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Ciência aberta e universidade pública

Open Science and Public University

Entre os dias 24 e 28 de setembro de 2018, realizou-se em São Paulo a Conferência Scielo 20 anos. Ela serviu não apenas como um evento comemorativo das duas décadas de existência da Scientific Electronic Library Online, mas foi, antes de tudo, um espaço de discussão dos problemas prementes para todos aqueles que se interessam e trabalham com a questão da editoração de revistas científicas. Reunindo pessoas de diversos países, a tônica do evento foi a ideia de ciência aberta, termo que, de acordo com os seus idealizadores, aponta para uma mudança não apenas em práticas pontuais, mas em toda a cultura científica, pressupondo também a rapidez na publicação dos resultados das investigações, o compartilhamento e a divulgação dos dados das pesquisas e a inserção dos periódicos em um fluxo global de informação (Parker et al., 2018PACKER, Abel, et al. Aos 20 Anos, a Rede SciELO atualiza prioridades e avança para a ciência aberta [online]. SciELO em Perspectiva, 2018. Disponível em: https://blog.scielo.org/blog/2018/09/17/aos-20-anos-a-rede-scielo-atualiza-prioridades-e-avanca-para-a-ciencia-aberta/. Acessado: 18 nov. 2018.
https://blog.scielo.org/blog/2018/09/17/...
).

Para os periódicos científicos, a ideia de ciência aberta significa também repensar alguns elementos práticos e cotidianos, como a forma dominante por meio da qual as revistas acadêmicas são organizadas (em números e dossiês, por exemplo) e o papel que a figura do editor passará a ter em seu gerenciamento. Exige, ainda, um posicionamento diante de questões como a aceitação de preprints e as propostas de mudanças em torno das formas de avaliação por pares. Esses são alguns dos desafios que deverão ser enfrentados pelo nosso Conselho Editorial ao longo do ano de 2019. Teremos a oportunidade de tratar desses temas em futuros editoriais, ou ainda em outros meios utilizados pela revista para se comunicar com seu público leitor.

Neste editorial, entretanto, gostaríamos de ressaltar uma das apresentações que tivemos a oportunidade de assistir na Conferência Scielo, proferida pelo nosso colega, e também editor, Marcus Cueto, que apresentou uma reflexão muito pertinente sobre a história do conhecimento científico como bem público global1 1 Marcus Cueto é editor da revista História, Ciências, Saúde-Manguinhos. A apresentação que proferiu na Conferência Scielo 20 anos pode ser acessada no seguinte endereço: https://youtu.be/YgMbelza2dw. Acesso em 18 de novembro de 2018. . Referimos a essa apresentação, pois ela insere a questão do acesso aberto e da ciência aberta em um plano mais largo, na medida em que confere a ele “um marco histórico”, ao mesmo tempo em que ressalta as peculiaridades do caso brasileiro nesse movimento mundial preocupado com a visibilidade da ciência e a disseminação da informação. De acordo com Cueto, o Brasil é um caso um tanto paradoxal dentro da América Latina, na medida em que não viveu o neoliberalismo da mesma forma que países como o Chile ou o Peru, sobretudo no que diz respeito à gestão e organização das universidades públicas. Nesse sentido, o argumento trazido por Marcus Cueto aponta para duas reflexões fundamentais: 1) a de que o acesso aberto pode ser entendido como um movimento na contramão do contexto neoliberal; 2) a de que falar em acesso aberto, em especial no caso brasileiro, é falar também das universidades públicas, espaços que abrigam as principais revistas de acesso aberto.

A fala de Cueto, ao lembrar aos participantes da Conferência Scielo 20 anos de que é impossível dissociar o debate em torno da ciência (e da divulgação da produção científica) da discussão sobre políticas nacionais, ganha ainda mais importância ao ser ouvida agora, com o início de um novo ano e de um novo governo. Ganha tons mais intensos diante dos ataques que vem sofrendo a universidade pública, constantemente desqualificada de diversas formas: quanto à seriedade e competência de sua comunidade de alunos, técnicos e professores; quanto ao conhecimento que produz; quanto à gestão de seus recursos e quanto à sua importância e impacto social.

Falar de acesso aberto e de ciência aberta é, sem dúvida, falar de periódicos. Mas, é preciso lembrar que grande parte de nossos periódicos científicos estão vinculados às universidades públicas e são financiados por agências públicas de fomento, estaduais e federais. Portanto, a reflexão sobre ciência aberta (que traz em seu bojo o desejo de um conhecimento cujos resultados impactem positivamente e da forma mais rápida possível na vida das pessoas) é também uma reflexão política e que deve se estabelecer sobre dois pilares. O primeiro deles é o da valorização e do reconhecimento da universidade pública como espaço em que se produz um conhecimento científico, legítimo e socialmente relevante em todas as suas áreas. O segundo, indissociável do anterior, perpassa o entendimento de que as atividades de ensino e de pesquisa só ocorrem se acompanhadas da garantia de autonomia e de livre pensamento para a comunidade científica. Ao longo dos mais de 30 anos de sua existência, a revista Varia Historia acompanhou mudanças profundas na política do país, se constituindo como veículo de publicação e de divulgação de artigos que analisavam com consistência, ética e profundidade diversas questões fundamentais para a compreensão das sociedades humanas em diferentes tempos. Pesquisas que fizeram e fazem aquilo que talvez seja uma das principais contribuições do conhecimento histórico, que é questionar as certezas estabelecidas e a ideia de uma verdade única, ressaltando, portanto, a complexidade da experiência humana. Continuaremos alinhados com uma ciência democrática e com o valor da liberdade para ensinar e pesquisar. São nessas ideias que, a nosso juízo, deve se assentar todo o debate sobre a ciência aberta.

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    Marcus Cueto é editor da revista História, Ciências, Saúde-Manguinhos. A apresentação que proferiu na Conferência Scielo 20 anos pode ser acessada no seguinte endereço: https://youtu.be/YgMbelza2dw. Acesso em 18 de novembro de 2018.

Agradecimentos

O dossiê que publicamos neste primeiro número de 2019 é motivo de orgulho e pretendemos que seja indicativo da vitalidade e do alargamento da revista Varia Historia. Ele reúne pesquisadores atuantes em universidades de sete diferentes países, com estudos que realizam um rico debate em torno do fenômeno do monarquismo popular. Somos gratos a Hendrik Kraay, nosso editor associado, pelo empenho na organização do dossiê, e a Marcela Echeverri por ter aceitado o convite para escrever a apresentação. Varia Historia agradece também aos autores cujos artigos compõem este número e a todos os pareceristas que contribuíram com suas leituras e comentários para o aprimoramento dos manuscritos e a qualidade dos textos publicados na revista.

Referências bibliográficas

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2019
Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos, 6627 , Pampulha, Cidade Universitária, Caixa Postal 253 - CEP 31270-901, Tel./Fax: (55 31) 3409-5045, Belo Horizonte - MG, Brasil - Belo Horizonte - MG - Brazil
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