 Segundo a história da Ilha da Juventude, relatada pelo cinejornal, sua população sempre foi baixa, sendo de cerca de seiscentas pessoas durante o período colonial. Há a notícia da instalação de uma colônia norte-americana com cerca de 1500 pessoas nos anos 1920. Ver: INA, França. Última norteamericana en la Isla de la Juventud, 12 mar. 1982. Noticiero 1064. A primeira consideração a fazer é a formulação da hipótese de que o lugar foi escolhido para que os/as estrangeiros/as estivessem ali concentrados/as, com possibilidades escassas de deslocamento para outras províncias de Cuba. Tal concentração facilitava o controle, a vigilância e o acompanhamento da trajetória desses/as jovens tanto pelo Estado cubano como pelos governos dos seus países de origem, que esperavam que eles regressassem como profissionais formados. Também devemos pensar na conveniência do aproveitamento dessa mão de obra em um lugar que carecia de ocupação e de braços para desenvolver uma agricultura economicamente rentável. Um terceiro aspecto a se levantar é que o isolamento dos/as estrangeiros/as na Ilha da Juventude evitava trocas culturais e interinfluências que, às vistas do governo, podiam ser prejudiciais ao projeto de formação do “homem novo”. Talvez fosse preferível ao governo cubano preservar os/as jovens cubanos/as do contato com rapazes e moças que traziam na bagagem sua religiosidade (indesejada num país comunista), seus valores e, em alguns casos, experiências específicas de combate em frentes armadas das mais variadas naturezas.

Sobre essa questão da religiosidade, poderíamos agregar que o discurso do Noticiero revela a existência de preconceito contra determinadas manifestações culturais africanas. O pesquisador Carlos Moore (1988MOORE, Carlos. Castro, the Blacks, and Africa. Los Angeles: Center of Afro-American Studies, University of California, 1988., p. 254) chegou a afirmar que a criação das escolas internacionalistas buscava evitar problemas com racismo no restante da ilha de Cuba. E tais problemas existiram desde os primeiros laços diplomáticos do regime castrista com governos africanos recém-independentes, no início dos anos 1960, como no caso dos estudantes da Guiné-Conacri impedidos de presenciar uma cerimônia religiosa afro-cubana (MOORE, 1988MOORE, Carlos. Castro, the Blacks, and Africa. Los Angeles: Center of Afro-American Studies, University of California, 1988., p. 131). Algumas reportagens do Noticiero revelam um olhar que tende a reforçar estereótipos em torno das religiões de matriz africana na Ilha, associando-as à reprodução cultural folclórica (que remete a um passado estático) ou relacionando-as ao universo da bruxaria.22 22 INA, França. Quemando tradiciones, 26 fev. 1971. Noticiero 519; Conjunto Folklorico Nacional, visita de Kenneth Kuanda [Zambia], Primer Festival Internacional de Aficionados, I Laboratorio Internacional del Folklore (Folk Cuba’85), 14 out. 1985. Noticiero 1251. Ainda que os laços com países africanos se tenham fortalecido diplomaticamente ao longo de décadas, tais olhares não foram desfeitos ao menos até os anos 1990, em outro contexto internacional.

Desde o início dos contatos diplomáticos com os países da África Subsaariana que saíram do colonialismo europeu no início dos anos 1960, houve esforços para trazer estudantes a fim de cursarem a educação básica e faculdades na ilha caribenha. O gesto guarda uma inovação em termos de relações entre América Latina e África. Tais contatos devem ser compreendidos no âmbito dos esforços do governo cubano em se tornar uma referência importante para o Terceiro Mundo, assumindo um lugar de destaque no contexto da Guerra Fria. Exportar a revolução, contribuir com os “povos irmãos” e lutar contra o imperialismo norte-americano são propósitos explícitos nas duas primeiras Declarações de Havana (1960 e 1962), e que norteiam certas ações e escolhas da política internacional cubana. Assumir um protagonismo na difusão da luta armada revolucionária (e notadamente, do modelo guevarista) e, ao mesmo tempo, garantir o reconhecimento da legitimidade da revolução cubana e ampliar seu apoio internacional, dentro e fora do bloco socialista, foram motivações presentes na realização da Conferência Tricontinental (que incluiu a participação de diversas delegações asiáticas e africanas) e no I Encontro da OLAS (Organización Latinoamericana de Solidaridad), em 1966 e 1967, respectivamente.23 23 Ambos eventos organizados pelo governo cubano, sob um forte discurso anti-imperialista e anticolonialista, reuniram dezenas de representantes de organizações políticas de inúmeros países, com a finalidade de estimular a luta armada nos países do Terceiro Mundo (caso da Tricontinental) ou, mais especificamente, na América Latina (objetivo da OLAS). Um panorama desses encontros e seu impacto no Cone Sul pode ser encontrado em Marchesi (2019), enquanto uma análise das ideias que os fundamentaram, veiculadas pela revista Tricontinetal (fundada em 1966), pode ser vista em Generoso (2020).

Nos anos 1960 e 1970, a forte atuação cubana na África, nas lutas anticoloniais, foi um capítulo fundamental da história de sua política internacional, na qual pesavam sua afirmação dentro do Bloco Socialista e as possibilidades de parceria econômica, entre outros fatores geopolíticos. Ideologicamente, a política internacionalista cubana era revestida de muitos sentidos simbólicos dentro do próprio país. O discurso em prol do “internacionalismo”, termo reiterado desde os primórdios da organização do socialismo, além de evocar o exemplo de Che Guevara e se ancorar nos princípios marxistas da Internacional Comunista, estreitando os elos com a URSS e afirmando a vocação socialista de Cuba, também contribuía para sedimentar uma suposta “tradição cubana” revolucionária e internacional, que se teria iniciado com a atuação de José Martí, no século XIX.

Em razão do tema abordado neste artigo, interessa-nos destacar o lugar que a África ocupou nesse internacionalismo, em que pese a importância das relações com a América Latina. O governo cubano, por meio de suas Forças Armadas, prestou apoio à Frente Nacional de Libertação (FLN) argelina, participou da “Guerra das Areias”, entre Argélia e Marrocos (1963), e da guerrilha do Congo-Léopoldville (1965). Contribuiu nas lutas pela emancipação de Guiné-Bissau (1974), na consolidação da independência e na guerra civil de Angola (entre 1975 e 1991), e participou ao lado da Etiópia na guerra contra a Somália (1977 e 1978) (SILVA, 2020SILVA, Alexsandro de Sousa e. A câmera e o canhão: a circulação das imagens cinematográficas entre Cuba e países africanos (1960-1991). Tese (Doutorado em História Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020., p. 21). Essa atuação, em parte registrada pelas lentes do Noticiero ICAIC Latinoamericano e analisada em recente tese de doutorado de Alexsandro de Sousa e Silva (2020SILVA, Alexsandro de Sousa e. A câmera e o canhão: a circulação das imagens cinematográficas entre Cuba e países africanos (1960-1991). Tese (Doutorado em História Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020., p. 31), demonstra o quanto o “internacionalismo cubano”, no discurso oficial designado por “internacionalismo proletário”, foi uma política longeva e tratada como prioritária pelo governo: Fidel Castro, a partir de 1972, fez visitas oficiais a países africanos e recebeu inúmeras autoridades desse continente. Essa política abarcava, além da ajuda militar, assistência humanitária e formação educacional, por meio do envio de médicos e professores, bem como do compromisso de acolhimento de jovens que, educados/as em Cuba, pudessem voltar a seus países de origem como revolucionários/as e funcionários/as públicos/as. Vale notar que a atuação cubana na África nem sempre rendeu os frutos desejados ao governo: algumas decepções foram registradas por Che Guevara (2000)GUEVARA, Ernesto Che. Passagens da Guerra Revolucionária: Congo. São Paulo: Record, 2000. em diário sobre sua experiência no Congo em 1965, por exemplo.

Ainda que não seja nosso objetivo analisar, nos limites deste artigo, o internacionalismo cubano, parece-nos fundamental dimensionar sua amplitude a fim de compreendermos as razões para o acolhimento, na Ilha da Juventude, em Cuba, de milhares de jovens africanos/as. Não são abundantes as publicações em Cuba sobre essa Ilha, mas Jorge Risquet (1987)RISQUET, Jorge. Isla de la Juventud: diez años de internacionalismo. Havana: Política, 1987., membro do birô do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba (PCC), em Isla de la Juventud: diez años de internacionalismo, um pequeno álbum de fotografias editado oficialmente para comemorar o X Aniversario de las Escuelas Internacionalistas de la Isla de la Juventud, em 1987, conta que a ideia de se criarem escolas em Cuba foi pensada inicialmente para jovens africanos/as e teria surgido em 1977, em Angola.24 24 O livro em questão, uma edição comemorativa do Partido Comunista, tem 27 páginas e é constituído majoritariamente por fotografias, acompanhadas de breves legendas. Nessa ocasião, autoridades cubanas e angolanas (os irmãos Castro e Agostinho Neto) planejaram a criação de quatro escolas com capacidade para seiscentos alunos/as cada, a fim de receber os/as jovens angolanos/as. Nelas, esses/as estudantes poderiam terminar o ensino primário e fazer o secundário para, futuramente, ingressar em algum instituto tecnológico, em uma escola de cadetes ou prosseguir no ensino pré-universitário para cursar uma faculdade. Segundo Risquet (1987)RISQUET, Jorge. Isla de la Juventud: diez años de internacionalismo. Havana: Política, 1987., a proposta inicial foi rapidamente se alargando para outros públicos: Samora Machel pediu a Fidel que jovens moçambicanos/as também tivessem essa oportunidade; e foi possível que jovens namíbios/as que estavam em acampamentos em Angola também fossem contemplados/as. Clara Riveros (2018)RIVEROS, Clara. Cuba y los becarios de la Isla de la Juventud: ¿emancipación o explotación de menores? CPLATAM - Análisis político en América Latina, Bogotá, mar. 2018. Disponível em: < http://cplatam.net/cuba-y-los-becarios-de-la-isla-de-la-juventud-emancipacion-o-explotacion-de-menores/ >. Acesso em: 20 jun. 2021.
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confirma que a primeira leva de estudantes estrangeiros/as que chegaram a Cuba eram compostas, em 1977, por angolanos/as e moçambicanos/as.

Não sabemos com precisão quantas escolas “internacionalistas” foram criadas, mas, segundo uma reportagem de 1985 do Noticiero ICAIC Latinoamericano, havia nos anos 1980, na Ilha da Juventude, cinquenta escolas e institutos de estudo secundário, dentre os quais 17 escolas destinadas a estudantes estrangeiros/as.25 25 Esse número incluía 6 escolas pré-universitárias, 5 politécnicos (escolas técnicas), 23 escolas primárias, 1 escola de Bellas Artes e 1 de Ensino Especial. Nessa reportagem, que celebra o desenvolvimento alcançado pela ilha, também se menciona a existência de 2 grandes hospitais, dentre os quais o Hospital General Heroes del Baire, 2 clínicas estomatológicas, 3 policlínicos, além de cerca de 50 médicos residentes na Ilha. INA, França. La isla de la Juventud y su historia, 26 jan. 1985. Noticiero 1213. Christine Hatzky (2015HATZKY, Christine. Cubans in Angola: South-South Cooperation and Transfer of Knowledge, 1976-1991. Madison: The University of Wisconsin Press, 2015., p. 207) menciona a existência, entre 1977 e 1991, de 34 centros educacionais nacionais para estudantes de todo o globo. Ao longo da publicação de Risquet (1987)RISQUET, Jorge. Isla de la Juventud: diez años de internacionalismo. Havana: Política, 1987., são mencionadas diversas escolas “internacionalistas”, de forma aleatória, sem a definição de um número exato. Mencionam-se a ESBEC Samora Machel (Moçambique) e outras dedicadas a Angola (ESBEC Presidente Agostinho Neto e ESBEC Saidy Vieira Dias Mingas), Etiópia (ESBEC Karramarra), Nicarágua (ESBEC Carlos Fonseca Amador), além de uma escola dedicada a jovens da Frente Polisario,26 26 Frente Polisario é o nome do movimento que reclama a soberania do território do Saara Ocidental desde a retirada da presença espanhola em 1975. A ex-colônia é disputada com o Marrocos. de Burkina Faso, e de Yemen, Sudão, Guiné Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Nomeiam-se, ainda, uma escola dedicada a receber jovens do Congo Brazzaville (ESBEC 5 de Septiembre) e outra, da Namíbia (ESBEC Hendrich Witbooi). Note-se que várias dessas escolas tinham como nome um herói nacional homenageado do respectivo país.

Jorge Risquet (1987)RISQUET, Jorge. Isla de la Juventud: diez años de internacionalismo. Havana: Política, 1987. menciona 37 nações contempladas pelas escolas (incluindo, além dos países já mencionados, Coreia e Yemen do Sul), num total de 15 mil estudantes estrangeiros/as. As estatísticas oscilam em outros estudos, indicando, de todo modo, um grande número de estudantes e países contemplados:

No ano acadêmico de 1987-1988, 13.520 alunos de 22 países africanos foram matriculados em cursos primários, secundários e politécnicos. Da Ásia, o Iêmen foi o país que mais enviou alunos. A Coréia do Norte reportou o menor número (350) daquele continente e neste período. Em termos globais, no mesmo período, a América Latina enviou a menor quantidade de alunos (1510). Destes, a maioria era de nicaraguenses. “O ano de 1982 foi o período com mais estudantes estrangeiros, ao atingir 22.197, dos quais 12.430 eram homens e 9.767 mulheres (...) No total [os homens] chegaram a 15.370, embora em 1988 tenha havido um novo aumento para 18.600, procedentes de 37 nacionalidades”, segundo os dados oficiais27 27 Trad. livre dos autores: “Para el curso 1987-1988, se reportaron 13.520 estudiantes de 22 países africanos en los cursos de primaria, media y politécnica. De Asia, fue Yemen el país que más alumnos envió. Corea del Norte reportó la menor cantidad (350) de ese continente y en ese periodo. En términos globales, para el mismo periodo, América Latina envió la menor cantidad de estudiantes (1.510). De estos, la mayoría eran nicaragüenses. ‘El año 1982 fue el período con más estudiantes extranjeros al computar 22.197, de los cuales 12.430 eran varones y 9.767 hembras (…) En total ascendían a 15.370, aunque en 1988 se produjo un nuevo incremento a 18.600, procedentes de 37 nacionalidades’, según las cifras oficiales”. (RIVEROS, 2018RIVEROS, Clara. Cuba y los becarios de la Isla de la Juventud: ¿emancipación o explotación de menores? CPLATAM - Análisis político en América Latina, Bogotá, mar. 2018. Disponível em: < http://cplatam.net/cuba-y-los-becarios-de-la-isla-de-la-juventud-emancipacion-o-explotacion-de-menores/ >. Acesso em: 20 jun. 2021.
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).

Já Piero Gleijeses (2015GLEIJESES, Piero. Visiones de libertad: La Habana, Washington, Pretoria y la lucha por el sur de África (1976-1991). T. II. Havana: Ciencias Sociales, 2015., p. 437-438) afirma que a Ilha da Juventude recebeu, entre 1976 e 1991, um total de 50.727 estudantes estrangeiros/as, entre africanos/as, latino-americanos/as e asiáticos/as. Esse número é muito superior ao apresentado por Risquet (1987)RISQUET, Jorge. Isla de la Juventud: diez años de internacionalismo. Havana: Política, 1987.. A pesquisadora Christine Hatzky (2015HATZKY, Christine. Cubans in Angola: South-South Cooperation and Transfer of Knowledge, 1976-1991. Madison: The University of Wisconsin Press, 2015., p. 156) afirma que os documentos oficiais sobre o assunto costumam ser imprecisos e até reduzem a dimensão real do fenômeno, o que demonstra que esse é um tema que ainda carece de mais pesquisas e cotejos. Em 1988, quando se anunciou a impossibilidade de continuar o projeto educacional, havia 18.075 estudantes da África Subsaariana nas escolas da região (SILVA, 2020SILVA, Alexsandro de Sousa e. A câmera e o canhão: a circulação das imagens cinematográficas entre Cuba e países africanos (1960-1991). Tese (Doutorado em História Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020., p. 392).

Vemos, portanto, que a política internacionalista, no campo da educação, voltou-se fortemente à África. Uma das hipóteses que temos para essa predominância é a de que, nas relações entre o governo cubano e os governos dos países africanos, a oferta desse acolhimento buscava reforçar os elos diplomáticos, e mesmo econômicos.28 28 Relações econômicas essas pouco estudadas e que possivelmente envolviam trocas comerciais. O polêmico episódio conhecido como “Caso Ochoa”, que foi o julgamento público e o fuzilamento, em 1989, do general Arnaldo Ochoa e condenação de outros militares cubanos que atuaram na África (Etiópia e Angola), resultou da acusação de que eles atuavam em redes internacionais de narcotráfico, comércio de marfim e diamantes. O documentário 8A - Ochoa trata do tema, especulando sobre o conhecimento dessas operações pelo governo cubano, e as razões políticas que motivaram essa execução. 8A - OCHOA. Direção de Orlando Jiménez-Leal, 1993. 1 vídeo (84 min). Publicado pelo canal midiaamais. Disponível em: <https://vimeo.com/13948546>. Acesso em: 25 jun. 2021. Hatzky (2015HATZKY, Christine. Cubans in Angola: South-South Cooperation and Transfer of Knowledge, 1976-1991. Madison: The University of Wisconsin Press, 2015., p. 207) refere-se ao projeto das escolas como um “experimento educacional ambicioso” que buscava enfatizar mundialmente o papel de Cuba como modelo de sociedade, na condição de vanguarda ante o conjunto dos países da América Latina, da Ásia e da África, algo já mencionado anteriormente e que remete ao internacionalismo terceiro-mundista, no âmbito da geopolítica vigente na década de 1960. Estudar em Cuba, ou na União Soviética, era algo valorizado entre as elites africanas de países socialistas, que se contrapunham ao ensino “burguês” ocidental. E nesse ensino estavam implícitos a formação militar e o compromisso de retorno a seus países.

Uma vez instalados/as em Cuba, os/as estudantes estrangeiros/as continuavam vinculados/as a autoridades de seu país, que ocupavam embaixadas e prosseguiam em contato direto com os/as jovens, nas próprias escolas. Nas escolas de países africanos, por exemplo, havia aulas de História, Geografia e Língua nacional que eram ministradas, preferencialmente, por concidadãos/ãs dos/as jovens estudantes. A preocupação por essas áreas, por parte das elites políticas, tinha como objetivo zelar pelas respectivas construções das identidades nacionais, utilizadas como modo de se contrapor às locais. Por isso, era uma prática corrente a execução do hino nacional e o hasteamento da bandeira nacional nas datas cívicas importantes dos países de origem (HATZKY, 2015HATZKY, Christine. Cubans in Angola: South-South Cooperation and Transfer of Knowledge, 1976-1991. Madison: The University of Wisconsin Press, 2015., p. 210).

A ligação entre as instituições de ensino e as autoridades políticas dos países contemplados era reforçada por visitas oficiais que ocorriam, na Ilha da Juventude, com alguma frequência, desde meados dos anos 1970. Vejamos: a ESBEC 14 de junio foi visitada pelo primeiro ministro Eric Williams, de Trinidad y Tobago, em um contexto em que ainda não haviam sido firmados acordos de recepção de estrangeiros/as.29 29 INA, França. Visita del Primer Ministro de Trinidad y Tobago, 26 jun. 1975. Noticiero 715. A Ilha da Juventude também foi visitada pelo presidente de Moçambique, Samora Machel,30 30 INA, França. Visita a Cuba de Samora Machel, 20 out. 1977. Noticiero 836. pelo presidente da Etiópia, Mengistu Haile Mariam,31 31 INA, França. Visita a Cuba de Mengistu Haile Mariam, 28 abr. 1978. Noticiero 863. e pelo presidente da Angola, Agostinho Neto.32 32 A visita foi registrada no episódio 18 do Jornal de Actualidades, cinejornal produzido em Luanda em 1979 e referenciado por D’Almeida ([1986], p. 17). A visita do governante etíope antecedeu, em alguns meses, a chegada de uma leva de jovens desse país africano.33 33 INA, França. Arriban a Cuba niños y jóvenes etíopes, 13 jul. 1978. Noticiero 874. Assim, acreditamos que várias dessas visitas contribuíam para selar os acordos bilaterais que integravam esse programa, antecedendo ou sucedendo a chegada de levas significativas de jovens provenientes desses países considerados “amigos” pelo governo cubano. As visitas oficiais prosseguiram pelos anos 1980: em 1982, a Ilha recebeu a visita de João Bernardo Vieira Nino, então presidente da Guiné Bissau, que percorreu uma ESBEC.34 34 INA, França. Visita de João Bernardo Vieira, de Guinea Bissau, 20 mar. 1982. Noticiero 1065. A Secundaria Basica Evangelina Cosio Cisneros, uma das escolas visitadas pelo presidente da Guiné-Bissau, aparece como uma instituição destinada a estudantes da Frente Polisario na mencionada publicação de Jorge Risquet (1987). Nesse mesmo ano, o presidente do Congo, Denis Sassou Nguesso, também visitou a Ilha da Juventude,35 35 INA, França. Visita a Cuba de Denis Sassou Nguesso, 17 jul. 1982. Noticiero 1082. assim como o líder da Frente Polisario, Mohamed Abdelaziz.36 36 INA, França. Visita a Cuba de Mohamed Abdelaziz, 7 maio 1982. Noticiero 1072. As visitas oficiais foram menos frequentes nas edições do Noticiero nos anos 1980, refletindo oscilações nas relações entre Cuba e países africanos, porém, a publicação de Jorge Risquet (1987)RISQUET, Jorge. Isla de la Juventud: diez años de internacionalismo. Havana: Política, 1987. documenta visitas que não foram noticiadas pelo cinejornal, como as de José Eduardo dos Santos (Angola), Julius Nyerere (Tanzânia), Kenneth Kuanda (Zâmbia) e Robert Mugabe (Zimbábue).

Cabe notar que a política internacionalista por meio do ensino também significou o envio de professores/as para atuar no exterior: caso do Destacamento Pedagógico Ernesto Che Guevara em Angola (1978), e do Destacamento Augusto César Sandino na Nicarágua (1980). Christine Hatzky (2015HATZKY, Christine. Cubans in Angola: South-South Cooperation and Transfer of Knowledge, 1976-1991. Madison: The University of Wisconsin Press, 2015., p. 202) explica que a ideia do Destacamento veio da experiência nacional do Destacamento Pedagógico Manuel Ascunde Domenech, composto por estudantes de Pedagogia e voltado ao ensino escolar na ilha (seguindo o modelo trabalho e estudo) a princípios dos anos 1970, que se expandiu ao exterior em finais da década. Entre 1978 e 1986, segundo a autora, cerca de 2.026 universitários/as foram a Angola, volume de ajuda internacional que superou o oferecido à Nicarágua, que entraria num segundo lugar na lista de países que mais receberam auxílio cubano (HATZKY, 2015HATZKY, Christine. Cubans in Angola: South-South Cooperation and Transfer of Knowledge, 1976-1991. Madison: The University of Wisconsin Press, 2015., p. 155). Como o governo de Fidel Castro colaborava com o movimento de soberania do Saara Ocidental, a Universidade de Havana também fez uma missão itinerante em Tinduf (Argélia): “um programa de aceleração da Universidade ‘itinerante’ de Havana (1981-1983)”37 37 Trad. livre dos autores: “un programa acelerado de la Universidad ‘ambulante’ de La Habana (1981-1983)”. (RIVEROS, 2018RIVEROS, Clara. Cuba y los becarios de la Isla de la Juventud: ¿emancipación o explotación de menores? CPLATAM - Análisis político en América Latina, Bogotá, mar. 2018. Disponível em: < http://cplatam.net/cuba-y-los-becarios-de-la-isla-de-la-juventud-emancipacion-o-explotacion-de-menores/ >. Acesso em: 20 jun. 2021.
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).

Com o fim da URSS e as inúmeras dificuldades econômicas que se abateram sobre a Ilha, os programas de ajuda internacional passaram a ter um valor ainda maior na diplomacia cubana e na concretização de acordos ou trocas que, de alguma forma, contribuíssem para atender as necessidades prementes do país. É possível dizer que passa a haver certa exportação de “recursos humanos”, como médicos/as e professores/as, para países que, em contrapartida, assinassem acordos de cooperação ou estabelecessem relações econômicas com Cuba, caso da Venezuela no começo do século XXI.

Porém, a constatação desse dado em nada procura minimizar os méritos de vários programas que alcançaram populações pobres e promoveram melhoria da qualidade de vida. Canfux Gutiérrez (2007CANFUX GUTIÉRREZ, Jaime. Cuba: la experiencia cubana de alfabetización. Ayer y hoy. Revista La Piragua. Revista Latinoamericana de educación y política, n. 25, p. 79-96, 2007., p. 84) comenta o impacto dos programas cubanos de alfabetização no exterior, particularmente o denominado Yo si puedo, empregado em países latino-americanos (Haiti, Nicarágua, Guatemala, Venezuela, Colômbia, Peru, Equador, México) e africanos (Moçambique, Etiópia, Congo, Tanzânia).

Hatzky (2015HATZKY, Christine. Cubans in Angola: South-South Cooperation and Transfer of Knowledge, 1976-1991. Madison: The University of Wisconsin Press, 2015., p. 207) afirma que a parceria cubana com o Estado angolano para formação pré-universitária e superior de estudantes continuou no séc. XXI, e não foi restrita à Ilha da Juventude, de acordo com documentos oficiais consultados pela pesquisadora. Pelas redes sociais, há registros atuais dos protestos de jovens angolanos/as em Havana, que reclamam assistência oficial para retornarem a Angola.38 38 SAMUSSUKU, Hitler. Angolanos recém-formados em Cuba clamam por ajuda aos órgãos competentes. YouTube, set. 2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v= gDLtIsJupRo>. Acesso em: 20 jun. 2021. Tal denúncia permite-nos adentrar o campo das memórias dos africanos/as em Cuba.

Memórias em conflito

Na bibliografia que traz testemunhos, registros de memórias de ex-alunos/as sobre suas experiências na Ilha da Juventude, há muitas críticas ao excesso de trabalho e à falta de liberdade, a despeito de um reconhecimento pela oportunidade de estudo que o programa proporcionou, uma vez que muitos/as estudantes não apenas concluíram seus estudos secundários como chegaram à Universidade. Os relatos em caráter de denúncia demoraram para vir a público e constituem hoje um discurso de memória que se contrapõe à história oficial cubana. Carlos Moore (1988MOORE, Carlos. Castro, the Blacks, and Africa. Los Angeles: Center of Afro-American Studies, University of California, 1988., p. 131) foi um dos autores pioneiros a explicitar os problemas e dificuldades enfrentados por estudantes africanos em Cuba. Ele abordou as tensões vividas por 19 jovens de Guiné-Conacri em Havana, nos anos 1960, marcadas pela extrema vigilância e pelo racismo, como mencionamos anteriormente.

A vida nas escolas e o retorno dos/as estudantes ao país africano de origem foram permeados de tensões. As famílias angolanas preferiram enviar muito mais meninos do que meninas, pois temiam pela vida sexual delas, resultando numa presença maior masculina (70%) do que feminina (30%). No caso de Angola, havia um contato frequente entre os dois Ministérios de Educação. No país africano, havia seleção de órfãos e pequenos veteranos de guerra das províncias (o país esteve em guerra civil entre 1975 e 1991, retomada em 1992), como forma de criar uma pequena geração de “homens novos” em seus quadros de potenciais funcionários/as. A vida escolar era conduzida com muita severidade, em especial em casos de gravidez precoce (algo comum seja sob o capitalismo, seja sob o socialismo, diga-se de passagem), com meninas pressionadas a fazerem o aborto, sob o risco de serem legadas ao ostracismo no país de origem, em caso de recusa. Elas também eram vulneráveis a agressões quando havia conflito entre escolas. Diante da rigidez, era comum haver greves e revoltas estudantis, eventos que motivavam a rara presença das autoridades do país de origem. Christine Hatzky (2015HATZKY, Christine. Cubans in Angola: South-South Cooperation and Transfer of Knowledge, 1976-1991. Madison: The University of Wisconsin Press, 2015., p. 208-212) afirma que as autoridades cubanas não estimulavam a possibilidade de o/a jovem permanecer na ilha após o término dos estudos. Para os/as estudantes, por sua vez, o sistema socioeconômico em Cuba era considerado muito rígido e sem perspectivas de render ganhos remunerados; por isso, não se sentiam seduzidos/as a se fixarem na ilha. Mesmo que preferissem ali permanecer, a opção por viver na clandestinidade era arriscada.

Clara Riveros (2018)RIVEROS, Clara. Cuba y los becarios de la Isla de la Juventud: ¿emancipación o explotación de menores? CPLATAM - Análisis político en América Latina, Bogotá, mar. 2018. Disponível em: < http://cplatam.net/cuba-y-los-becarios-de-la-isla-de-la-juventud-emancipacion-o-explotacion-de-menores/ >. Acesso em: 20 jun. 2021.
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, já mencionada, trata especificamente das experiências na Ilha da Juventude, em artigo recente. O recebimento de cartas da família sem envelope (indício do controle exercido sobre a correspondência), a escassez alimentar (ausência de carne nas refeições) e a intensa militarização são aspectos apontados nos depoimentos que expõe. Um dos depoentes conclui, sobre os 12 anos que passou na Ilha da Juventude: “Foi muito trabalho, dor, sofrimento e suor que nós - meninos saarauís - demos a Cuba. Demos muito mais do que Cuba nos deu em educação e aprendizado”.39 39 Trad. livre dos autores: “Fue mucho el trabajo, el dolor, el sufrimiento y el sudor que nosotros - los niños saharauis - le dimos a Cuba. Mucho más de lo que Cuba nos dio en educación y aprendizaje”. Depoimento de Baihi Hammada, oriundo da Frente Polisario, que chegou a Cuba em 1978. “Saarauís” era o termo de nacionalidade para identificar quem estava sob o amparo da Frente Polisario, proveniente do Saara Ocidental.

Os relatos reunidos pela autora perfazem um conjunto de memórias individuais que certamente têm relação com a identidade social que esse grupo construiu ao longo de sua permanência em Cuba, ou “reconstruiu” seletivamente depois disso (POLLAK, 1992POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos, v. 5, n. 10, p. 200-212, jul./dez. 1992.). Assim, os relatos também são documentos passíveis de problematização. De toda forma, cabe, nos limites deste trabalho, assinalarmos sua existência e apontar a necessidade de mais investigação sobre esse tema e as batalhas de memórias latentes.

No artigo de Riveros (2018)RIVEROS, Clara. Cuba y los becarios de la Isla de la Juventud: ¿emancipación o explotación de menores? CPLATAM - Análisis político en América Latina, Bogotá, mar. 2018. Disponível em: < http://cplatam.net/cuba-y-los-becarios-de-la-isla-de-la-juventud-emancipacion-o-explotacion-de-menores/ >. Acesso em: 20 jun. 2021.
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, há outro depoimento, de Sadani Moulainine, que teve toda a formação escolar na Ilha, cumprindo os níveis primário, secundário, além do “ensino médio pré-universitário” (preuniversitario) nas escolas Vietnam heroico e Vladimir Komarov. Sadani enfatiza o caráter militarizado e doutrinário dessa formação:

Em Cuba há uma parte formativa, mas também há doutrinação como em Tindouf. O ódio é um elemento de luta e tem um lugar importante na doutrinação que recebemos. Durante esses anos fomos acompanhados por um programa matinal, um programa de doutrinação política sobre os inimigos de Cuba, da Frente Polisário, em que se falava do imperialismo e de todos os inimigos e ameaças (...) Nós, meninos e meninas, estudávamos, mas também recebíamos treinamento e formação militar. Além disso, tínhamos que cumprir as jornadas de trabalho. Usávamos um uniforme para frequentar as aulas, outro para formação militar e outro para o trabalho. A partir da sexta série, éramos convocados ao trabalho no campo com o intuito de que não tivéssemos muito tempo livre para pensar ou sentir saudades das nossas famílias (...) Eram pomares de cítricos, davam-nos facões e nos designavam algumas árvores40 40 Trad. livre dos autores: “En Cuba hay una parte formativa pero también hay adoctrinamiento como en Tinduf. El odio es un elemento de lucha y tiene un lugar importante en el adoctrinamiento que recibimos. Esos años estuvimos acompañados por un matutino, un programa de adoctrinamiento político sobre los enemigos de Cuba, del Polisario, en el que se hablaba del imperialismo y de todos los enemigos y amenazas […] Los niños y las niñas estudiábamos, pero también recibíamos preparación y formación militar. Además, teníamos que cumplir con jornadas de trabajo. Utilizábamos un uniforme para asistir a las clases del colegio, otro para la formación militar y otro para realizar los trabajos. Desde el sexto grado, éramos vinculados al trabajo en el campo con la intención de que no tuviéramos mucho tiempo libre para pensar ni extrañar a nuestras familias […] Eran campos de cítricos, nos daban machetes y nos asignaban unas plantas” (supressões de trechos no original). (citado por RIVEROS, 2018RIVEROS, Clara. Cuba y los becarios de la Isla de la Juventud: ¿emancipación o explotación de menores? CPLATAM - Análisis político en América Latina, Bogotá, mar. 2018. Disponível em: < http://cplatam.net/cuba-y-los-becarios-de-la-isla-de-la-juventud-emancipacion-o-explotacion-de-menores/ >. Acesso em: 20 jun. 2021.
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).

Em seu relato, acrescenta que o trabalho era obrigatório e ocorria durante as tardes e aos sábados, a cada quinze dias, sendo os domingos reservados para a formação militar. De todo modo, Sadani fez curso superior em Pedagogía de Ciencias Naturales y Geografía na Universidade de Pinar del Río (1995-1996) e mestrado em Didáctica de la Geografía y la Psicología, na Universidade Enrique José Varona, em Havana.

Ela e outros estudantes do Saara Ocidental contam que, no período em que cursavam a faculdade, houve uma revolta de jovens saarauís contra o representante da Frente Polisario na embaixada existente em Cuba, pois os diplomas eram retidos pelas autoridades, a fim de que o estudante formado voltasse obrigatoriamente a Tinduf para prestar serviços a seu país: “Os títulos foram diretamente do ministério de Educação de Cuba para a embaixada do Frente Polisario em Havana e, dali, o delegado do Polisario os fazia chegar às autoridades do Polisario em Tinduf”41 41 Trad. livre dos autores: “Los títulos fueron directamente del ministerio de Educación de Cuba a la embajada del Frente Polisario en La Habana y, desde allí, el delegado del Polisario se los hacía llegar a las autoridades del Polisario en Tinduf”. (RIVEROS, 2018RIVEROS, Clara. Cuba y los becarios de la Isla de la Juventud: ¿emancipación o explotación de menores? CPLATAM - Análisis político en América Latina, Bogotá, mar. 2018. Disponível em: < http://cplatam.net/cuba-y-los-becarios-de-la-isla-de-la-juventud-emancipacion-o-explotacion-de-menores/ >. Acesso em: 20 jun. 2021.
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).

Outro relato, de Luis de Brito (2019BRITO, Luis de. A Frelimo, o marxismo e a construção do Estado Nacional, 1962-1983. Maputo: Instituto de Estudos Sociais e Económicos, 2019., p. 106), aponta o privilégio de estudantes do sul de Moçambique em detrimento dos/as que vinham de outras províncias:

alguns milhares de jovens estudantes, maioritariamente das províncias, foram enviados para fazer estudos secundários e técnicos em Cuba. Mas, depois de longos anos passados no exterior, eles estavam “desenraizados” e, na maioria das vezes, não tinham as relações necessárias para obter os melhores empregos, em especial em Maputo. Além disso, a lógica de centralização dominante no aparelho estatal e partidário significava que a promoção profissional e política privilegiava os funcionários dos órgãos centrais em detrimento dos quadros provinciais. Os jovens das províncias, sobretudo do centro e norte, estavam, portanto, numa posição muito menos favorável a esse respeito do que os seus colegas de Maputo, que puderam continuar a sua formação no país. Isso, sem dúvida, contribuiu para o crescimento do mal-estar, evidente em meados dos anos oitenta, sobre os privilégios dos “sulistas”, incluindo os Brancos e os Mestiços.

O autor aponta a histórica desigualdade no país africano entre o sul, onde encontra-se a capital Maputo, e o restante do país, em especial o norte. Tal narrativa descortina as relações de poder no processo de seleção de estudantes para a Ilha da Juventude, e as consequências dos/as diplomados/as para conseguirem trabalho no país de origem.

Estudantes de Moçambique protestaram na Ilha da Juventude durante o período de escassez em Cuba, no princípio dos anos 1990. A revista Tempo noticiou uma revolta na ESBEC que resultou na deportação de 126 jovens a Maputo, provenientes de províncias do sul. Segundo a reportagem, cerca de 480 estudantes causaram “uma série de distúrbios reivindicando que o governo moçambicano lhes abonasse um subsídio em dólares e lhes fornecesse roupa, para além da que é distribuída pelas autoridades cubanas” (DISTÚRBIOS, 1991DISTÚRBIOS nas escolas moçambicanas em Cuba. Tempo, n. 1056, p. 53, 6 jan. 1991., p. 53). Houve uma morte entre os estudantes (não foi explicada pela revista), e uma tímida entrevista foi concedida frente ao forte aparato de segurança que os circundava (ALBERTO, 1991ALBERTO, Domingos. Estudantes em Cuba: primeiro grupo de repatriados chega à capital moçambicana. Tempo, n. 1058, p. 53-55, 20 jan. 1991.; DISTÚRBIOS, 1991DISTÚRBIOS nas escolas moçambicanas em Cuba. Tempo, n. 1056, p. 53, 6 jan. 1991.).

Vemos, portanto, que as versões narradas a partir das experiências individuais, estudos críticos e fontes de época tensionam o discurso histórico cubano que constrói uma memória triunfalista, ao enfatizar o sucesso desse plano educacional e a dimensão (inclusive numérica) da solidariedade internacional prestada por Cuba. De todo modo, vale destacar que muitas pessoas formadas na Ilha da Juventude ocupam cargos políticos, administrativos, militares e, especialmente, empresariais nos países africanos de origem. Com certa ironia, um entrevistado por Hatzky (2015HATZKY, Christine. Cubans in Angola: South-South Cooperation and Transfer of Knowledge, 1976-1991. Madison: The University of Wisconsin Press, 2015., p. 212) refere-se às palavras atribuídas ao primeiro presidente da Costa do Marfim, Félix Houphouët-Boigny: “Se você quiser que seus filhos sejam comunistas, envie-os para serem educados no Ocidente. Mas para se tornarem capitalistas, então envie-os para serem educados em um país socialista”.42 42 Trad. livre dos autores: “If you want your children to become communists, send them to be educated in the West. But if you want them to become capitalists, then send them to be educated in a socialist country”.

Considerações finais

O caso das escolas internacionalistas da Ilha da Juventude é um objeto de estudo ainda fértil para a investigação histórica, e que nos permite examinar temas que se entrecruzam e se conectam diretamente nessa experiência, como a política educacional, a política internacionalista e a política econômica de aposta no desenvolvimento agrícola em Cuba após a revolução. Por meio das reportagens de cinejornal, mas não apenas, considerando os depoimentos individuais e os registros históricos oficiais que documentam essa experiência (como os dados relativos à quantidade de instituições de ensino e estudantes), procuramos mapear algumas questões que nos pareceram fundamentais para a compreensão das motivações e das características dessas escolas para estrangeiros. Os discursos sobre essas instituições escolares, inclusive aquele construído pela historiografia, mostram aspectos centrais da política educacional cubana, como a justificativa da importância do trabalho como um princípio formativo indispensável do “homem novo”. A mobilização da juventude cubana e não cubana nas frentes de trabalho, muito presente nas imagens e símbolos criados para exaltar o caráter promissor da Ilha da Juventude (a exemplo do próprio termo criado para a renomear) e o futuro da jovem Cuba socialista, também é marcante na documentação que encontramos. Dentre essas promessas de futuro, a proposta de transformar esse território num grande “pomar” de cítricos, um tipo de cultivo diferenciado das tradicionais plantações de cana e tabaco, e que anunciava certa diversificação agrícola, compôs um cenário otimista no qual os jovens teriam papel de protagonismo.

Vimos, também, como os programas implementados na Ilha da Juventude vieram ao encontro, principalmente nos anos 1970, das estratégias da política internacionalista cubana, que, nesse momento, voltaram-se em grande medida para o continente africano. Nesse sentido, a chegada de dezenas de milhares de estudantes estrangeiros nesse território de Cuba, um tanto apartado de sua populosa capital, se, por um lado, ilumina um conjunto de ações de solidariedade internacional que, sem dúvida, beneficiaram - e ainda beneficiam - muitos jovens em situação de vulnerabilidade,43 43 A recepção de estudantes estrangeiros/as em Cuba prossegue no século XXI, porém voltada à educação superior. Segundo dados de 2006, Cuba contava, nesse ano, com 32 mil estudantes estrangeiros/as de 122 nacionalidades, que realizam estudos de graduação e pós-graduação no país, mediante convênios (TROJAN, 2008, p. 60). por outro lado também revela alguns limites impostos a essa acolhida, bem como a lógica de aproveitamento da mão de obra estendida aos estrangeiros, em um contexto marcado pela gradativa debilitação econômica advinda da crise e da desintegração da URSS.

Assim, constatamos que o projeto das escolas internacionalistas da Ilha da Juventude guarda complexidades próprias, que ganham novos contornos quando as memórias oficial e social são confrontadas. As dinâmicas sociais e políticas dos países que participaram da experiência descortinam tensões que ampliam o escopo para além da própria Ilha e se apresentam como um terreno propício para novas leituras.

  • 1
    Referimo-nos ao doutorado de Alexsandro de Sousa e Silva, concluído em 2020, e à pesquisa de Mariana Villaça, desde 2019, junto ao projeto Recherche collective sur le Noticiero ICAIC Latinoamericano (1960-1990), coordenado por Nancy Berthier e Camila Arêas, cujas informações podem ser acessadas em RECHERCHE collective sur le Noticiero ICAIC. In: Hypotheses. Disponível em: <https://noticiero.hypotheses.org>. Acesso em: 08 dez. 2021.
  • 2
    Complexo inaugurado em 1931 para cinco mil detentos, composto por cinco edifícios circulares (cada qual com cinco andares e 93 celas), seguindo um modelo norte-americano de arquitetura panóptica. O complexo foi usado para a detenção de prisioneiros de guerra alemães e japoneses durante a II Guerra. Após a revolução de 1959, continuou sendo usado para presos políticos até 1967, quando foi desativado, e transformado, anos depois, em museu e centro de pesquisa, sendo declarado Monumento Nacional em 1978. Ver PRESIDIO Modelo (Isla de la Juventud). In: EcuRed. Disponível em: <https://www.ecured.cu/ Presidio_Modelo_(Isla_de_la_Juventud)>. Acesso em: 02 abr. 2021.
  • 3
    Essas edições do cinejornal Noticiero ICAIC Latinoamericano, que a partir de agora identificaremos abreviadamente como “Noticiero”, estão disponíveis para consulta no site do Institut National de l’Audiovisuel (INA, França), onde foram digitalizados: COLLECTION Actualités Cubaines (CAIC). In: INA Mediapro. Disponível em: <https://www.inamediapro.com/Collections/Collection-Actualites-Cubaines-ICAIC>. Acesso em: 08 dez. 2021.
  • 4
    INSTITUT NATIONAL DE L’AUDIOVISUEL (INA), França. Escenas de la Isla de la Juventud, 18 jul. 1978. Noticiero 875.
  • 5
    INA, França. El museo del Abra en la Isla de la Juventud, 22 jan. 1983. Noticiero 1109.
  • 6
    A cerimônia foi registrada no INA, França. Festival Mundial de la Juventud y los Estudiantes, 8 ago. 1978. Noticiero 878.
  • 7
    INA, França. Actividades por el XXX aniversario de la salida del Comandante Fidel Castro del Reclusorio de Isla de Pinos, 3 jun. 1985. Noticiero 1231.
  • 8
    Em 20 de novembro de 1971, Fidel Castro inaugura a primeira Escuela Básica Secundaria en el Campo em Piñar del Río, seguida por outras em Havana, Matanzas e na então Isla de Pinos. INA, França, 30 set. 1971. Noticiero 529.
  • 9
    A exemplo do “Campamento Juvenil Andres Voisin” registrado no INA, França. Vida diaria en los institutos tecnológicos, 17 abr. 1967. Noticiero 356.
  • 10
    INA, França. Escuela de arte en el campo, 12 maio 1969. Noticiero 452; Alumnas de La Habana trabajan en agricultura, 6 mar. 1967. Noticiero 350; Alumnos participan en las labores agrícolas, 15 maio 1967. Noticiero 360; Jóvenes en la Escuela al Campo, 19 fev. 1969. Noticiero 441; INA, França. Reportaje sobre Isla de Pinos, 12 abr. 1969. Noticiero 448.
  • 11
    INA, França. Estudiantes se trasladan hacia Isla de Pinos, 4 maio 1972. Noticiero 555.
  • 12
    INA, França. Buque Isla de la Juventud, 12 set. 1974. Noticiero 674.
  • 13
    INA, França. Cosecha de cítricos en la Isla de la Juventud, 25 dez. 1982. Noticiero 1105.
  • 14
    INA, França. Reportaje sobre Isla de Pinos, 12 abr. 1969. Noticiero 448.
  • 15
    Em 1985, uma entrevista com uma artista local atesta a existência de 10 fábricas de cerâmica na Ilha. Essa presença impulsiona a realização anual da Feria Nacional de la Ceramica. INA. França. La Isla de la Juventud y su historia, 26 jan. 1985. Noticiero 1213.
  • 16
    Trad. livre dos autores: “En los últimos tres meses se alfabetizó el 70 por ciento de los analfabetos del país”.
  • 17
    Esse texto, intitulado “El socialismo y el hombre nuevo”, foi publicado em 1965 pelo semanário uruguaio Marcha e foi escrito por Che Guevara como uma carta endereçada a Carlos Quijano, diretor desse jornal.
  • 18
    Trad. livre dos autores: “Hacemos todo lo posible por darle al trabajo esta nueva categoría de deber social y unirlo al desarrollo de la técnica, por un lado, lo que dará condiciones para una mayor libertad, y al trabajo voluntario por otro, basados en la apreciación marxista de que el hombre realmente alcanza su plena condición humana cuando produce sin la compulsión de la necesidad física de venderse como mercancía. Claro que todavía hay aspectos coactivos en el trabajo, aun cuando sea voluntario; el hombre no ha transformado toda la coerción que lo rodea en reflejo condicionado de naturaleza social y todavía produce, en muchos casos, bajo la presión del medio (compulsión moral, la llama Fidel). Todavía le falta el lograr la completa recreación espiritual ante su propia obra, sin la presión directa del medio social, pero ligado a él por los nuevos hábitos. Esto será el comunismo”.
  • 19
    Trad. livre dos autores: “El 29 de agosto de 1960 tuvo lugar el acto de graduación del Primer Contingente de Maestros Voluntarios. Mil cuatrocientos jóvenes recibieron sus diplomas y ratificaron, ante el Comandante en Jefe Fidel Castro, su compromiso de marchar a los lugares de más difícil acceso para llevar la educación a los campesinos”.
  • 20
    Segundo dados de 2009, existem 9022 escolas, sendo 6688 rurais. Cf. GONZÁLEZ; REYES VELÁZQUEZ, 2009GONZÁLEZ, José Pedro G.; REYES VELÁZQUEZ, Raúl. Desarrollo de la educación en Cuba después del año 1959. Actualidades Investigativas en Educación, v. 9, n. 2, p. 1-28, mayo/ago. 2009., p. 20.
  • 21
    Segundo a história da Ilha da Juventude, relatada pelo cinejornal, sua população sempre foi baixa, sendo de cerca de seiscentas pessoas durante o período colonial. Há a notícia da instalação de uma colônia norte-americana com cerca de 1500 pessoas nos anos 1920. Ver: INA, França. Última norteamericana en la Isla de la Juventud, 12 mar. 1982. Noticiero 1064.
  • 22
    INA, França. Quemando tradiciones, 26 fev. 1971. Noticiero 519; Conjunto Folklorico Nacional, visita de Kenneth Kuanda [Zambia], Primer Festival Internacional de Aficionados, I Laboratorio Internacional del Folklore (Folk Cuba’85), 14 out. 1985. Noticiero 1251.
  • 23
    Ambos eventos organizados pelo governo cubano, sob um forte discurso anti-imperialista e anticolonialista, reuniram dezenas de representantes de organizações políticas de inúmeros países, com a finalidade de estimular a luta armada nos países do Terceiro Mundo (caso da Tricontinental) ou, mais especificamente, na América Latina (objetivo da OLAS). Um panorama desses encontros e seu impacto no Cone Sul pode ser encontrado em Marchesi (2019)MARCHESI, Aldo. Hacer la revolución. Guerrillas latinoamericanas, de los años sesenta a la caída del Muro. Buenos Aires: Siglo XXI, 2019., enquanto uma análise das ideias que os fundamentaram, veiculadas pela revista Tricontinetal (fundada em 1966), pode ser vista em Generoso (2020)GENEROSO, Lídia. A revista Tricontinental e a construção do Terceiro Mundo: conceito, itinerâncias e sensibilidades. Esboços, v. 27, n. 46, p. 452-471, set./dez. 2020..
  • 24
    O livro em questão, uma edição comemorativa do Partido Comunista, tem 27 páginas e é constituído majoritariamente por fotografias, acompanhadas de breves legendas.
  • 25
    Esse número incluía 6 escolas pré-universitárias, 5 politécnicos (escolas técnicas), 23 escolas primárias, 1 escola de Bellas Artes e 1 de Ensino Especial. Nessa reportagem, que celebra o desenvolvimento alcançado pela ilha, também se menciona a existência de 2 grandes hospitais, dentre os quais o Hospital General Heroes del Baire, 2 clínicas estomatológicas, 3 policlínicos, além de cerca de 50 médicos residentes na Ilha. INA, França. La isla de la Juventud y su historia, 26 jan. 1985. Noticiero 1213.
  • 26
    Frente Polisario é o nome do movimento que reclama a soberania do território do Saara Ocidental desde a retirada da presença espanhola em 1975. A ex-colônia é disputada com o Marrocos.
  • 27
    Trad. livre dos autores: “Para el curso 1987-1988, se reportaron 13.520 estudiantes de 22 países africanos en los cursos de primaria, media y politécnica. De Asia, fue Yemen el país que más alumnos envió. Corea del Norte reportó la menor cantidad (350) de ese continente y en ese periodo. En términos globales, para el mismo periodo, América Latina envió la menor cantidad de estudiantes (1.510). De estos, la mayoría eran nicaragüenses. ‘El año 1982 fue el período con más estudiantes extranjeros al computar 22.197, de los cuales 12.430 eran varones y 9.767 hembras (…) En total ascendían a 15.370, aunque en 1988 se produjo un nuevo incremento a 18.600, procedentes de 37 nacionalidades’, según las cifras oficiales”.
  • 28
    Relações econômicas essas pouco estudadas e que possivelmente envolviam trocas comerciais. O polêmico episódio conhecido como “Caso Ochoa”, que foi o julgamento público e o fuzilamento, em 1989, do general Arnaldo Ochoa e condenação de outros militares cubanos que atuaram na África (Etiópia e Angola), resultou da acusação de que eles atuavam em redes internacionais de narcotráfico, comércio de marfim e diamantes. O documentário 8A - Ochoa trata do tema, especulando sobre o conhecimento dessas operações pelo governo cubano, e as razões políticas que motivaram essa execução. 8A - OCHOA. Direção de Orlando Jiménez-Leal, 1993. 1 vídeo (84 min). Publicado pelo canal midiaamais. Disponível em: <https://vimeo.com/13948546>. Acesso em: 25 jun. 2021.
  • 29
    INA, França. Visita del Primer Ministro de Trinidad y Tobago, 26 jun. 1975. Noticiero 715.
  • 30
    INA, França. Visita a Cuba de Samora Machel, 20 out. 1977. Noticiero 836.
  • 31
    INA, França. Visita a Cuba de Mengistu Haile Mariam, 28 abr. 1978. Noticiero 863.
  • 32
    A visita foi registrada no episódio 18 do Jornal de Actualidades, cinejornal produzido em Luanda em 1979 e referenciado por D’Almeida ([1986D’ALMEIDA, Luísa (Coord). Cinema Angolano: 10 anos. Luanda: Cinemateca Nacional, [1986].], p. 17).
  • 33
    INA, França. Arriban a Cuba niños y jóvenes etíopes, 13 jul. 1978. Noticiero 874.
  • 34
    INA, França. Visita de João Bernardo Vieira, de Guinea Bissau, 20 mar. 1982. Noticiero 1065. A Secundaria Basica Evangelina Cosio Cisneros, uma das escolas visitadas pelo presidente da Guiné-Bissau, aparece como uma instituição destinada a estudantes da Frente Polisario na mencionada publicação de Jorge Risquet (1987)RISQUET, Jorge. Isla de la Juventud: diez años de internacionalismo. Havana: Política, 1987..
  • 35
    INA, França. Visita a Cuba de Denis Sassou Nguesso, 17 jul. 1982. Noticiero 1082.
  • 36
    INA, França. Visita a Cuba de Mohamed Abdelaziz, 7 maio 1982. Noticiero 1072.
  • 37
    Trad. livre dos autores: “un programa acelerado de la Universidad ‘ambulante’ de La Habana (1981-1983)”.
  • 38
    SAMUSSUKU, Hitler. Angolanos recém-formados em Cuba clamam por ajuda aos órgãos competentes. YouTube, set. 2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v= gDLtIsJupRo>. Acesso em: 20 jun. 2021.
  • 39
    Trad. livre dos autores: “Fue mucho el trabajo, el dolor, el sufrimiento y el sudor que nosotros - los niños saharauis - le dimos a Cuba. Mucho más de lo que Cuba nos dio en educación y aprendizaje”. Depoimento de Baihi Hammada, oriundo da Frente Polisario, que chegou a Cuba em 1978. “Saarauís” era o termo de nacionalidade para identificar quem estava sob o amparo da Frente Polisario, proveniente do Saara Ocidental.
  • 40
    Trad. livre dos autores: “En Cuba hay una parte formativa pero también hay adoctrinamiento como en Tinduf. El odio es un elemento de lucha y tiene un lugar importante en el adoctrinamiento que recibimos. Esos años estuvimos acompañados por un matutino, un programa de adoctrinamiento político sobre los enemigos de Cuba, del Polisario, en el que se hablaba del imperialismo y de todos los enemigos y amenazas […] Los niños y las niñas estudiábamos, pero también recibíamos preparación y formación militar. Además, teníamos que cumplir con jornadas de trabajo. Utilizábamos un uniforme para asistir a las clases del colegio, otro para la formación militar y otro para realizar los trabajos. Desde el sexto grado, éramos vinculados al trabajo en el campo con la intención de que no tuviéramos mucho tiempo libre para pensar ni extrañar a nuestras familias […] Eran campos de cítricos, nos daban machetes y nos asignaban unas plantas” (supressões de trechos no original).
  • 41
    Trad. livre dos autores: “Los títulos fueron directamente del ministerio de Educación de Cuba a la embajada del Frente Polisario en La Habana y, desde allí, el delegado del Polisario se los hacía llegar a las autoridades del Polisario en Tinduf”.
  • 42
    Trad. livre dos autores: “If you want your children to become communists, send them to be educated in the West. But if you want them to become capitalists, then send them to be educated in a socialist country”.
  • 43
    A recepção de estudantes estrangeiros/as em Cuba prossegue no século XXI, porém voltada à educação superior. Segundo dados de 2006, Cuba contava, nesse ano, com 32 mil estudantes estrangeiros/as de 122 nacionalidades, que realizam estudos de graduação e pós-graduação no país, mediante convênios (TROJAN, 2008TROJAN, Rose Meri. Educação Básica e formação docente em Cuba: prós e contras. Jornal de Políticas Educacionais, v. 2, n. 3, p. 53-64, jan./jun. 2008., p. 60).

Agradecimentos

Este artigo é um desdobramento da pesquisa que conta com apoio da Fapesp (Processo 2020/151866) e se intitula “O Noticiero ICAIC Latinoamericano: educação e ‘formação revolucionária’ em Cuba (1960-1990)”.

Referências bibliográficas

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    07 Jul 2021
  • Revisado
    13 Set 2021
  • Aceito
    21 Set 2021
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