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O sistema endocrinológico vitamina D

The vitamin D endocrine system

Resumos

O sistema endocrinológico vitamina D é constituído por um grupo de moléculas secosteroides derivadas do 7-deidrocolesterol, incluindo a forma ativa 1,25-diidroxi-vitamina D (1,25(OH)2D), seus precursores e metabólitos, sua proteína transportadora (DBP), seu receptor nuclear (VDR) e as enzimas do complexo do citocromo P450 envolvidas nos processos de ativação e inativação dessas moléculas. Os efeitos biológicos da 1,25(OH)2D são mediados pelo VDR, um fator de transcrição ativado por ligante, presente em quase todas as células humanas, e que pertence à família de receptores nucleares. Além dos clássicos papéis de reguladora do metabolismo do cálcio e da saúde óssea, as evidências sugerem que a 1,25(OH)2D module direta ou indiretamente cerca de 3% do genoma humano, participando do controle de funções essenciais à manutenção da homeostase sistêmica, tais como crescimento, diferenciação e apoptose celular, regulação dos sistemas imunológico, cardiovascular e musculoesquelético, e no metabolismo da insulina. Pela influência crítica que esse sistema exerce em vários processos do equilíbrio metabólico sistêmico, é importante que os ensaios laboratoriais utilizados para sua avaliação apresentem alta acurácia e reprodutibilidade, permitindo que sejam estabelecidos pontos de corte que, além de serem consensualmente aceitos, expressem adequadamente o grau de reserva de vitamina D do organismo e reflitam os respectivos impactos clínico-metabólicos na saúde global do indivíduo.

Vitamina D; 25-hidroxivitamina D; 1,25-diidroxi-vitamina D; receptor da vitamina D; metabolismo osteomineral; homeostase sistêmica; ensaios laboratoriais


The vitamin D endocrine system comprises a group of 7-dehydrocholesterol-derived secosteroid molecules, including its active metabolite 1,25-dihydroxy-vitamin D (1,25(OH)2D), its precursors and other metabolites, its binding protein (DBP) and nuclear receptor (VDR), as well as cytochrome P450 complex enzymes participating in activation and inactivation pathways of those molecules. The biologic effects of 1,25(OH)2D are mediated by VDR, a ligand-activated transcription factor which is a member of the nuclear receptors family, spread in almost all human cells. In addition to its classic role in the regulation of calcium metabolism and bone health, evidence suggests that 1,25(OH)2D directly or indirectly modulates about 3% of the human genome, participating in the regulation of chief functions of systemic homeostasis, such as cell growth, differentiation and apoptosis, regulation of immune, cardiovascular and musculoskeletal systems, and insulin metabolism. Given the critical influence of the vitamin D endocrine system in many processes of systemic metabolic equilibrium, the laboratory assays available for the evaluation of this system have to present high accuracy and reproducibility, enabling the establishment of cutoff points that, beyond being consensually accepted, reliably express the vitamin D status of the organism, and the respective clinical-metabolic impacts on the global health of the individual.

Vitamin D; 25-hidroxivitamina D; 1,25-dihydroxy-vitamin D; bone and mineral metabolism; systemic homeostasis; laboratory assays


REVISÃO

O sistema endocrinológico vitamina D

The vitamin D endocrine system

Luiz Claudio Gonçalves de Castro

Laboratório de Pesquisas em Pediatria, Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF, Brasil

Correspondência Correspondência para: Luiz Claudio Gonçalves de Castro SHIS QI 11, bloco S, sala 106, Lago Sul 71625-205 - Brasília, DF, Brasil lcgcastro@unb.br

SUMÁRIO

O sistema endocrinológico vitamina D é constituído por um grupo de moléculas secosteroides derivadas do 7-deidrocolesterol, incluindo a forma ativa 1,25-diidroxi-vitamina D (1,25(OH)2D), seus precursores e metabólitos, sua proteína transportadora (DBP), seu receptor nuclear (VDR) e as enzimas do complexo do citocromo P450 envolvidas nos processos de ativação e inativação dessas moléculas. Os efeitos biológicos da 1,25(OH)2D são mediados pelo VDR, um fator de transcrição ativado por ligante, presente em quase todas as células humanas, e que pertence à família de receptores nucleares. Além dos clássicos papéis de reguladora do metabolismo do cálcio e da saúde óssea, as evidências sugerem que a 1,25(OH)2D module direta ou indiretamente cerca de 3% do genoma humano, participando do controle de funções essenciais à manutenção da homeostase sistêmica, tais como crescimento, diferenciação e apoptose celular, regulação dos sistemas imunológico, cardiovascular e musculoesquelético, e no metabolismo da insulina. Pela influência crítica que esse sistema exerce em vários processos do equilíbrio metabólico sistêmico, é importante que os ensaios laboratoriais utilizados para sua avaliação apresentem alta acurácia e reprodutibilidade, permitindo que sejam estabelecidos pontos de corte que, além de serem consensualmente aceitos, expressem adequadamente o grau de reserva de vitamina D do organismo e reflitam os respectivos impactos clínico-metabólicos na saúde global do indivíduo.

Descritores: Vitamina D; 25-hidroxivitamina D; 1,25-diidroxi-vitamina D; receptor da vitamina D; metabolismo osteomineral; homeostase sistêmica; ensaios laboratoriais

SUMMARY

The vitamin D endocrine system comprises a group of 7-dehydrocholesterol-derived secosteroid molecules, including its active metabolite 1,25-dihydroxy-vitamin D (1,25(OH)2D), its precursors and other metabolites, its binding protein (DBP) and nuclear receptor (VDR), as well as cytochrome P450 complex enzymes participating in activation and inactivation pathways of those molecules. The biologic effects of 1,25(OH)2D are mediated by VDR, a ligand-activated transcription factor which is a member of the nuclear receptors family, spread in almost all human cells. In addition to its classic role in the regulation of calcium metabolism and bone health, evidence suggests that 1,25(OH)2D directly or indirectly modulates about 3% of the human genome, participating in the regulation of chief functions of systemic homeostasis, such as cell growth, differentiation and apoptosis, regulation of immune, cardiovascular and musculoskeletal systems, and insulin metabolism. Given the critical influence of the vitamin D endocrine system in many processes of systemic metabolic equilibrium, the laboratory assays available for the evaluation of this system have to present high accuracy and reproducibility, enabling the establishment of cutoff points that, beyond being consensually accepted, reliably express the vitamin D status of the organism, and the respective clinical-metabolic impacts on the global health of the individual.

Keywords: Vitamin D; 25-hidroxivitamina D; 1,25-dihydroxy-vitamin D; bone and mineral metabolism; systemic homeostasis; laboratory assays

INTRODUÇÃO

O termo vitamina D engloba um grupo de moléculas secosteroides derivadas do 7-deidrocolesterol (7-DHC) interligadas através de uma cascata de reações fotolíticas e enzimáticas que acontecem em células de diferentes tecidos. Sob essa denominação ampla abrangem-se tanto o metabólito ativo (1α,25-diidroxi-vitamina D ou calcitriol) como seus precursores (entre eles a vitamina D3 ou colecalciferol, vitamina D2 ou ergosterol e a 25-hidroxivitamina D ou calcidiol) e os produtos de degradação, os quais ainda podem manter alguma atividade metabólica. Com o entendimento de vários aspectos da fisiologia da vitamina D a partir de estudos bioquímicos e moleculares, sua forma ativa, a 1α,25-diidroxi-vitamina D (1,25(OH)2D), foi reconhecida como um hormônio esteroide integrante de um fascinante eixo metabólico: o sistema endocrinológico vitamina D (1,2). Esse sistema é formado pelas várias moléculas que compõem o grupo vitamina D, sua proteína carreadora (DBP, vitamin D binding protein), seu receptor (VDR, vitamin D receptor) e pelas diversas enzimas que participam da cascata de reações de ativação e inativação.

À vitamina D é primariamente atribuído o papel de importante regulador da fisiologia osteomineral, em especial do metabolismo do cálcio. Entretanto, a 1,25(OH)2D está envolvida na homeostase de vários outros processos celulares, entre eles a síntese de antibióticos naturais pelas células de defesa dos mamíferos (3); modulação da autoimunidade e síntese de interleucinas inflamatórias (4); no controle da pressão arterial (5); e, como participa da regulação dos processos de multiplicação e diferenciação celular, é atribuído também a ela papel antioncogênico (6). A dimensão do espectro de ações da vitamina D na fisiologia sistêmica pode ser percebida a partir de estudos moleculares de microarranjos (microarrays) e análise in silico, os quais mostram que a 1,25(OH)2D tem mais de 900 genes-alvos potenciais, correspondendo a cerca de 3% do genoma humano (7).

O reconhecimento da importância da vitamina D na homeostase sistêmica despertou um grande interesse na comunidade científica, evidenciado pelo expressivo número de estudos nessas últimas décadas sobre aspectos moleculares da fisiologia da vitamina D e o impacto dos distúrbios do sistema hormonal vitamina D na saúde global dos indivíduos. Nesse âmbito, uma série de avaliações epidemiológicas mostra que uma significativa parcela da população mundial, independente da idade, etnia e da localização geográfica, apresenta baixos níveis de vitamina D (8,9). Em território brasileiro, os estudos mostram prevalência de baixos níveis de 25(OH)D em cerca de 60% dos adolescentes (10); de 40% e 58% entre adultos jovens (11,12), e entre entre 42% e 83% em idosos, com taxas mais altas entre indivíduos com idades mais avançadas (12-14).

Apesar desse panorama epidemiológico, algumas questões ainda são controversas, como as razões para uma parcela tão extensa da população mundial apresentar baixos níveis de vitamina D, qual seria o melhor ensaio laboratorial para a dosagem da vitamina D e quais parâmetros devem ser utilizados para definir adequadamente os pontos de corte para expressar suficiência, insuficiência ou deficiência de vitamina D. Esses aspectos são importantes para uma caracterização criteriosa dessa situação epidemiológica e são ferramentas importantes na orientação, caso seja preciso, de quando e como intervir.

METABOLISMO DA VITAMINA D

Nos seres humanos, apenas 10% a 20% da vitamina D necessária à adequada função do organismo provém da dieta. As principais fontes dietéticas são a vitamina D3 (colecalciferol, de origem animal, presente nos peixes gordurosos de água fria e profunda, como atum e salmão) e a vitamina D2 (ergosterol, de origem vegetal, presente nos fungos comestíveis). Os restantes 80% a 90% são sintetizados endogenamente (15).

Para facilitar o entendimento das características bioquímicas da vitamina D e as mudanças químico-estruturais pelas quais as moléculas desse grupo passam nas várias etapas de ativação, as estruturas esteroquímicas dos principais metabólitos estão representadas na figura 1.


A etapa inicial no processo de síntese endógena das moléculas do grupo vitamina D se inicia nas camadas profundas da epiderme (estratos espinhoso e basal), onde está armazenada a substância precursora, o 7-deidrocolesterol (7-DHC), localizado na camada bilipídica das membranas celulares. Para que haja adequadas concentrações do 7-DHC, é preciso que a 7-deidrocolesterol-redutase (DHCR7), enzima que converte o 7-DHC em colesterol, apresente atividade adequada. O aumento da sua atividade espolia o 7-DHC e não permite que haja quantidades suficientes para iniciar o processo de ativação da vitamina D, tornando-a um nutriente de fonte externa obrigatória, como acontece com alguns felinos (17). Sua baixa atividade ou ausência causa deficiência de colesterol e a síndrome de Smith-Lemli-Opitz (18).

Para que esse processo de ativação da vitamina D se inicie, é preciso que o indivíduo receba a luz solar direta, especificamente a radiação ultravioleta B (UVB) nos comprimentos de onda entre 290 e 315 nanômetros. Em decorrência da posição do eixo em que a Terra translaciona em torno do sol, quanto mais uma localidade se afasta da Linha do Equador maior é a espessura da camada atmosférica que a luz solar deve atravessar, o que provoca atenuação em vários comprimentos de onda, entre eles a radiação UVB. Esse ângulo de incidência da luz solar sobre a Terra (zênite solar) também se modifica ao longo das estações do ano, sendo maior nos meses de inverno quando a quantidade de raios UVB que atinge a superfície terrestre é menor. Dessa forma, a quantidade de raios UVB que atinge a pele dos indivíduos é uma função inversa da latitude e é menor nos meses de inverno (19).

Uma outra variável que está envolvida nessa etapa inicial de ativação da vitamina D é a quantidade de melanina na pele do indivíduo. Esse pigmento também compete pelo fóton da radiação UVB nos comprimentos de onda entre 290 e 315 nm, diminuindo a disponibilidade de fótons para a fotólise do 7-DHC. Os estudos mostram menores reservas da 25(IH)D em indivíduos negros quando comparados aos caucasianos (20), mas que as duas etnias têm a mesma capacidade de síntese de 25(OH)D (21), só que indivíduos com pele mais escura precisam de mais tempo de exposição ao sol para sintetizarem a vitamina D3.

Um grupo etário que merece atenção especial nessa fase inicial de ativação da vitamina D na epiderme é o de idosos, pois, pelo processo de envelhecimento, apresentam afinamento da epiderme e derme, com consequente diminuição da reserva de 7DHC (22).

A absorção do fóton UVB pelo 7-DHC promove a quebra fotolítica da ligação entre os carbonos 9 e 10 do anel B do ciclo pentanoperidrofenantreno, formando uma molécula secosteroide, que é caracterizada por apresentar um dos anéis rompidos. Essa nova substância, a pré-vitamina D3, é termoinstável e sofre uma reação de isomerização induzida pelo calor, assumindo uma configuração espacial mais estável, a vitamina D3 (ou colecalciferol). A energia estérica dessa nova conformação tridimensional da molécula a faz ser secretada para o espaço extracelular e ganhar a circulação sanguínea.

A molécula da vitamina D2 difere da D3 não só pela origem, mas por apresentar um carbono a mais (são 28 carbonos na sua estrutura), um grupo metil extra e uma dupla ligação entre os carbonos 22 e 23 (Figura 1). Apesar de haver certa controvérsia na literatura, os dados mais consistentes mostram que a vitamina D2 apresenta apenas de um terço a metade da potência biológica da vitamina D3 para ser convertida em 25(OH)D (23).

Nessa etapa, um aspecto fisiológico importante é o mecanismo endógeno de proteção contra uma síntese excessiva de colecalciferol e consequente intoxicação. Em situações de exposição solar prolongada, a pré-vitamina D3, que também é capaz de absorver fótons UVB, é izomerizada a dois produtos fotolíticos inertes: o lumisterol e o taquisterol (24).

O colecalciferol também pode ser obtido pela dieta, provindo de alimentos de origem animal, principalmente peixes gordurosos de água fria e profunda, como o salmão e o atum. Uma outra fonte dietética de vitamina D é o ergosterol (vitamina D2), proveniente de alimentos vegetais, em especial fungos. O colecalciferol e o ergosterol são transportados no sangue por uma glicoproteína, a proteína ligadora da vitamina D (DBP, vitamin D binding protein).

Ao alcançarem o fígado, as vitaminas D2 e D3 sofrem hidroxilação no carbono 25, mediada por uma enzima microssomal da superfamília do citocromo P450 (CYP450) denominada CYP2R1, dando origem a 25-hidroxivitamina D ou calcidiol (25(OH)D3 e 25(OH)D2). A CYP2R1 é uma enzima microssomal expressa preferencialmente no fígado, mas também presente nas células testiculares (25).

A 25(OH)D, acoplada à DBP, é transportada a vários tecidos cujas células contêm a enzima 1-α-hidroxilase (CYP27B1), uma proteína mitocondrial da família do CYP450 que promove hidroxilação no carbono 1 da 25(OH)D, formando a 1-α,25-diidroxi-vitamina D [1,25(OH)2D ou calcitriol], que é a molécula metabolicamente ativa. A CYP27B1 é expressa nas células dos túbulos renais proximais, onde a grande parte do calcitriol necessário ao metabolismo sistêmico é sintetizado (2). A DBP, junto com seus ligantes, apresenta uma alta taxa de recaptação pelas células dos túbulos proximais, o que evita perda urinária dos metabólitos do grupo da vitamina D e concentra a 25(OH)D nos túbulos renais, onde será necessário para a conversão em 1,25(OH)2D.

A CYP27B1 também está presente em outros tecidos, entre eles as células da próstata, da mama, do cólon e células do sistema imune, células betapancreáticas, paratireoides, placenta, cérebro, células endoteliais e queratinócitos. Nos rins, a expressão do gene CYP27B1 é regulada principalmente pelos níveis séricos do paratormônio (PTH), fósforo, fator de crescimento do fibroblasto 23 (FGF-23) e pela proteína Klotho, sendo estimulada pelo primeiro e suprimida pelos demais (26). Nos outros tecidos, a 1,25(OH)2D exerce funções autócrinas e parácrinas, e a regulação da CYP21B é PTH-independente, sendo regulada principalmente por citocinas e fatores locais específicos de cada célula, como interferon gama e interleucina 1 (3).

Os efeitos biológicos da 1,25(OH)2D são mediados pelo seu receptor (VDR, vitamin D receptor), um fator de transcrição que pertence à família de receptores hormonais nucleares 1. O VDR é expresso em quase todas as células humanas e parece participar, de maneira direta ou indireta, de regulação de cerca de 3% do genoma humano (27). Entre as poucas células que não apresentam receptores para vitamina D, estão as hemáceas, células musculares estriadas maduras e algumas células altamente diferenciadas do sistema nervoso central, como as células de Purkinje e os neurônios do setor CH4 do prosencéfalo basal (28).

Como vários outros membros dessa família, o VDR age por meio da heterodimerização com uma das três isoformas do receptor do retinoide X (RXR) (27). Assim, em sua estrutura, ele apresenta domínios específicos para o acoplamento da 1,25(OH)2D, heterodimerização com o RXR, ligação ao DNA e ativação da transcrição.

A 1,25(OH)2D liga-se à porção hidrofóbica do VDR induzindo uma mudança conformacional e formação do complexo transcricional hormônio-receptor (29). Esse complexo hormônio-receptor é heterodimerizado com o RXR e esse heterodímero 1,25(OH)2D-VDR-RXR acopla-se a uma sequência específica do DNA nos seus genes-alvos, denominada VDRE (vitamin D response element). Entretanto, para promover a ativação ou a repressão gênica, o heterodímero recruta complexos de proteínas corregulatórias (30). Essas moléculas coativadoras (como alguns membros da família SRC - steroid receptor coativator - e o NCoA-62) e correpressores (como o NcoR - nuclear receptor correpressor e SMRT - silent mediator for retinoid and thyroid hormone receptors) do VDR é que permitem a ligação entre o receptor e a maquinaria de transcrição, desencadeando a resposta biológica.

O VDR, como outros membros da família de receptores nucleares, também apresenta respostas rápidas não genômicas, pela ligação da 1,25(OH)2D com o VDR localizado em invaginações da membrana celular ricas em esfingolipídeos e colesterol (31). A sinalização intracelular para esse tipo de resposta biológica acontece por meio da indução de canais voltagem-dependente de transporte de íons transmembrana (Ca+2, Cl-), do controle do influxo e da quantidade de Ca+2 no citossol e da ativação de segundos mensageiros, como o AMP cíclico, proteína quinase A e fosfolipase C, respostas essas que acontecem entre alguns segundos a 60 minutos (32). Alguns exemplos dessas ações rápidas não genômicas do VDR são descritas nos processos de migração das células musculares lisas do endotélio, na rápida absorção de cálcio pelo epitélio duodenal e na exocitose de insulina pelas células betapancreáticas.

Uma característica do VDR é o fato de ele poder ser ativado por outras substâncias. Como a 1,25(OH)2D ocupa apenas 56% do domínio de ligação, outras moléculas relacionadas à vitamina D podem ativá-lo, como o ácido litocólico, ácido aracdônico e gorduras poli-insaturadas, apesar de serem necessárias concentrações três vezes maiores que aquela de calcitriol (33).

O processo de inativação da 25(OH)D e da 1,25(OH)2D é catalisado pela 24-hidroxilase (CYP24A1), uma enzima mitocondrial, também integrante do complexo do citocromo P450, que age pela hidroxilação dos carbonos 23 ou 24. Essa enzima está presente em maiores quantidades nos rins e no intestino, e em menor quantidade em outras células como fibroblastos, linfócitos, queratinócitos e macrófagos, e sua expressão é regulada pela 1,25(OH)2D e pelo PTH, os quais podem agir sinergicamente (34). Os metabólitos intermediários mais abundantes são a 24,25(OH)2D, 1,24,25(OH)3D, tendo como produtos finais o ácido calcitroico (após 24-hidroxilação) e a 1,25(OH)2D-lactona (após 23-hidroxilação), que são os principais metabólitos eliminados pela bile. Algumas moléculas intermediárias desse processo de inativação da 1,25(OH)2D pela CYP24A1 mantêm atividade metabólica, atuando na expressão do próprio gene CYP24A1 e na inibição da proliferação celular (35). Entre os produtos da CYP24A1, a 24,25(OH)2D merece atenção, uma vez que é uma molécula que mantém atividade metabólica e é essencial à integridade da estrutura óssea e ao processo de reparo de fraturas (36).

A dimensão e a complexidade desse sistema endocrinológico podem ser enfatizadas pelo expressivo número de metabólitos da vitamina D já descritos, cerca de 40 (27).

AÇÕES DA 1,25(OH)2D

A ação clássica da 1,25(OH)2D é a regulação do metabolismo do cálcio e fósforo por meio do controle dos processos de absorção intestinal e reabsorção renal desses íons, mantendo-os em concentrações plasmáticas suficientes para assegurar a adequada mineralização e o crescimento ósseo em crianças e adolescentes e a saúde óssea global em todas as etapas da vida. Entretanto, a quase universal distribuição do VDR nas células do organismo humano e a presença da CYP27B1 em vários tipos celulares mostram que a 1,25(OH)2D está envolvida em uma ampla gama de funções envolvendo a homeostase sistêmica.

Ações no metabolismo osteomineral

Entre os principais órgãos-alvo da 1,25(OH)2D estão o intestino e os rins, integrantes do sistema de controle do metabolismo osteomineral, sobretudo do cálcio e fósforo.

Nas células endoteliais do intestino, a 1,25(OH)2D estimula a absorção ativa de cálcio no duodeno e absorção passiva no jejuno. A absorção ativa é regulada pelo estímulo à expressão de proteínas responsáveis pela captação do cálcio pelos enterócitos (TRPV5 e TRPV6), de proteínas envolvidas no transporte intracelular do cálcio (calbindina) e dos canais de membrana ATP-dependentes para extrusão do cálcio para o fluido extracelular. No jejuno, esse hormônio estimula a expressão de paracelinas, proteínas intercelulares que formam canais por onde o cálcio é transferido passivamente por gradiente de concentração (37).

O mecanismo de ação da 1,25(OH)2D no controle da absorção intestinal de fosfato envolve uma complexa corregulação da expressão do FGF-23 e da proteína cotransportadora de sódio e fosfato tipo 2b (NaPi2b) presente na membrana apical dos enterócitos do duodeno e jejuno. A NaPi2b promove a absorção intestinal de fosfato e sua expressão pode ser estimulada pela 1,25(OH)2D ou inibida pelo FGF-23 (38). Ao mesmo tempo, a expressão do FGF-23 pode ser regulada por vias de sinalização dependentes ou independentes da ativação do VDR.

Nos rins, a 1,25(OH)2D atua nos túbulos distais promovendo a reabsorção do cálcio filtrado através da regulação da expressão de proteínas transportadoras de cálcio, TRPV5 e CaBP-9k. Ela regula ainda a expressão e síntese de FGF-23 nos osteoblastos e osteócitos, o qual inibe a atividade da proteína cotransportadora de sódio e fosfato tipo 2a (NaPi2a) nos túbulos proximais, regulando a fosfatemia e a fosfatúria de modo a promover níveis de cálcio e fósforo adequados para a mineralização óssea (27).

A 1,25(OH)2D também atua diretamente nos condrócitos da placa de crescimento, os quais expressam a CYP21B. A 1,25(OH)2D neles sintetizada apresenta ações autócrinas via VDR, regulando a diferenciação dessas células, a angiogênese e a osteoclastogênese, essa última pela indução da expressão do ligante do ativador do receptor NF-kappa B (RANKL ─ receptor activator of NF-kappaB ligand) durante o desenvolvimento endocondral (39).

Ações não calcêmicas

Apesar de a presença da CYP27B1 em vários tipos de células, de a distribuição ubíqua do VDR e de estudos bioquímico-moleculares mostrarem modificação nos processos celulares de acordo com a concentração da 1,25(OH)2D, alguns mecanismos de ação envolvendo tais atividades não calcêmicas não são completamente compreendidos. As ações não clássicas da 1,25(OH)2D mais estudadas são discutidas a seguir.

Sistema imunológico: a 1,25(OH)2D apresenta importante papel imunorregulatório autócrino em várias células do sistema imunológico: CD4+, CD8+, linfócitos T e células apresentadoras de antígenos. Ela participa da regulação da diferenciação das células precursoras em células mais especializadas do sistema monocítico-macrofágico e no estímulo à expressão dos genes que codificam a catelicidina e a α e β-defensinas, antimicrobianos sintetizados pelas células do sistema imune de mamíferos (3). Atua também na modulação da autoimunidade, mantendo equilíbrio entre as respostas Th1 (celular) e Th2 (humoral). Em situações de baixas concentrações de 25(OH)D, o sistema imunológico favorece o desenvolvimento de células T autorreativas direcionadas contra tecidos do próprio organismo e a síntese de interleucinas pró-inflamatórias (IL-12, interferon gama), predispondo-o a um risco aumentado de desenvolver doenças autoimunes, como o diabetes melito tipo 1, artrite reumatoide, esclerose múltipla, doenças inflamatórias intestinais (40).

Ciclo celular e neoplasias: o complexo 1,25(OH)2D-VDR participa do controle de várias etapas do ciclo celular por meio da modulação da ativação ou repressão de genes envolvidos na sinalização dos processos de parada do ciclo em G0/G1, diferenciação, multiplicação e apoptose celular. Níveis baixos da 1,25(OH)2D levariam à desregulação desses processos, promovendo proliferação celular e inibindo a apoptose (41). Estudos epidemiológicos mostram associação entre baixos níveis de 25(OH)D e risco aumentado para o desenvolvimento de alguns tipos de cânceres, sendo os mais estudados nesse contexto os de mama, colorretal e próstata (41), cujas células expressam a CYP27B1. Como a 1,25(OH)2D também tem ação inibitória na angiogênese (provavelmente pela inibição do fator de crescimento endotelial vascular - VEGF), que é um processo fundamental para o crescimento de tumores sólidos, acredita-se que essa atividade antiangiogênica seja um dos mecanismos responsáveis por sua capacidade tumoral-supressiva (41).

Gônadas: os ovários e os testículos expressam a 1,25(OH)2D e o VDR e esse complexo ligante-receptor participa da regulação da esteroidogênese local. Os dados dos estudos moleculares sugerem que ele também participe do controle da foliculogênese, da espermatogênese e, consequentemente, dos processos relacionados à fertilidade do indivíduo (42).

Sistema cardiovascular: várias células que compõem o sistema cardiovascular expressam a CYP27B1 e/ou o VDR, como as células musculares lisas e endoteliais dos vasos sanguíneos, miócitos, e as células justaglomerulares do néfron (produtoras de renina). A 1,25(OH)2D participa do controle da função cardíaca e da pressão arterial por meio da regulação da crescimento das células musculares lisas, do grau de contratilidade miocárdica e da inibição da renina, interferindo na dinâmica do sistema renina-angiotensina-aldosterona (5,43).

Sistema musculoesquelético: estudos laboratoriais mostram que a 1,25(OH)2D participa da regulação do crescimento dos miócitos e do volume da massa muscular, do tônus e da força muscular (44), a partir de ações genômicas e não genômicas, estas últimas por meio do controle do influxo de Ca2+ e mudanças na voltagem das membranas das fibras musculares.

Controle do metabolismo glicídico: as evidências atuais sugerem que a influência da 1,25(OH)2D na homeostase glicídica seja mediada por ações diretas nas células betapancreáticas, as quais expressam CYP27B1 e VDR. Os prováveis mecanismos envolvidos no controle da síntese e secreção da insulina envolveriam a modulação do influxo e da reserva de Ca2+ no citossol, por mecanismos rápidos não genômicos do VDR na membrana das células betapancreáticas, facilitando a clivagem da proinsulina em insulina pelas endopeptidases cálcio-dependentes e estimulando a exocitose dos grânulos de insulina (34,45).

Cérebro: em animais de laboratório demonstrou-se que o VDR apresenta ações estimulatórias do fator de crescimento neural e moduladoras do desenvolvimento cerebral (46). Como várias células do cérebro humano expressam a CYP27B1 e o VDR (47), infere-se, a partir de estudos moleculares, que a 1,25(OH)2D exerça ações autócrinas e parácrinas na regulação do desenvolvimento e nas funções cerebrais, mas as evidências atuais ainda não são suficientes para confirmar e explicar essas ações no cérebro humano.

Células de vários outros tecidos também expressam a CYP27B1 e/ou o VDR, como queratinócitos, folículo piloso, adipócitos, placenta, pulmões, próstata, retina, entre outros, o que reforça a amplitude de ações da 1,25(OH)2D na regulação da homeostase sistêmica.

AVALIAÇÃO DA RESERVA DE VITAMINA D

Apesar de a 1,25(OH)2D ser o metabólito ativo, a avaliação da reserva de vitamina D de um indivíduo é realizada pela dosagem sérica da 25(OH)D (9). As principais razões para o não uso do calcitriol nessa avaliação são sua meia-vida curta (4 a 6 horas, enquanto a 25(OH)D tem meia-vida de 2 a 3 semanas) e pelo fato de, em situações de deficiência de vitamina D, esse metabólito poder estar em níveis normais, uma vez que a hipocalcemia decorrente da hipovitaminose D estimula a síntese de paratormônio (PTH), o qual estimula a expressão da 1-α-hidroxilase, consumindo e convertendo a 25(OH)D em 1,25(OH)2D. Reserva-se a dosagem da 1,25(OH)2D à investigação de situações em que se suspeita de resistência à vitamina D, como no raquitismo dependente e no resistente à vitamina D. Os valores de 25(OH)D podem ser expressos em nmol/L ou ng/mL (1 ng/mL corresponde a 2,496 nmol/L).

A faixa de normalidade da 25(OH)D ainda é motivo de conflito na literatura médica. Considera-se que o nível esperado de 25(OH)D seria aquele necessário para manter o PTH em níveis adequados (pelo PTH ser estimulado pela hipocalcemia causada pelos baixos níveis de calcitriol) e não permitir o aparecimento de distúrbios clínicos e metabólicos relacionados à hipovitaminose D. Alguns estudos sugerem que o platô dos níveis de PTH e de absorção de cálcio são atingidos com valores de 25(OH)D próximos a 20 ng/mL (48), de forma que, segundo essa interpretação, os pontos de corte que melhor definem o estado de suficiência em 25(OH)D são: suficiência: > 20 ng/mL; insuficiência: 12 - 20 ng/mL; deficiência: 5 - 12 ng/mL; deficiência grave: < 5 ng/mL.

Entretanto, outros autores registram que o ponto de ruptura do equilíbrio do platô do PTH e de absorção de cálcio aconteceria com valores da 25(OH)D próximos a 30 ng/mL e este seria o valor mínimo desejado para se observar os benefícios da vitamina D nos diferentes sistemas, como na saúde óssea, prevenção contra cânceres, manutenção de adequada pressão arterial e menor risco de quedas (49). A recente diretriz da Endocrine Society (Sociedade de Endocrinologia dos Estados Unidos) orienta a utilizar os seguintes critérios para interpretação do grau de suficiência em 25(OH)D (50): deficiência: < 20 ng/mL; insuficiência: 21 - 29 ng/mL; suficiência: 30 - 100 ng/mL.

O limite superior da normalidade também é questão não definida. Relatos isolados na literatura mostram que intoxicação por vitamina D, baseada em hipercalciúria, estão relacionados a níveis séricos de 25(OH)D superiores a 140 ng/mL (51). Entretanto, como o primeiro sinal de toxicidade pela vitamina D não é hipercalcemia, mas a hipercalciúria, este seria um parâmetro mais adequado para se avaliar o limite superior de segurança, mas não há dados consistentes relativos a essa avaliação.

ENSAIOS LABORATORIAIS

A dosagem da 25(OH)D representa um desafio técnico decorrente de particularidades da molécula, como sua natureza hidrofóbica; o fato de a 25(OH)D estar avidamente ligada à sua proteína transportadora (DBP); e a presença de duas formas de origens diferentes, a 25(OH)D2 e a 25(OH)D3, que apresentam reatividades diferentes nos ensaios competitivos (52). Existe ainda uma importante variabilidade interensaios na dosagem da 25(OH)D. Os estudos de comparação entre os diferentes ensaios mostram que a maior acurácia é observada na cromatografia líquida associada à espectrofotometria de massa (LC-MS/MS, liquid chromatography-tandem mass spectophotometry), a qual permite mensurar separadamente a 25(OH)D2 e a 25(OH)D3 (53). Como a LC-MS/MS é um método de alto custo e demorado, e não acessível a todos os laboratórios, os estudos de calibração mostram que a cromatografia líquida de alta pressão (HPLC, high-pressure liquid chromatography) pode ser um teste substituto. Menos dispendioso é o ensaio de quimioluminescência coespecífico para 25(OH)D2 e 25(OH)D3, fornecendo como resultado a 25(OH)D total (54). Entretanto, estudos de comparação mostram que ensaios competitivos manuais (radioimunoensaio, ELISA) e automatizados (quimioluminescência) apresentam menores confiabilidade e acurácia e maior variabilidade (55).

ASPECTOS CONTROVERSOS DO METABOLISMO DA VITAMINA D

Determinação do tempo de exposição ao sol: O tempo de exposição e a proporção do corpo exposto necessários para uma adequada síntese de vitamina D3 na pele são questões difíceis de serem definidas e não podem ser tituladas como uma simples regra geral, uma vez que o nível de vitamina D3 sintetizado pelo indivíduo depende da latitude em que mora, estação do ano, cor da pele, hábitos alimentares e de vestimenta e da determinação genética. Holick, em 2001, observou que a exposição de 25% do corpo por um quarto do tempo necessário para se produzir uma lesão eritematosa mínima permite que a pele sintetize o equivalente a 1.000 unidades de colecalciferol (56). A dose eritematosa mínima é a quantidade de energia necessária para produzir o primeiro eritema com bordas nítidas na pele e depende do seu grau de pigmentação. Entretanto, a extrapolação universal dessa orientação é uma situação delicada, uma vez que a localização geográfica tem influência na quantidade de radiação UVB que atinge a superfície terrestre, os habitantes de cada região e, consequentemente, na intensidade da reação fotolítica sobre o 7-deidrocolesterol, que é a etapa inicial do processo de ativação da vitamina D.

Radiação UVB, vitamina D e câncer de pele: um dos pontos mais discutidos no estudo do metabolismo da vitamina D é o fato de o espectro da radiação UVB requerido para iniciar seu processo de ativação na epiderme ser um reconhecido fator carcinogênico aos queratinócitos. Por esse aspecto, não é incomum observar-se orientações rigorosas à população no sentido de os indivíduos evitarem o sol e usarem sempre protetores solares com bloqueadores UVB e reaplicações ao longo do dia. Além da reconhecida importância de adequados níveis de vitamina D para a homeostase do organismo, há estudos que mostram que baixos níveis de 25(OH)D estão associados até mesmo a um risco aumentado de desenvolver o câncer basocelular (57). De um outro lado, há estudos que mostram que, à medida que os níveis de 25(OH)D aumentam, maior é o risco de desenvolver câncer de pele do tipo não melanoma (58). Nesse momento, em que os dados ainda são conflitantes, deve-se evitar orientações radicais, como evitar o sol em qualquer horário e usar continuamente protetores solares durante o dia em todas as faixas etárias. As recomendações devem ser no sentido de ter uma exposição solar suficiente para promover uma adequada síntese cutânea de vitamina D3, sem colocar o indivíduo em risco para o desenvolvimento de câncer de pele induzido pela radiação UVB.

NOVAS PERSPECTIVAS

Os diferentes fenótipos que os indivíduos podem apresentar em relação à homeostase da vitamina D podem resultar também de particularidades genéticas, como polimorfismos nos genes que regulam a expressão dos vários componentes do eixo hormonal da vitamina D (VDR, DBP, enzimas do complexo do citocromo P450). Estudos de associação genômica ampla (GWAS - genomic wide association study) encontraram associação significativa na análise genômica entre níveis de insuficiência de 25(OH)D e variantes genéticas em locci próximos aos genes envolvidos na síntese do colesterol (DHCR7, que codifica a 7-DHC redutase) e na hidroxilação da vitamina D (CYP2R1 e CYP24A1) e em regiões do gene que codifica a DBP (GC) (59). Outras abordagens de estudos de análise gênica sugerem que os níveis de 25(OH)D possam estar também relacionados à ancestralidade, com níveis mais baixos em indivíduos com maior grau de ancestralidade africana (60).

CONCLUSÕES

Os estudos bioquímico-moleculares sobre o metabolismo dos compontentes do sistema endocrinológico vitamina D têm provido elegantemente fortes evidências da magnitude e da ampla abrangência desse sistema na modulação de processos celulares essenciais à homeostase sistêmica. Os aspectos ainda não compreendidos e alguns controversos sobre a sinalização do complexo 1,25(OH)2D-VDR nos vários tecidos decorrem, em parte, da diversidade de variáveis com influência na sua fisiologia, não apenas as ambientais (como localização geográfica, hábitos de exposição ao sol e dieta) e o grau de pigmentação da pele, mas também de sua contínua interação com outros eixos metabólicos e da determinação genética, a qual condiciona a expressão e a integração dos vários componentes desse sistema. Por ser um sistema complexo e que direta ou indiretamente parece interferir na regulação de cerca de 3% do genoma humano, é possível até mesmo que o requerimento das concentrações de 1,25(OH)2D seja diferente nos vários tecidos.

Analisando-se em conjunto os estudos sobre a fisiologia do complexo 1,25(OH)2D-VDR, os que investigam os efeitos das alterações dos componentes desse sistema sobre funções celulares em diferentes tecidos e os importantes estudos epidemiológicos que correlacionam níveis séricos de 25(OH)D com a prevalência de distúrbios em vários outros sistemas, observa-se que há uma nítida associação entre o equilíbrio desse sistema endocrinológico com o grau de predisposição a determinadas doenças. Por outro lado, há aspectos importantes dessa correlação que ainda não estão definidos, como a falta de consenso na literatura médica sobre os pontos de corte que caracterizam suficiência, insuficiência ou deficiência de vitamina D no organismo. Serão necessários mais estudos prospectivos que demonstrem os efeitos clínicos e metabólicos das variações na concentração da 25(OH)D na evolução clínica. Vários estudos in vitro sugerem, mas não confirmam, o efeito das concentrações baixas de 25(OH)D ou da 1,25(OH)2D na fisiopatologia de alguns distúrbios metabólicos.Estudos de análise genômica poderão fornecer dados sobre a influência da determinação genética nos componentes desse complexo sistema endocrinológico. Enquanto se aguarda um melhor entendimento desses aspectos, recomendam-se uma análise criteriosa e adequada diferenciação entre estudos epidemiológicos que demonstrem associação com aqueles que confirmam causalidade entre os níveis de 25(OH)D do organismo e o desenvolvimento de doenças. Da mesma forma, no atual contexto do conhecimento, apesar de sua reconhecida importância, os dados de estudos laboratoriais e epidemiológicos não justificam uma triagem populacional universal para avaliação dos níveis de 25(OH)D, sendo essa indicada aos grupos que apresentem fatores de risco para deficiência e nem intervenção terapêutica de suplementação generalizada com o objetivo de prevenir o aparecimento de determinadas doenças.

Declaração: o autor declara não haver conflitos de interesse científico neste estudo.

Recebido em 18/Set/2011

Aceito em 21/Out/2011

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  • Correspondência para:
    Luiz Claudio Gonçalves de Castro
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Nov 2011

    Histórico

    • Recebido
      18 Set 2011
    • Aceito
      21 Out 2011
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